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Marcos Cintra

Planejamento Regional: O Caso da Sudene


Nesta exposição, analisarei o caso da SUDENE de acordo com o seguinte esquema de trabalho:


Análise da Fase de Formação de Objetivos: Nesta fase, serão analisados os antecedentes históricos que redundaram na conscientização da necessidade de um esquema de ação propositado, com o intuito de mitigar as disparidades econômicas entre o Nordeste e o Centro-Sul brasileiros. Explorarei como a consciência dessa necessidade levou à formulação de objetivos que superariam a problemática inicial.


Também os objetivos serão analisados com o intuito de detectar possíveis contradições ou incompatibilidades entre eles, e também de avaliar tais objetivos como mecanismos de superação da problemática.


Análise da Fase de Adequação Instrumental: Nesta fase, serão analisados os instrumentos disponíveis para a obtenção dos objetivos estipulados, e até que ponto poder-se-ia esperar que a sua manipulação levasse à efetivação dos objetivos propostos. Serão considerados aspectos como quem se beneficiará do uso de tais instrumentos e a viabilidade, efetividade e consequências do emprego dos mesmos.


Análise de Resultados Obtidos: Aqui, os resultados obtidos serão comparados aos objetivos propostos e serão formuladas hipóteses quanto à estratégia a ser seguida no futuro. Uma grande limitação do presente trabalho prende-se ao fato de que a análise será parcial, reportando-se aos aspectos econômicos do problema.


FASE DE FORMAÇÃO DE OBJETIVOS


Comparando-se a Renda Interna brasileira com a parcela da mesma gerada no Nordeste em 1958, chega-se à conclusão de que, com uma população de mais de 30% do total, aquela região só conseguiu gerar 14,3% da Renda Interna. Isso a coloca em situação de inferioridade absoluta em termos de renda per capita comparada com as outras regiões brasileiras.


Nesta mesma época, chegava-se à conclusão de que as medidas hídricas até então tomadas não poderiam amenizar a disparidade entre essa região e o Sul, e que nem mesmo seriam suficientes para gerar algum dinamismo econômico. Em face a essa situação, capaz de gerar graves tensões políticas e sociais, além de econômicas, foi criada em 1959 a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), sob cuja responsabilidade caberia a preparação e o controle de uma política de desenvolvimento para a região.


A estratégia da SUDENE foi baseada no relatório de Celso Furtado, "Uma política de desenvolvimento econômico para o Nordeste", o qual rejeitava as medidas hídricas até então tomadas e sugeria uma reformulação visando à reestruturação da economia rural e uma intensificação do processo de industrialização.


As críticas de Celso Furtado à política federal baseavam-se não na argumentação de que tais disparidades estariam retardando o crescimento econômico do país, mas sim no fato de que a discriminação contra o Nordeste, embora não intencional, criaria eventualmente uma situação altamente explosiva em termos políticos e sociais. Argumentava também que as disparidades acentuavam-se, visto que a taxa média anual de crescimento do Nordeste entre 1947 e 1958 foi de aproximadamente 4,7%, ao passo que a do Centro-Sul beirava 5,6% ao ano.

A SUDENE, cujo objetivo inicial era ser um órgão planejador e orientador do desenvolvimento da região, apresentou até 1969 quatro Planos-diretores. Os três primeiros, com diferença na ênfase, visavam principalmente à obtenção de investimentos industriais e de infraestrutura. O setor agrário foi fadado ao insucesso em seus objetivos mais concretos, tendo a operação da SUDENE se limitado a projetos-pilotos em que ela atuava diretamente. Também no setor industrial e da infraestrutura ela não obteve grande sucesso quando assumiu funções executivas como é o caso da Centrais de Abastecimento do Nordeste S.A. (CANESA).


Já no quarto Plano-diretor, a SUDENE projeta voltar às suas funções mais específicas de órgão planejador, enfatizando bem mais que nos planos anteriores as realizações relativas ao setor agrário e a pequena e média indústria. No que tange a SUDENE, como órgão planejador, é necessário analisar as suas características próprias. Robert T. Daland em "Estratégia e Estilo do Planejamento Brasileiro" diz que o "desenvolvimento é uma mudança social importante, com a finalidade de satisfazer a revolução das esperanças que surgem" e que "o planejamento para o desenvolvimento envolve essencialmente a estruturação de mudanças na sociedade, de modo tal, que as mudanças de ordem política, social, ideológica ou econômica, irão de preferência reforçar em vez de entrar em conflito com as mudanças nos outros âmbitos" (p. 5).


No entanto, Daland nos apresenta duas correntes de pensamento referentes à eficácia do planejamento do desenvolvimento - uma, que certas precondições sejam necessariamente preenchidas antes de formular-se mudanças, e outra, citando Hirschman, que é possível o desenvolvimento de uma sociedade "tal como é apesar do que é, e devido ao que é". Com relação ao caso da SUDENE, as duas hipóteses poderiam ser de certa forma válidas. Os planos da SUDENE no setor agrário fracassaram devido a interesses políticos e econômicos conflitantes (por exemplo, a política da modernização da agroindústria açucareira), mas obtiveram sucesso em relação aos objetivos propostos para o setor industrial, ainda que tal sucesso tenha sido aparente, já que, como veremos adiante, a obtenção dos objetivos não logrou superar a problemática inicial. Essa discrepância entre o objetivo ideal e o alcançado, ou mais rigorosamente, entre o objetivo planejado e a superação da problemática deve-se em parte ao próprio caráter indicativo e não normativo do programa da SUDENE que tem sua principal base de apoio em projetos de investimentos privados, e estes podem não se amoldar aos objetivos do plano de forma totalmente satisfatória, o que afetará o rigor da norma previamente estabelecida. Tratando-se, consequentemente, de uma programação ascendente que se inicia ao nível de projetos, evita-se uma série de dificuldades metodológicas que apareceriam numa economia sem os requisitos técnicos essenciais ao planejamento; no entanto, perde-se uma grande área de manobra, o que poderá resultar num processo de desenvolvimento desequilibrado.


FASE DE ADEQUAÇÃO INSTRUMENTAL

Robert Daland vê com certo pessimismo as possibilidades de sucesso em planejamento no Brasil, expressando-se da seguinte maneira: "os planejadores tentaram empregar os conceitos de burocracia clássica racionalista, com sua hierarquia de autoridade, sua orientação para a realização e sua ênfase em profissionais treinados. Os fracassos do planejamento são devidos ao fato de que a burocracia clássica não existe no Brasil". Além disso, a falta de estabilidade política e de consenso geral, fenômenos que até recentemente existiam, tornam o planejamento, contrariamente à experiência de outros países, uma realização técnica, e sua implementação essencialmente política. Dentro desse contexto, torna-se vantajoso o uso de incentivos e não de controles rígidos, de forma que a SUDENE, além de investimentos públicos, incentiva investimentos privados por intermédio de isenções aduaneiras, isenções fiscais (para pessoas físicas e jurídicas) e concessão de financiamentos e de auxílio técnico.


Através das isenções e dos financiamentos, é possível efetuar investimentos no Nordeste com tão somente 15% de capital próprio, o que implica numa possível transferência implícita do setor público ao investidor de aproximadamente 50% do investimento total; isso beneficia abundantemente a grande empresa que conta com débitos volumosos para com o governo em forma, principalmente, de imposto de renda. Como essas empresas, geralmente com suas matrizes no Centro-Sul ou no exterior, utilizam-se de técnicas altamente capital-intensivas, algumas com larga participação de equipamentos importados, criou-se a tendência para a utilização das mesmas técnicas no Nordeste. Enfatiza-se ainda mais esse fenômeno pelas isenções aduaneiras proporcionadas aos investidores, o que facilita a importação de equipamentos poupadores de mão-de-obra, utilizados no exterior.


A duplicação no Nordeste de técnicas utilizadas pelas matrizes e, até certo ponto, endossada pela SUDENE, que deseja criar condições de competitividade tanto para a indústria como para a agricultura nordestinas. Tal competitividade visa principalmente à substituição de bens importados do exterior ou de outras partes do país, e, embora o mercado nordestino já esteja naturalmente protegido pela sua própria localização geográfica, a ênfase dada pelas autoridades em competir com o Centro-Sul pode tornar-se prejudicial à política industrial do país como um todo. A desejada característica de eficiência frequentemente esbarra com a falta de mão-de-obra especializada.


Devemos notar ainda que, caso o programa agrícola tivesse sido concretizado, haveria, em decorrência da modernização do setor rural, uma tendência para liberar mão-de-obra, a qual, inevitavelmente, ter-se-ia deslocado para os centros urbanos à procura de trabalho. Como ela não estaria tecnicamente capacitada às funções industriais em instalação, o problema do desemprego teria sido agravado.


Outra incongruência entre instrumentos e objetivos seria a instalação de firmas em séria concorrência às empresas locais, resultando no desaparecimento destas últimas. Isso já ocorreu em relação à implantação de uma moderna indústria têxtil em concorrência com as empresas tradicionais já instaladas, o que resultou em um decréscimo de oferta de empregos na indústria têxtil da ordem de 12%.


Acentuamos, entretanto, que a repercussão destruidora muito provável dessa competição às empresas locais não tem grande importância, por duas razões: primeiramente, em virtude do limitado mercado local e de seu baixo poder aquisitivo; e, em segundo lugar, pela própria característica de dinamismo e sofisticação inerentes às novas empresas que se instalam na região em busca de vantagens fiscais. Tais empresas não visam necessariamente ao mercado local e continuam orientadas para seus mercados tradicionais. Seria assim muito limitada a competição às firmas da região, produtoras de manufaturas simples para uso regional.


Como o programa da SUDENE baseia-se em projetos privados, a própria avaliação dos projetos não poderia ser efetuada sem grandes dificuldades, principalmente no que tange às diferenças entre os custos privados e os custos sociais numa economia subdesenvolvida e, portanto, sujeita a sérias distorções. Por exemplo, em decorrência da legislação salarial ou de outro tipo de rigidez, os salários efetivos nem sempre representam adequadamente o custo real ou de oportunidade da mão-de-obra. Assim, com respeito a equipamento poupador de mão-de-obra, os benefícios reais seriam consideravelmente menores se a mão-de-obra não empregada permanecesse ociosa ou subempregada.


Além dessas questões, é necessário acentuar, durante a avaliação e aprovação de projetos, que podem haver outros custos ou benefícios que não os econômicos, em se tratando de desenvolvimento e não simplesmente de crescimento econômico. Observe-se ainda que, devido aos grandes incentivos proporcionados pelo Governo, certas indústrias terão a possibilidade de se instalar na área nordestina, mesmo que, do ponto de vista estritamente econômico, elas não representem uma eficiente alocação de recursos, principalmente do ponto de vista de localização geográfica. Dessa maneira, poder-se-á criar uma situação onde os incentivos à implantação tornem-se condição sine qua non para o funcionamento permanente de tais investimentos, perpetuando, com isso, o subsídio implícito proporcionado pelo Governo.


RESULTADOS OBTIDOS

Analisaremos os resultados do funcionamento da SUDENE considerando a concepção de Dudley Seers, que engloba os vários elementos do conceito de desenvolvimento econômico em três grandes índices: renda per capita, taxa de emprego e redução da desigualdade. Todos os outros fenômenos associados ao processo de desenvolvimento são, em maior ou menor escala, medidos por esses três indicadores.


O funcionamento da SUDENE, visando ao desenvolvimento econômico do Nordeste, principalmente por meio da canalização de investimentos para a região, conseguiu, sem dúvida, algumas realizações concretas de vulto, não chegando, entretanto, a acelerar satisfatoriamente o desenvolvimento da região, segundo os indicadores acima.


Até meados de 1969, foram aprovados 721 projetos pela SUDENE, perfazendo um montante de investimentos previstos da ordem de Cr$ 4 879 139 bilhões a preços de 1968. Essa quantia representa aproximadamente 75% da Renda Interna gerada no Nordeste no ano de 1968 e em torno de 40% do Investimento Bruto de Capital Fixo efetuado no mesmo ano no Brasil.


Calcula a SUDENE, com muito otimismo, que tais investimentos gerarão 130 mil empregos diretos e que, com uma relação, aliás, exageradamente alta, de cinco empregos indiretos para cada emprego direto criado, obter-se-á um total de 700 mil novos empregos. Dos 721 projetos aprovados até meados de 1969, no início do ano de 1970, 279 projetos já estavam em funcionamento, 244 em fase de implementação, e o restante 198 ainda em fase de preparação. Convém notar também que, do total de projetos aprovados, 218 efetuar-se-ão no setor agropecuário, dos quais 60% se achavam em fase de implementação, e os restantes em fase de preparação, calculado em 10 mil o número de novos empregos a serem criados no setor.


Como resultado dos investimentos efetuados, a taxa média de crescimento da região Nordeste superou a da região Centro-Sul em aproximadamente 1% ao ano no período 1954-1966, e essa tendência tem-se mostrado mais acentuada nos últimos anos. A atuação da SUDENE no período 1959-1970, embora tenha, ao que parece, criado um clima psicológico mais favorável na região e embora esta tenha ainda efetuado obras de infraestrutura de inegável valor, não foi eficaz como mecanismo de aceleração e auto-sustentação do processo de desenvolvimento econômico. Na realidade, os projetos implantados no Nordeste concentraram-se, devido a restrições de mercado, na produção de bens intermediários e de capital, sendo que no período 1960-1965 os investimentos projetados para novas fábricas de bens de consumo, mediante facilidades do mecanismo 34-18, representam somente 9,1% do total. Tal tendência deve-se ao fato de que o mercado local não foi ampliado durante o processo em decorrência da ineficácia da força criadora de novas oportunidades de emprego. Assim sendo, as indústrias que se estabeleceram na área da SUDENE só o fizeram como um recurso para o barateamento subsidiado do custo de sua produção, já que, como se observa, a maior parte da produção industrial retorna ao Centro-Sul.


Também, a própria característica das indústrias que se estabeleceram no Nordeste, somadas às isenções aduaneiras que incentivam a importação de equipamentos, geralmente poupadores de mão-de-obra, mais a deficiência de mão-de-obra industrial, o que resultou em pouco tempo na equiparação do salário industrial do Nordeste ao do Centro-Sul, permitiu que fossem adotadas técnicas altamente capital intensivas, o que, tendo uma baixa relação salários/valor agregado bruto, não é condizente com o aumento do poder aquisitivo do mercado nordestino. Também no setor rural, dos 218 projetos aprovados, somente 20% foram agrícolas, sendo os restantes relacionados às atividades pecuárias, caracteristicamente com alta relação capital/mão-de-obra. Dessa maneira, a absorção de mão-de-obra não foi satisfatória, decorrendo da forte limitação ao crescimento do mercado e criou condições distorcivas na estrutura econômica relativa à dotação fatorial e na sua própria localização geográfica. Além disso, a introdução de uma estrutura econômica moderna tenderá a criar forte competição à estrutura tradicional existente, agravando o problema do desemprego. Em termos de renda per capita, portanto, como um dos indicadores de desenvolvimento econômico, ela poderá ser altamente ilusória. Como os projetos estabelecidos utilizam-se amplamente de técnicas capital intensivas, a proporção dos lucros remetidos ao Centro-Sul ou ao exterior, em relação à renda gerada que circulará na região, é muito alta. Dessa maneira, a renda per capita representa muito mais uma relação de produção geográfica per capita do que renda efetivamente auferida pela população local.


No tocante ao problema do desemprego e do subemprego, os resultados foram ainda menos animadores. Recente pesquisa mencionada no estudo da SUDENE, "A nova etapa do desenvolvimento nordestino", indica que 26% dos chefes de família em Recife estavam desempregados e 23% recebiam salários abaixo do mínimo legal. Do total da oferta de empregos gerados no Nordeste, em São Paulo, no Rio de Janeiro e na Guanabara, apenas 14,5% foram gerados no Nordeste, região que conta com uma população de quase 30% da brasileira, ao passo que somente em São Paulo, cuja população é tão-somente de 18,6% do total, gerou 64,3% dos empregos. Finalmente, em termos de equidade, pouca coisa mudou. Os efeitos redistributivos da renda, tanto pessoais quanto funcionais e regionais, foram pequenos; grande parte dos lucros flui para fora do Nordeste e eles representam uma parcela substancial do valor adicionado. Por exemplo, enquanto no Nordeste 74% dos empregados recebiam, em 1968, um salário mensal inferior a Cr$ 120,00, em São Paulo e no Sul, tal percentagem reduz-se a 41% e 50%, respectivamente. A própria estrutura do sistema de incentivos reforça a regressividade da distribuição de renda. Já vimos como, aproximadamente, 50% dos investimentos das empresas privadas no Nordeste representam transferências implícitas do setor público às grandes empresas. Até 1969, os depósitos efetuados no BNB em decorrência dos artigos 34-18 representavam 47% do valor dos projetos aprovados pela SUDENE até o mesmo ano.


Em termos de condições de vida - saúde e assistência médica, alimentação, mortalidade infantil e expectativa de vida, déficit habitacional, analfabetismo, etc. - as condições do Nordeste indicam uma sociedade extremamente subdesenvolvida. Exemplificando, a população alfabetizada do Nordeste era 49% do total em 1968, ao passo que em São Paulo era 78,1%, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, 74,9%, e Minas Gerais e Espírito Santo, 62,8%. Achamos que as disparidades regionais entre o Nordeste e o Centro-Sul tendem a aumentar e a prosperidade econômica nordestina é por demais ilusória. A dependência para com o Centro-Sul prossegue tanto em termos de importação de bens de consumo manufaturados ou primários como em termos de bens de capital e intermediários. Por outro lado, em decorrência de certa dose de concentração de indústrias-apêndices do Centro-Sul, de bens de capital e intermediários, a economia nordestina se tornou mais sujeita a efeitos depressivos causados por possíveis flutuações conjunturais nos centros que utilizam sua produção industrial através do mecanismo do acelerador. Tornam-se afinal necessárias algumas considerações sobre a política econômica mais apropriada ao caso nordestino.


Em âmbito mais geral, é preciso criar no Nordeste uma estrutura econômica complementar à do Centro-Sul, e não competitiva a ela. Dever-se-ia incrementar aqueles setores que se utilizassem de vantagens locacionais do Nordeste (como é o caso de certas indústrias de exportação) e de matérias-primas locais. Dever-se-ia impedir que firmas se estabeleçam na área da SUDENE para reduzir seus custos privados através de isenções e benefícios, enquanto que os custos sociais se elevam através de transferência regressiva de renda e de custos de transporte desnecessários, já que tais empresas remetem seus produtos para o Centro-Sul. É imperioso, também, que se crie no Nordeste uma estrutura econômica com mais altas taxas de absorção de mão-de-obra. Esse objetivo poderia ser atingido mediante o incentivo ao estabelecimento no Nordeste de pequenas e médias empresas, cuja relação salários/valor agregado é geralmente mais alta que a das grandes empresas.


O incentivo às atividades agrícolas e menos ênfase nas pecuárias, cuja relação capital/mão-de-obra é alta, ativarão sobremaneira a absorção de mão-de-obra. Principalmente nas atividades agrícolas, torna-se possível um aumento considerável na produtividade sem grande capitalização (exemplo, sementes selecionadas, espaçamento adequado, práticas conservadoras do solo, adubação etc.). As atividades agrícolas permitem também a substituição entre fatores em magnitude considerável, sendo mesmo a qualidade de métodos/mão-de-obra intensivos; muitas vezes, superior a técnicas altamente capitalizadas.


Tal estratégia poderia aliar-se a técnicas capitalísticas em certas indústrias cujo leque de alternativas técnicas fosse reduzido, criando-se assim uma estrutura bietecnológica à semelhança da japonesa. A obtenção dos objetivos acima citados redundaria numa ampliação do mercado consumidor local, além das vantagens sociais e políticas decorrentes de uma taxa de empregos mais elevada. A existência de um mercado consumidor local possibilitaria a expansão do setor de bens de consumo, o que tornaria a economia nordestina menos sensível a flutuações conjunturais no Centro-Sul, alastradas mediante o mecanismo do acelerador. Além disso, seria possível atingir certa autossuficiência, pelo menos no que se refere a bens alimentares e manufaturados simples. Não menos importante seria o aspecto redistributivo da renda de uma política que incrementasse a absorção de mão-de-obra mediante o amparo à agricultura e à pequena e média empresa, como também a menor dependência externa decorrente de uma estrutura com menor coeficiente de importações. Finalmente, gostaria de abordar um aspecto cujo estudo mais detalhado não cabe nesta análise, que é o problema da política demográfica. Infelizmente, tal assunto é geralmente tratado com uma excessiva carga de emotividade, que impede a análise objetiva da questão.


Dificilmente poder-se-á absorver os incrementos na força de trabalho de uma população, cuja taxa de crescimento é de aproximadamente 3% ao ano, em decorrência da inevitável dependência tecnológica a países que contam com escassez de mão-de-obra. Considerando-se afinal que transferências populacionais maciças são totalmente inviáveis, tanto do ponto de vista econômico quanto social, a única alternativa que resta é o controle da natalidade. A região nordestina, típica das regiões de baixa renda, conta com uma população jovem cuja relação dependentes/assalariados é alta e com elevada taxa de crescimento demográfico.


Criam-se com isso dois efeitos importantes, além do óbvio decréscimo da renda per capita mediante o crescimento do denominador da relação: uma população economicamente ativa consome mais e, consequentemente, investe menos; e, em segundo lugar, uma parcela maior dos investimentos efetuados estará necessariamente comprometida com investimentos sociais e de infraestrutura diretamente correlacionadas com o montante da população, além de se tornarem necessários maiores investimentos para manter a renda per capita constante. Assim sendo, ainda com uma taxa de crescimento populacional reduzida, haverá durante dois ou três decênios o mesmo número de trabalhadores disponíveis. A relação dependentes/assalariados, no entanto, tenderia a cair imediatamente, com óbvias consequências no crescimento da renda per capita. Uma redução linear de 50% na fecundidade, em 25 anos, proporciona, em três decênios, uma renda por consumidor cerca de 38 a 50% mais alta do que com uma taxa de natalidade constante. Em mais 25 anos, a renda por consumidor seria cerca de 100% mais alta. O mínimo que se poderia fazer é abrir o problema do controle da natalidade para discussão.



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