O ISS em São Paulo gera prejuízos para muitas atividades, como a de representação comercial.
As exigências da prefeitura paulistana, através da Lei 14042/05, que regulamentou a cobrança do ISS em São Paulo, vêm gerando prejuízos para muitas atividades, como a de representação comercial. A mais grave distorção é certamente o fato de que essa atividade sofre uma tributação pelo ISS pela alíquota máxima, enquanto importantes cidades circunvizinhas aplicam o piso da alíquota nominal, de 2%. Além disso, igualmente criticável é a ilegalidade da cobrança de ISS a alíquotas abaixo de 2%, como aplicada por alguns municípios que praticam guerra fiscal contra São Paulo. Veremos neste artigo que, no meio desse tiroteio, quem mais sofre com as incertezas jurídicas e com a complexidade do sistema são os prestadores de serviços, principalmente os discriminados e injustiçados representantes comerciais, cuja situação não pode mais perdurar.
Os representantes comerciais enquadrados como pessoa jurídica em São Paulo estão submetidos a uma alíquota de 5% sobre suas comissões, enquanto que em cidades como Santo André, São Bernardo e Guarulhos a alíquota é de 2%. Em alguns municípios, a alíquota efetiva não chega a 1%, abaixo do que determina a lei, por causa de reduções na base de cálculo. Reduzir o ISS para níveis próximos aos praticados por outras cidades da região metropolitana é de vital importância para a principal economia do país, e a prefeitura, juntamente com a Câmara dos Vereadores, deveria aliviar o pesado ônus imposto a ela. É preciso reduzir esse imposto para níveis próximos aos praticados por outras cidades da região metropolitana. Quando ocupei o cargo de secretário de Finanças de São Bernardo do Campo, empreendi ações para redução do ISS para várias categorias, e uma delas foi a dos representantes comerciais. O objetivo foi facilitar a permanência deles na cidade, desonerando esses profissionais. A mudança na alíquota equiparou-a aos demais municípios da Grande São Paulo.
A redução do ISS para os representantes comerciais de São Paulo para 2% vai trazer o domicílio de muitos profissionais de volta para a cidade. A prefeitura não perderia receita, pois teria um maior contingente de contribuintes. Além disso, seria uma medida benéfica para a atividade, uma vez que deixaria de ocorrer a bitributação, e a redução do principal tributo sobre suas comissões faria a carga tributária sobre seus ganhos cair em mais de 21%.
Cumpre lembrar que a situação fica ainda mais crítica quando se nota a ilegalidade da cobrança do ISS em alguns municípios paulistas, fazendo o contribuinte viver em grande incerteza quanto à legalidade da cobrança de seus tributos. A Lei Complementar n° 116/03 atualizou e regulamentou o ISS, ampliando a lista de serviços para 193 itens e adicionando 20 novas atividades que passaram a ser tributadas no local da prestação dos serviços em vez do local do estabelecimento do prestador.
Com a nova lei do ISS, surgiram duas situações relacionadas. A primeira, ilegal, refere-se ao caso dos municípios que, mesmo após a promulgação da Emenda Constitucional n° 37/02, que estabeleceu piso de 2% na alíquota do ISS, continuaram a oferecer alíquotas inferiores àquele patamar. A alíquota inferior a 2% é verificada em termos efetivos, uma vez que municípios aplicam a taxa nominal sobre uma base de cálculo com reduções. Essa situação fere a Constituição, que proíbe em seu artigo 88 das disposições transitórias a "concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais, que resulte, direta ou indiretamente, na redução da alíquota mínima estabelecida...". Mesmo que o "estabelecimento prestador" esteja efetivamente localizado no município, o mesmo não pode praticar renúncia fiscal, tributando-o a menor do que 2%, seja em termos de sua alíquota nominal, seja em termos de redução de sua base de cálculo, definido como o preço cheio dos serviços prestados.
A segunda situação decorre de uma interpretação equivocada da lei. A consideração de que o "estabelecimento prestador" dos serviços significa sede, matriz ou escritório central das empresas dá margem para que municípios ofereçam alíquotas reduzidas ou redução de base de cálculo do ISS para que elas se "instalem" em seus respectivos territórios e assim recolham o ISS mesmo que o "estabelecimento prestador" esteja em outros municípios onde os serviços são efetivamente disponibilizados. Na Grande São Paulo, empresas passaram a instalar-se apenas "no papel" em municípios que cobram alíquotas reduzidas, nominal ou efetiva, mantendo apenas uma sede de fachada, uma caixa postal ou um endereço legal e formal, mas não possuindo no local qualquer "estabelecimento prestador" de serviços. Para combater esse artifício, o município de São Paulo passou a exigir, através da lei 14042/05, que prestadores de serviços que emitam notas fiscais autorizadas por outros municípios se cadastrem e comprovem que seu "estabelecimento prestador" situa-se efetivamente em outra cidade. Caso a comprovação não seja satisfatória (exige-se documentação, provas de gastos em telefonia e energia, contratação de mão-de-obra e fotos que demonstrem que a empresa funciona efetivamente no local), o tomador de serviços torna-se responsável pela retenção na fonte do ISS e por seu recolhimento aos cofres paulistanos.
A situação criada pela lei 14042/05 faz com que todos percam. As empresas, não obtendo cadastramento em São Paulo, sofrem retenção do ISS na fonte, no município de domicílio do tomador dos serviços. Mas podem ser cobradas novamente pelo município onde supostamente estejam formalmente instaladas. Os municípios sofrem de grande insegurança quanto ao recolhimento do ISS, pois o método de aferição do local do estabelecimento é arbitrário, e pode ser usado de tal forma a captar o máximo possível de ISS para o município que faz a exigência de cadastramento. Inevitavelmente, haverá retaliação de outros municípios, que passarão a fazer as mesmas exigências.
Enfim, para os representantes comerciais, a situação tributária na capital paulista torna-se cada dia mais insustentável. A tributação é alta, a incerteza jurídica campeia solta e a guerra fiscal faz com que, em muitos casos, o recolhimento de tributos como o ISS torne-se flagrantemente ilegal, havendo visível bitributação.
"Marcos Cintra é doutor em Economia pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas."