Depois do sucesso inicial do ajuste fiscal, anuncia-se para amanhã a publicação da MP que cria a URV. A expectativa é que as dúvidas possam ser adequadamente respondidas. As conversões serão pelas médias ou pelos picos? É evidente que a consistência aritmética exige conversão de preços pelas médias. Mas o que garante que a média dos últimos quatro meses compatibilizará os apetites dos agentes econômicos? Por mais de dez anos a redistribuição de renda causada pelo descontrole inflacionário produziu uma babel de preços relativos. Com a perspectiva de estabilidade, todos buscarão abocanhar a maior parcela possível da renda. Isto faz prever inflação residual em URV. E boa dose de recessão para evitá-la. Os conflitos serão brutais. A compulsoriedade nos critérios de conversão será capaz de evitá-los? É evidente que não. Mesmo que a conversão seja seguida de congelamento, as experiências passadas mostraram que os efeitos estabilizadores serão passageiros.
Mas por que tornar obrigatória a conversão dos salários? Parece-nos que a verdadeira razão é conter o poder de negociação dos sindicatos, que com certeza conseguiriam, livremente, conversões mais favoráveis. Mas isto realimentaria a espiral inflacionária. Só que desta vez, em URV.
Contudo, a principal questão vem sendo esquecida. Como será fixada a URV? Acompanhará a previsão inflacionária para o dia seguinte? Mas como se calcula esta previsão? Ou ela acompanhará a cotação do dólar? Se positivo, cabe perguntar que critérios o governo utilizará para a política cambial. Mercado livre? Mas a cotação do dólar poderá descolar da inflação interna. A não ser que os movimentos de capital sejam fortemente controlados. Ou a URV refletirá exclusivamente a inflação interna? Neste caso, a paridade entre dólar e URV não poderá ser fixa.
A principal dúvida, ou temor, é a da manipulação da URV. Com a montanha de dólares no BC, a tentação será enorme. Atrelar a URV a uma paridade fixa com o dólar e queimar reservas, se necessário. O dividendo político eleitoral pode ser irresistível.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 48, doutor em Economia pela Universidade de Harvard (EUA), é vereador da cidade de São Paulo pelo PL e professor titular da Fundação Getúlio Vargas (SP). Foi secretário do Planejamento e de Privatização e Parceria do Município de São Paulo na administração Paulo Maluf.