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Marcos Cintra

Livro: Tributação no Brasil e o Imposto Único (III - Imposto Único: Dúvidas e respostas / parte 1/2)

Para referências, bibliografia, e demais conteúdos, acesse o livro completo em PDF.


III - IMPOSTO ÚNICO: DÚVIDAS E RESPOSTAS


Nesta parte, os artigos buscam esclarecer as questões técnicas levantadas nos polêmicos debates sobre o Imposto Único. 

Em "O Imposto Único sobre Transações (IUT)", Marcos Cintra faz um resumo atualizado de todo o debate e discute os pontos mais importantes em profundidade, um por um. Neste trabalho, cabe ressaltar os estudos empíricos acerca das previsões de arrecadação do Imposto Único, bem como as estimativas dos efeitos da cumulatividade do IUT na carga tributária dos 35 setores analisados. Na mesma linha de pesquisa, Luiz Zottmann analisa os impactos da extensão da cadeia produtiva e da proporção de valor agregado em cada uma das etapas na composição de preços do produto final.

Luis Nassif, Joelmir Beting e Celso Ming buscam resumir as dúvidas sobre o Imposto Único e enfatizam a importância das reformas no campo tributário, não sem antes atentarem para os riscos e incertezas que o IUT implicaria, se adotado.

Roberto Campos, em "Reforma ou revolução", estimula a busca de soluções inovadoras, como o Imposto Único, para tirar o país da estagnação em que se encontra. Por este motivo, em entrevista a Vicente Diavezi do Jornal da Tarde, Roberto Campos revela sua jovial ousadia ao propor a adoção do Imposto Único no Brasil revelando assim seu espírito mais inquieto e corajoso do que muitos de seus críticos, ditos "progressistas". Este ponto de vista também está presente nas manifestações do jornal Folha de S. Paulo que, com sua coragem característica, propugna em seus editoriais pela implantação do Imposto Único no país.

Eivany Silva aponta alguns dos mais sérios entraves à implantação do Imposto Único.

Na ótica empresarial, José Valney de Brito, Dario Clementino, Thiers Fattori Costa, Sérgio Quintella, a Federação ,das Indústrias do Estado de Minas Gerais, Fernando Costa, Emerson Kapaz, Sérgio Mindlin e Hélio Mattar apresentam seus argumentos a favor do IUT, sem deixar de apontar seus riscos e questões pendentes. Fica claro, contudo, a penetração da proposta nos meios produtivos brasileiros.

Marcos Cintra, em "O Imposto Único e o setor financeiro", analisa os impactos do IUT naquele segmento econômico; Roberto Campos, em "A esterilidade dos híbridos", reafirma seu apoio a soluções radicais, como o Imposto Único, e critica a proposta híbrida e tímida da Comissão de Reforma Tributária criada no governo Collor. Delfim Netto aponta as restrições práticas aos modelos tributários concebidos de maneira teórica e pede atenção aos impostos não-declaratórios, como o Imposto Único.

Marcos Cintra, em "O estupro do Imposto Único" e "Os vícios e virtudes do IPMF", analisa as diferenças entre o IUT e o IPMF, critica a deturpação da idéia do Imposto Único e sua transformação no IPMF, mas mostra o lado positivo deste tributo ao desmistificar muitos dos críticos de impostos cumulativos sobre transações financeiras, como o IUT. Antônio Corrêa de Lacerda critica o IPMF e os demais impostos sobre transações financeiras. Em "O efeito dedo-duro", Marcos Cintra busca refutar as previsões de arrecadação do IUT que projetam as receitas realizadas do IPMF e concluem que o Imposto Único tem baixa capacidade arrecadatória.

Alguns desdobramentos da polêmica buscam adaptar o Imposto Único às circunstâncias específicas da economia brasileira, utilizando-se do conceito básico do IUT, ainda que não seja único. Aurivaldo Coimbra de Oliveira e David Dias de Sousa apontam para a oportunidade e conveniência de se implantar um imposto sobre transações financeiras; Fernando Haddad propõe um imposto sobre transações financeiras para incorporar a economia informal ao universo tributário nacional e para combater a evasão.

Augusto Jefferson propõe a convivência entre o imposto sobre transações e a estrutura tributária atual. Trata-se de proposta criativa e inovadora que busca implantar o Imposto Único para o segmento de pequenas e médias empresas. Para as empresas de maior porte, a utilização do IUT se daria como um adiantamento sobre os demais tributos e como um imposto de controle.

 

O IMPOSTO ÚNICO  SOBRE TRANSAÇÕES (IUT)

Marcos Cintra

Desde janeiro de 1990, quando o tema foi colocado para debate em artigo publicado na Folha de S. Paulo ("Por uma revolução tributária", 14/01/90), a polêmica tem sido intensa. Pretende-se, aqui, avaliar algumas críticas, recolocar os principais argumentos e avançar em alguns pontos práticos na implementação da proposta. 

A idéia da unidade tributária tem raízes seculares e conta com uma ampla e variada literatura. Foi primeiramente formalizada pelos fisiocratas, que defendiam um imposto único sobre a propriedade fundiária. Outros defenderam projetos semelhantes, como Henri George no século passado, e Edouard Schiller na década de 50.

De forma menos radical, Nicholas Kaldor defendeu uma reforma tributária baseada no imposto sobre consumo. Agora mesmo defende-se o Imposto Único no Canadá (vide Single Tax, Dennis Mills, Hemlock Press, Toronto, 1990). Nos Estados Unidos visa-se também a radical simplificação tributária (vide The Flat Tax, R. Hall e A. Rabushka, Hoover Institution Press, Stanford, 1985), ainda que com características diferentes do IUT.

Por outro lado, o uso da "transação" financeira como base de incidência tributária é recente. Surgiu com a preponderância da moeda escritural sobre a moeda manual e com os efeitos da era da cibernética na informatização bancária.

A criação de uma taxa sobre transações bancárias foi proposta nos Estados Unidos em 1986 e defendida no Congresso norte-americano em 1991. Impostos sobre transações financeiras, em suas mais variadas formas, têm sido aplicados na Argentina, na Austrália, no Peru e também no Brasil (o IDF é um imposto sobre transações realizadas no mercado financeiro).

A conjugação da idéia da unicidade tributária com a transação bancária surge agora.

A substituição da moeda manual pela escritural; a brutal evolução da informática e seu impacto no sistema bancário; e a possibilidade de um sistema tributário não-declaratório e portanto ágil, barato, universal e imune à corrupção e à evasão são fatos de uma gritante contemporaneidade e fazem do Imposto Único sobre Transações uma idéia cujo tempo chegou.

Neste trabalho, a primeira parte destaca os principais aspectos do sistema tributário incorporado na proposta do IUT. Trata-se de uma nova concepção de administração fiscal, com características que não se confundem minimamente com a mera redução do número de impostos; em realidade, o fundamental são as inovações do ponto de vista de administração e de técnicas tributárias permitidas pelo IUT. A proposta é ainda discutida e avaliada em função de seu impacto no contribuinte, nas formas de gestão pública e nos mercados financeiro e de capitais. A segunda parte avalia o IUT segundo critérios de simplicidade, custo, eqüidade e eficiência. A terceira parte encaminha respostas a críticas ao IUT. Também propõe soluções para problemas que poderiam surgir em sua implementação. A quarta parte avalia os impactos macro econômicos do IUT na taxa de emprego, na estrutura produtiva e na política de desenvolvimento econômico. Finalmente a quinta parte avalia o Imposto Provisório sobre Movimentações Financeiras (IPMF) apontando suas dramáticas distorções comparativamente ao IUT. 

1) O SISTEMA DO IMPOSTO ÚNICO SOBRE TRANSAÇÕES 

a) A Filosofia do IUT 

A idéia é simples: sobre as transações monetárias efetuadas no sistema bancário incidirá uma alíquota de 2%, dividida igualmente entre as contas correntes credora e devedora. A arrecadação será efetuada eletronicamente. Será automática e imediatamente distribuída às três esferas de governo, de acordo com critérios previa- mente definidos. Todos os atuais impostos serão extintos, mantendo-se apenas os que têm características extrafiscais, por serem instrumentos de regulação e de política econômica.

Apenas as transações financeiras, em que o bem objeto do pagamento é o próprio dinheiro, sofrerão tratamento especial. Saques e depósitos de numerário do sistema bancário serão sobretaxados - com uma alíquota dobrada de 4% -, e as transações nos mercados financeiro e de capitais sofrerão tributação sobre os rendimentos reais.

O IUT é uma turn-over tax, como existiu na Alemanha até meados da década de 60. A essência do tributo é a mesma. Mas a forma de arrecadação lhe traz contemporaneidade. Tributam-se as transações econômicas através de seus correspondentes lançamentos bancários. A técnica de cobrança garante automaticidade, superando os sistemas de "lançamento" (como o IPTU ou o IPVA) e o de "auto-apuração e auto-recolhimento com auditoria" (como o IR, ICMS, IPI e vários outros). Eliminam-se a burocracia e o papelório.

Cumpre observar que essa nova sistemática de arrecadação se tornou viável a partir da modernização e informatização do sistema bancário brasileiro. E ainda pela quase total substituição da moeda manual - uma relíquia bárbara, no dizer de Keynes - pela moeda escritural.

Essas duas características permitem concretizar a "utopia" do imposto único acalentada há séculos, mas frustrada pelas dificuldades de identificação de formas viáveis de operacionalização. Não é a nova base de incidência em si que justifica o IUT, mas sim o fato de ele permitir a unicidade tributária, ainda que de forma cumulativa. E de permitir ainda eliminar a sonegação, a economia informal e a corrupção. Um saldo razoável para uma sociedade marcada pela fragilidade tributária, como de resto ocorre na maioria dos países em desenvolvimento.

É evidente que o hiperdesenvolvimento do sistema bancário brasileiro se deve à inflação. Seria enganoso, contudo, imaginar que a ausência de tributação nas transações bancárias tenha sido o fator preponderante neste processo, como afirmam alguns. De fato não houve imposição de imposto nas transações bancárias, mas sempre existiram custos. Taxas bancárias, exposição ao fisco, corrosão inflacionária dos saldos em conta corrente são ônus tão reais quanto tributos. Nem por isso os bancos deixaram de se expandir celeremente em todo o mundo, mesmo naqueles países onde a inflação é baixa.

Trata-se, antes de mais nada, de uma inexorável caminhada da humanidade rumo à perda de espaço da moeda manual, em favor da preponderância da moeda escritural, da moeda eletrônica, das transações concretizadas por impulsos eletrônicos e por lançamento em contas gráficas.

O Brasil se encontra em estágio avançado de informatização bancária e de desmonetização, à frente da maioria dos países. O IUT exige que esses dois pré-requisitos sejam atendidos, o que o toma viável hoje em poucas economias do mundo.

Curiosamente os Estados Unidos não satisfazem o primeiro e o Japão não satisfaz o segundo. Esta observação, por sinal, responde às indagações acerca da inexistência ou do fracasso desse tipo de imposto em outros países. Mas certamente a expansão bancária e a desmonetização das economias modernas são processos globais e inexoráveis, o que tornará essa técnica de arrecadação comum em todo mundo nas próximas décadas.

O IUT é composto de dois importantes conceitos. O primeiro é a unicidade tributária. O segundo se refere à transação monetária como base, ou fato gerador, do tributo.

A busca da unicidade tributária tem uma antiga e respeitável tradição na história econômica. Contudo, ela nunca foi aplicada em sua plenitude, dadas dificuldades na escolha do fato gerador. Trata-se de problema aparentemente simples, mas que nunca foi resolvido.

Paul Hugon atribuiu o insucesso das propostas de implementação do imposto único à inexistência de uma base tributária suficientemente ampla para permitir a imposição de apenas um tributo, com alíquotas que não sejam escorchantes ou confiscatórias. Da mesma forma, J. Grosclaude e R. Herzog (Revue Française de Finances Publiques, nº 29, 1990) organizam toda a discussão de seu artigo "O mito do Imposto Único" em torno dos vários fatos geradores tentados no passado. E concluem, indagando se "o novo mito no final do século 20 não é o de unificar os sistemas fiscais, ao menos na Europa, em torno de dois impostos básicos, o Imposto sobre Valor Agregado (imposto dominante na atualidade) e o Imposto de Renda, reproduzindo o mito da unicidade de século precedente?".

O crescimento do Estado moderno fez com que suas necessidades de financiamento se expandissem vigorosamente em relação ao PIB. Por outro lado, nunca se conseguiu encontrar uma base tributária suficientemente ampla e abrangente para evitar que a alíquota tributária necessária para realizar a arrecadação prevista fosse excessivamente elevada. Se muito alta, haveria inevitável incentivo à sonegação e à evasão tributária. Ao mesmo tempo, estaria introduzindo-se fortes elementos de ineficiência alocativa no sistema econômico.

Imaginando uma situação primitiva de total ausência de impostos, e se procurássemos uma base sobre a qual se imporiam tributos, se buscaria certamente a base mais ampla possível. Se exigiria ainda que o fato gerador do imposto pudesse ser facilmente identificado e transitasse por um sistema onde a cobrança fosse viável e a evasão, minimizada.

Isto explica, por exemplo, por que o Brasil colônia chegou perto de um Imposto Único, o Imposto Alfandegário. Grande parte dos produtos transaciona- dos eram importados e entravam por poucos portos, onde a arrecadação era realizada com facilidade. O afunilamento da base tributária nos portos marítimos fazia com que a importação fosse uma base tributária adequada. E de fato foi amplamente explorada em todo o mundo.

A proposta de um novo fato gerador - o lançamento bancário - trata portanto da questão essencial ao terna da unicidade tributária.

A solução para o dilema se encontra na utilização da transação monetária corno a base de tributação do Imposto Único. Isto permite a unicidade tributária com baixas alíquotas. Todas as bases tributárias conhecidas atualmente são apenas sub-conjuntos da base tributária "Transação". A renda, a circulação, o comércio, a compra, a venda, os serviços, a operação financeira são elementos do conjunto das transações. Portanto, taxando-se a transação monetária resolve-se o dilema secular dos tributaristas, qual seja, maximizar a base tributária e minimizar as alíquotas marginais.

O paralelo com o quadro atual é imediato. Se fôssemos hoje procurar a base tributária mais ampla possível - para com isto minimizar a alíquota e assim minimizar a ineficiência introduzida pela cunha fiscal - certamente a transação monetária seria escolhida. Toda atividade econômica gera transações que também se afunilam em módulos onde a arrecadação poderia ser realizada. Trata-se do sistema bancário, por onde transitam praticamente todas as transações monetárias. Cabe acrescentar que a transação monetária, quando no passado era realizada com o uso da moeda manual, não era passível de tributação. As transações eram difusas, sem qualquer possibilidade de efetiva cobrança. Em realidade, isso exigiria um fiscal para cada contribuinte.

A modernização e a permeabilidade do sistema bancário, o aperfeiçoa- mento dos sistemas de controle e escrituração e os recursos de informatização permitiram a transformação da transação monetária em urna base impositiva concreta, facilmente explorável. Portanto, o IUT é um imposto com raízes antigas, mas é também contemporâneo, pois é produto da modernização, expansão e informatização do atual sistema bancário.

A transação monetária será a base tributária do futuro. Impostos como o IUT serão comuns nas próximas décadas. Cabe lembrar que a viabilidade da aplicação do IUT no Brasil não surge como um acidente histórico, mas como a. resultante de urna situação concreta: o Brasil tem sabidamente um dos mais avançados e modernos sistemas bancários de todo o mundo.

Ainda no campo das características próprias do IUT cabe ressaltar sua extrema simplicidade, automaticidade e baixo custo de arrecadação. O tributo será cobrado em alguns poucos nódulos de transações monetárias - ou seja, nos CPD dos bancos -; a fiscalização terá baixo custo, podendo reduzir-se a periódicas verificações dos programas dos computadores bancários que administram os lançamentos nas contas correntes dos clientes. Não haverá necessidade de identificar operações individuais (o que violaria o sigilo bancário), mas apenas verificar se a totalização das transações monetárias gerou a arrecadação esperada.

Como todas atividades econômicas de mercado geram transações monetárias, e como elas se concentram nos nódulos bancários, não há evasão. Minimizam-se assim a sonegação e a economia informal. Em realidade, estará trazendo-se à luz a imensa economia subterrânea brasileira. Estará também abrangendo-se aquela parte da economia formal que não escritura suas atividades, não registra funcionários e/ ou subfatura.

Sob o prisma psicológico, o IUT terá vantagem de transformar a delinqüência econômica em cidadania tributária. Todos passarão a contribuir para o custeio das atividades do Estado. Todos estarão envolvidos na busca de maior eficiência no uso dos recursos públicos. Ninguém se sentirá alheio à corrupção e à malversação do dinheiro público.

Mas a principal característica conceitual do IUT é que ele dispensa a apuração dos tributos devidos, bem como o recolhimento individual dos mesmos. Não haverá escrituração fiscal, apuração de resultados para efeitos tributários ou . qualquer burocracia para o recolhimento dos impostos. Minimizam-se a fiscalização e a corrupção.

Do ponto de vista administrativo e operacional, o IUT guarda enorme vantagem em relação à atual sistemática tributária. Em realidade o atual sistema é absurdo e seria impensável caso se estivesse começando a elaborar, do zero, uma proposta tributária.

Imaginemos uma economia moderna, na qual não houvesse impostos. Seria inconcebível uma estrutura tributária em que cada uma das centenas de milhões de pessoas iriam escriturar e apurar o imposto com que cada uma deveria contribuir. Seria inimaginável que se aprovasse um sistema no qual a fiscalização seria feita individualmente, em cada livro, em cada transação, em cada compra ou venda de cada agente econômico. Seria impensável aprovar um sistema em que o regulamento de cada uma das dezenas de impostos fosse composto de vários volumes de decretos, atos, leis, portarias etc., tornando absolutamente inviável o conhecimento da lei tributária por parte dos próprios contribuintes.

É evidente que tal sistema jamais.. seria aprovado. Contudo, é o que existe hoje.

A atual colcha de retalhos só pode ser explicada pela perversa evolução do sistema tributário brasileiro, freqüente e casuísticamente modificada pelas bordas, de forma aleatória e irracional. O que existe hoje sobrevive em grande parte devido à força da inércia e do conservadorismo.

b) Impacto nos Contribuintes e no Setor Público

Não há mais como manter a atual estrutura tributária, por ser custosa, ineficiente e injusta. E, sobretudo, incentivadora da sonegação, da evasão e da economia informal.

Há que se buscar um novo sistema, capaz de reduzir custos de arrecadação nas três esferas de governo e nas empresas, onde os custos de escrituração tributária podem chegar a 40% das despesas administrativas; há que se eliminar a sonegação e a evasão, fenômenos profundamente arraigados no comportamento dos contribuintes. Não se trata de uma predisposição cultural ou de um vício de personalidade, mas simplesmente da reação natural a um sistema tributário que chegou ao limite do absurdo.

Criou-se um círculo vicioso. As alíquotas são aumentadas, e os impostos proliferam com o intuito de elevar a arrecadação. Por sua vez, o contribuinte aumenta a sonegação, e reinicia-se um novo surto legiferante de criação de novos impostos, de controles e de elevação de alíquotas. O bom contribuinte, hoje, estaria falido.

O exemplo mais gritante deste fenômeno acha-se na Previdência Social. A elevação das contribuições onera a folha de pagamento das empresas em até 10% para os empregados, em até 27% para os empregadores, sem falar no Finsocial que evoluiu para 2% sobre o faturamento das empresas, e nas sobretaxas e contribuições sociais sobre o lucro. Se efetivamente cobradas, todas estas taxas deveriam estar gerando pelo menos 20% do PIB. No entanto, o cálculo teórico apenas se materializa em algo próximo de 6%, ou seja, uma taxa de evasão que faz com que, para cada contribuinte, aproximadamente outros três soneguem.

A proposta do Imposto Único sobre Transações extinguirá todos os tributos característicos fiscais, ou seja, todos os que são primordialmente instrumentos arrecadatórios de recursos para o financiamento das atividades gerais do Estado. Permanecerão apenas os tributos considerados extrafiscais, com função essencial- mente reguladora da atividade econômica.

O IUT substituirá a maior parte dos tributos. Desaparecerão o IRPF, o IRPJ, o IPI, o ICMS, o ISS, o IOF, o IVV, o novo Finsocial, o IPMF, o IPVA, o ITBI, as contribuições previdenciárias, as retenções na fonte de qualquer espécie e vários outros encargos tributários. Permanecerão apenas os instrumentos de regulação econômica (por exemplo, o Imposto sobre Comércio Exterior) e tributos diretamente vinculados à prestação de serviços, as taxas. Os demais serão extintos, inclusive as contribuições à seguridade social, que perderam sua extrafiscalidade.

O IUT reflete uma nova filosofia tributária. Não se trata de um mero remendo, nem mesmo de uma melhoria da atual sistemática. Pretende-se a implantação de um novo conceito de tributação, calcado em ,alguns princípios fundamentais de busca de eficiência e operacionalidade.

Várias análises superficiais da proposta enxergam apenas resquícios de um anacronismo que não existe no IUT. E o caso dos que criticam a cumulatividade da tributação e sua não-progressividade explícita, como ilusoriamente acreditam haver, por exemplo, na atual sistemática do imposto de renda. Esquecem-se de que o cipoal tributário brasileiro não garante a progressividade que reclamam nem a transparência e nãocumulatividade que ingenuamente apregoam.

O imposto socialmente justo não é aquele que, embora ideal do ponto de vista teórico, mostra-se ineficaz na prática. O que se busca é um sistema que distribua a carga tributária por todos os componentes da sociedade, que alivie a brutal incidência sobre os assalariados de classe média e sobre as empresas organizadas, que hoje arcam com a quase totalidade dos impostos no Brasil.

Estilizadamente, poderia afirmar-se que um terço da economia formada por todos os níveis de governo e pelas empresas estatais não pagam impostos; outro terço, composto pela economia informal e pela sonegação, igualmente se exime de qualquer responsabilidade tributária. Restam, portanto, os assalariados de classe média e as empresas organizadas, que formam o terço restante sobre o qual recai toda a carga tributária brasileira. Este segmento é supertributado, embora, do ponto de vista macroeconômico, a subtributação seja a regra do país.

Há que se fazer com que a tributação seja mais abrangente, maximizar o universo dos contribuintes e minimizar as alíquotas marginais.

O IUT sana muitas das principais distorções do atual sistema tributário nacional. Sua implantação implicará profundas alterações em toda a economia. Minimizará a sonegação, a corrupção e a economia informal. Todos serão contribuintes, ainda que com carga direta bastante atenuada. Não haverá necessidade de apuração de resultados para fins fiscais, nem obrigatoriedade de demonstração de origem. Trata-se de uma autêntica revolução e de importante elemento desestimulador de tendências de dolarização ou de fugas de capitais.

Não caberá aos órgãos de arrecadação tributária do governo fiscalizar as atividades do setor produtivo, nem lhes será exigido qualquer comprovação ou documentação relativas às suas atividades legais.

As propostas que procuram simplesmente reduzir o número de impostos de pouco valerão, pois permanecerão exatamente aqueles que o IUT deseja substituir, como o IR, o Imposto de Circulação (IPI e IMCS) e as contribuições sociais. Cairia o número de impostos, mas permaneceria a quase totalidade dos problemas, pois são eles a base da atual estrutura tributária.

Estes projetos de reforma não contemplam o conceito e a filosofia do IUT. São propostas que se assemelham apenas na aparência, na medida em que ambas reduzem o número de impostos. Porém, diferentemente do IUT, não alargam a base tributária, têm impacto restrito ao mesmo terço dos atuais contribuintes e não reformam significativamente a operacionalidade do sistema. No essencial, são propostas antagônicas, forjadas em moldes conceituais completamente distintos.

É preciso recusar o preciosismo teórico, pois seus dogmas apenas contribuíram para sistemas tributários ineficientes. Busca-se com o IUT um sistema mais simples, mais transparente, mais automático, menos tecnocrático.

Ponto importante é a questão da autonomia tributária dos entes governamentais. Não há democracia sem uma estrutura que garanta a autonomia dos vários níveis de governo - estaduais e municipais. Este preceito é geralmente aceito e reconhecido. Mas toma-se ineficaz pela dependência imposta aos estados e municípios em relação aos recursos tributários monopolizados pelos níveis superiores de governo e distribuídos segundo os desejos, caprichos e preferências dos donos do poder.

Governos estaduais e municipais devem contar com fontes seguras de recursos, sem necessidade de mendigar ou negociar verbas. As populações locais têm direito aos recursos e aos investimentos sociais disponíveis, independentemente da posição política de suas lideranças.

A proposta do Imposto Único sobre Transações (IUT) é um passo fundamental para garantir a desejada autonomia financeira de Estados e municípios. Implica sua independência financeira. Diariamente os bancos de todo o país creditariam nas contas correntes de todos os Estados e de todos os municípios a sua parte na arrecadação daquele dia, sem nenhuma intermediação, exigência ou pré-condição.

Cabe acrescentar ainda que, para facilitar a transição para o IUT, poder-se- ia garantir a neutralidade distributiva, mediante uma regra simples de partilha dos tributos globais. Cada nível de governo teria participação equivalente à mesma proporção das receitas tributárias disponíveis sobre a carga tributária bruta obtida na média dos últimos dois ou três exercícios fiscais.

Por exemplo, suponha-se que o município X tenha direito - de acordo com o critério acima descrito - a 0,1 % da arrecadação global do IUT. Assim, no final de cada dia, todas as agências bancárias, em todo o país, transferirão para a conta corrente do município X o equivalente a 0,1 % do imposto que arrecadaram naquele dia.

O IUT é garantia da autonomia financeira de todos os níveis de governo. Fortalecerá a democracia, gerará uma população cidadã - capaz de identificar e defender seus interesses - formará uma classe política ativa, que não mais precisará curvar-se às exigências dos donos dos cofres públicos. 

c) Impacto nos Mercados de Capital e Financeiro 

As transações envolvendo capital financeiro e moeda manual constituem interessante caso particular. Nas operações liquidadas mediante o uso da moeda manual, a sobretaxa tributária aumentará o custo da transação. Assim, haverá desestímulo ao uso de moeda e conseqüentemente à evasão tributária.

A tributação cumulativa sobre as transações financeiras implica fortes impactos nas taxas de juros, mesmo partindo-se da hipótese de não-tributação dos lançamentos efetuados em nome das instituições financeiras. 

Como pode ser visto a seguir, a taxa de retomo líquido ao poupador (equações 1 e 2) e a taxa de juros aos tomadores de recursos junto ao setor bancário (equação 3) sofreriam fortes impactos caso a tributação do IUT seguisse os mesmos padrões aplicados às transações mercantis.

A equação (1) mostra o impacto do IUT na taxa anual de retomo líquido para o aplicador:

A cunha fiscal dada por T implica queda na rentabilidade das aplicações financeiras. Sendo um imposto sobre transações, o impacto na taxa líquida de juros será mais acentuado quanto maior for o giro das aplicações. O retorno líquido por período de aplicação é dado por (2):

Nota-se que a cunha fiscal impõe acentuada perda de rentabilidade para os aplicadores que, para ser reposta, exigiria elevação correspondente nas taxas de juros praticadas na economia. Além disso, haveria um alongamento de prazos de aplicação (queda em g), implicando uma penalidade artificial nas aplicações de curto prazo.

Também o tomador de recursos junto ao sistema financeiro sofreria elevação de custos. O IUT incidiria sobre as transações efetuadas nos empréstimos bancários- ainda mantendo-se a hipótese de não-tributação dos bancos. A equação (3) mostra o custo do dinheiro, que sofre o impacto cumulativo do IUT na captação e na aplicação dos recursos:

A título de exemplo, pode-se notar que, com uma taxa real bruta de juros de 15% anuais ao ano oferecida pelos bancos para captação por 90 dias com spread bancário de 2%, a remuneração líquida para o poupador seria de 6,15% ao ano, ao passo que o custo do dinheiro para o tomador no mesmo período seria de 34,84% ao ano. Nota-se, portanto, o forte impacto da cunha fiscal nas taxas de juros de mercado.

Assim, quanto às transações financeiras e do mercado de capitais, como operações de bolsas, há que se fazer um paralelo com as transações reais e introduzir metodologia específica de cobrança do IUT.

À medida que uma operação financeira pode ser descrita como aluguel de capital, não há como tributar o valor do objeto de locação, mas apenas a remuneração pelos serviços que presta. No caso de um aluguel residencial, por exemplo, o IUT incidirá sobre o valor dos serviços da locação, e não sobre o valor do imóvel locado. Da mesma forma, nas transações financeiras há que se tributar apenas os rendimentos reais da operação, e não o valor do capital cedido.

A operacionalização do sistema mantém os princípios de automaticidade e ausência de apuração dos resultados por parte do contribuinte. Propõe-se que as operações financeiras sejam realizadas exclusivamente por meio de contas bancárias especiais, à semelhança das contas de poupança. Diferentemente das contas- movimento, as contas especiais somente poderão receber créditos ou débitos de outras contas especiais ou da conta-movimento do mesmo titular.

Os créditos nas contas especiais serão isentos de tributação e os valores creditados advindos da conta-movimento do titular serão corrigidos diariamente para apuração, a qualquer momento, de seu saldo corrigido. Quando do débito da conta especial a crédito da conta-movimento do titular, o valor transferido sofrerá a tributação automática incidente sobre o montante que ultrapassar o saldo corrigido, a uma alíquota equivalente à alíquota média do IUT. Alíquotas marginais de 2% resultarão em alíquota média de 25%, que será a incidente sobre os ganhos reais auferidos nos mercados financeiro e de capital.

Cabe apontar que como a incidência neste caso não será cumulativa, para evitar perda da base tributária, há que sofrer tributação pela alíquota média, e não pela marginal. Esta proposta permite que a tributação no mercado financeiro e de capital seja realizada com a mesma simplicidade e automaticidade do restante da economia. Além disso, ela acaba com o risco de desintermediação financeira. Qualquer transação financeira que ocorra ao largo do sistema bancário será tributada regularmente em 2%, incidente sobre capital mais rendimentos.

 

2) AVALIAÇÃO DO IUT

SIMPLICIDADE e CUSTO formam o primeiro requisito de um bom imposto. Devem-se avaliar a facilidade de sua aplicação e o custo de arrecadação - não . apenas os incidentes sobre o setor público, mas principalmente os encargos administrativo-tributários do setor privado.

Sob este prisma o IUT recebe excelente avaliação. Por ser automaticamente arrecadado a cada operação bancária, torna-se simples e de baixo custo. Reduzirá custos sociais e privados ao minimizar as despesas de fiscalização - eles serão restritos aos controles de sistemas e de programação dos computadores bancários - e eliminará a necessidade de coletorias e de controles de arrecadação e de partilha de tributos. Minimizará os gastos do setor público, inclusive os judiciais e de processamento de dados.

No setor privado haverá uma enorme redução dos custos administrativos, e serão liberados recursos humanos que poderão ser utilizados na gestão gerencial, e não na estéril escrituração e apuração tributárias que nada contribuem para a geração de riqueza. O empresário poderá dedicar-se integralmente ao seu negócio, em vez de usar parte substancial de seu tempo e de seus recursos para fins de mera administração tributária.

Sob o prisma de EFICIÊNCIA, o IUT também recebe boa avaliação.

Os críticos afirmam que o efeito cascata, tout court, representa um grave defeito do Imposto sobre Transações Financeiras e que a cumulatividade deve ser intransigentemente renegada, sem necessidade de nenhuma qualificação ou justificativa.

A avaliação dos impactos alocativos do IUT relativamente a impostos sobre o valor agregado - IVA - depende criticamente da existência de competição perfeita. Não se pode precipitadamente inferir implicações normativas acerca das distorções alocativas de impostos em mercados imperfeitos. Em situações não-ótimas, como nos ensinam a teoria de second best é as recentes pesquisas na área da tributação ótima, não se pode afirmar a priori se os impostos em cascata ou os IVAs são mais, ou menos, eficientes.

Por certo, todos os impostos introduzem elementos de ineficiência alocativa. No caso do IUT, porém, boa análise econômica exige a comparação de seus impactos positivos e negativos com os do atual sistema tributário brasileiro, mesmo melhorado por reformas estruturais. É uma falácia a verificação dos efeitos do IUT relativamente a uma situação de ausência tributária.

Por exemplo, um imposto cumulativo induz a verticalização se compara- ; do a uma situação de total isenção tributária; porém, pode reduzir sensivelmente a indução de verticalização frente aos enormes impactos cumulativos do atual sistema tributário brasileiro.

A comparação da magnitude das distorções causadas por impostos cumulativos versus impostos sobre valor adicionado depende não apenas da natureza do tributo (cumulativo ou não), mas sobretudo das alíquotas marginais aplicadas em cada caso. Assim, um imposto sobre valor adicionado, com alíquotas altas, pode introduzir distorções mais fortes do que impostos cumulativos com alíquotas baixas. Indago se não poderia ser este o caso com o ICMS e o IPI com alíquotas elevadas e que, consolidados, chegariam facilmente a 25% ou 30% em média.

Pode-se avaliar o impacto do 1UT na formação de preços na economia através do uso de modelos de relações interindustriais. A mesma metodologia, por sinal, poderá ser utilizada para a desoneração de exportações mediante a técnica de rebates fiscais. Pretendese comparar o impacto do IUT na formação de preços comparativamente a um imposto sobre valor agregado (IVA), tomando-se como base a mesma estrutura produtiva dada por coeficientes técnicos de produção para o Brasil de 1980, agregados em 35 setores, e fornecida ao autor por Ivo Torres e Décio Kadota da USP.

Para qualquer produto tributado pelo IUT, seu preço final é dado por

Em notação matricial, para n setores, pode-se calcular o preço de cada produto com o IUT segundo a equação (5):

Neste modelo, por construção, o custo de produção sem impostos é definido como sendo igual a 1.

O mesmo modelo pode ser adaptado para aferir o impacto de impostos sobre valor agregado (IVA) na formação de preços, como segue:

Em notação matricial pode-se avaliar o impacto do IVA nos preços finais segundo a equação (7):

As equações (5) e (7) permitem calcular o impacto do IUT e do IVA nos preços dos produtos. Supõe-se que ambos os impostos indiretos serão totalmente repassados a preços e que os produtos tenham demandas inelásticas. Tomando-se t e v igual a zero, ambos os modelos se resumem a uma situação de ausência tributária, o que permite avaliar a carga tributária de cada um dos impostos em tela nos preços dos produtos.

Cabe acrescentar que, alterando-se o modelo (6) de forma a fazer com que o mark-up incida sobre os custos de produção líquidos dos créditos tributários, a incidência do IVA será uniforme em todos os setores e equivalente a 1/(1 - v). Acreditamos, porém, que o comportamento representado pela equação (6) reflita mais adequadamente os mecanismos de formação de preços vigentes na economia brasileira.

As tabelas e os quadros anexos demonstram que:

a)   a carga tributária do IUT atinge um máximo de 9%, ao passo que com o IVA de

17% pode ultrapassar 30%;

b)  o IUT implica variância de carga tributária sensivelmente inferior ao IVA;

c)   alíquotas diferenciadas do IVA, como ocorre na prática, implicam variância ainda maior de carga tributária setorial, distorcendo mais fortemente os preços relativos na economia.

Concluiu-se portanto que, com as alíquotas avaliadas, o IUT, embora sendo um imposto em cascata, causa menos distorções nos preços relativos do que o IVA, além de possibilitar sensível redução de carga tributária e conseqüentemente de preços dos produtos tributados.

A carga tributária do IUT varia na razão inversa do valor adicionado em cada estágio de produção e na razão direta do número destas etapas, o que, aliás, ocorre no atual sistema tributário brasileiro. Recente simulação (Luiz Zottmann, "Imposto sobre Transações Financeiras: Reflexões e Simulações", mimeo, Brasília, 1992) considerou até 15 etapas produtivas, com hipóteses de valor agregado por etapa de entre 20% e 200%.

A conclusão foi de que a carga tributária do IUT varia de 2% a 10,2%. Por outro lado, considerando-se apenas o ICMS, o Finsodal, o Pis e as contribuições ao INSS (sem IPTU, ISS, IR, IPI e outros), a sistemática atual brasileira impõe cargas com variação de 24% a 30,7%.


Por certo, bem melhor seria uma estrutura cumulativa com cargas tributárias máximas em tomo de 10%, ao invés de uma estrutura de impostos sobre valores agregados com cargas de mais de 30%. Qual a estrutura mais eficiente do ponto de vista alocativo, se ambas arrecadam o mesmo volume de recursos?   

Embora a atual estrutura tributária esteja longe de ser neutra nos preços relativos, ainda permanece a questão do impacto diferencial do IUT. Mas é inequívoco que nele a cunha fiscal cairia de forma generalizada, reduzindo custos e preços. 

                                                   

1   Incluído na Parte III deste volume, p. 304.

Conclui o autor das simulações que "cairá por terra outra preocupação relativa ao IUT. A da distorção que imporia aos preços relativos. Na verdade será bem inferior a do sistema vigente, ainda que do sistema atual extraíssemos todos os impostos em cascata. Afinal em nenhuma das hipóteses consideradas, a carga fiscal por ela gerada chega próxima sequer à do ICMS, imposto que por sinal não chega a ser nem universal nem neutro. Claro fica, por todas essas razões, que os efeitos negativos do IUT só deverão ser fonte de preocupação se este imposto vier a ser adotado não como um substituto dos impostos indiretos vigentes, mas sim como mais um imposto, a se somar a outros tantos que hoje incidem sobre as atividades formais do sistema econômico brasileiro".

Hoje, quase todos os tributos aplicados no país são cumulativos. Até o ICMS e o IPI tornam-se impostos em cascata quando a cadeia de débito/ crédito se rompe, como ocorre com intensidade na agricultura. Igualmente o imposto de renda de pessoa jurídica, com base no lucro presumido (uma opção permitida por Lei 8541/92), e junto com a contribuição social incidem sobre o faturamento bruto com alíquotas de 1,875% (3% no caso de serviços).

Somando-se a isto o Cofins, o Pis, o ISS e outros tributos em cascata, chega-se aos seguintes resultados: o IUT proporcionará impacto cumulativo menor do que o da situação atual e, portanto, com impacto indutor da verticalização mais fraco do que ocorre hoje.

O IUT, por contar com um fato gerador de grande abrangência, permite a minimização da alíquota marginal. Sob o prisma de análise de equilíbrio parcial esta conclusão é reforçada pela divisão da alíquota entre os dois participantes na transação monetária.

A EQÜIDADE é o terceiro critério de análise a que se deve submeter o IUT.

Inicialmente, cabe lembrar que a atual sistemática tributária brasileira é notoriamente iníqua e regressiva. Tomando-se apenas o imposto de renda como exemplo, nota-se que ele deixa muito a desejar para justificar sua fama de imposto de cidadania, imposto justo, imposto progressivo, imposto social e outras alegadas virtudes.

Cerca de 45% da arrecadação do IR no Brasil vem de empresas, o que configura um imposto indireto e sem a progressividade que está sendo exigido do IUT; outros 33% são de pessoas físicas e de retenções na fonte sobre rendimento do trabalho, um percentual superior à participação do fator trabalho na renda nacional; apenas cerca de 20% das receitas do IR, portanto, incidem sobre rendimentos de capital. Como se vê, um imposto que não configura sua imagem de instrumento redistributivo.

O IUT é um imposto híbrido. Na medida em que incide sobre a renda- salários lucros, juros e aluguéis - é um tributo direto proporcional- nem regressivo nem progressivo.

Sob este aspecto, o IUT conta com a vantagem de que sua proporcionalidade não pode ser transformada, de fato, em regressividade, como ocorre com alguns tributos tradicionais. Hoje há enorme potencial de evasão por parte das famílias de mais alta renda que, ao receberem fringe benefits e ao lançarem despesas pessoais como sendo de suas empresas, acabam disfarçando a distribuição de lucros e destruindo a progressividade do imposto sobre a renda.

Com o IUT não há formas de evadir a tributação e portanto este risco não surge, garantindo-se a proporcionalidade do IUT como imposto direto.

O IUT também é um imposto indireto na medida em que incide cumulativamente sobre a formação dos custos de produção. Nesse sentido, a progressividade deve ser buscada no imposto embutido no preço dos produtos adquiridos pelos consumidores finais.

Há uma diferença fundamental entre o IUT, que é um imposto cumulativo, e os impostos indiretos sobre valor adicionado. Neste último caso, o custo tributário embutido no preço é exatamente a alíquota do IVA. Portanto, com alíquotas únicas, o IVA toma-se um imposto cuja incidência é constante no valor de cada produto. No conjunto dos gastos das famílias de diferentes segmentos de renda e com alíquota única de imposto sobre valor adicionado, a incidência tributária seria proporcional aos dispêndios. Portanto, o IVA é proporcional no conjunto dos gastos familiares.

Esta conclusão não é válida para o IUT. Por ser cumulativo, a parcela do imposto no custo final dependerá do processo de produção. Quanto mais longa a cadeia produtiva e, simultaneamente, quanto mais reduzida a taxa de valor agregado em cada etapa de produção, maior o número de transações na produção de um determinado bem ou serviço e, conseqüentemente, maior a incidência de imposto no custo e no seu preço final. Isto faz com que a análise da progressividade do IUT dependa da composição dos gastos das famílias nas diversas faixas de renda.

Seria lícito supor que na composição total dos gastos de famílias de alta renda será mais elevada a participação de bens mais sofisticados, com mais avançada tecnologia, com mais elevados níveis de especialização na fabricação de componentes e, portanto, com um maior número e mais alto valor de transações monetárias por unidade de produto. Já as famílias de renda mais baixa teriam uma participação maior de "bens de salários", mais simples, e com processos produtivos menos roundabout.

Assim, as famílias de alta renda sofrerão, no conjunto de seus gastos, uma tributação proporcionalmente mais elevada do que as famílias de renda mais baixa. Nota-se, portanto, que a afirmação usualmente feita no sentido de que os impostos indiretos são sempre regressivos é incorreta. E verdade que na margem, ou seja, para produtos analisados isoladamente, o IUT seria regressivo. Contudo, o que interessa avaliar é progressividade na média de todos os gastos das famílias, e nesse caso o IUT seria progressivo.

O IUT apresenta enorme flexibilidade do ponto de vista operacional. Nesse sentido, toma-se possível garantir imunidade tributária para as transações que não ultrapassem, durante certo período, um valor predeterminado de isenção. Torna-se possível, portanto, garantir às famílias de baixa renda a não-incidência tributária sobre seus rendimentos, bem como o saque em dinheiro, sem oneração tributária.

Cabe acrescentar, ainda, que o que se busca é a progressividade do processo fiscal, e não apenas, a progressividade tributária. De nada adianta a arrecadação de impostos ser progressiva se os dispêndios são realizados de maneira regressiva, privilegiando os que menos necessitam dos recursos públicos. Tem sido esta a tradição brasileira. Os gastos públicos privilegiam os detentores de poder, os donos dos cartórios e os que controlam as várias instâncias políticas de decisão.

 

Ao atentar apenas para o lado, a arrecadação orientando todos os recursos de fiscalização e de controle para o sistema arrecadatório, está-se fazendo o jogo dos que desejam manter a distribuição de recursos tributários com os mesmos padrões atuais, ou seja, profundamente injustos e anti-sociais.

Urge reorientar o foco da discussão acerca de progressividade do processo fiscal para a face das liberações de verbas e dos gastos. O IUT pretende certa progressividade e reduz a necessidade de fiscalização e de administração tributária. Assim, libera recursos para serem orientados ao controle dos gastos, garantindo-lhes a desejada progressividade redistributiva.

Cabe lembrar ainda que os impostos indiretos estão sendo paulatinamente resgatados do ostracismo em que foram colocados por intransigentes defensores da progressividade tributária.

O conceito da "progressividade a qualquer custo" vem sofrendo um rápido processo de desgaste, do ponto de vista de políticas públicas. Além de ineficaz, a progressividade na arrecadação de impostos diretos tem desincentivado o investimento e introduzido elementos de estagnação econômica nas economias onde é aplicada com excessiva intensidade. Daí um certo declínio nas economias desenvolvidas.

Neste sentido, os impostos indiretos alcançam novas posições nos modelos tributários atuais. Impostos indiretos não são necessariamente regressivos por duas razões básicas. Em primeiro lugar, porque as alíquotas não precisam ser uniformes, o que lhes pode conceder características de maior progressividade. Em segundo lugar, porque eles são mais fáceis, mais baratos, e encontram menor resistência para ser arrecadados.

Já foi dito que "o imposto justo é o que se consegue cobrar". Há uma inegável constatação de que os impostos indiretos são mais facilmente arrecadados por acharem-se incluídos no preço de mercado dos produtos e serviços.

Com isto não é exigida a ativa participação do próprio contribuinte na apuração e no recolhimento do imposto, como é praxe nos impostos diretos que exigem declarações. Ademais, ao adquirir um produto, o contribuinte iguala o preço à sua utilidade marginal. Há um equivalente, em termos de utilidade subjetiva, em cada cruzeiro de imposto recolhido indiretamente, o que não ocorre com os impostos diretos, quando o contribuinte desembolsa o imposto sem contrapartida direta de aumento de seu bem-estar subjetivo.

Defensores da progressividade tributária apontam para os méritos do imposto de renda. Seria o ideal, afirmam eles. Contudo, do ponto de vista administrativo, o imposto de renda perde grande parte de sua atratividade por incentivar a sonegação e pelas dificuldades de arrecadação. Do ponto de vista teórico, se não houvesse evasão, poderia ser um imposto adequado. Mas o conflito entre o idealismo conceitual e a realidade administrativa acaba por negar seus méritos teóricos.

Na formulação de política tributária, há que se ouvir o policy maker, o administrador público, e não apenas os economistas, tão ciosos de seus modelos quanto cegos à inexorável imposição da realidade.

 

 3) RESPOSTAS A ALGUMAS OBJEÇÕES

Teme-se, infundadamente, que o IUT possa levar à monetarização, à dolarização ou até mesmo ao uso de instrumentos de crédito (como cheques endossados ou notas promissórias) como substitutos das transações bancárias.

Antes de elencar algumas simples providências administrativas que praticamente eliminariam esta possibilidade, cabe apontar os elementos que influenciam a decisão de evitar a transação bancária.

Como toda decisão econômica, ela resulta de uma comparação entre custos e benefícios das várias,alternativas disponíveis. A decisão de abrir mão dos servIços banca nos - e das inúmeras vantagens e redução de custos de transações que eles implicam - envolve uma comparação entre os ganhos e os custos que esta é decisão acarreta.

Do lado dos ganhos marginais, coloca-se apenas a vantagem da economia tributária. À medida que se estaria deixando de efetuar uma transação bancária, estaria obtendo-se um ganho equivalente ao IUT devido. Já os custos marginais da transação monetizada, dolarizada ou pactuada mediante a troca de um instrumento de crédito formariam uma longa lista de elevados vetores. Tomemos inicialmente o caso da transação monetizada.

A proposta do IUT prevê uma sobretaxa tributária devida em operações de saque ou de depósito de numerário no sistema bancário. Sobre esta transação se aplicaria uma alíquota equivalente ao número de transações que este volume de moeda financiaria antes de retomar ao sistema bancário. Suponhamos que a alíquota aplicável a saques e depósitos do sistema bancário seja o dobro da alíquota regular de 2%. Assim, qualquer agente econômico que pretendesse efetuar pagamentos em dinheiro já teria um custo inicial de 4%, que é quatro vezes a alíquota que lhe seria cobrada se efetuasse o pagamento com a intermediação do sistema bancário.

O IUT prevê ainda que o depósito de numerário no sistema bancário também sofra uma sobretaxação. Nesse sentido, o parceiro em uma transação monetizada exigirá um sobrepreço para receber o pagamento em moeda manual, a não ser que pretenda entesourar a moeda, o que evidentemente não ocorre em economias com inflação crônica como a brasileira - ou que já tenha um pagamento contratado em moeda manual para ser concretizado em seguida. Porém, nesta última circunstância, o problema não desaparece. Apenas se transfere ao parceiro da transação monetária seguinte.

Mas não é apenas a sobretaxa que aumenta o custo da transação monetizada. Há riscos envolvidos com a segurança do numerário e custos adicionais com o transporte de valores elevados.

Em outras palavras, desde que o sistema bancário existe - mormente o brasileiro, que é um dos mais sofisticados em todo o mundo - dificilmente os agentes econômicos abririam mão das vantagens que ele oferece. Em realidade, a tendência em todo o mundo é a de rápida expansão da moeda escritural e da moeda eletrônica, em detrimento da moeda manual.

O mesmo raciocínio se aplica à decisão de dolarizar ou de pactuar as transações monetárias.

No caso do uso da moeda estrangeira estaria incorrendo-se riscos de flutuações aleatórias em seu valor quando da reconversão em moeda nacional - seja na transação interna, seja na movimentação de contas correntes no exterior -; o spread e os custos de remessa provavelmente seriam mais elevados do que a economia tributária que a dolarização permite.

Quanto a promissórias e cheques endossados circularem como moeda, apenas o risco de recebimento encadeado de ordem pagamento de desconhecidos já implicaria forte desestímulo para tal comportamento. O spread de risco da operação inviabilizaria a generalização desse comportamento frente à economia tributária que o IUT oferece.

Além disso, ainda podem ser adotadas providências administrativas simples. Por exemplo, o custo da transação monetizada poderá ser aumentado se o valor de face das notas for baixo ou se for proibido o saque de numerário acima de determinados limites. Os cheques poderiam ter datas de validade; os cheques ao portador e o endosso poderiam ser proibidos (o que já é feito comumente quando se emite cheque com os dizeres "para depósito apenas na conta do favorecido"); e os documentos de crédito ao portador poderiam sofrer pesada multa que reverteria em favor do apresentador de tal documento ilegal. Quanto à dolarização, bastaria aplicar com rigor a lei que define como crime qualquer pagamento em moeda estrangeira no território nacional.

Uma das mais freqüentes críticas à tributação sobre transações financeiras no Brasil se reporta à sua aplicação na Argentina a partir de 1984.

O imposto sobre débitos bancários na Argentina teve várias fases. Foi inicialmente um tributo provisório e de baixa arrecadação. Mas se transformou em importante coadjuvante no ajuste fiscal realizado naquela economia, até sua extinção em julho de 1992. 

O ministro Cavallo, que aumentou alíquota para 1,2%, atribuiu ao imposto papel de fundamental importância no esforço de estabilização. Chegou a arrecadar US$ 1,80 bilhão, ou 1,27% do PIB. Superou todos os demais impostos cobrados na Argentina, exceto o imposto sobre valor agregado (US$ 7,2 bilhões) e o imposto sobre combustíveis (US$ 2,7 bilhões).

Sua extinção deveu-se exclusivamente à sua incompatibilidade com o modelo tributário ortodoxo que se busca aplicar naquele país.

De fato, o imposto sobre transações não se coaduna com a estrutura tributária tradicional, da mesma forma que também não se coaduna com as intenções do atual governo brasileiro de implantar o IPMF corno um apêndice da atual parafernália tributária brasileira.

O grande esforço do governo argentino se concentra na implantação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Com a portentosa fé dos recém-convertidos, avança-se rapidamente na universalização do IVA, ainda que com imensos custos burocráticos e com um clima repressivo que beira o nazismo fiscal.

No Brasil, já trilhamos o mesmo caminho desde meados da década de 60, quando Roberto Campos implantou o IVA pioneiramente em todo o mundo.

Nestes últimos 30 anos, contudo, confirmaram-se amplamente as inconveniências e os elevados custos dos impostos declaratórios. Perdemos a inocência tributária e a fé desvaneceu.

A experiência do Imposto sobre Débitos Bancários da Argentina confirma a viabilidade do IUT.

Alegam os críticos do imposto sobre transações que o imposto sobre débitos naquele país teria sido o causador da intensa desintermediação financeira. A elevação das alíquotas aparentemente motivou a perda de transações bancárias e, por conseqüência, o aumento das transações em moeda (austrais ou dólares). Teria havido intensa erosão da base de tributação, além de aumento de custos de transação e perda de competitividade para bancos e para os agentes econômicos em geral.

Desta forma, continuam os críticos, a eliminação daquele tributo em julho do ano passado foi imposição do bom senso e a experiência Argentina não recomendaria sua implantação no Brasil.

Esta correlação, contudo, é espúria, pelas razões que seguem.

Cabe apontar inicialmente que o Brasil possui condições estruturais mais propícias a impostos sobre transações do que a Argentina. Mesmo em sua fase inicial, quando a alíquota era de 0,1% ou 0,2% e quando, portanto, não houve tentativa de evasão do tributo, estava implícita urna relação transações bancárias/ PIB de 2,5. No Brasil, esta relação é de cerca de 12.

Em outras palavras, utilizam-se os bancos no Brasil com muito mais intensidade do que na Argentina. De fato, o cheque é pouco utilizado naquele país. Cheques não são utilizados pelas pessoas físicas ou pelo comércio. O sistema bancário ainda é pouco informatizado e não existe urna câmara nacional de compensação como no Brasil. Os custos são elevados e os cheques têm pouca credibilidade como meio de pagamento. 

Ademais, a defeituosa regulamentação do imposto sobre débitos na Argentina permitiu a corrosão da base de incidência. Apenas os cheques eram tributados excluindo-se outros tipos de lançamentos bancários como cobranças (contas de recaudación), transferências em conta, depósitos a prazo e endossos. Havia alíquotas diferenciadas e grande número de isenções e imunidades. Estes desvios foram paulatinamente eliminados, mas a evasão foi intensa durante a maior parte da vigência do imposto, levando a relação transações bancárias/ PIB a cerca de 1,2 em 1991.

Cumpre dizer que esta queda deveu-se sobretudo a fatores independentes do imposto sobre débitos.

Entre 1988 e 1991, a Argentina sofreu enorme instabilidade e dois surtos hiperinflacionários. Neste período, os depósitos bancários à vista rendiam juros fortemente negativos, causando migração de recursos para os depósitos a prazo (não-tributados) e para os mercados informais de aplicações overnight.

Estes últimos funcionavam como bancas de jogo do bicho, na base da estrita confiança. Pessoas fiscais ainda convertiam seus rendimentos em austrais para dólares com perdas que chegaram a até 4%, numa clara demonstração da perda da competitividade das aplicações bancárias e de como há margem para o aumento de alíquotas de imposto sobre transações em sistemas bancários confiáveis.

Nestas circunstâncias, não há como atribuir a evasão bancária ao imposto sobre débitos.

A lição que a experiência Argentina nos ensina é tripla. Primeira: há que se produzir uma regulamentação competente. Segunda: o Brasil possui condições estruturais que nos permitem antever grande sucesso com imposto sobre transações bancárias. Terceira: tratase de um imposto ágil, de custo baixíssimo (como reconhecido pelos próprios banqueiros argentinos) e que não suscitou reação contrária da população.

Outro temor é o da verticalização do processo produtivo. 

Adotando-se a mesma metodologia de análise, verificar-se-á com facilidade que o IUT implicará uma reversão dos incentivos à verticalização de origem tributária pela simples razão de que, hoje, o Finsocial e o PIS-Pasep já representam 2,65% do faturamento das empresas e, portanto, implicam incentivo mais forte à verticalização que o IUT. 

Além disso, é preciso relativizar os estímulos tributários à verticalização. No processo decisório, os argumentos tecnológicos são mais poderosos. Trata-se da vantagem da especialização que as modernas economias evidenciam exaustivamente; das economias de escala, das economias de especialização, enfim, das externalidades de vários tipos. 

Por estas razões seria insensato imaginar que a verticalização ocorra, por força do IUT, além do que seria determinado pelas relações tecnológicas e econômicas de produção. Como exemplo, caberia indagar se conviria às atuais montadoras de veículos investir em suas próprias indústrias de vidros, ou de pneus, ou de aço plano, para economizar 1% do valor que cada um desses componentes representam no preço final de um veículo. Mais importante ainda é verificar se conviria perder economias de escala geradas nas grandes indústrias que fornecem às montadoras. Claramente a questão da verticalização é um tigre de papel.

Outros críticos temem o surgimento de problemas federativos, como o da distribuição dos impostos arrecadados.

A questão da partilha é totalmente colateral à proposta do IUT. Terá de ser enfrentada por qualquer projeto de reforma tributária. No caso do IUT, será necessário uma lei especial que regulamente a partilha tributária entre os vários níveis de governo. Trata-se de problema a ser abordado no Congresso, o foro adequado para tal discussão.

Viu-se anteriormente que, para garantir a neutralidade inicial do IUT, sugere-se que cada nível de governo mantenha a mesma proporção na carga tributária bruta - inclusive a previdência - que vem percebendo ao longo dos últimos anos. Trata-se de uma forma de evitar que a discussão da partilha, sempre polêmica e sempre presente, acabe por perturbar a discussão do sistema do IUT, que em realidade em pouco depende e em pouco contribui para a resolução desse problema essencialmente político.

A implantação de um imposto cumulativo não enviabiliza a desoneração tributária das exportações. Apenas a torna mais transparente, ao transformar o incentivo fiscal em rebate, ou devolução, do imposto efetivamente recolhido. Tornar-se-ia necessária uma análise empírica dos setores exportadores para identificar e conseqüentemente devolver os tributos recolhidos ao longo do processo de produção. Cumpre acrescentar ainda que, por ser um imposto cumulativo, a incidência do IUT se concentrará no exportador. Assim, o rebate tributário (que poderá ser calculado com o uso de matrizes de insumo-produto) pode ser efetuado apenas no final da linha, sem necessidade de repasses para os processos produtivos anteriores.

O IUT ainda elimina um dos mais perniciosos hábitos dos formuladores de política econômica no Brasil, qual seja o uso excessivo da isenção fiscal como instrumento de redistribuição de renda, de fomento e de proteção a setores selecionados.

A isenção fiscal é um instrumento pouco transparente na identificação de seus beneficiários e na quantificação da vantagem oferecida. Em geral, são aplicados de forma ampla, como uma rede de pesca, sem alvos identificados com clareza.

O IUT poderia contribuir para aperfeiçoar as formas de proteção e de incentivo que se deseja conceder ao tornar necessária a utilização de outros instrumentos, como o subsídio e a devolução de tributos. Estes últimos exigem quantificação prévia e, portanto, restringem os abusos e o mal direcionamento no uso dos recursos públicos.

Há temor de que, pressionado por políticos demagógicos e/ou mal-intencionados, o governo aumente as alíquotas do IUT.

Esta crítica não deveria ser direcionada ao IUT, mas sim às instituições políticas brasileiras. Afinal, estamos hoje sujeitos a esse tipo de comportamento de nossos governantes. Vide o Finsocial, que começou com 0,5% e hoje é de 2%, o ICMS que começou com 12% e hoje é de 17% (18% em São Paulo). Há muitos outros exemplos.

A unicidade tributária iria impedir que este comportamento fiscalista do governo voltasse a ocorrer. Hoje a parafernália de impostos desarma o contribuinte que deseja defender-se. A cada momento é uma alíquota que sofre alterações, uma legislação que muda, uma nova obrigação criada.

Com o IUT a questão fica mais transparente, menos opaca e mais direta. Qualquer sugestão de elevação da alíquota do IUT seria manchete de todos os jornais, pois há uma relação direta entre alíquotas e custos tributários; o contribuinte estaria mais atento e o político encontraria sérios constrangimentos ao propor qualquer elevação de alíquota que não fosse plenamente justificada e discutida.

O IUT é o caminho para a responsabilidade tributária e para o definitivo sepultamento da demagogia e dos abusos que regularmente fazem dos desprevenidos contribuintes brasileiros, vítimas irrecorríveis da irresponsabilidade de seus governantes.

Teme-se que a base de tributação do IUT - as transações bancárias - poderia ser comprometida por câmaras de compensação privadas e pela transformação de cheques em quase moeda.

O que carece neste tipo de argumentação é o fato de os custos das transações tidas como substitutivas à transação bancária serem mais elevados do que a economia tributária obtida. Por exemplo, as câmaras de compensação privadas seriam, em realidade, pequenos bancos privados, com custos operacionais que não podem ser negligenciados. A aceitação de cheques de terceiros implica riscos cujo custos o comércio e o setor bancário bem conhecem. Indago se o custo de uma apólice de seguro contra cheques sem fundo seria interior à alíquota do IUT.

Além disso, o processo produtivo moderno é essencialmente unidirecional. Nas transações entre empresas e entre setores não existem pagamentos recíprocos. O professor vende seus serviços à universidade e quase nada compra dela; o operário de uma siderúrgica não consome aço, nem um sapateiro come os chinelos que fabrica. Nesse sentido, as câmaras de compensação, para terem um mínimo de efetividade, teriam de ser abertas ou então englobar grande número de setores.

Ademais, cabe lembrar que o IUT é desburocratizado. Mas não prescinde de um arcabouço legal mínimo. Algumas regras teriam de ser seguidas. Por exemplo, compensação de valores é atividade privativa do sistema bancário, o que tornaria legais as câmaras de compensação privadas. Cheques ou endossos ao portador são proibidos, sujeitando o infrator a pesadas multas que reverteriam automaticamente em favor de quem apresentasse os documentos irregulares a qualquer guichê de banco. E a tributação sobre os cheques levaria em conta o número de endossos que portassem em seus versos.

Com pequenas e simples regras como estas, os argumentos tidos como insuperáveis pelos críticos do IUT poderiam ser imediatamente removidos. Basta uma regulamentação competente e um pouco de boa vontade para encontrar as soluções administrativas.

Várias dúvidas têm surgido no tocante aos cálculos de arrecadação do IUT.

A intenção do projeto do IUT é garantir a mesma arrecadação atual, ou seja, cerca de U5$ 80 a U5$ 85 bilhões anuais. Este é o volume de recursos arrecada- dos atualmente pelos 'três níveis de governo e pela Previdência. Tentaremos estimar o valor corrente das transações, para que a comparação seja compatível com as flutuações cíclicas da economia.

Pode-se supor, conservadoramente, que os custos de controle, lançamento, arrecadação e cobrança de impostos, envolvendo atividades nos poderes executivo, legislativo e judiciário, executados no âmbito da União, dos 27 Estados e dos cerca de 6.000 municípios, impliquem custos de US$ 10 bilhões.

Cabe lembrar que, além dos custos da receita federal, das receitas esta- duais e das coletorias municipais, estamos incluindo os relativos à arrecadação previdenciária e ao funcionamento das atividades judiciárias e legislativas vinculadas direta e indiretamente a questões tributárias. Por exemplo, varas de fazenda, processos e ações na justiça e atividades legislativas ligadas à criação e à regulamentação de tributos nos mais de 6.000 parlamentos existentes no país.

O primeiro cálculo sobre o volume de transações bancárias, que é a base de incidência do IUT, foi realizado a pedido do autor dentro da própria Febraban em 1990.

Tomou-se uma amostra de oito bancos, juntos representavam 26% do total de depósitos do sistema. Excluídas as transações vinculadas ao setor público e as contas de reservas bancárias, chegou-se à conclusão de que o sistema bancário brasileiro efetuava lançamentos em conta corrente de clientes em montante de operações de U5$ 400 bilhões mensais - U5$ 800 bilhões de valor mensal de lançamentos e US$ 9,600 bilhões anuais.

Tomando-se por base a tributação dobrada das transações em moeda nos bancos e a sistemática especial para aplicação nas transações financeiras e no mercado de capitais, a arrecadação prevista é de US$ 111 bilhões. Supondo-se um enxugamento da base de 20%, a arrecadação seria de US$ 89 bilhões anuais, bem acima de US$ 70 a US$ 75 bilhões anuais, que é a receita líquida desejada para garantir neutralidade na arrecadação.

Além desses cálculos, dois outros foram elaborados a pedido da Febraban pela MCM Consultores e pela KPMG, Peat Marwick Consultores.

O estudo elaborado pela KPMG toma por base uma amostra restrita de instituições bancárias. Cumpre apontar que os dados "foram utilizados sem quaisquer análises que possam ratificar sobre a adequação e veracidade dessas informações" (sic, p.2).

O volume de transações que consubstanciaria a base de cálculo do IUT foi estimado em US$ 6,647 bilhões anuais. Consideradas as alíquotas aplicáveis no projeto do IUT (1% para os lançamentos bancários mercantis, 4% para os saques e depósitos em moeda, e 25% para o rendimento real das aplicações financeiras), "a arrecadação anual produzida pelo IUT... poderia ser estimada em US$ 86 bilhões" (sic, p4).

Os autores do estudo fazem ressalvas acerca de mudanças comportamentais dos agentes econômicos após a implantação do imposto e alertam acerca da provável superestimação das transações em moeda, bem como do risco de corrosão da base tributária mediante desintermediação e dolarização das transações. Mas, por outro lado, reconhecem não terem incluído na base de cálculo do IUT a movimentação da conta de reservas ligada às atividades com recursos próprios dos bancos e as operações de crédito e financiamento bancários.

Assim, somando-se a tributação decorrente das operações de crédito e financiamento - e cujos saldo representam volume equivalente aos do estoque de ativos financeiros -, e estimando-se que as operações com recursos próprios dos bancos atinjam 5% das operações mercantis, a receita total do IUT chegaria a US$ 91 bilhões. Estimando-se que a elasticidade de substituição nas operações tributadas implicaria sua redução em 20%, chegar-se-ia a uma arrecadação de US$ 74 bilhões anuais, segundo os dados apresentados pela própria KPMG.

O trabalho da MCM Consultores Associados utiliza uma esdrúxula metodologia: estima a carga tributária bruta "normal", e em seguida faz a comparação com a arrecadação gerada pelo "atual" volume de transações bancárias. Em outras palavras, a receita desejada é superestimada pelo expurgo dos efeitos contracionistas do quadro econômico em 1992 (avalia-se uma arrecadação normal de US$ 100 bilhões), ao passo que o potencial de arrecadação é subestimado ao incorporar todos os impactos da recessão.

A MCM estima o valor das transações bancárias em US$ 6,972 bilhões. Há que se fazer a ressalva de que boa parte das projeções de arrecadação (seção 5.3 do estudo) foram baseadas em premissas equivocadas acerca do funcionamento do IUT. Além de não prever a sobretaxação das operações em moeda, também não considera a tributação diferenciada para as operações financeiras. Logo em seguida, contudo, estima a arrecadação do IUT em US$ 68 bilhões.

Seguindo a metodologia da KPMG que aplica corretamente as premissas do IUT e tomando por base os dados fornecidos pela própria MCM, a arrecadação estimada salta para US$ 86 bilhões, valor que se reduziria para US$ 69 bilhões no caso de perda de base de 20%.

Em resumo, as três estimativas apresentadas produzem receitas tributárias de US$ 69 bilhões (MCM), US$ 74 bilhões (KPMG) e US$ 89 bilhões (do autor). Cumpre repetir que os três estudos curiosamente partiram de dados fornecidos pela própria Febraban, ainda que em épocas distintas, e quando a discussão do IUT - e provavelmente a atitude daquela instituição em relação ao tema - encontrava-se em estágio diferente.

Neste momento, vale trazer um importante elemento adicional.

Desde junho de 1990 e até fevereiro de 1993, um banco comercial vem fornecendo ao autor informações detalhadas acerca de suas operações. Trata-se de um dado real, tirado da contabilidade da instituição. Não se trata, portanto, de estimativa, mas sim de um importante benchmark contra o qual se podem avaliar as estimativas que foram descritas anteriormente, todas elas baseadas em amostras.

A instituição bancária detém uma fatia de cerca de 2,5% do total do volume de depósitos nos bancos brasileiros. Dados os grandes volumes de transações, pode-se esperar que as demais operações realizadas mantenham aproximadamente a mesma proporcionalidade.

Assim, tomando-se por base os dados do benchmark e supondo-se que o mesmo represente 2,5% do setor bancário, nota-se que a arrecadação do IUT poderia ser de US$ 102 bilhões.

Para finalizar, estimou-se um "índice de subestimação" dos cálculos dos volumes de operações bancárias. Note-se que as três estimativas que tomaram por base os dados fornecidos pela Febraban em geral subestimaram os volumes de transações em cheques e em moeda, porém dentro de limites de erro aceitáveis. Em realidade, trata-se de dado de amplo conhecimento público a partir das publicações das câmaras de compensação do Banco do Brasil, e que portanto não comporta- riam estimativas excessivamente discrepantes. A exceção foi o volume de transações com cheques indicado pela MCM, que se situou 35% abaixo do esperado pelo benchmark.  

 

Já os valores das demais transações bancárias não são publicados, o que torna as estimativas passíveis de erros difíceis de ser identificados. Assim, o conhecimento dos dados do benchmark torna-se de fundamental importância para uma correta e isenta avaliação do potencial arrecadador do IUT. Nota-se, de fato, que as estimativas da KPMG e da MCM produziram subestimativas de 60%, e o autor, de 40%.

As informações são altamente encorajadoras, pois demonstram que a arrecadação desejada de US$ 75 a US$ 80 bilhões poderá ser realizada com alíquota do IUT significativamente mais baixa do que a de 1% que temos tomado como base de referência.

O tópico seguinte de discussão se prende aos custos bancários.

É evidente que os bancos serão remunerados pelos serviços de arrecadação tributária que efetuarão. Mas o busílis da questão não se prende a isto, um tema que meia hora de negociação seria capaz de resolver. Afinal, o IUT implicaria custos praticamente nulos de arrecadação e de distribuição. Hoje, cada uma das dezenas de tributos implica uma guia de recolhimento, a conferência pelo caixa do banco, custos de espera (filas), digitação dos documentos no CPD dos bancos, processamento, microfilmagem, discriminação dos recebimentos por tipo de tributo, por tipo de destinação e por prazo de recolhimento ao governo. "Enfim, um custo elevado comparativamente ao que seria o IUT: apenas um impulso eletrônico - sem emissão de papel e sem burocracia.

Feitas estas observações, permanece um mistério as razões pelas quais, do ponto de vista do custo operacional, os bancos não deveriam prontificar-se a pagar o governo para implantar o IUT, em vez de cobrarem. Quem sabe, o cerne do problema se prende ao float bancário. Porém, acredito que, feitas as contas e explicitando-se de forma transparente os custos e as vantagens que o IUT proporcionaria ao setor bancário, seria fácil chegar a um acordo que levaria em conta o legítimo interesse comercial dos bancos e os da sociedade.

Neste sentido, chamaria a atenção para um esclarecedor artigo de presidente da Febraban publicado na Folha em 8/04/92, onde diz que o governo "se apropria atualmente de 57,65% da taxa de juros real paga pelo tomador de empréstimos..." e que as despesas tributárias dos bancos comerciais em 1991 corresponde- ram "a 149,4% do lucro líquido, ou seja, os bancos serviram mais ao governo como fonte de arrecadação do que seus acionistas...". O IUT corrigiria esta evidente distorção.

4) IMPACTOS MACROECONÔMICOS

A implantação do IUT implicará enorme economia de recursos hoje desperdiçados ti na estéril tarefa de escrituração tributária nas empresas. Também envolve, além da minimização da economia informal, redução sensível dos custos de fiscalização e arrecadação na máquina estatal. Estas características da proposta têm suscitado suspeitas de que ela poderia gerar forte aumento da taxa de desemprego.

Em realidade, a aplicação do IUT implica uma mudança semelhante à de qualquer inovação tecnológica. Reduz custos, aumenta a eficiência e incrementa a produtividade.

As sociedades modernas já aprenderam que a busca de eficiência e da produtividade não causam desemprego nem geram processos crônicos de subconsumo. Pelo contrário, são formas de aumentar a competitividade dos setores produtivos, de incrementar o poder aquisitivo dos salários e, conseqüentemente, são importantes fatores indutores de crescimento econômico.

Seria ingenuidade esperar que a parte da máquina estatal hoje dedicada à fiscalização e à administração tributárias seja subitamente desmontada. Sabidamente, o setor público tem enorme carência de recursos humanos para o desenvolvimento de suas tarefas, principalmente a da fiscalização de gastos do setor público. A automaticidade e economia com que a arrecadação tributária seria realizada com o IUT poderia liberar recursos humanos para garantir um acompanhamento mais criterioso dos gastos do governo, minimizando o desperdício, a ineficiência e a corrupção que hoje se abateram sobre vários setores da burocracia estatal.

Da mesma forma, o contingente de pessoal hoje atrelado às improdutivas rotinas tributárias no setor privado poderia ser reorientado para o aperfeiçoamento dos controles gerenciais e administrativos, como aliás ..1conselham a formação e os ideais profissionais dos que foram treinados para se dedicar à contabilidade, à auditoria e às finanças empresariais.

O impacto macroeconômico mais significativo do IUT ocorrerá na estrutura produtiva. Tratando-se de um imposto cumulativo, a nova incidência tributária poderá alterar substancialmente os preços relativos e conseqüentemente impactar a estrutura produtiva global e a própria taxa inflacionária. Mesmo com condições de estabilidade na carga tributária bruta, os impactos setoriais poderão ser significativos, o que tomará esta a área de pesquisa mais importante a ser desenvolvida na discussão do IUT.

A cumulatividade do IUT impactaria de forma diferenciada sobre o preço dos produtos, dependendo da extensão de suas respectivas cadeias de produção e das taxas de valor adicionado em cada uma delas. Certamente os preços relativos serão alterados com o IUT, mas para melhor, no sentido de melhor refletirem seus respectivos custos de oportunidade.

A carga tributária dependerá da extensão da cadeia de produção de cada setor e também do coeficiente de agregação de valor em cada uma destas etapas. Por exemplo, dois produtos com uma mesma cadeia de produção, mas que diferem no montante de valor agregado na última etapa da cadeia - por exemplo, no varejo - terão onerações tributárias diferentes.

Embora a teoria da second best tenha colocado uma pá de cal sobre as pretensões de se conhecerem detalhadamente as implicações alocativas das distorções tributárias, não há por que esperar que as alterações sejam necessariamente para pior.

Estimativas setoriais mostram que a cunha fiscal será reduzida substancialmente e, portanto, com o IUT a estrutura de preços relativos será menos distorcida do que a atual. Preços se aproximarão dos custos marginais, e os preços relativos se aproximarão das taxas marginais de transformação.

Não há por que defender a manutenção da atual estrutura de preços relativos. Aliás, a forte concentração industrial brasileira permIte que a carga tributária teórica seja usada na composição de preços ao consumidor, ainda que ela não se transforme em efetiva arrecadação pelas mais variadas formas de evasão. Portanto, boa parte dos preços ao consumidor tem um comportamento semelhante à exploração monopolística, implicando fortes distorções alocativas e distributivas.

Com o IUT, o instrumento tributário perde flexibilidade. Diferentemente da atual estrutura, altamente discricionária, o IUT deve ser aplicado de forma rígida, com estrita recusa de fixação de alíquotas diferenciadas. Isto não implica dizer que o governo se torne passivo na formação da estrutura de preços internos, mas apenas que deverá passar a utilizar subsídios e transferências corno meio de alterar preços relativos, em substituição aos efeitos alocativos de um sistema tributário mais discricionário, corno o atual. Evidentemente, subsídios e transferências são instrumentos a serem parcimoniosamente utilizados.

O IUT poderia ser a base para amplo entendimento nacional. Não é tarefa fácil acomodar os interesses dos principais grupos sociais envolvidos, trabalhadores, empresários e governo. Cada um visualiza a oportunidade de ampliar seus rendimentos, configurando um conflito de interesse impossível de ser superado em condições estáticas.

Nesse sentido, o IUT, ao permitir ganhos a todas as partes envolvidas - setor público, assalariados e empresários - cria condições para o início de um diálogo que já tarda no país. Para o setor público, o IUT permite redução de custos, desburocratização, modernização administrativa, recuperação de receitas. Facilita, enfim, o necessário ajuste fiscal. Para os trabalhadores, abre espaço para a recomposição salarial mediante a incorporação aos salários, ainda que parcial, das contribuições previdenciárias, das retenções na fonte e das contribuições patronais. E para o empresariado, permite redução de custos, aumento de mercados e recomposição de margens.

Vale lembrar que o espaço aberto pelo IUT equivale à redução dos custos do atual sistema tributário. Supondo-se que os custos de arrecadação tributária em todos os níveis de governo - União, Estados e municípios, nos poderes executivo, legislativo e judiciário - sejam equivalentes a 10% da carga tributária bruta, abrir-se-ia um espaço de cerca de 2,5% do PIB; supondo-se ainda urna drástica redução dos custos de escrituração e administração tributárias do setor privado - que certamente respondem no mínimo a 30% dos custos administrativos do setor produtivo -, não é improvável que se reduzam custos em outros 1,5% ou 2% do PIB. Portanto, globalmente, abre-se urna ampla margem de negociação, próxima de 4% do PIB.

O IUT ainda poderia ter importantes efeitos positivos. Evitaria a corrosão inflacionária dos tributos; auxiliaria no plano de estabilização através da facilitação do ajuste fiscal; e poderia ser importante coadjuvante no fortalecimento do sistema bancário nacional, que passaria a ser remunerado pelos serviços prestados ao público e, principalmente, ao governo.

 

5) O IMPOSTO PROVISORIO SOBRE MOVIMENTAÇOES FINANCEIRAS

Por fim há que se desfazer qualquer mal-entendido: o Imposto Provisório sobre Movimentações Financeiras (IPMF) e o Imposto Único sobre transações (IUT) não são a mesma coisa. Há pelo menos dez razões pelas quais o IPMF é uma péssima forma de tributar e pelos quais, em contra posição, o IUT é um bom imposto.

1               - O IPMF é mais um imposto a ser adicionado ao atual sistema tributário, cujas principais características permanecerão como se encontram hoje. Todos os seus defeitos e distorções permanecerão praticamente intocados. Perdurará um sistema tributário de baixa produtividade, burocratizado, de incidência desigual, regressivo, contaminado pela corrupção e pela expansão da economia informal.

Já o IUT pretende ser um novo modelo. Substituiria todos os impostos arrecadatórios atualmente cobrados do contribuinte, e implicaria uma radical mudança na sistemática tributária brasileira.

2               - O IPMF incidirá sobre todos os débitos bancários, mercantis e financeiros. .Implicará uma cunha fiscal tão maior quanto mais curto for o prazo da operação. Isso poderá encarecer e até inviabilizar operações em Bolsas, descontos de duplicatas e operações de curto prazo.

O IUT prevê sistemáticas diferentes para a tributação de operações financeiras. Em realidade, haveria uma tributação sobre lucros financeiros reais com alíquotas de 25%. Pela sistemática operacional proposta, as transações financeiras não seriam oneradas enquanto ocorressem dentro do circuito do mercado de capitais. A tributação ocorreria apenas na transferência dos ganhos reais para a conta movimento dos aplicadores, ao se tornarem disponíveis para outros tipos de transações.

3 - O IPMF não prevê sobre taxação de saques e depósitos de numerário do sistema bancário.

O IUT impõe alíquota dobrada nessas operações. Assim, ele desestimularia fortemente a desintermediação bancária, o que não ocorre com o IPMF.

4 - O IPMF impõe custos marginais positivos para o sistema bancário, pois trata-se de mais um imposto a ser arrecadado pelos bancos.

O IUT eliminaria os impostos atualmente existentes, reduzindo brutalmente os custos bancários atuais. Nesse sentido, o IUT teria custo marginal negativo para os bancos.

5                     - Considerando-se que o custo marginal da cobrança do IPMF é de cerca de 15 centavos por lançamento, grande parte das transações bancárias terá arrecadação negativa. Cerca de 60% dos cheques de pessoas físicas deveriam ser isentados do IPMF (com perda de cerca de 10% da arrecadação prevista). A alternativa adotada foi o recolhimento após acumulação de transações durante períodos predeterminados. Nesse caso, os recursos fiscais ficariam retidos no sistema bancário.

6                     - O IPMF não move uma palha para reduzir a burocracia fiscal brasileira, pois aquele imposto é adicionado ao rol dos tributos atualmente existentes. Continuarão existindo centenas de livros fiscais, talonários, declarações, formulários etc.

O IUT eliminaria completamente a parafernália fiscal, liberando recursos equivalentes a cerca de 4% do PIB hoje consumidos nas estéreis obrigações tributárias acessórias impostas ao setor privado e nos custos administrativos fiscais em todos os níveis e poderes da administração pública. Desapareceriam as declarações de impostos e a necessidade de justificar, do ponto de vista fiscal, a origem de recursos. 

7 - O IUT prevê um arcabouço institucional que impediria a circulação de cheques como se fossem moeda. Seria proibida a emissão de cheques ao portador. Mesmo os endossos teriam de ser feitos nominativamente e cada um deles implicaria a cobrança do IUT quando do depósito do cheque no sistema bancário. 

O IPMF não prevê essas salvaguardas institucionais para desestimular o uso do cheque como quase-moeda. Essa prática é naturalmente limitada pelos riscos que tal operação implica, como atesta o crescente número de cheques sem 'fundos. Porém, o fenômeno da circulação de cheques poderá acontecer, corroendo o potencial arrecadador do IPMF.

8 - O IPMF não incorpora totalmente a economia informal ao universo tributário brasileiro. Mais de 80% da arrecadação pública ainda continuarão incidindo desigualmente sobre os segmentos formais e, dentro deles, nos setores mais incapazes de praticar evasão fiscal, como é o caso da tributação direta sobre os assalariados.

O IUT acabaria com a distinção entre economia formal e informal, além de eliminar a evasão, a sonegação e a corrupção fiscal.

9 - O IPMF está sendo adotado pelo governo apenas por seu grande potencial arrecadador. Em realidade, parece ter sido apenas esta a qualidade que atraiu sua atenção. Ao adicioná-lo ao rol dos demais impostos e contribuições existentes, o governo ignora as vantagens desburocratizantes e moralizantes que um imposto sobre transações financeiras poderia ter se fosse único.

O IUT garantiria, além de alto potencial de arrecadação, a desburocratização radical do sistema, a libertação do indivíduo dos controles estatais e a extrema economicidade gerada pela radical automatização da coleta tributária.

10 - O IPMF - por ser um imposto a mais e por não estabelecer critérios operacionais diferenciados para transações mercantis e financeiras - tem forçosamente de isentar determinados tipos de transações de sua incidência, como, por exemplo, a poupança. À medida que se aceitem exceções, estarão abertas verdadeiras avenidas para as mais variadas formas de burla, como, por exemplo, o pagamento de salário e de outras operações diretamente nas contas de poupança.

O IUT prevê algumas mudanças institucionais para ampará-lo. Seriam alterações cujos custos apenas justificariam sua implementação no caso de o IUT ser o imposto único do sistema. Com o IPMF, as mesmas mudanças conflitariam com os demais componentes da atual estrutura tributária. O IPMF está sendo imposto a seco, sem maiores cuidados para garantir sua correta utilização. Assim, corre-se sério risco de comprometer gravemente os resultados de sua implantação.

Da forma como está sendo imaginado, o IPMF produzirá resultados positivos apenas do ponto de vista de arrecadação. Mas serão introduzidas perigosas distorções no funcionamento da economia brasileira.

O Imposto sobre Transações é excelente alternativa para a reforma tributária se for único como o IUT; mas como mais um imposto, como o IPMF, agravará as já inaceitáveis contradições do atual modelo tributário brasileiro.

 

O IMPOSTO ÚNICO 

Luis Nassif

Folha de S. Paulo, 18/6/91

Um dos temas mais instigantes, dentro do atual processo de discussão acerca das mudanças institucionais no país, tem sido o da simplificação da arrecadação tributária, a partir da proposta de instituição de um Imposto Único. A idéia consta de um projeto do deputado Flávio Rocha (PRN-RN), em cima de estudos do professor Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. 

A proposta contém atrativos explícitos. O principal é o da eliminação de uma estrutura de arrecadação que consome hoje em dia cerca de 3% do PIB (ou US$ 10,5 bilhões), da parte do governo, mais um percentual equivalente em custos administrativos d,1s empresas. Um segundo, a conferir, seria o da redução substancial da tributação em cima de todos os setores que hoje sustentam a arrecadação tributária, através da incorporação ao sistema dos integrantes da chamada economia informal.

Os 52 tributos atualmente existentes seriam substituídos por um Imposto Único sobre Pagamentos (Iusp), constituído por apenas três tributos: Imposto sobre Comércio Exterior, Imposto sobre Propriedade Territorial Rural e o Imposto sobre Transações Financeiras (ISTF).

Este ISTF teria uma alíquota única de 1% que incidiria sobre todas as transações bancárias, cheques, transferências on fine etc., nas duas pontas da transação (na soma, dá 2% de alíquota). Pelos cálculos do professor Cintra, o PIB brasileiro real (incluindo economia informal) corresponderia a US$ 500 bilhões. Este dinheiro, se girado seis vezes por ano, ascenderia a US$ 3 trilhões. Um imposto de 2% sobre cada transação permitiria atingir os US$ 60 bilhões líquidos hoje arrecadados (já descontados os custos com a máquina).

A idéia é fascinante e merece ser aprofundada, principalmente em relação a alguns pontos específicos: 

Ponto 1- Análise do efeito desses 2% sobre a estrutura de produção e de arrecadação. 

O Iusp é cumulativo. A matéria-prima é vendida para o fabricante de peças acrescida de 2% de Iusp. A cada operação, o custo do imposto é embutido no preço, e na operação seguinte irá pagar-se imposto sobre imposto. No fim da linha, o consumidor irá pagar 2% de imposto direto (sobre seus rendimentos) mais um percentual de imposto indireto, embutido nos preços das mercadorias. Tal prática é boa do lado da simplificação, mas não se sabe ainda seus efeitos sobre os diversos setores da economia e sobre os contribuintes de maneira geral. Pode inviabilizar setores que demandam mais transações na fabricação de seus produtos? Aumenta ou alivia a carga sobre os contribuintes de menor renda? Como imposto indireto, em princípio deverá incidir ,em menor escala sobre produtos básicos (cuja produção demanda poucas transações). De qualquer maneira, uma resposta mais adequada dependeria de análises mais detalhadas sobre a estrutura de produção brasileira.

Ponto 2 - Eqüidade fiscal. 

Há dois preceitos consagrados de justiça fiscal: a progressividade (quem ganha mais precisa pagar proporcionalmente mais imposto) e o conceito de taxa (o pagamento pelo contribuinte por um serviço especial recebido do Estado, ao qual não tem acesso o conjunto geral de contribuintes).

Como imposto direto (incidindo sobre rendimentos), o Iusp é igual para qualquer faixa de renda. Como imposto indireto, que incide sobre produtos, a resposta depende de estudos mais abrangentes. Mas será regressivo na parte que propõe a extinção de taxas atualmente existentes (limpeza pública, pavimentação etc.). Isto fará com que os beneficiários da infra-estrutura urbana acabem sendo financiados por quem não tem acesso a nenhum benefício.

Há ainda que se discutir a relação entre o Iusp e a política monetária, seus efeitos sobre uma eventual desintermediação financeira, a complexidade técnica e política da distribuição de recursos a partir de um caixa único etc.

Independentemente da avaliação final, o projeto já tem o mérito indiscutível de ter deflagrado as discussões acerca da simplificação dos procedimentos tributários.

 

TRIBUTAR  MENOS SOBRE MAIS

"Um novo código tributário pode livrar-nos de todos os impostos. Menos de um: o tributo redobrado que pagamos à burrice." William Godwin (1756-1836), anarquista inglês 

Joelmir Beting 

O Estado de S. Paulo, 3/7/91 

A economia brasileira contabilizou, em junho, negócios de Cr$ 108 trilhões. Sim, com T de tatu. A estimativa é da Febraban. Essa megafatura está sendo acionada para documentar a mágica fiscal embutida na proposta do Imposto Único - transformada em emenda constitucional pelo deputado Flávio Rocha (PRN-RN). Uma alíquota universal de apenas 2% teria capturado, sem desvio nem desvão, uma receita pública da ordem de Cr$ 2,1 trilhões. Algo parecido com US$ 8 bilhões. Admite-se uma arrecadação anual de US$ 100 bilhões. Um resultado fantástico: empata com a receita ótima da atual carga tributária, equivalente a 25% do PIB. Uma carga espalhada por 53 diferentes tributos, competentemente sonegáveis (e sonegados). No Imposto de Renda, a sonegação aproximase de 50% do recolhimento potencial, nos calafrios da Receita Federal. Somos o paraíso do AI Capone, sem o Elliot Ness. 

Autor intelectual do Imposto Único, o economista Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque sustenta que o novo sistema promove o desmonte, em bloco, da sonegação, da evasão, do subsídio, da avoision, do escambo, do caixa dois. Taxa de 2% não vale o risco. Ademais, é bem mais fácil fiscalizar uma centena de bancos coletores.

O recolhimento do Imposto Único acontece no momento de cada transação em banco: 1 % na conta devedora e 1 % na conta credora. O saque em dinheiro vivo, na proposta de Cintra Cavalcanti, seria tributado em dobro. Justificativa: é para desencorajar a monetização dos negócios, forma obtusa da evasão fiscal.

Encampada por Flávio Rocha (que se contenta com alíquota de 1%), a proposta do Imposto Único acabou atropelando, na raia legislativa, os modelos tributários, não menos revolucionários, oferecidos pelo economista Paulo Rabello de Castro e pelo tributarista Ives Gandra Martins. Além da drástica redução do custo da arrecadação, o Imposto Único é recolhido no ato e no fato gerador - vacinando o Tesouro contra o desgaste inflacionário da receita tardia.

O deputado Roberto Campos, que é do ramo, prefere o modelo de Cintra Albuquerque: “A idéia do Imposto Único, herdada dos fisiocratas franceses do século 18, não é ingênua nem inviável. É apenas uma idéia insolentemente nova, cujo tempo já chegou”.

 

REFORMA OU REVOLUÇÃO?

"Governar é não assustar." Bias Fortes, ex-governador de Minas Gerais 

Roberto Campos 

O Estado de S. Paulo, 3/11/91 

 

CAMPOS QUER EXPERIÊNCIA COM IMPOSTO ÚNICO 

Vicente Diavezi 

Jornal da Tarde, 21/11/91 

Todas as propostas de reforma tributária até agora anunciadas, inclusive a do governo, sofrem de um mesmo mal, na opinião do deputado Roberto Campos (PDS-RJ) - exsenador, ex-ministro do Planejamento e um dos criadores do BEM (Bloco de Economia Moderna), que reúne 126 parlamentares no Congresso Nacional. "Elas não acabam com as três hierarquias do fisco - federal, estadual e municipal- nem atacam o problema da tripartição", ele afirma nesta entrevista exclusiva ao JT, para explicar: "O Imposto de Renda só alcança as empresas organizadas e os assalariados, o que corresponde a apenas um terço do universo de contribuintes". Assim, ficam de fora os segmentos governamental e da economia informal, responsáveis por uma fatia de dois terços da economia.

Por este motivo, o deputado defende a criação do Imposto Único sobre Transações Bancárias, que substituiria os 58 tributos existentes no País - e diz que o BEM está propenso a fazer uma experiência com a instituição do Imposto sobre Transações Bancárias. Com a sua adoção, o País desativaria suas três máquinas arrecadadoras, que têm um custo correspondente a 3% do PIB (Produto Interno Bruto) ou 0,5% a mais que a condição de um superávit de 2,5% para que se feche um acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional). O deputado critica a antecipação do Imposto de Renda das empresas, proposta pelo governo, e a redução do número de contribuintes entre as pessoas físicas: "Entre os 50 milhões de população ativa, teremos apenas 1,2 milhão de contribuintes". Seguem os principais trechos da entrevista: 

Quais são as propostas do BEM em substituição à reforma tributária de emergência do governo? 

A forte inclinação do BEM é por urna solução revolucionária tal como a proposta do economista Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque de criar o Imposto Único sobre Transações Bancárias. Há, no Brasil, condições para esse tipo de reforma por quatro motivos: 1) existe urna rebelião dos contribuintes pela ausência da contrapartida de serviços do governo; 2) o sistema fiscal é estrutural- mente complexo, com 15 impostos básicos e mais de 20 taxas, com a agravante de que há três níveis de fisco e três níveis de corrupção (federal, estadual e municipal); 3) a economia brasileira está praticamente desmonetizada, de sorte que um imposto sobre as transações por via do sistema bancário teria ampla área de cobertura; 4) o sistema bancário é surpreendentemente informatizado para um país subdesenvolvido.

O senhor acredita na possibilidade de implantação do Imposto Único já?

Não existe clima para isso. É forte o peso da tradição dos impostos tradicionais, há interesses consolidados na manutenção da presente burocracia fiscal e a inovação desperta medo. Por isso, o BEM se contentaria com a experimentação desse imposto em caráter transitório como urna alternativa à proposta governa- mental de antecipação do Imposto de Renda das pessoas jurídicas a partir de 1992. Essa antecipação, acavalando duas arrecadações num só ano, representaria um esforço adicional de caixa de 66% para as empresas, coisa impensável numa conjuntura agudamente recessiva.

A alíquota do Imposto sobre Transações Bancárias proposto pelo BEM seria de 0,1 %?

Ela seria extremamente baixa unicamente para gerar o montante de US$ 6,5 bilhões que o governo pretende obter com a antecipação do Imposto de Renda sobre as pessoas jurídicas. Se o novo imposto vingar, corno instrumento eficiente e automático de arrecadação, seria o caso de transformá-lo em imposto realmente único e substitutivo de toda a complexa panóplia fiscal que atormenta o contribuinte.

A única alteração seria sobre a pessoa jurídica?

Você deslocaria o ônus incidente sobre a pessoa jurídica para a sociedade em conjunto com a vantagem de elidir a distância entre três segmentos: as empresas organizadas do setor privado e assalariados, de um lado; o segmento governamental e das empresas estatais, de outro; e no terceiro segmento, a economia informal. O drama do sistema fiscal é que apenas o primeiro segmento faz parte do universo de contribuintes. Os outros dois, que correspondem a dois terços desse universo, não pagam imposto. A simplificação elide essa distinção porque todos os três segmentos recorrem ao sistema bancário - e você vai repartir por todos, inclusive os profissionais liberais, a carga fiscal.

A Argentina adotou o Imposto sobre Transações Bancárias e, ao que parece, não deu certo. A alíquota começou em 0,1 % e já está em 1,2%. 

A Argentina tem uma economia monetizada e dolarizada em que é fácil escapar do sistema bancário porque o uso da moeda é uma tradição. O sistema argentino previa alíquotas diferenciadas por setores, o que é um convite à sonegação, e previa isenções, o que é outra complicação. Você tem um jogo de empurra, uma série de setores pleiteando isenções. Não há similaridade entre o caso da Argentina e o brasileiro.

Isso significa que os assalariados pagariam o novo imposto além do Imposto de Renda? 

Ao contrário do mundo, onde se procura aliviar as empresas, a proposta do governo recai sobre elas. As empresas podem e tentam repassar, por meio dos preços, o imposto para as pessoas físicas. Assim, a tendência no mundo é de alcançar as pessoas físicas e não as jurídicas. Mas, também no caso das pessoas físicas, a proposta governamental está em sentido contrário. Até o mês passado, tínhamos 5,9 milhões de contribuintes. Com o reajuste da tabela, o número caiu para 3,9 milhões. Com a proposta governamental, ficamos com 1,2 milhão para uma PEA (População Economicamente Ativa) de 50 milhões de pessoas. Houve uma grande desoneração das faixas mais baixas, contemplando as faixas mais altas, apenas 35 mil contribuintes, com uma carga maior.

Quais são os outros defeitos da reforma de emergência do governo?

Nós temos duas alíquotas e o governo criou mais uma alíquota, o que é uma complicação, quando a tendência mundial é reduzir o número de alíquotas. No ano passado, houve aumento na arrecadação porque o governo reduziu para duas alíquotas: 10% e 25%. Em 1991, com o Plano Collor II, eliminou-se a correção do BTN. O governo quis usar a TR como indexador e os tribunais interpretaram isso como uma taxa de juros, que não podia ser utilizada. Com isto, o governo deixou de arrecadar US$ 4 bilhões. Agora, o governo quer US$ 12,5 bilhões - US$ 4,5 bilhões com a restauração da correção monetária; US$ 6,5 bilhões com a antecipação do imposto das pessoas jurídicas e US$ 1,5 bilhão com a eliminação dos chamados salários indiretos.

O imposto na fonte das pessoas físicas crescerá em cerca de US$ 80 milhões com a instituição da nova alíquota de 35%?

Com a redução do universo fiscal e a criação de mais uma alíquota haverá uma perda de US$ 800 milhões. O governo elevou muito o limite de isenção e com isso sacrificou a receita que quer obter através da pessoa jurídica. A baixa classe média sai beneficiada com a isenção. A classe média alta será punida e os contribuintes de alta renda serão muito punidos - e são exatamente as pessoas que podem defender-se através da engenharia da sonegação, como levar dinheiro para o exterior.

O deputado Francisco Dornelles (PFL-RJ), relator da Comissão da Reforma Tributária, pretende reduzir o universo de pessoas jurídicas para 20% no ano que vem. Só pagariam o imposto mensal as grandes empresas. Como o senhor avalia essa proposta?

Ela atenua bastante o impacto da antecipação, mas mantém todos os defeitos do sistema. O governo propôs a redução do adicIonal do Imposto de Renda de 8% para 5% já em 1992 e sua eliminação no ano seguinte. O deputado Dornelles mantém os 8% em 1992 para eliminá-los em 1993. Essa parece que seria a compensação para a receita de que o governo precisa.

O novo imposto que o BEM está propondo teria o mesmo efeito na arrecadação?

Toda a receita do Imposto sobre Transações Bancárias iria para a União, ao passo que tudo o que se faz no Imposto de Renda deve ir metade para os Estados e municípios. Isto é, para curar um déficit da União, você tem de tirar o dobro da sociedade. O problema fiscal central é eliminar a tripartição. O universo fiscal deve coincidir com o universo produtivo. As propostas simplificadoras são boas, mas não atacam esse problema.

O PMDB está propondo o adiamento do fim do exercício fiscal para junho do ano que vem como forma de fazer uma reforma tributária mais profunda. O senhor concorda?

A mudança do ano fiscal é boa. A vantagem é que, em junho, já se tem os balanços do ano anterior. Isso também evita a corcova dos gastos em dezembro, quando se gasta mais para evitar restos a pagar, além da pressão natalina. Mas o governo não pode esperar para ter novas receitas. Por isso, a proposta não é realista.

O senhor conhece alguma proposta do PMDB?

Ouvi dizer que também eles pretendem usar o Imposto sobre Transações Bancárias de forma experimental em substituição ao Finsocial, o que requer uma emenda constitucional. O Finsocial não está funcionando, não está sendo pago em São Paulo e no Nordeste por força de decisões judiciais.

Mas a criação do Imposto sobre Transações Bancárias também não exige uma reforma constitucional?

Seria mais simples. A Constituição veda impostos cumulativos como ele e então se excetuaria da não-cumulatividade o Imposto sobre Transações Bancárias. No caso de substituir o Finsocial, o novo imposto ficaria vinculado à seguridade social, e o governo precisa de receitas não-vinculadas. De qualquer forma, não se escapa de emenda constitucional para fazer coisa alguma. O contencioso jurídico é enorme. A sociedade ficou litigante e qualquer brecha gera intermináveis processos judiciais que resultam em anulação ou suspensão da receita.

A reforma tributária de emergência é uma exigência do FMI (Fundo Monetário Internacional) para fechar o acordo com o Brasil? 

O que interessa ao FMI é a consecução de um superávit primário, excluindo o pagamento dos juros. Ele pode ser conseguido pela elevação de impostos ou pela redução de gastos. Cabe aos governos orquestrar esse roteiro. Se o governo conseguisse os 2,5% do PIB (Produto Interno Bruto) com a privatização ou a economia de custos com a desregulamentação, seria indiferente para o FMI. O Brasil quer esses US$ 12,5 bilhões. O México conseguiu esse dinheiro com a privatização da Telmex (telecomunicações) e de dois bancos estatais: o Banamex e o Bancomer.

O tributarista Ives Gandra, diante da urgência, está propondo medidas práticas como o incentivo a empresas que fiquem abaixo da inflação, que a União suspenda repasses a Estados e municípios devedores e a regulamentação dos gastos do setor público com pessoal.

Tentamos um esquema de incentivo e punição, na década de 60, sobre as empresas que elevassem os preços acima da média. Intelectualmente é sedutor, mas houve dificuldades para sua administração.

E quanto à suspensão dos repasses?

A União pode negar-se ao desembolso, como prevê a Constituição. Ameaçar com a retenção é uma arma eficaz. Mas não funciona para São Paulo porque os repasses para o Estado são relativamente inexpressivos.

 

IMPOSTO ÚNICO 

Editorial Folha de S. Paulo, 24/11/91

A proposta de criação de um Imposto Único sobre Transações (IUT) vem rapidamente se destacando no interior das discussões sobre reforma tributária. Inicialmente recebida com ceticismo dado seu caráter inovador e radical, a idéia hoje constitui uma referência praticamente obrigatória. 

O fenômeno está diretamente associado à percepção generalizada acerca da inviabilidade de tentar recuperar o atual sistema tributário. Seus vícios e distorções são tantos que o transformaram em um dos mais custosos, arbitrários e ineficientes do planeta. 

Com efeito, o número de tributos existentes no Brasil ultrapassou os limites do razoável. Mesmo assim, a arrecadação correspondente é baixa, apesar de sucessivas modificações terem elevado as alíquotas de alguns impostos a níveis inconcebíveis no resto do mundo. 

A tributação incidente sobre os lucros é desmesurada, enquanto o Imposto de Renda, embora não seja alto comparativamente ao de outras nações, revela-se exorbitante relativamente aos padrões de renda dos assalariados brasileiros. 

Dado este conjunto de peculiaridades, a evasão fiscal cresceu de maneira geométrica. A prática da sonegação tomou-se corriqueira; a corrupção se generalizou. A economia informal se desenvolveu enormemente, corroendo a amplitude da base tributária. Nessas circunstâncias, dificilmente haverá meios de proceder a um efetivo ajuste fiscal - mas sem o que a estabilização da economia será sempre um objetivo inalcançável. 

As meias medidas permanentemente adotadas nessa área têm servido sobretudo para reforçar uma certeza: trata-se de reformar o sistema tributário, introduzindo-se uma estrutura mais eficiente, racional e pautada por maior economicidade. É preciso, ademais, incorporar ao universo de contribuintes aquela parcela que vive em autêntica marginalidade tributária. 

Alguns acreditam ser possível atingir esse objetivo com a manutenção dos pilares da estrutura tributária vigente. Bastariam alguns ajustes, aperfeiçoamentos e práticas simplificadoras. Contudo, permaneceria em aberto uma questão fundamental: como alterar os procedimentos de sonegação e de evasão tão profundamente enraizados no comportamento dos agentes econômicos brasileiros? 

O recurso à vigilância, à fiscalização e à punição são elementos componentes de um sistema tributário; todavia, jamais serão suficientes para evitar por completo a sonegação, excluindo-se, é claro, o indesejável cenário de um Estado policialesco, de onde por outro lado provavelmente nasceriam novos focos de corrupção. 

O Imposto Único sobre Transações permite a compatibilização dos objetivos de maximização da base tributária, profunda e inédita simplificação e virtual erradicação da corrupção fiscal- promovendo uma arrecadação mais transparente, eficaz e equânime. Segmentos notoriamente supertributados, como os assalariados de classe média, repartiriam sua carga de impostos com aqueles que hoje burlam o fisco, recuperando seus níveis de salários reais sem reduzir as margens empresariais. 

Energias e recursos, agora desperdiçados pelo setor privado na preservação de volumosos departamentos encarregados de decifrar e cumprir as obrigações decorrentes do labirinto tributário, poderiam ser reorientados para o processo produtivo. Resultado: maior eficiência, produtividade e capacidade de competição.

O debate vem mostrando serem infundadas as principais objeções feitas ao Imposto Único. A sociedade brasileira só teria a ganhar com o aprofundamento dos estudos e avaliações acerca do IUT, com uma participação mais efetiva do próprio governo no fornecimento de dados e informações.

Os preconceitos e desconfianças, até certo ponto inevitáveis frente ao ineditismo e alcance da idéia, vão sendo assim substituídos pelo interesse e adesão. Amadurecem as iniciativas propondo a implementação do IUT, mesmo que de maneira gradual num primeiro momento, mas sempre resguardando a integridade de sua conceituação fundamental - a de constituir um imposto único, básico, jamais um apêndice do deformado, incongruente e irrecuperável sistema tributário nacional. Mais do que nunca, é hora de acelerara passo nessa direção.

 

VANTAGENS E PERIGOS DO IMPOSTO ÚNICO

Celso Ming 

Jornal da Tarde 2/12/91 

A grande acolhida que vem recebendo o projeto de implantação do Imposto Único sobre Transações Financeiras mostra que a sociedade quer mesmo mudar e está cansada da derrama que Brasília está impondo, sempre sobre os mesmos contribuintes. 

A idéia é substituir os quase 60 impostos e taxas vigentes no País pela retenção de um imposto de 1 % sobre cada cheque ou operação de crédito feita por instituição financeira. Mas não seria propriamente um imposto único. O economista Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, autor do projeto, entende que, além desse novo imposto, teriam ainda de persistir dois ou três outros, como o Imposto sobre Comércio Exterior e o Imposto sobre a Propriedade Rural, mais com finalidade regulatória do que propriamente fiscal, ou seja, mais para que o governo tivesse instrumentos para estimular ou não determinadas atividades, do que propriamente para garantir arrecadação. 

Mas é preciso discutir melhor essa proposta porque ela contém alguns perigos. São sete as principais objeções a esse novo imposto. Convém examiná-las, uma a uma: 

(1)    Regressividade - Alguns críticos argumentam que seria cobrado do assalariado exatamente o mesmo imposto, 1% sobre o pagamento, que seria cobrado sobre o dividendo pago ao acionista de uma empresa. E, mais do que isso, no consumo, o pobre também estaria sujeito ao mesmo imposto cobrado do rico, impedindo assim o cumprimento da justiça tributária.

Em princípio, não se pode negar que falta ao Imposto Único um pouco do efeito Robin Hood (que tirava dos ricos para dar para os pobres), qualidade que se espera de um sistema tributário. Mas não dá para afirmar que o Imposto Único seria mais regressivo do que o sistema atual. 

Antes de mais nada, hoje o assalariado leva até 35% de desconto no seu salário, a título de imposto de renda na fonte, contribuição para a Previdência Social e outras facadas. E, depois, ao contrário do que acontece hoje, a população de baixa renda poderia acabar pagando bem menos imposto indireto do que paga hoje. Basta dizer que os preços da maioria dos produtos de consumo popular vêm inchados com IPI e ICMS, estes sim fortemente regressivos. Além disso, o sistema atual tem um custo elevadíssimo, à medida que obriga as empresas a despender de 10% a 15% de sua despesa com a folha de pagamentos apenas para administrar a barafunda fiscal que hoje existe. E, naturalmente, esse custo acaba mesmo sendo despejado sobre o preço final.

(2)    Desintermediação financeira - A outra objeção é a de que o fato gerador do imposto, a transação financeira; levará o mercado a evitar o banco e a pagar por fora, com dinheiro vivo ou com permuta de mercadoria, a fim de não pagar imposto. 

Não se pode dizer que esse problema não exista. No entanto, a alíquota de imposto teria de ser mais elevada para levar o contribuinte a dispensar o banco. Ninguém pode estar carregando pacotes de notas para o supermercado, para a feira, para o pagamento do aluguel. E mesmo que pudesse, o projeto prevê cobrança de imposto mais alto para quem sacar dinheiro diretamente do banco. Mas não há dúvida de que vai ser difícil fiscalizar a circulação indefinida de um cheque ao portador, ainda que seu apresentador possa vir a ser incriminado por isso. 

(3)    Ameaça de verticalização - Outra linha de crítica é a de que, para fugir do novo imposto, as empresas seriam forçadas a incorporar as empresas dos seus fornecedores ou a produzir suprimentos antes vendidos por terceiros. Assim, por exemplo, a indústria automobilística seria estimulada a comprar indústrias de componentes ou a produzir cada vez mais.. autopeças. E estas, a fabricar, elas próprias as matérias-primas necessárias para a produção. 

Mas, outra vez, não seria um imposto de apenas 1% o fator decisivo a levar, por exemplo, uma indústria de calçados a comprar um curtume, depois um frigorífico, em seguida uma fazenda para criação de gado e, depois, quem sabe, um laboratório produtor de carrapaticida. 

(4)    Ameaça ao princípio federativo - Um grande número de prefeitos e mesmo de governadores vê nesse novo imposto o perigo de que o governo passe a mão de gato na fatia do imposto que caberia aos municípios e aos estados. Ou se não isso, haveria o risco de que as autoridades locais fossem obrigadas a beijar a mão do grande chefe que estivesse no cargo em Brasília e a se curvar a seus caprichos todas as vezes que fossem apanhar a verba que lhes pertencesse por direito. 

Contra isso pode-se afirmar que o sistema hoje em vigor já prevê a participação de municípios e Estados na arrecadação federal e nem por isso o princípio federativo vem sendo colocado em risco. E, de mais a mais, o Imposto Único teria de estipular um esquema automático para partilha da arrecadação, de acordo com critérios a serem previamente definidos pelo Congresso. 

(5)    Aumento da sonegação - Há quem afirme que esse novo imposto levaria ao pagamento com cheques de terceiros ou, simplesmente, à prática da circulação indefinida com cheques ao portador. 

Em primeiro lugar, se há uma grande vantagem nesse novo imposto é a de coibir a sonegação. Por possuir uma base tributária bem mais ampla, ou seja, a própria transação financeira, será inevitável a incorporação da economia informal ao sistema tributário. Nem o cambista nem o banqueiro do jogo de bicho tem condições de operar fora do mercado financeiro. 

O pagamento com cheque de terceiros pressupõe endossos sucessivos e a nova lei poderia perfeitamente exigir a cobrança de nova alíquota, tantas vezes quantos endossos tiver o cheque. Mas é preciso reconhecer que vai ser bem mais difícil coibir a circulação de cheques ao portador que somente se tornassem nominativos depois de passarem de mão em mão por uma longa fila de pagadores e recebedores. 

(6)    Falta de precedentes - "Se esse imposto fossE; a maravilha apregoada por seus defensores, algum país já o teria adotado antes". E o que alguns tributaristas e mesmo o atual ministro da Economia têm argumentado.

Contra isso pode-se afirmar, em primeiro lugar, que qualquer experiência, seja ela boa ou ruim, sempre tem alguém que a faça em primeiro lugar e que, no caso do Imposto Único, o primeiro bem que poderia ser o Brasil.

Mas há argumentos mais positivos. Em primeiro lugar, a modernização do sistema financeiro, com total integração e informatização dos sistemas, pressuposto para o funcionamento do novo imposto, é algo muito recente, coisa aí de uns dez anos. Portanto, .1té há bem pouco tempo não havia condições físicas para a implantação de um imposto desse tipo em país nenhum do mundo. 

Além disso, em alguns importantes países, como os Estados Unidos, por exemplo, a atuação dos bancos está restrita a seu próprio estado, circunstância que praticamente impediria o funcionamento de um imposto com as características do Imposto Único. 

(7)    Ameaça às exportações - Esta é a maior dificuldade para a implantação desse Imposto Único. Quem exporta, exporta um produto livre de impostos. E isto é assim em todos os países do mundo. Como isentar um produto de exportação cujo preço final leva embutida uma infinidade de operações de recolhimento de imposto? 

Vamos tomar o exemplo de uma camiseta que começa a recolher o imposto desde o momento em que o plantador de algodão tem de pagar o óleo diesel do trator que vai arar a terra, que vai levar a semente, depois o adubo, depois a pulverização contra a praga do bicudo, depois o pagamento do apanhador, do transportador, do descaroçador, do enfardador, do fiandeiro... e por aí vai, até chegar à camiseta embalada num container que está sendo carregado num navio. 

Os defensores do Imposto Único argumentam que a Receita Federal pode- ria calcular o imposto embutido e devolvê-lo ao exportador. No entanto, a primeira dificuldade está no fato de que, hoje, o produto exportado está isento apenas do IPI e do ICMS. Ora, o Imposto Único viria para substituir todos os outros impostos, inclusive o Imposto de Renda, o Imposto sobre Combustíveis, o Finsocial e a contribuição para a Previdência Social dos quais o atual produto de exportação não está isento. Portanto, a devolução de qualquer parcela ao exportador seria altamente questionável não só do ponto de vista técnico mas, também, da lisura do comércio exterior. 

Em outras palavras, essa devolução, sem a qual o produto brasileiro não teria condições de competir no Exterior, forneceria farta munição internacional para denúncias de dumping (jogo sujo e prática de preços irreais) contra o exportador brasileiro. E isso seria mortal para a economia.

 

IMPOSTO ÚNICO SOBRE TRANSAÇÕES: UMA VISÃO CRÍTICA

Eivany Silva 

Vanguarda, 20/8/91 

As discussões sobre a reforma tributária, agora já com a participação efetiva do Governo, que designou duas comissões (uma técnica e outra consultiva) para elaborar propostas, têm caminhado para pontos comuns, fator fundamental na viabilização do projeto. 

A proposta de um Imposto Único sobre Transações (IUT) - a princípio duramente criticada, por se tratar de idéia inédita no Brasil - começa a se firmar como grande alternativa ao imenso caos em que se transformou o Sistema Tributário Nacional. Aceita-se, hoje, pela sua praticidade operacional, a possibilidade de o IUT vir a substituir grande número de imposições fiscais. A declaração pública do próprio ministro da Economia de que o ideal seria algo em torno de cinco ou seis tributos coloca o IUT como a grande solução para os problemas enfrentados pelo Governo ao querer também uma reforma fiscal. 

O ponto central da proposta do prof. Marcos Cintra - idealizador do IUT - a substituição por esse imposto, de todos aqueles tributos de caráter preponderantemente arrecadador. Permaneceriam no sistema os impostos sobre o Comércio Exterior e sobre a Propriedade Territorial Rural. 

A simplificação seria enorme, eliminando-se a sonegação e a corrupção, fatores hoje em grande parte responsáveis pela fraca arrecadação global das diversas esferas de governo, embora a carga tributária - para quem efetivamente paga - seja extremamente elevada. 

Em favor do IUT fala bem alto a solução para dois graves problemas, que seriam eliminados ou pelo menos minimizados, com sua implementação: I) o dos custos para cumprimento das obrigações fiscais e II) o da sonegação. Estudos recentemente elaborados nos dão conta de que o custo para arrecadar e fiscalizar (ônus do Governo) e o custo para cumprir as obrigações fiscais (ônus dos contribuintes) representam cerca de 30% do valor da arrecadação tributária nacional. Ou seja, para cada 100 unidades de cruzeiros recolhidas ao Tesouro, 30 são gastas pela sociedade e pelo Governo para atender a esse recolhimento. Além disso, com base no volume da arrecadação e nos dados disponíveis da Renda Nacional, estima-se que a sonegação fiscal atinja a mais de 50% do valor arrecadado. Noutras palavras, para cada 100 unidades de cruzeiros recolhidas, 50 deixam de ingressar nos cofres públicos. Um mecanismo que pudesse eliminar ou reduzir esses dois custos por certo resolveria a questão do déficit público, forte causa do processo inflacionário. Na esteira desse processo, poder-se-ia pensar na redução gradativa da carga tributária. E o Imposto Único sobre Transações parece ser esse mecanismo. 

O problema, contudo, não é tão simples assim. Apesar das inúmeras vantagens que o IUT indiscutivelmente oferece, ele enfrenta sérios obstáculos para ser aceito. Afastados aqueles argumentos contrários, de caráter meramente emocional, como a alegação de que nenhum outro país o adota, ou de que o IUT é um mecanismo para que os mais ricos possam distribuir sua carga tributária com toda a sociedade, entendemos existirem reais entraves à sua implantação da forma como está posto. Essas dificuldades são de três ordens: I) técnica, II) política e III) econômica. 

Do ponto de vista técnico, argumenta-se que os números até aqui apresentados como base do IUT para prever uma arrecadação de 25% do PIB são muito precários, uma vez que o volume de transações bancárias sobre as quais incidiria o imposto precisa ser mais bem detalhado, posto que muitas dessas transações são meros movimentos financeiros, inadequados para sofrerem tributação. Além disso, teme-se que, para fugir a tal incidência, surjam mecanismos paralelos - inclusive a dolarização - que poderiam erodir a base do tributo, provocando evasão que o afastasse do seu objetivo de arrecadar. Destarte, como fonte única para sustentar a arrecadação do País, ele não pode admitir falhas de previsão, o que poria em risco a estabilidade do Estado. 

Os obstáculos de ordem política estão centrados na natural aversão que as unidades federativas têm de não poderem, elas próprias, manipular as fontes de recursos tributários. Fica-lhes a sensação de impotência administrativa, uma vez que se propõe a extinção do ICMS, IPI, ISS e outras imposições fiscais de peso.

Do ponto de vista econômico, ter-se-á de abrir mão da utilização do sistema tributário como indutor da política econômica, uma vez que será extrema- mente difícil utilizar o IUT para esse fim. 

Entendemos que a idéia do Imposto Único sobre Transações não pode ser posta de lado, porque efetivamente representa grande avanço em matéria de arrecadação fiscal. Todavia, fortes argumentos deverão ser apresentados para superar os obstáculos a que nos referimos. 

Os estudos que demonstram a previsão da receita resultante da aplicação do IUT devem, o quanto antes, ser minuciosamente detalhados, de forma que seja assegurado ao Governo e especialmente ao Congresso Nacional que os números apresentados são absolutamente confiáveis. Quanto à possibilidade de evasão, os mecanismos de funcionamento do imposto precisam garantir o cumprimento integral da sua cobrança. Com certeza deverão ser sugeridas mudanças na legislação' bancária, especialmente no relativo à circulação de cheques. 

No que concerne aos entraves de ordem política, os parlamentares deverão ser convencidos de que, a despeito da perda de um grande número de competências tributárias, Estados e municípios receberão, automaticamente, recursos pelo menos no mesmo montante do que hoje recebem, sem sujeição à conveniência do Poder Central ou da esfera à qual ficará vinculado o novo tributo. 

Conforme se observa, são de difícil ultrapassagem as barreiras que se antepõem ao Imposto Único sobre Transações. Em razão disso, e porque entendemos que não se deve rejeitar a idéia, é que propomos a convivência inicial do IUT com outro tributo, o qual, embora de caráter preponderantemente arrecadador, serviria de equilíbrio ao sistema, propiciando, além de uma arrecadação segura, a i manutenção do princípio da progressividade. O imposto de renda, por exemplo, pela sua flexibilidade e por se prestar à dupla finalidade de fiscal idade e extrafiscalidade, deve ser mantido. Ainda que se lhe dê nova roupagem no caminho da simplificação, procurando-se a integração pessoa física/ pessoa jurídica, bem como elevando-se os limites de isenção da pessoa física para afastar da incidência do tributo aquelas faixas salariais que, efetivamente, não são renda, posto que integralmente utilizadas na sobrevivência do trabalhador, entendemos que o imposto de renda deve permanecer. Diversamente do prof. Marcos Cintra, mas de forma não incompatível com sua visão, entendemos o IUT como substituto ideal dos tributos indiretos, ou seja, daqueles cujo ônus recai sobre o consumidor, tais como o IPI, o ICMS, o IOF, o ISS e a quase totalidade das contribuições que se destinam a suprir a seguridade e a previdência. Nessa linha, poderíamos ter um sistema tributário expurgado de uma grande quantidade de imposições, facilitando a vida do contribuinte, sem, contudo, colocar em risco a arrecadação e sem ferir o princípio da progressividade que, se totalmente afastado, resvalaria para a injustiça fiscal.

Finalmente para que o Imposto Único sobre Transações ganhe a credibilidade que merece, é indispensável que ele não seja visto como mais uma “salvação milagrosa”, a exemplo de outras implementadas na área econômica que tanto infelicitaram a economia do País, mas sim como um instrumento de simplificação e abertura de novos horizontes. É impossível que ainda venhamos a ter um imposto realmente único. Por ora, na situação atual, o prudente seria evitar movimentos pendulares.

 

IMPOSTO ÚNICO: A OPORTUNIDADE

José Valney de Brito 

Folha de S. Paulo, 15/3/92 

O momento é oportuno para falar do Imposto Único sobre Transações (IUT). Ao mesmo tempo em que o governo federal recomeça estudos sérios para uma reforma fiscal, vivemos escaramuças da eterna guerra dos impostos. O resultado é o de sempre: "vitória" dos governos e aumentos dos impostos. IR, IPVA, ICMS, IPI, IPTU, ITBI, ISS, Finsocial e todos os demais tributos e contribuições tiveram alguma forma de aumento real, seja diretamente, seja pela indexação generalizada. Escapamos por pouco, mas não por muito tempo, do aumento das alíquotas das contribuições previdenciárias. 

Os governos ignoram a forte recessão que toma duplamente pesada a nova carga tributária. Some-se a isso a sensação social de que o que se recebe em troca é pouco e de péssima qualidade. A raiva impotente gera estresse, desencanto e revolta. Investimentos e consumo são adiados. A dificuldade de pagar os impostos joga muitos na informalidade ou na inadimplência. O elevado prêmio de não pagar aumenta o número de sonegadores. O governo lança ameaças sobre a sociedade em cansativa rotina que apenas aumenta o fosso que os separa. 

Se o IUT existisse, não precisaríamos passar por esses processos caros, inúteis e desgastantes. 

Há mais. Dois dos maiores problemas do país, entre os muitos, graves, que temos, são a corrupção e a sonegação de impostos. Destaco esses dois por sua relevância no contexto deste artigo. Sozinhos são responsáveis por parte importante da grave crise econômica, social e política que atravessamos sem encontrar saída. 

A sociedade brasileira certamente estaria disposta a pagar um bom preço para ter uma solução. O IUT carrega esta potencialidade e é esta perspectiva que deve ser mantida ao se analisar sua eventual implantação. O grande valor desta tão simples quanto revolucionária proposta é a sua capacidade de eliminar a sonegação e reduzir, em muito, as oportunidades de corrupção. E faz isto da forma mais eficiente de se impedir um crime, ou seja, acabando com sua oportunidade. Sua mecânica de recolhimento impossibilita a sonegação e torna inviável a corrupção que a protege. 

Além desses atributos, o IUT ainda acumula as vantagens do baixo custo, das alíquotas baixas, da ampla base de incidência, da arrecadação diária, sem corrosão inflacionária, e da simplicidade operacional e conceitual. 

Mesmo reconhecendo esses méritos, alguns analistas apontam possíveis defeitos no IUT e nessa base o descartam como solução adequada para o problema fiscal brasileiro. 

Nessas críticas, seus autores estão comparando o IUT com um sistema tributário ideal, não existente. Pressupõe termos o mais perfeito e justo sistema de tributos e uma sociedade também perfeita. A nossa realidade é bem outra, tanto que há consenso de que uma profunda reforma fiscal é necessária. O sistema tributário brasileiro é reconhecidamente ineficiente, caro, regressivo, injusto, concentrador, propício à sonegação e à corrupção. E com este quadro não se pode falar em reforma tributária mantendo-se os mesmos principais impostos e a mesma sociedade. Um dos dois tem de mudar. 

Esta comparação com o ideal inviabiliza qualquer processo decisório. A boa técnica de escolha racional manda que o confronto seja feito entre a situação real e a alternativa proposta. Portanto, o IUT tem de ser analisado frente à nossa atual realidade tributária, cuja inadequação é plenamente reconhecida. 

Examinando-se as críticas ao IUT sob esta ótica, verifica-se que algumas não são verdadeiras e outras apontam defeitos facilmente sanáveis. Outras, ainda, na realidade são qualidades, quando vistas pelo prisma de quem paga os impostos. 

Atualmente grande parte da carga fiscal é exportada no preço dos produtos, devido à multiplicidade dos impostos e à autonomia dos Estados e municípios. A redução da carga tributária pelo IUT aumentará a competitividade. A completa desoneração poderá ser obtida por meio de tabelas de devolução do imposto, calculadas com base no número de fases dos ciclos produtivos. 

A regulamentação do IUT pode evitar a elisão fiscal e qualquer eventual forma de sonegação, assegurando a manutenção das alíquotas baixas. Estas já serão o primeiro desestímulo à sonegação. O baixo custo do IUT, conjugado com medidas legais, poderá reter na rede bancária todas as atuais transações. Mantido este volume, não há razão para que o IUT não atinja a arrecadação planejada. 

As transações entre contas bancárias de um mesmo titular podem ser isentas do IUT e o sigilo bancário poderá ser preservado, porque a Receita deixará de querer rompê-lo uma vez eliminada a sonegação. Mesmo assim o acesso poderá ser legalmente limitado aos totais lançados, sem necessidade de identificação de cada contribuinte. 

O atual sistema tributário tem tantas distorções, mesmo baseado em princípios corretos, que se tornou profundamente regressivo, injusto e concentrador de renda. O IUT, na pior das hipóteses, será neutro em relação a uma dada distribuição de renda. A sua forma de incidência, entretanto, onera mais os produtos mais elaborados, portanto mais caros e de consumo das classes de renda mais elevada, tornando-o progressivo. 

O IUT propiciará substanciais economias para contribuintes e governos se for implantado com a simplicidade de sua concepção original. Os bancos terão reduções da burocracia no recebimento dos muitos atuais tributos, trocada por lançamentos automáticos totais nos computadores. 

A partição entre as esferas de governo não pode ser definida pela natureza do imposto como são atualmente. Os critérios devem ser políticos, estabelecidos com base nas atribuições de cada nível de governo e no número de habitantes a serem atendidos. 

A monetização será evitada pela alíquota mais elevada das retiradas em dinheiro, pelos custos de manuseio e segurança e pelo imposto inflacionário. As taxas de corretagem e os riscos também tornarão desinteressante a dolarização. 

As operações financeiras e de Bolsas, de prazos mais longos, poderão suportar a taxação do IUT, sem representar mais custos do que os atuais. Já as transações de curtíssimo prazo poderão ser oneradas e desestimuladas, o que na realidade poderá ter um efeito positivo. 

A verticalização não será induzida por alíquotas tão baixas como as que se pretende para o IUT. A tendência moderna das empresas é exatamente no sentido oposto, buscando os ganhos de produtividade da especialização e da terceirização. A verticalização demanda capitais elevados e pode provocar grandes aumentos de custos administrativos e de controle. 

A retirada do poder de tributar dos Estados e municípios é, do ponto de vista do contribuinte, um grande mérito do IUT. A discussão das alíquotas e da aplicação do dinheiro arrecadado será no Congresso, sob maior vigilância da sociedade. 

Outro potencial mérito, apresentado de forma invertida por críticas, é a possível ocorrência de importantes transferências de rendas quando da implantação do IUT. Elas certamente ocorrerão. O mercado buscará um novo ajustamento das rendas e dos preços relativos. O padrão distributivo resultante não poderá ser pior que o atual. 

Diz-se que se a idéia do IUT fosse boa já teria sido usada em outro país. Na realidade, o Brasil reúne condições únicas para implantar o IUT com sucesso e ser o pioneiro. Tem um sério problema, a solução e os meios para implementá-la. 

O problema é o atual sistema tributário, a solução é o IUT e os meios são um moderno e eficiente sistema bancário por onde transita a imensa maioria das transações econômicas. Um ideal antigo tornado viável pela moderna tecnologia de informática. ; 

Por último alterta-se que os interesses envolvidos no atual sistema tributário são muito poderosos e capazes de impedir a aprovação do. projeto. 

Os opositores do IUT, por interesse pessoal e não por convicção ideológica, devem ser classificados em dois grupos. No primeiro devem ser incluídos os que de alguma forma dependem, com trabalho digno e honesto, do sistema tributário para obter seus ganhos. Estas pessoas devem ser convencidas de que suas atividades são parasitárias. Não produzem nada socialmente útil. São apenas intermediários na transferência de renda da grande parcela produtiva da sociedade para uma outra parcela - os governos - que deveria ser pequena e produzir serviços úteis e desejados pela sociedade. Seu talento, tornado desnecessário pelo IUT, poderá ser mais bem empregado em atividades produtivas essenciais, no setor público ou privado. 

O segundo grupo é formado por sonegadores e corruptos que tiram proveito de um sistema ineficiente e vulnerável. Como já foi destacado no início deste trabalho, o grande mérito do IUT é exatamente coibir a ação desse grupo. Sua resistência já ocorre, mas a percepção pela sociedade e seus representantes políticos das extraordinárias vantagens do IUT deverá com o tempo superá-la.

 

 POR UMA  REVOLUÇÃO FISCAL

Dario Clementino 

Fibra Notícias, 27/3/92 

FN - Dario, o que é o Imposto Único sobre Transações? 

DC - Antes de explicar exatamente o que é o IUT, eu gostaria de falar sobre a atual situação tributária do Brasil. O Brasil vive realmente o caos tributário. Nós temos uma parafernália de impostos que tumultuam o dia-a-dia tanto das empresas quanto dos cidadãos e com isso quem sai perdendo é o próprio governo - porque os tributos são a forma de arrecadar do governo. 

O governo arrecada através dos impostos, das taxas de prestação de serviços e da contribuição social - essa é a arrecadação do governo. Mas com esse sistema maluco que nós temos aí, o governo acaba perdendo porque ele não tem como controlar essa parafernália de 58 tipos de impostos - como foi quantificado pelo professor Ives Gandra Martins. 

Assim sendo, um economista da Fundação Getúlio Vargas, chamado Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, tentou simplificar esse sistema arrecadador e verificou que todas as bases tributáveis hoje,existentes (a propriedade, a renda, a indústria, o comércio, a prestação de serviços e as aplicações financeiras) passam por uma mesma transação chamada "transação bancária". Ele procurou então verificar qual era o valor dessas transações bancárias e viu que, aplicando-se uma taxa muito pequena, da ordem de 2%, em cima dessas transações, obtinha-se praticamente a mesma arrecadação que se consegue hoje através das 58 figuras tributárias. Com isso, nasceu a proposta do IUT.

A proposta é colocar uma alíquota de 1 % na conta credora e 1 % na conta devedora de todas as transações do sistema bancário, ou seja, retiradas, depósitos, aplicações financeiras, aplicações on-line, qualquer ato bancário - essa é a proposta do Imposto Único sobre Transações. 

FN - E uma alíquota tão baixa é suficiente para obter a arrecadação necessária? 

DC - Hoje nós temos plena convicção disso. Pelo sistema do IUT, o governo arrecadaria no mínimo 25% a mais do que arrecada hoje. Em números, a arrecadação é hoje algo em torno de US$ 80 bilhões e a arrecadação através do IUT seria de no mínimo US$ 100 bilhões. 

FN - E como será a operacionalização do IUT? 

DC - Exatamente através do sistema bancário: o sistema bancário passaria a ser o sistema arrecadador. O total do valor arrecadado iria diariamente para a conta "governo" e no final do dia, na hora da compensação, esse dinheiro seria distribuído entre as três esferas governamentais - federal, estadual e municipal. 

FN - Mas sendo a fiscalização apenas no sistema bancário, não se daria muita margem para a sonegação? 

DC - Hoje quem não sonega imposto é praticamente aquele que paga imposto na fonte; o assalariado não tem como sonegar imposto. A nossa proposta é justamente essa, que todo imposto brasileiro seja recolhido na fonte - e a fonte aqui seria o sistema bancário. Como todo dinheiro de empresas, pessoas físicas, traficantes, bicheiros ou qualquer outra pessoa que manipula valores, passa pelo sistema bancário, a sonegação praticamente desapareceria, não haveria jeito de ocorrer evasão fiscal. 

A simplificação tributária resultante da implantação do IUT traria como conseqüência uma diminuição tremenda da burocracia de fiscalização do país. Toda a fiscalização seria voltada exclusivamente para o sistema bancário, e os fiscais federais, estaduais e municipais, ao invés de fiscalizarem milhares de empresas e milhões de brasileiros, passariam a fiscalizar cento e poucos bancos - que é a quantidade de bancos que nós temos no país. E como essa fiscalização é computadorizada, ela seria muito mais simples do que a fiscalização intensiva que é feita hoje em dia e com a qual o governo não consegue atingir o nível de arrecadação desejada. 

FN - Dario, com a extinção de todos os impostos o governo não perderia importantes mecanismos de regulação econômica? 

DC - O importante para o governo é manter aqueles impostos que são instrumentos de política econômica, como o Imposto de Importação e o Imposto de Exportação, para que ele possa exercer o controle sobre o comércio exterior, e o Imposto Territorial Rural, para que ele possa taxar a terra improdutiva com uma alíquota maior, promovendo política agrícola. Esses impostos, que são na realidade instrumentos de política econômica, permanecerão. 

O FGTS, que na realidade não é imposto e sim um depósito compulsório em favor do trabalhador, também deve permanecer. As taxas de prestação de serviço também permanecerão, por exemplo, a taxa de emissão de passaporte: pagará essa taxa apenas a pessoa que tirar o passaporte. O IPTU, que é um imposto municipal importante para os prefeitos, nós também estamos propondo que permaneça. 

Os impostos que desaparecerão são apenas aqueles de característica fiscal - o IRPF, o IRPJ, o IPI, o ICMS, o ISS, o IOF, o IVV, o FINSOCIAL, o PIS e o PASEP - são esses os impostos que serão eliminados com o Imposto Único. 

FN - Não existe o perigo de se provocar uma guerra por recursos entre os vários níveis de governo? 

DC - Não, não existe. O critério de distribuição será, evidentemente, estabelecido pelo Congresso Nacional; o que nós fizemos até agora foi apresentar uma sugestão para essa divisão. 

Nós sabemos que a Previdência Social fica hoje com aproximadamente um terço da arrecadação; então um terço da arrecadação do IUT continuaria sendo da Previdência Social para que ela mantivesse os mesmos serviços hoje prestados. Os outros 66% seriam divididos entre os governos federal, estaduais e municipais. O percentual, eu repito, será estabelecido pelo Congresso Nacional, mas nós temos trabalhado mais ou menos com os seguintes números: 40% para o governo federal, 30% para os estaduais e 30% para os municipais/ sendo essa divisão feita de acordo com o número de habitantes de cada estado ou município, e também considerando o PIB estadual e o PIB municipal, quer dizer: duas cidades de 50 mil habitantes não terão necessariamente a mesma receita. 

FN - Então o repasse aos Estados e municípios seria automático? 

DC - Essa é justamente uma das grandes vantagens da proposta do IUT: os diversos níveis de governo ficariam independentes uns dos outros em termos de arrecadação. A arrecadação estadual e municipal seria diariamente transferida para a conta "governo" do Banco do Brasil nesse estado ou município, independentemente do governo central. Os prefeitos e governadores não mais dependeriam do governo federal para liberarem recursos.  FN - E do ponto de vista do cidadão comum? Quais as vantagens do IUT? 

DC - O IUT daria de volta ao cidadão o poder de cobrança, porque é um imposto de arrecadação transparente e todo cidadão passaria a ter pleno conheci- mento da verdadeira arrecadação do seu município. Qualquer um poderia chegar na agência do Banco do Brasil, apertar um botão e saber qual o valor da arrecadação daquele Estado ou do seu município; apertar outro botão e ver o valor da arrecadação mensal. Então o cidadão passaria novamente a cobrar do prefeito a aplicação dos recursos municipais em obras, em benefícios para aquele município. 

FN - Mas se todos pagam o mesmo imposto, o IUT não é um tributo socialmente injusto? 

DC - Essa afirmação só existe em função de um grande desconhecimento da proposta. A proposta do IUT é extremamente justa socialmente, porque o imposto seria direto nas transações bancárias e indireto quando incidir sobre o produto. O imposto incidente sobre o produto dependerá do número de transações provocadas desde a sua elaboração até a sua venda ao consumidor final. 

Então, sobre o produto mais elaborado, que sofre um maior número de transações, vai incidir um imposto maior; e sobre o produto menos elaborado, vai incidir um imposto menor, porque ele sofre um número menor de transações. Por exemplo, vamos raciocinar o que acontece com o leite, hoje: o leite hoje paga 28% de impostos, 17% de ICM, 3% de Funrural, 2% de Finsocial e 0,65% de PIS - só que como o PIS e o Finsocial se repetem no mínimo três vezes, isso tudo somado dá aproximadamente 28% de imposto.

Pelo sistema do IUT, quanto de imposto pagará o leite? Vamos ver quantas transações sofre o leite desde a sua produção até chegar ao consumidor: o leite sai da fazenda e vai para uma cooperativa - uma transação; da cooperativa, vai para um intermediário - duas transações; do intermediário, vai para a padaria - terceira transação; da padaria, vai para o consumidor - é a quarta transação. Como em cada transação incide 2% de imposto (1% na conta credora e 1 % na conta devedora), o leite vai pagar 8% de imposto - um valor substancialmente inferior aos 28% que ele paga hoje. Esse exemplo é válido para vários outros produtos agropecuários. 

Já os produtos mais elaborados, como um automóvel, um relógio, uma roupa mais sofisticada, têm um número maior de transações e vão pagar uma alíquota bem mais alta.

Você vê então, que esse é um imposto socialmente justo  porque o produto menos elaborado, que é normalmente mais utilizado pelas classes menos favorecidas, vai pagar um imposto menor do que o produto mais elaborado, mais utilizado pelas classes mais favorecidas. 

FN - Não haveria então uma tendência à dolarização da economia ou mesmo ao escambo de serviços como forma de pagamento? 

DC - O dólar é motivo de caixa dois e de sonegação. A partir do momento em que não se tem mais Imposto de Renda nem declaração de renda a ser feita, não há motivo para comprar dólar. O dólar praticamente desaparecerá porque, como aplicação financeira, ele é um péssimo investimento: quem comprar dólar vai pagar imposto. Quanto ao escambo, nós hoje podemos fazer isso para evitar o pagamento de 25% do Imposto de Renda. Se eu sou médico e você é dentista, você pode tratar dos meus dentes, eu cuidar da sua saúde e nós eliminaremos 25% de impostos. Entretanto, se atualmente isso na prática já não ocorre, por 1 % é que não ocorrerá mesmo. 

FN - Alguns críticos apontam o perigo de verticalização da economia... 

DC - Olha, hoje, uma montadora, por exemplo, poderia tentar verticalizar-se e passar a produzir pneus, buzina, produzir a roda ou qualquer outra peça do automóvel para evitar o Finsocial, que é 2%. Mas o valor do investimento para que isso acontecesse não valeu a pena - e não valerá a pena principalmente por causa de 1%. Se não valia com 2%, com 1% também não vai valer. Eu não acredito que isso vá acontecer. 

FN - Dario, costuma-se dizer que alguém sempre paga a conta do almoço: quem é que sai perdendo com essa proposta? 

DC - Evidentemente alguém perde. Quem perde, em primeiro lugar, são os grandes sonegadores porque todo mundo passará a pagar. Quem não paga nada hoje passará a pagar 1 %. Suponhamos: o traficante, o bicheiro, o ladrão, o grande sonegador, aquele que vive transferindo dinheiro para fora do país, todos eles passarão a pagar. Por quê? Porque todo dinheiro passará pela transação bancária. E você poderia perguntar: mas 1 %? Mas se todos os cidadãos pagarem 1 % sobre sua receita, isso significará um ganho substancial para o governo - e urna arrecadação suficiente e necessária para que o governo exerça suas funções. 

FN - Mas se essa proposta é tão boa, como é que ainda não foi implantada em nenhum lugar do mundo? 

DC - Esse tipo de imposto só é possível devido ao grau da nossa informatização bancária, que é, sabidamente, uma das mais eficientes do mundo. O Brasil hoje pode perfeitamente compensar um cheque do Piauí para Brasília no mesmo dia. Nos Estados Unidos, por exemplo, um cheque leva 20 dias para ser compensa- do de um Estado do norte para um do sul. 

FN - Quer dizer então que estamos diante de uma proposta verdadeiramente revolucionária? 

DC - Olha, eu não tenho a menor dúvida de que a proposta do Imposto Único chamasse "uma revolução fiscal para o Brasil". O IUT é importante para o governo porque vai aumentar e facilitar tremendamente a arrecadação; é importante para empresas porque vai diminuir seus custos administrativos em torno de 30%; e é importante para a população porque vai diminuir em 30% o preço do produto nacional e porque o valor que é atualmente pago à Previdência poderá ser incorporado ao salário, praticamente dobrando o salário do trabalhador.

O Imposto Único vai trazer para o Brasil aquilo que há muito tempo desapareceu: a luz no final do túnel. É a esperança que resta para o Brasil sair do atual impasse de insolvência em que se encontra, beneficiando a todos - governo, empresários e trabalhadores.

 

OVO DE COLOMBO OU LEVIANDADE?

Thiers Fattori Costa 

O Estado de S. Paulo, 11/5/92 

Perdoem-me a perplexidade. Sou um empresário. Não tenho obrigação de entender de finanças públicas nem das técnicas de arrecadação de impostos. Mas o fato de estar no pólo passivo da relação tributária não me obriga à passividade. 

Ultimamente, tenho-me dedicado, cada vez com interesse maior, ao exa- me do chamado Imposto Único. Não há dúvida de que ele significaria uma simplificação inimaginável na vida das pessoas e das empresas. Por outro lado, tenho tomado conhecimento de cálculos, elaborados por pessoas presumivelmente responsáveis, que demonstram que esse ganho da sociedade não corresponderia a uma perda do Estado. Ao contrário, haveria um aumento considerável da receita líquida, nos três níveis da administração pública. 

A reação mais freqüente diante dessa proposta pode ser resumida numa frase: "é bom demais pra ser verdade..." Mas cresce a cada dia o número de pessoas que começa a acreditar na possibilidade de ser verdade... 

O movimento pelo Imposto Único poderá vir a se tornar algo muito maior do que a célebre campanha das Diretas-já, de 1984. De fato, a perspectiva de pagar menos impostos e de forma infinitamente mais simples representa, para a maioria dos brasileiros, um apelo muito mais forte e mobilizador do que a luta pelo direito de votar para presidente. Ou não? 

Na verdade, para que a campanha pelo Imposto Único ganhe as ruas e se torne irresistível - passando como uma motoniveladora até mesmo sobre o Congresso Nacional- falta apenas uma centelha, que pode surgir a qualquer instante. Todas as pré-condições estão postas: há uma flagrante desproporção entre a capacidade contributiva da sociedade e a voracidade fiscal do Estado. Por outro lado, é cada vez pior a qualidade dos serviços públicos; generaliza-se o sentimento de que o dinheiro dos Impostos e mal aplicado, quando não e simplesmente desviado. Tudo isso, convenhamos, endurece o coração do contribuinte. 

Paradoxalmente, entretanto, a possibilidade de que a proposta do Imposto Único ganhe essa dimensão, antes de me animar, preocupa-me. Porque há quem garanta que ela não passaria de uma leviandade, de uma verdadeira loucura que, se implantada, desestruturaria o Estado brasileiro, mergulhando o País numa crise econômica e financeira muito mais profunda do que a atual, com conseqüências sociais e institucionais absolutamente incontroláveis. 

As pessoas sensatas e de boa-fé, ao mesmo tempo que anseiam pela simplificação (se possível radical) dos sistemas de arrecadação, não desejam a destruição do Estado n,em o caos institucional. O problema é que os argumentos contrários ao Imposto Único não têm sido apresentados com clareza e profundidade. Os "especialistas", do alto da sua sabedoria, limitam-se, em geral, a sentenciar a inviabilidade da proposta, mal disfarçando um certo desprezo pela ingenuidade daqueles que perdem tempo em considerá-la. Pior: os que assumem esta posição são exatamente aqueles que, direta ou indiretamente, se beneficiam da atual estrutura tributária, o que, no mínimo, obriga o observador isento a redobrar a sua atenção. 

Ora, a proposta do Imposto Único já não é um mero estudo acadêmico. Há um projeto de emenda constitucional tramitando no Congresso Nacional. A tese é tentadora. Dela poderá resultar a maior revolução já vivida por este país (para o bem ou para o mal). Seus adeptos crescem exponencialmente, em quantidade e em qualidade. 

Não podemos perder a oportunidade de discutir, a sério, as virtudes e os defeitos da proposta, que pode até ser inviável, mas que, até prova em contrário, leva todo jeito de "ovo de Colombo". Ela pode ser uma daquelas idéias simples e luminosas, mas com um potencial fantástico, capaz de produzir transformação em cadeia e de alterar os rumos da história. 

De minha parte, na boa companhia de milhões de brasileiros, estou a um passo de mergulhar de cabeça nesse movimento. O que ainda me detém é a expectativa de uma exposição séria e consistente (pelo menos uma) que possa me convencer do contrário. E um pouco, talvez, aquela desconfiança natural diante do inusitado, que a sabedoria popular traduz por: "quando a esmola é demais, o santo desconfia..."


 

 BEM-VINDO IMPOSTO ÚNICO

Sérgio Quintella 

Folha de S. Paulo, 15/5/92 

Desde o primeiro momento em que o economista Marcos Cintra lançou a proposta do Imposto Único - defendida em editorial de primeira página pela Folha -tenho, como contribuinte, empresário e cidadão, me interessado pelo tema. A meu convite, o autor da proposta veio ao Rio de Janeiro expor as suas idéias. Tenho participado de debates com defensores e opositores do Imposto Único, durante os quais, inclusive, observei que de modo geral os opositores a priori viam suas dúvidas resolvidas ou pelo menos atenuadas. Creio conhecer as principais objeções que têm sido levantadas e, cada vez mais, estou convencido de que nas atuais circunstâncias o Imposto Único não é apenas necessário e útil. É, sobretudo, bem-vindo. 

Há pouco mais de um ano, após ter administrado (como executivo e empresário) empresas enormes, com milhares de empregados e milhões de dólares de faturamento, associei-me a três brilhantes profissionais e, juntos, organizamos urna empresa de serviços de consultoria. Poucos funcionários, simplicidade operacional, fechamos o balanço de 1991 e começamos a trilhar o mesmo e absurdo caminho que milhões de pessoas, físicas e jurídicas, estão sendo obrigadas a seguir, na vã tentativa de ficar em dia com as suas obrigações tributárias. Primeiro verificamos, na prática, que os 54 (ou serão 64?) trIbutos a que se refere o jurista Ives Gandra não são urna ficção. Eles existem, você paga e não consegue, ao final do ano, saber se está ou não quite com os fiscos municipal, estadual e federal! Em seguida, constatamos que ninguém - nem os melhores contadores, advogados e tributaristas que procuramos para esclarecer nossas dúvidas - arrisca-se a dar opinião segura e definitiva sobre alguns dos principais impostos. A contribuição social sobre o lucro e o Finsocial (o "antigo" de um ano e o "novo" de seis meses), parece, são inconstitucionais, ou assim são considerados por alguns juízes e tribunais federais, levando o contribuinte a ter de "optar" por a) pagar, b) provisionar no balanço e não pagar, c) entrar na Justiça para obter liminar ou, finalmente, d) aguardar, cruzando os dedos para não ser autuado, que o Supremo Tribunal decida sobre a inconstitucionalidade. O mesmo vale para a seguridade social, o IPTU, o imposto sobre combustíveis, o IPVA, alguns impostos sobre exportação e importação e assim sucessivamente. Na dúvida, não pagar ou sonegar! 

Nesse emaranhado de incertezas (leis, portarias, decretos, instruções normativas, decisões judiciais) e no ambiente geral e aparentemente incontrolável da sonegação, o Imposto Único vem como proposta simples, prática e brilhante. Inútil compará-la com um sistema tributário "ideal" (poucos tributos, larga base de contribuintes, progressividade): esse sistema, no Brasil, simplesmente não existe e, temo, não existirá tão cedo, tamanhas as distorções e os vícios existentes. Inútil buscar outro sistema melhor p,ara reduzir a sonegação: .nenhum suplanta a eficácia e a simplicidade do Imposto Único e, finalmente, se questiona a sua regressividade, penso valer mais a afirmação de Roberto Campos, que a justiça social se faz melhor e mais eficientemente pelo lado da despesa (aplicando-se o imposto em programas sociais de educação, saúde e saneamento) do que tentando (e não conseguindo) arrecadar de forma diferenciada e progressiva. 

As adesões ao Imposto Único vêm, sobretudo, do setor produtivo. São milhares de pequenos e microempresários do comércio, da indústria, da agricultura, dos serviços, cansados da parafernália infernal a que são submetidos, da sonegação e da corrupção. No momento em que o Congresso Nacional vai, em breve, receber proposta do Executivo para a reforma do sistema tributário, é importante colocar na pauta, para valer, a proposta do Imposto Único, sem preconceitos e sem interesses outros que não o bem público e do público (que, no final, paga as contas).

 

IMPOSTO ÚNICO SOBRE  TRANSAÇÕES

Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais, junho/ 1992 

O debate sobre o IUT vem-se desenvolvendo desde o lançamento da proposta, em 14/01/90, pelo dr. Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque. Críticas foram feitas e questões levantadas sem que o assunto fosse esgotado, pairando uma série de dúvidas sobre as reais vantagens e desvantagens da proposta. 

Sinteticamente, a proposta consiste em:

•      Extinção de todos os impostos (com exceção das tarifas aduaneiras), não havendo mais Imposto de Renda (IR) sobre pessoa física ou jurídica. Os salários não mais sofreriam qualquer tipo de retenção.

•      Transferência da base do imposto para as transações monetárias, ao invés das múltiplas bases de tributação hoje existentes. Todas as vezes em que um agente econômico efetuar um pagamento ao outro, o imposto, da ordem de 2%, incidirá sobre o valor da transação, dividido em partes iguais e cobrado do emitente e do beneficiário.

•      Todo saque ou depósito de numerário (moeda circulante) do sistema bancário seria taxado de acordo com uma alíquota que, em média, reproduza o número de transações que se realizam com essa mesma moeda até o seu retorno ao sistema bancário (4%, segundo a proposta; entretanto, há uma corrente de pensamento que descarta essa alíquota, de característica punitiva).

•      A arrecadação tributária seria efetuada automaticamente a cada lançamento de débito e crédito no sistema bancário e creditada à conta dos Tesouros Federal, Estadual e Municipal, de acordo com critérios pré-estabelecidos.

I - VANTAGENS DA PROPOSTA

•      Incidência de baixas alíquotas, em face da amplitude da base tributária. . Fim da necessidade de escrituração fiscal ou tributária das empresas, desaparecendo também as declarações de Imposto de Renda e acabando por reduzir em muito as várias estruturas de fiscalização hoje existentes. A redução dos custos de arrecadação para o setor público e para o setor privado é estimada em 3% do PIB. 

A                   fiscalização, bem mais simples, seria realizada apenas sobre o sistema bancário, contando com modernas estruturas informatizadas.

•      Ampliação da base tributária via incorporação da economia invisível, melhor distribuindo o ônus tributário.

•      Eliminação da sonegação e corrupção fiscal, já que as empresas, assim como o próprio Estado, não teriam a possibilidade de "optar" ou não pela sonegação, o que também iria contribuir para uma distribuição tributária mais equânime.

A                   sonegação somente seria possível caso a transação envolvesse moeda, ou fosse efetivada mediante troca de mercadorias, caso em que os custos da sonegação (inflação, transporte e seguros) seriam superiores ao custo da tributação, de apenas 1% das transações.

•      Aumento da arrecadação líquida, decorrente da redução dos custos operacionais e de fiscalização (estimados em cerca de 15% da arrecadação bruta ou 3% do PIB); da ampliação da base tributária (que juntamente com o fim da sonegação é estimada em cerca de 30% a 40% da arrecadação); e da eliminação da renúncia fiscal.

•      O IUT é sempre indexado, pois é um percentual fixo das transações, sendo recolhido com prazo zero em relação ao fato gerador, ou seja, em bases correntes, eliminando na origem o efeito Tanzi sobre a arrecadação. 

II- DESVANTAGENS DA PROPOSTA 

Devido à diferente natureza dos problemas que envolvem a proposta do IUT, este item foi dividido em três classificações, quais sejam: 

-  falsos dilemas; 

-  problemas operacionais contornáveis; 

-  problemas estruturais de difícil equacionamento. 

II.1- Falsos dilemas 

• A regressividade do IUT 

Por tratar-se de um imposto em cascata,. os produtos que envolvem um maior número de transações na cadeia produtiva serão proporcionalmente mais taxados. Daí, alega-se a regressividade do imposto, sob a argumentação de que nem sempre os produtos supérfluos envolvem maior número de transações, em relação aos produtos essenciais. Sob essa perspectiva, o IUT penalizaria as classes de baixa renda, visto que os produtos essenciais perfazem a quase totalidade do consumo dos assalariados enquanto que, para as faixas de alta renda, constituem apenas uma pequena parcela do consumo.

Mesmo que tal assertiva seja verdadeira, as diferenças de carga tributária seriam insignificantes, dado o baixo valor da alíquota e, sendo assim, seriam incapazes de promover alterações significativas na distribuição da renda nacional.

Na verdade, o imposto não é progressivo nem regressivo, mas proporcional; ou seja, quanto mais se consome (ou mais se transaciona), maior será o valor do imposto pago.

De toda sorte, questiona-,se se a política de arrecadação é instrumento eficaz para distribuição de renda. Ótica bem mais adequada diz respeito à política de gastos do Governo.

•      Subfaturamento 

Alega-se que a adoção do IUT levaria à prática do subfaturamento, como forma de fugir do tributo. Ocorre, porém, que a alíquota reduzida é um forte desestímulo a esta prática, principalmente tendo-se em conta a exorbitância das atuais alíquotas. Além disso, deve ser considerada a dificuldade operacional para recebimento do diferencial dos valores subfaturados, que seriam automaticamente tributados ao ingressarem no sistema bancário.

Observe-se ainda que haveria um aumento significativo dos custos da transação (ágio) caso esta fosse realizada em moeda (caso seja adotada a cobrança da alíquota punitiva de 4%).

•      Tendência à verticalização das empresas visando reduzir o número de transações monetárias na cadeia produtiva. 

Este argumento apresenta pouca força diante do fato de tratar-se de uma alíquota marginal; as alíquotas hoje praticadas são muito maiores e este fenômeno não tem sido observado. Ao contrário, tem ocorrido tendência à crescente especialização, buscando a redução de custos e o aumento da qualidade/ produtividade.

•      Explosão de demanda 

Alega-se que, com a redução dos tributos e a elevação da renda real dos assalariados, ocorra uma explosão de consumo. Em primeiro lugar, ressalte-se que uma eventual redução da carga tributária pode não ser acompanhada, a princípio, de uma redução de preços, podendo o diferencial ser direcionado para a recomposição das margens de lucro das empresas.

Por outro lado, a própria redução de preços não implica necessariamente aumento de consumo, tendo em conta a elasticidade da demanda por cada tipo de produto. Ocorrerão pressões localizadas, cuja intensidade só poderá ser determinada por estudos econométricos de maior profundidade.

Além do mais, o Governo Federal dispõe de mecanismos de controle de demanda capazes de impedir um possível aumento do consumo em níveis indesejáveis.

De toda forma, o problema poderia ser amenizado mediante a implantação gradativa do IUT, com alíquotas progressivas, substituindo-se grupos de impostos em etapas predefinidas.

•      Pressão do comércio para transações em dinheiro 

Alega-se que os próprios comerciantes vão recusar transações efetuadas com cheques, recebendo apenas em dinheiro. Deve-se lembrar, entretanto, que no momento em que estes depositarem o dinheiro recebido sofrerão a incidência tributária de 4%. Assim, ao contrário do preconizado, poderá ser instituída a prática da cobrança do ágio sobre as transações em dinheiro, cujo impacto na evolução dos índices inflacionários não poderá ser calculado a priori.

 

 

II.2 - PROBLEMAS OPERACIONAIS CONTORNÁVEIS 

•      Risco de desintermediação financeira 

Visando fugir ao IUT, alega-se que a sociedade tenderia a evitar a utilização do sistema bancário, transacionando com papel moeda, notas promissórias ou cheques endossados, e redirecionando os investimentos financeiros para o mercado de dólar.

Entretanto, ao retomar aos bancos, os recursos envolvidos nas transações teriam de arcar necessariamente com a pesada tributação de 4% prevista pela proposta, não sendo correto supor que haveria uma grande monetização da economia, com repulsa ao sistema de compensação.

Outra forma de contornar o problema, alternativamente à cobrança da alíquota punitiva, seria a retirada de circulação das notas grandes, ou a proibição de saques acima de determinados valores, o que desestimularia a monetização. Por outro lado, o próprio processo inflacionário se encarregaria de dificultar a monetização. Ressalta-se ainda que os agentes econômicos não dispensariam o conforto da intermediação bancária mediante uma alíquota tão baixa.

Esses mesmos argumentos se aplicam ao caso do risco de pressões do comércio para transações em dinheiro.

No tocante à dolarização, deve-se lembrar que este mercado é muito restrito. Quanto aos cheques endossados e às notas promissórias, o risco de inadimplência é elevado, desestimulando sua utilização em larga escala. Além do mais, os cheques endossados e ao portador poderiam vir a ser proibidos, implicando em multa quando de sua apresentação.

•      Divisão da arrecadação tributária 

Afirma-se ser tarefa impossível a definição das "cotas de participação" das esferas governamentais no novo imposto, em face da complexidade do tema e da diversidade de interesses envolvidos. De fato, mais uma vez a sociedade será chamada a discutir difíceis questões, porém isto não pode e não deve ser colocado como insuperável. 

Não é concebível, pois, que a proposta deixe de ser implementada por falta de maturidade da classe política brasileira.

De toda forma, pode ser adotado o critério da neutralidade distributiva. A princípio, isso significa que cada esfera de governo teria participação equivalente à proporção das receitas disponíveis sobre a carga tributária bruta obtida na média dos últimos dois ou três exercícios fiscais. Esse fato amenizaria o contra-senso implícito à definição da partilha tributária às vésperas de a sociedade posicionar-se quanto ao papel e às obrigações de cada esfera de governo.

•      Menor tributação sobre os bens importados relativamente aos nacionais 

Esse efeito perverso de tributar menos fortemente os bens importados do que os nacionais realmente ocorreria, uma vez que aqueles sofreriam uma ou no máximo duas incidências, enquanto os nacionais sofreriam tributação em cascata. Neste sentido, estimase que o minério de ferro, desde a saída da mina até a chegada ao consumidor final, na forma de um pára-lama de automóvel, seria tributado seis ou sete vezes.

Essa argumentação torna-se frágil, porém, diante da utilização de uma política aduaneira em sintonia fina com a política fiscal, ,de forma a evitar tais distorções. 

•      Dificuldades nas relações trabalhistas 

Com a eliminação dos encargos sociais e a conseqüente desoneração do trabalhador, ocorrerá imediato aumento dos salários. Aparentemente, o resultado final seria não apenas o aumento setorizado da demanda, conforme já mencionado, bem como uma série de conflitos no tocante ao redirecionamento de parte dos recursos antes destinados às obrigações sociais do empregador, os quais serão igualmente "liberados".

Nesse caso, a proposta tem o mérito de criar oportunidade para implementação do pacto social, já que haverá "sobra" de recursos para serem negociados. 

II.3 - PROBLEMAS ESTRUTURAIS DE DIFÍCIL EQUACIONAMENTO 

•      Perda de eficácia da política fiscal 

Com a adoção do IUT, não é possível a desoneração tributária plena, quando necessário. Tal circunstância é apontada como uma qualidade, em face da eliminação de focos de privilégios. Entretanto, a opção pelos subsídios e transferências, apontada pelo próprio autor da proposta, é ainda mais problemática.

A exportação de produtos manufaturados no Brasil só começou a ganhar importância a partir da reforma tributária de 1967, quando a instituição de impostos do tipo valor adicionado (IPI e ICM) permitiu a isenção plena nas saídas de mercadorias para o exterior, dando-lhes condição competitiva. A mudança dessa circunstância representaria um retrocesso, com notáveis conseqüências.

Observe-se ainda, com relação ao setor exportador, que também as operações internas de financiamento à exportação seriam tributadas, contrariando as propostas de estímulo à liberalização do comércio e à integração do Brasil ao mercado internacional.

Assim, as políticas de crescimento econômico (industrial e de comércio exterior) ficariam sensivelmente prejudicadas, a menos que fosse recriado um sistema especial de escrituração fiscal para mensurar os benefícios que se pretendesse conceder - por intermédio do mecanismo do "rebate fiscal" -, o que colide com os objetivos de simplificação tributária do IUT. 

• Desequilíbrios de preços relativos 

O IUT alterará significativamente a estrutura de preços relativos, em face da sua incidência cumulativa, podendo impactar os índices inflacionários de modo relevante.. Para contornar esse efeito, os defensores da proposta sugerem a adoção do mecanismo de subsídios e transferências para reequilibrar os preços relativos, o que é extremamente temerário. 

• Injustiça social 

Como cerca de 30% da população brasileira só transaciona em dinheiro, tal segmento estaria previamente condenado ao sacrifício. Não tendo acesso ao sistema bancário - cada vez mais seletivo -, esses cidadãos acabariam sofrendo a incidência de ágio nas suas transações, já que as empresas vendedoras procurariam transferir, no todo ou em parte, o tributo mais elevado a ser recolhido quando da entrada do faturamento no sistema bancário, à alíquota de 4%. Naturalmente, a questão deixa de ser relevante do caso de abandono da proposta de cobrança da alíquota punitiva.

 

O IMPOSTO ÚNICO E A CONSTRUÇÃO CIVIL 

Fernando Costa 

Folha de S. Paulo, 6/6/92 

Não foi Colombo quem inventou a história do Imposto Único, mas poderia ter sido. Taxar com um único imposto e uma tarifa quase irrisória todas as operações comerciaisfinanceiras é uma idéia tão interessante quanto simples. E difícil ir contra algo que inova, moderniza e simplifica ao mesmo tempo. Sinceramente, eu gostaria de ser o autor dessa sugestão. 

Essa proposta só deveria ser ignorada se tivéssemos um sistema tributário avançadíssimo e eficiente. Não é o caso. Ao contrário, vivemos num verdadeiro delírio fiscal. A situação é tão complicada que mesmo tributaristas de renome são incapazes de chegar a um acordo sobre quantos tributos, afinal, pagamos. Para as empresas, a contabilidade é verdadeira tortura. Muitas vezes, é preciso de um departamento de despachantes e contadores apenas para lidar com o problema do cálculo e do encaminhamento dos impostos para a administração pública. 

A irracionalidade impera no sistema. Para se ter uma idéia, calcula-se que o Estado gaste 3% do PIB apenas para sustentar a máquina de arrecadação e de fiscalização. Como a complicação e o excesso de normas são inimigos mortais da eficiência, o que temos é um esquema em que se cobra muito de uns poucos que pagam sempre, enquanto a taxa de sonegação e a economia informal aumentam cada vez mais. Além disso, temos a corrupção que floresce sem cerimônias num ambiente onde o labirinto tributário coloca na clandestinidade até aqueles que querem estar em dia com o fisco. 

Existe um consenso, no Brasil, de que a dinamização da construção civil é uma das portas para sairmos da crise. Um setor que representa cerca de 7% do PIB, que emprega um contingente enorme de trabalhadores (1 milhão de pessoas só no estado de São Paulo) e que alavanca toda a economia merece uma atenção especial. E o caso de perguntarmos: qual é o impacto dos impostos nesse setor? Caso fosse adotado o Imposto Único, qual seria o reflexo na área da construção? 

É preciso entender, antes de mais nada, que o Imposto Único é proporcional e cumulativo. Proporcional, pois todas as operações comerciais-financeiras ficariam taxadas em 1%; como essa alíquota valeria sempre, o valor pago seria cumulativo aos bens transacionados. E cumulativo, porque cada operação comercial pagaria imposto. Quanto maior o número de operações, maior o valor do imposto final. 

Como a construção civil é um dos setores de atividade que envolvem um grande número de processos produtivos, seria de se esperar que a adoção do Imposto Único pudesse trazer problemas. Mas isso não é verdade. Hoje, um cidadão que compra uma casa ou um apartamento novo está pagando 34,50% de impostos, que incidem sobre todos os insumos. Cálculos recentes indicam que, com o Imposto Único, o valor total da tributação seria de 29%. Ou seja, algo em torno de 84% do que se paga atualmente. Isso sem contar a economia da desativação dos departamentos de contabilidade fiscal das empresas. 

O Imposto Único é um tributo à inteligência. Se ele serve para um setor como a construção, que tem uma cadeia produtiva longa e diversifica da, certamente serve para toda a economia. O Estado brasileiro não se tem. caracterizado pela racionalidade administrativa e a nossa economia é uma das mais normatizadas e complicadas do mundo. Não seria a adoção do Imposto Único uma excelente oportunidade para começar a reverter esse quadro?

 

 

QUANTO MAIS IMPOSTOS, PIOR 

José Valney de Brito

Revista Exame, 10/6/92 

No artigo "O salto no escuro do Imposto Único"publicado na edição de Exame de 18 de março, o professor Mário Henrique Simonsen faz uma análise crítica da proposta de Imposto Único sobre Transações, IUT. Mesmo aceitando, no final sua implantação experimental endossa alguns argumentos contrários. O próprio título do artigo já dá uma conotação negativa. Penso, porém, que a aplicação do IUT não precisa ser necessariamente um "salto no escuro". Tudo pode ser preparado com antecedência, estabelecendo-se as condições para o sucesso da proposta. Temos de lembrar que hoje todas as transações financeiras são feitas por meio de bancos. Dessa forma, elas podem ser catalogadas, qualificadas e quantificadas com absoluta precisão, o que asseguraria a arrecadação no caso de aprovada a idéia do IUT. A garantia de que as transações financeiras continuarão a ser feitas pelo sistema bancário pode ser obtida por leis. A possível alegação de que tais exigências representariam uma interferência do poder público na atividade econômica não faz sentido diante da avalancha de intervenções já existente no sistema tributário. Recordemos também que todas as grandes modificações tributárias foram feitas sem nenhuma experiência prévia. 

Em seguida, o professor afirma que "o Brasil parece cultivar o fetiche das fórmulas simples para resolver problemas complexos". Isso não é verdade. Infelizmente a complicação desnecessária está muito mais presente no dia-a-dia dos cidadãos. Especialmente nas relações entre Estado e sociedade tudo é extremamente burocratizado, e no capítulo da tributação nada é simples. A melhor demonstração de que cultuamos a complexidade é o fato de a "simplicidade" ser apontada como defeito na proposta do Imposto Único. O artigo faz críticas também à moeda eletrônica como fato gerador de tributação. Não devemos esquecer que há muitos anos vários economistas preconizaram a "sociedade sem dinheiro", que seria possível com o avanço das comunicações e da informática. É perfeitamente previsível que as transações financeiras eletrônicas passem a ser a base para a tributação no futuro, exatamente por abranger todos os possíveis fatos geradores.

O ex-ministro aborda ainda a forma de incidência. Um imposto em cascata realmente não é perfeito. Acredito, no entanto, que um imposto único, mesmo cumulativo, torna-se aceitável pelas vantagens adicionais que incorpora. O IUT deverá ter alíquota por volta de 2% em cada transação e será o único imposto com propósitos fiscais. A título de exemplo, o IUT adicionaria custos da ordem de 5,5% em um ciclo produtivo de cinco etapas com valor agregado médio de 40%. Dos impostos citados pelo professor Simonsen, o IVC existente antes de 1967 tinha alíquota de 6%, e os atuais PIS e Finsocial somam 2,65%. Mas são impostos que se somam a muitos outros. De acordo com o exemplo anterior, o IVC em cinco transações acumularia 16% ao preço de qualquer bem, enquanto o PIS e o Finsocial representaria um gravame de pelo menos 7,3% a ser somado aos demais tributos. Nessas condições é evidente que o imposto cumulativo seria uma tragédia. 

Em outro trecho do artigo, Simonsen diz que "se o IUT fosse realmente bom, algum outro país já o teria adotado, o que até agora não aconteceu, salvo a experiência Argentina de tributar os cheques". O Brasil leva vantagem sobre a Argentina na implantação do IUT por ter um moderno e eficiente sistema bancário informatizado. Essa mesma qualidade do sistema bancário permitirá excluir da tributação transferências interbancárias que não representem transações econômicas. Quanto à experiência Argentina de imposto sobre cheques, ela não pode ser comparada à proposta do IUT. O imposto argentino é apenas sobre cheques e não sobre todas as transações bancárias. Além disso, nenhum cuidado foi tomado pelos argentinos para assegurar a arrecadação, e os cheques passaram a circular endossados ou ao portador, prática perfeitamente evitável se a proposta for implantada no Brasil. 

O ex-ministro considera palatável a proposta do deputado Roberto Campos, de introdução experimental do IUT com alíquota de 0,2% convivendo com os demais impostos. Essa alternativa de bom senso é, no entanto, perigosa no Brasil, pelos antecedentes. Há o risco de o IUT se tornar apenas mais um imposto. As imensas vantagens do IUT decorrem exatamente do fato de ser único. A visão de salto no escuro também pode ser encarada por um sistema ainda mais positivo. Tudo o que temos hoje em matéria tributária é muito ruim. Há uma unanimidade nacional quanto aos imensos defeitos do atual sistema fiscal. Nessas condições, qual o risco de adotar o IUT de vez? Na pior das hipóteses, se tudo der errado, poderíamos ter uma situação igual à de hoje. Pergunto: devemos dar a um doente terminal um remédio novo, não testado, que pode representar a cura?

 

O IMPOSTO ÚNICO  E O SETOR FINANCEIRO 

Marcos Cintra 

O Estado de S. Paulo, 12/6/92 

Recentemente, o presidente da Federação Brasileira das Associações de Bancos (Febraban),

Alcides Lopes Tápias, publicou dois importantes artigos na imprensa. Como se sabe, a Febraban contesta veementemente o projeto do Imposto Único. No entanto, paradoxalmente, a argumentação nos dois artigos de Alcides Tápias são argumentos gritantes a favor do IUT, como procurarei demonstrar: 

Em "O fim das filas", publicado no Estado, dia 19 de maio, Alcides Tápias deplora as filas bancárias que infernizam a vida de toda a população brasileira. Afirma que há uma grande concentração de pagamentos em alguns curtos períodos de cada mês. 

O IUT acabaria com o afluxo de pessoas aos bancos com a finalidade de pagar impostos, atenuando o problema diagnosticado pela Febraban e que se torna mais grave a cada dia. 

Mais significativo ainda é que, com o IUT, os bancos - que segundo Tápias contam com "27 mil agências e postos, na maioria informatizados, interligados e distribuídos por todo o País" - se beneficiariam de brutal redução de suas necessidades de investimentos para atender ao público, que não mais congestionaria as agências bancárias para cumprir as exigências fiscais. 

Ainda mais impressionantes seriam as economias do sistema bancário na arrecadação dos atuais impostos e contribuições sociais. Hoje eles são recolhidos por meio de um custoso processo burocrático que inclui papel, formulários, conferências pelos caixas bancários, digitação e processamento de documentos fiscais nos CPDs dos bancos, microfilmagem, emissão de relatórios, auditoria etc. 

Com o IUT isto tudo seria abolido. Nesse sentido, não subsiste a afirmação de que a arrecadação do IUT seria custosa, pois não existe mais do que um impulso eletrônico dos computadores bancários. Em suma, os bancos deveriam ser os primeiros a se declarar favoráveis ao IUT, ao menos sob o aspecto de seus custos operacionais. 

No artigo publicado na Folha de S. Paulo, "Quem fica com os juros", de 8 de abril, Alcides Tápias faz uma das mais bombásticas demonstrações acerca das distorções do atual sistema tributário brasileiro. 

Em uma típica operação de intermediação financeira - em que o banco pagou 28% ao mês para o poupador e emprestou ao tomador a 30%, sendo a . inflação no período de 25%, o investidor ficou com 26% do rendimento real da ; operação, o banco com 16% e o governo apropriou-se dos restantes 58%. 

Diz ainda Alcides Tápias que "as despesas tributárias dos bancos comerciais em 1991 corresponderam a 149,4% do lucro líquido, ou seja, os bancos servi- ram mais ao governo como fonte de arrecadação do que a seus acionistas, que fizeram investimentos para compor seu patrimônio e correram o risco de suas operações". 

O Imposto Único sobre Transações corrigiria estes erros e daria ao setor financeiro condições para ser um efetivo instrumento de alavancagem financeira no País. 

O projeto do IUT prevê um tratamento diferenciado para as operações financeiras. A tributação não será cumulativa, mas sim sobre o rendimento real da carteira de aplicações de cada investidor, inclusive operações em Bolsas. 

Seriam criadas contas bancárias especiais, à semelhança de contas de poupança. São contas correntes, mas sobre as quais não será permitida nenhuma movimentação por meio de cheques. Elas serão criadas exclusivamente para centralizar as operações financeiras de seus titulares, inclusive as operações em Bolsas. Diferentemente das contas-movimento, as contas especiais somente poderão receber créditos ou débitos de outras contas especiais ou de contas-movimento do mesmo titular. 

Os créditos e débitos nas contas especiais serão isentos de tributação quando de lançamentos conjugados com outras contas especiais. Os valores creditados advindos da conta-movimento do mesmo titular serão indexados diariamente para apuração, a qualquer momento, de seu saldo corrigido. Quando do débito da conta especial a crédito da contamovimento do titular, o valor transferido sofrerá a tributação automática incidente sobre o montante que ultrapassar o saldo corrigido, a uma alíquota de 25%, que é alíquota média esperada do IUT. 

Portanto, com alíquotas marginais de 2%, o setor financeiro teria uma carga tributária de 25% sobre seu lucro real, comparativamente ao absurdo tributário que Alcides Tápias tão bem descreveu no artigo mencionado. Usando como exemplo a mesma operação que Tápias usou em seu artigo, o investidor ficará com 45% do rendimento real da operação, o banco com 30% e o governo com os 25% restantes. 

O mais interessante neste tipo de arranjo é que cessaria por completo a desintermediação financeira atualmente existente: o cheque pré-datado. 

Este tipo de desintermediação desapareceria com o IUT. Os cheques pré-datados seriam tributados como qualquer outra transação - 1 % em cada lançamento bancário - , o que implicaria custos financeiros muito mais elevados para comprador e vendedor.

As críticas que a Febraban vem dirigindo ao IUT nada acrescentam aos tradicionais argumentos já levantados anteriormente. Todos já foram examinados e exaustivamente detalhados por vários economistas, políticos, empresários e administradores públicos em inúmeros artigos veiculados na imprensa e em variados espaços de debate em todo o País. 

Pode-se considerar que a consistência técnica do IUT já foi reconhecida pelo governo e pelos autores de propostas de reforma tributária que incluem um imposto sobre transações financeiras.

Se os artigos de Alcides Tápias representam o pensamento da entidade que preside, confiando-se na lógica, a Febraban deve estar a um passo de reconhecer a validade do IUT. 

 

 

REFORMA PRECISA SIMPLIFICAR TRIBUTAÇÃO

Emerson Kapaz 

Diário do Comércio e Indústria, 17/6/92 

Há tempos, fui procurado pelos editores do jornal Momento Legislativo, publicado pela União Parlamentar Interestadual, com tiragem de 40 mil exemplares e distribuição para o Senado e Câmara dos Deputados. Queriam um artigo expressando meus pontos de vista sobre a reforma tributária. Por motivos obscuros, o artigo foi vetado e os jornalistas que o encomendaram perderam o emprego. Segundo eles, a publicação foi vetada a pedido da Fiesp. Dadas as circunstâncias e o interesse do tema, reproduzo aqui aquele texto, assegurando por meio da penetração do DCI uma repercussão ainda maior para essas teses. 

Não dá mais para esperar. Uma reforma tributária que diminua a carga e a quantidade de impostos, aumentando a arrecadação, deve ser implementada imediatamente. As empresas estão sufocadas pela elevada carga tributária, pelo ônus financeiro da complexa apuração. A população “compra” cada vez mais impostos embutidos nos preços dos produtos, reduzindo seu já minguado poder aquisitivo. 

Será muito difícil voltar a desenvolver o País sem primeiramente estabilizar a economia. Boa parte da inflação é gerada pelo próprio governo, ao não conseguir debelar o déficit fiscal e, em conseqüência, manter os juros altos para tornar seus títulos atrativos no mercado. 

A política de juros altos pode até funcionar momentaneamente para frear a inflação. Mas sua persistência no tempo acaba acarretando as conseqüências que estamos presenciando: uma grave recessão, que diminuiu a arrecadação e empurra o governo a buscar novos recursos financeiros a fim de ir administrando suas dívidas, o que mantém os juros altos e provoca ainda mais recessão. 

Para quebrar esse perverso círculo vicioso é preciso implementar uma verdadeira reforma tributária. Não aquele arremedo de reforma promulgado no fim do ano passado, que acabou sendo um simples aumento de impostos por intermédio da criação da Ufir e da redução de prazos de recolhimento. 

Para implementar a reforma, é preciso simplificar a tributação, alargar a base de contribuintes e desestimular a sonegação. Isso pode ser feito de forma corajosa, através da implementação de um Imposto sobre Transações Financeiras (ITF). 

O ITF teria uma alíquota extremamente baixa, que poderia ser de 1 % para o pagador e 1% para o recebedor em qualquer transação financeira. Seria cobrado instantânea e automaticamente em qualquer transação efetuada nas instituições financeiras através de cheques ou cartões. 

Não se trata de mais um imposto. O ITF substituiria quase todos os impostos, como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), a Contribuição à Previdência Social e as dezenas de tributos existentes. 

Junto com o ITF permaneceriam apenas o Predial e Territorial Urbano (IPTU), o Territorial Rural, o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e o Imposto sobre Comércio Exterior, resultante da junção do Imposto sobre Importação e do ICMS sobre algumas exportações. 

O IPTU e o Imposto Territorial Rural permaneceriam, devido a seu caráter indutor do desenvolvimento urbano e rural, funcionando como um mecanismo de justiça social. O IOF e o Imposto sobre Comércio Exterior têm importantes funções regulatórias na política monetária e na política industrial, respectivamente. 

A adoção do ITF, em substituição à maioria dos impostos existentes, só apresenta vantagens. Aumentaria enormemente a quantidade de contribuintes. A sonegação se reduziria extraordinariamente. A maioria dos que hoje estão na economia informal, devido ao excesso de tributos, voltaria à legalidade. A fiscalização seria intensificada nos bancos, que seriam obrigados a maior transparência. Não haveria mais ônus e complexidade na apuração por parte das empresas, liberando recursos financeiros e humanos para funções produtivas. 

Outra grande qualidade do ITF seria o imediato barateamento dos produtos. Acabariam as distorções como a cobrança de 77% de IPI mais 25% de ICMS sobre o preço de um cosmético, por exemplo, acréscimos que acabam sendo pagos por parte do consumidor. Alimentos e produtos agrícolas, de curtas cadeias produtivas, teriam acréscimos de preço imperceptíveis. Indiretamente, o poder aquisitivo da população aumentaria e, diretamente, o governo poderia finalmente ter condições de controlar o déficit e estabilizar a economia.

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