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Marcos Cintra

Sem medo da CPMF


MARCOS CINTRA - Professor e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas.

Foi deputado federal (1999 - 2003) e secretário da Receita Federal (2019).


A prorrogação da desoneração parcial da folha até 2023 é medida que precisa ser analisada cuidadosamente, antes de ser aplaudida. A tributação sobre o trabalho assalariado é excessiva e profundamente concentradora de renda. Como diz o ministro Paulo Guedes, trata-se de uma máquina de destruição em massa de empregos. Onera o empregado e seu empregador em cerca de 44%, sendo dois terços para custear a seguridade social. Há hoje mais de 50 milhões de pessoas desempregadas, informais e desalentadas. E, enquanto isso, a cunha tributária e trabalhista faz com que um posto de trabalho custe ao empregador o dobro do que o funcionário percebe diretamente. Nada mais absurdo.


Nesse sentido, a desoneração restrita a apenas 17 setores carece de justificativa se o que se deseja é uma política econômica estimuladora do emprego. Não basta prorrogar benefícios apenas aos setores politicamente mais bem organizados. Mas o desafio vai muito além da questão do emprego, da concentração de renda e da falta de isonomia na política tributária para o setor produtivo.


Há outras razões para justificar a imediata extinção dessa perversa tributação do trabalho. A mais grave é a urgente necessidade de se buscar uma nova base de financiamento da seguridade.


A organização do mercado de trabalho na era digital está forçando o crescente desuso do contrato de trabalho formal consagrado na CLT. A gig economy, a share economy e o trabalho intermitente e independente são novas formas de atividade que comprometem a base de financiamento da Previdência, e se somam a outros fatores negativos como o envelhecimento da população e o enorme deficit atuarial acumulado.


Uma segunda justificativa para a imediata eliminação da tributação sobre salários é a eterna questão da Reforma Tributária. Há um mito em torno da tributação do consumo no Brasil. As discussões sobre esse tema se arrastam por 30 anos sem nenhum indício de resolutividade. Uma das razões é a insistência em limitar a competência tributária dos entes federados, união, estados e municípios, e criar um imposto único nacional.


Outras crenças igualmente equivocadas que impedem o andamento da reforma são 1) endeusar o IVA como um tributo moderno e funcional sem atentar para o seu crescente envelhecimento e 2) acreditar que o setor de serviços é sub tributado no Brasil e que, portanto, deve suportar um acréscimo de carga tributária para compensar redução na da indústria.


Essas hipóteses, tidas como verdades imperativas, são falsas, como pude aferir em várias publicações. Portanto, para que a reforma tributária avance, é necessário compensações para equilibrar mais equitativamente os efeitos da reforma tributária entre os vários setores produtivos. A desoneração de folha seria, portanto, um contrapeso essencial para superar a resistência dos setores que serão hipertributados com a implantação de um IVA, por serem em geral mais trabalho intensivos.


Vê-se, portanto, que a desoneração total da folha de salários para todos os setores é instrumento essencial para aumentar a taxa de emprego, reduzir a informalidade, melhorar a distribuição de renda, evitar grandes distorções nos preços relativos da economia, evitar a falência da seguridade e desimpedir obstáculos setoriais para a Reforma Tributária. A questão é como financiar a previdência eliminando a tributação sobre folha.


O sistema previdenciário brasileiro é de repartição, ou seja, seu financiamento compete em última instância a toda a sociedade. Assim, a desoneração total da folha deve ser substituída por uma tributação universal, respeitada a capacidade de pagamento de cada contribuinte.


A tributação sobre pagamentos seria o mecanismo ideal para isso. Ainda mais agora, quando o mundo se debruça sobre a viabilidade de uma enorme expansão da base imponível na linha do Tobin Tax, turbinada com a expansão da base proporcionada pelo mundo digital moderno.


O essencial nesse momento é transmitir a percepção do papel estratégico que a total desoneração da folha poderia desempenhar no país. Restringi-la apenas a 17 setores é insuficiente, injusto e capaz de desestimular o destravamento de alguns dos grandes problemas brasileiros, como emprego, distribuição de renda, financiamento da Previdência e a busca de simplicidade em nosso sistema tributário.


Não há o que temer. Afinal, nossa experiência com a CPMF entre 1992 e 2007 mostra que a reintrodução de um tributo sobre pagamentos não seria um salto no escuro. O que aprendemos durante 12 anos de sua vigência é que gerou uma arrecadação robusta, sem custos de conformidade, sem litigiosidade e, sobretudo incorporando ao universo tributário a elisão, a sonegação, a informalidade e até, para nossa tristeza, a crescente criminalidade.



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