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  • Marcos Cintra

Reforma tributária e os projetos alternativos

Jamais acreditei que uma reforma tributária efetiva pudesse ser feita por este governo. Nos últimos oito anos, as ações na área dos impostos concentraram-se na implementação de medidas pontuais com o objetivo de extrair mais impostos de atividades como os prestadores de serviços. Quanto aos projetos apresentados pelo governo, eles mantiveram a tônica das discussões iniciadas em meados dos anos 90, ou seja, unificar tributos sobre o valor agregado. O fato é que essas propostas foram marcadas por suas limitações técnicas e pelo engessamento ideológico de seus articuladores, transformando-se em barreiras intransponíveis para a aprovação de uma proposta que atendesse às reais necessidades do país.


É difícil identificar pontos positivos nas propostas que o governo apresentou. No geral, o que é tecnicamente justificável (pouca coisa) é politicamente inviável, e vice-versa. A única certeza é que se for implementada alguma das propostas apresentadas nos últimos anos, como a PEC 233/08, que cria um imposto sobre valor agregado com alíquota superior a 30%, o país estará em maus lençóis.


O país precisa de um sistema tributário objetivo, simples e transparente, com menores custos burocráticos e administrativos para o contribuinte e para o governo, com menos corrupção e que torne a sonegação uma perigosa inutilidade. Isso não seria conseguido com projetos como os apresentados pelo governo central.


Em 2011, o tema reforma tributária vai voltar, qualquer que seja o presidente, e há no Congresso duas alternativas que poderiam atender às necessidades do país. Ambas reduziriam a carga individual de impostos dos atuais contribuintes e os custos administrativos empresariais, combateriam a sonegação e simplificariam a estrutura burocrática dos impostos. Ambas fariam com que os que pagam impostos em excesso, como as empresas formais e os assalariados, pagassem menos, obrigando os delinquentes, os ilegais e informais a arcarem com a diferença. Esta é a noção de equidade tributária que o país deseja. Os projetos em questão são:


- PEC 474/01 (Imposto Único Federal): cria uma contribuição sobre a movimentação financeira para substituir onze tributos arrecadatórios no âmbito federal; já na pauta da Câmara dos Deputados, e com tramitação legislativa completada, poderia ser votada imediatamente.

- PEC 242/08 (Imposto Mínimo): cria uma contribuição sobre a movimentação financeira para substituir o INSS recolhido pelas empresas sobre a folha de pagamentos e também o Imposto de Renda da pessoa física até um limite de R$ 30 mil mensais.


As PECs 474/01 e 242/08 são propostas inovadoras e serviriam como embriões para a implantação de um Imposto Único amplo, que abrangeria todos os tributos arrecadatórios nos três níveis de governo. Reafirmo minha crença inabalável no bom senso que um dia irá prevalecer na questão tributária brasileira, resultando na aprovação do Imposto Único sobre Transações Financeiras. Lancei essa proposta há vinte anos, e ela representou um marco no debate sobre reforma tributária. Causou uma ruptura no pensamento tributário nacional e o surgimento de uma corrente de adeptos de um sistema baseado na unificação e radical simplificação de tributos. Seus defensores tiveram que superar inúmeras críticas provenientes dos guardiões da ortodoxia. A experiência da CPMF deitou por terra acusações como a de que o tributo provocaria inflação e desintermediação bancária. Pelo contrário, ela se revelou eficiente, barata e um poderoso mecanismo de combate à sonegação. Ela contrariou padrões conceituais de livros-textos, que possuem valor heurístico no mundo ideal da vida acadêmica, mas pouca validade no mundo selvagem da realidade.


Aproveito para lembrar que lancei no ano passado, nos Estados Unidos, o livro "Bank transactions: pathway to the single tax ideal", no qual procuro mostrar que a cumulatividade não é o vilão a ser combatido no sistema tributário nacional. Na obra, há simulações sobre o impacto de diferentes modelos tributários na economia nacional, mostrando que o mito da cumulatividade e de seus malefícios precisa ser repensado com maturidade e espírito crítico. E que urge exorcizar o preconceito contra a tributação sobre movimentação financeira, que Vito Tanzi, um dos maiores tributaristas do mundo, considerou como uma das duas grandes inovações tecnológicas tributárias ocorridas no século passado.


 

Marcos Cintra é doutor em Economia pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e Vice-presidente da Fundação Getulio Vargas. Internet: www.marcoscintra.org

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