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Marcos Cintra

Livro: Tributação no Brasil e o Imposto Único (II - Imposto Único: A polêmica)

Para referências, bibliografia, e demais conteúdos, acesse o livro completo em PDF.


II - IMPOSTO ÚNICO: A POLÊMICA


Nesta parte se desenrolam a apresentação da proposta do Imposto Único e a intensa polêmica que originou junto aos tributaristas ortodoxos.


Em "Por uma revolução tributária", Marcos Cintra apresenta pela primeira vez o projeto do Imposto Único. Ives Gandra comenta a proposta uma semana depois, mostrando sua importância e oportunidade; no editorial “Imposto Único” o jornal Folha de S. Paulo explicita seu apoio, seguido de Eduardo Chuahy e Jorge Bornhausen em “Vamos ao ato de coragem”.


As primeiras críticas vêm de Panzarini e Rezende. O primeiro, em “Por que o Imposto Único não é solução”, critica sua incidência em cascata e as dificuldades na partilha da arrecadação, além de alegar que seria regressivo. O segundo, em “O falso milagre do Imposto Único”, questiona a arrecadação do Imposto Único, alega regressividade e facilidade de sonegação, acreditando não existirem impostos insonegáveis, embora elogie a ousadia da proposta e sua contribuição para o necessário questionamento do sistema tributário brasileiro.


Estes primeiros ataques são prontamente rebatidos por Marcos Cintra em “Resposta a algumas críticas ao Imposto Único”.


A polêmica alastra-se. Fernando Albino critica o Imposto Único e defende o atual sistema, afirmando que a maior revolução seria a aplicação da letra da lei existente. Panzarini e Rezende voltam à carga, reiterando suas críticas anteriores, em “Por que o Imposto Único não é solução”, de 6/3/90, e em “A única vantagem do Imposto Único” respectivamente.


Mas os apoios também se avolumam. Jorge Bornhausen, em “Apoio liberal à revolução fiscal”, alia-se aos defensores do Imposto Único, juntamente com outros representantes do liberalismo moderno. No “front” empresarial José Valney de Brito saúda o Imposto Único como uma esperança para os setores produtivos. Ives Gandra, em “O Imposto Único de Marcos Cintra”, reforça a tese de que o Brasil é um manicômio tributário e condiciona seu apoio às estimativas de receita. Bernardo Ribeiro de Moraes elogia a proposta, embora aponte dúvidas que recomendam projetos de reforma menos heterodoxos.


No ano seguinte, com a enorme penetração conquistada pelo projeto do Imposto Único, Rezende insiste em sua oposição em “O nariz do camelo” no que é seguido por Mailson da Nóbrega em "Imposto Perigoso” e em “Imposto Único contra as exportações e o Mercosul”, e mais uma vez por Panzarini em “Imposto Único sobre Transações: o mito.”


Neste ponto, o projeto do Imposto Único já havia sido apresentado no Congresso Nacional por Flávio Rocha, que rebate as críticas de Panzarini em "A proposta do Imposto Único está madura", iniciando-se o debate no Congresso Nacional.


Simonsen teme que o Imposto Único seja um "salto no escuro". Marcos Cintra rebate as críticas em "Mário Henrique Simonsen e o Imposto Único". José Serra, com certo desdém, menospreza o Imposto Único, e Marcos Cintra em "Crítica ou diatribe" responde ao deputado apontando seu desconhecimento da proposta.


A polêmica prossegue com dúvidas levantadas por Fábio Giambiagi que sugere a implantação experimental do Imposto Único. Marcos Cintra responde em "Os sete pecados do Imposto Único".


As críticas assumem tom mais violento por Mailson da Nóbrega em "Por que se busca a eutanásia tributária" e em "Um precedente perigoso", além de outros trabalhos e consultorias realizadas por encomenda da Febraban. Em escalada, Marcos Cintra responde a Mailson da Nóbrega em "Insinuações e fatos".


Nesta mesma época, o governo cria o IPMF, que Marcos Cintra caracteriza de estupro e de irmão bastardo em "O Imposto Único e seu irmão bastardo, o IPMF". Flávio Rocha rebate as críticas de cumulatividade do Imposto Único em "A 'cascata' da cascata", e Marcos Cintra relata em "A experiência Argentina e o IPMF" os resultados de viagem de estudos àquele país, mostrando as diferenças nas condições de aplicabilidade de impostos sobre transações financeiras nos dois países.

 

POR UMA  REVOLUÇÃO TRIBUTÁRIA

Marcos Cintra 

Folha de S. Paulo, 14/1/90 

Um dos temas mais discutidos no atual quadro econômico é a urgente necessidade de uma ampla reforma tributária. Porém, o problema é geralmente tratado de forma restrita, apenas como um programa que vise a recuperação da carga tributária líquida do setor público federal. Providências como o combate à sonegação, a tributação de ganhos de capital, a redução de incentivos e de subsídios e um orçamento de renúncia fiscal são freqüentemente avaliadas como meios para aumentar a arrecadação do governo e, portanto, como formas de equacionar a questão do déficit público e das pressões inflacionárias que resultam dos constantes desequilíbrios orçamentários do governo. Dúvidas relacionadas à eficiência dos mecanismos tributários, sua eqüidade, seus custos, sua incidência e outras importantes perguntas são relegadas a segundo plano.


A ampla reforma tributária de que o país necessita implica discutir todas essas questões. Porém, dentro de um contexto no qual o formulador de política econômica não se ache restrito às instituições fiscais existentes.


O Brasil tem uma estrutura de impostos das mais complexas do mundo. São inúmeras as formas de tributação. Impostos sobre a renda, sobre valor adicionado, sobre patrimônio, além de taxas de serviço, contribuições parafiscais, adicionais sobre tarifas... Enfim, uma parafernália de formas e meios de tributação que torna absolutamente impossível qualquer conclusão confiável acerca das características do sistema brasileiro. Não há como saber se é ou não regressivo; quais seus impactos alocativos; qual sua eficiência.


Um reforma que mereça este nome exige uma detalhada discussão de dois importantes aspectos do problema: em primeiro lugar, a definição da base de tributação; em segundo lugar, a definição e as características do sistema.


A primeira pergunta é normalmente centrada nas vantagens e desvantagens da tributação sobre a renda versus a tributação sobre o consumo. A segunda se refere ao número de impostos a serem lançados, à forma de arrecadação, à incidência e a outras questões correlatas.


Nesse sentido, surge a proposta do Imposto Único sobre Transações, cujas principais características são as seguintes: 


Imposto Único sobre Transações 

A sugestão contida neste artigo se refere à introdução no Brasil de um Imposto Único sobre Transações. Uma apresentação dessa idéia também pode ser encontrada em um trabalho de autoria de E. L. Feige, intitulado Taxing AlI Transactions: The Automated Payment Transaction Tax System, apresentado em recente seminário realizado na Argentina.


O imposto único, um conceito com longa tradição na história do pensa- mento econômico, traz inúmeras vantagens de ordem tributária. A fiscalização torna-se mais simples; os critérios de taxação ficam mais transparentes; os custos de arrecadação por parte do poder público, e também os custos do setor privado vinculados às exigências tributárias, tornam-se mais leves. A simplificação do processo fiscal é evidente quando toda a arrecadação se concentra em um único tributo, incidente sobre uma única base.


Não há estimativas confiáveis sobre os custos de fiscalização e de arrecadação fiscal no Brasil. Porém, não seria exagero afirmar que devem chegar a 10% das receitas tributárias. Nos EUA os custos de arrecadação são de 7% da receita tributária do governo. No Brasil devem ser bem maiores, não apenas pela ineficiência da máquina arrecadadora, mas também pela multiplicidade de obrigações fiscais a que estão sujeitas as pessoas físicas e jurídicas.


Somando-se ao custo da arrecadação os custos da escrituração tributária a que estão sujeitos os agentes privados no Brasil, não será exagero chegar a um total de 15% a 20% das receitas de impostos do. país. É um peso morto, que se traduz apenas em gastos sem qualquer contribuição ao aumento da produção e do bem- estar social.


Características do Imposto Único 

Os pontos fundamentais desta proposta são dois. 

Em primeiro lugar, a existência de apenas um imposto. Todos os demais seriam extintos, com possíveis exceções, como no caso das tarifas aduaneiras. Não haveria mais Imposto de Renda sobre a pessoa física ou sobre a jurídica; os salários não sofreriam retenção de qualquer tipo, seja como antecipação de Imposto de Renda, seja para custeio da Previdência Social; não haveria mais necessidade de nenhuma escrituração fiscal ou tributária nas empresas; não haveria mais nenhuma forma de declaração para impostos de renda, de serviço, de circulação ou de qualquer outro tipo; não haveria mais necessidade da manutenção das múltiplas estruturas de fiscalização hoje existentes.


A segunda característica fundamental desta proposta se prende à transferência da base do imposto único exclusivamente para as transações monetárias, em substituição à multiplicidade de bases de tributação hoje existentes. Assim, toda vez que qualquer agente econômico efetuar um pagamento a outro haverá a incidência de um imposto cobrado sobre o valor da transação. O tributo será dividido em partes iguais e cobrado do emitente e do beneficiado.


Vantagens do Imposto Único

As vantagens desta proposta são inúmeras. 

Haverá enorme simplificação e redução de custos na arrecadação de tributos. A vantagem não se restringe apenas à redução da máquina governamental, mas também aos custos das empresas que hoje dedicam pelo menos cerca de 30% de seu pessoal administrativo para fazer frente às exigências de escrituração fiscal.


Como estimado acima, a redução nos custos da máquina arrecadadora do governo e do pessoal administrativo do setor privado poderá chegar a 20% da arrecadação fiscal bruta do país, de cerca de 22% do PIB. Isso implica dizer que o impacto dessa proposta, em termos de liberação de recursos reais, seria da ordem de 4,4% do PIB. Esse montante equivale à totalidade das remessas de recursos reais ao exterior - pagamento de juros, de lucros e de dividendos - e significa uma vez e meia o impacto de uma moratória da dívida externa brasileira. São recursos que poderiam ser canalizados para investimentos produtivos, capazes de alavancar o crescimento econômico, em vez de serem absorvidos em atividades de consumo do governo e em custos administrativos privados.


Esta proposta acarretaria a virtual eliminação da sonegação, da corrupção fiscal e da economia informal, sem custos administrativos ou de fiscalização. A arrecadação tributária seria efetuada automaticamente a cada lançamento de débito e de crédito no sistema bancário. A cada transação, a conta credora e a conta devedora seriam debitadas em um percentual fixo do valor da transação. Assim, a cada transação efetuada mediante cheques ou qualquer outro tipo de ordem de pagamento, o sistema automaticamente transferirá o produto de arrecadação à conta dos Tesouros federal, estaduais e municipais, segundo critérios predefinidos.


Esse sistema torna impraticável qualquer tentativa de sonegação, pois bastaria uma fiscalização nos sistemas de compensação do setor bancário para que ela fosse totalmente eliminada.


O mais significativo nesta proposta é que a alíquota do imposto pode ser baixa. Para que o governo - em seus três níveis - arrecade cerca de 25% do PIB, e considerando-se o volume de transações efetuadas na economia, estima-se que a alíquota do imposto sobre transações não seria superior a 2% -1% pago pela parte credora e 1% pela parte devedora na transação.


Assim, considerando-se a baixa alíquota marginal, o incentivo à sonegação virtualmente desapareceria. Ademais, isso se tornaria impossível, a não ser que a transação fosse efetuada em moeda ou mediante escambo. Evidentemente, nesses dois casos o custo da sonegação seria maior do que seu benefício - apenas 1% da transação -, o que desincentivaria por completo qualquer tentativa de burla tributária.


Cabe lembrar ainda que, para evitar que as transações efetuadas em moeda fiquem isentas de tributação, todo saque, ou depósito, de numerário (moeda circulante) do sistema bancário poderia ser taxado de acordo com uma alíquota que em média reproduzisse o número de transações que se realizasse com essa mesma moeda até seu retorno ao sistema bancário.


Para o caso norte-americano estimou-se que a alíquota necessária seria o dobro da alíquota geral. Neste caso, seria de 4% no Brasil, cobrados quando da saída, e novamente quando da entrada, do numerário no sistema bancário. Com isso, se estaria eliminando a vantagem das transações em dinheiro.


Portanto, esse sistema de tributação eliminaria a sonegação - estimada em cerca de 30% a 40% da arrecadação - e implicaria uma liberação de recursos reais. Haveria uma sensível redução nos custos de produção e nas pressões inflacionárias, concomitantemente com a possibilidade de sensíveis aumentos na arrecadação tributária. Certamente serão ganhos do tipo once and for all, mas que seriam suficientes para permitir um expressivo ajuste fiscal e uma sensível recuperação da capacidade de investimento do país.


Eqüidade do Imposto Único 

Resta abordar questões que dizem respeito à progressividade da incidência desse tipo de tributação. 

Tratando-se de um imposto em cascata, os produtos que envolvem um maior número de transações na cadeia produtiva - cujos métodos de produção são mais round-about - serão proporcionalmente mais taxados. Isso implica garantir ao sistema tributário uma desejada dose de progressividade, já que os wage-goods - produtos da cesta básica que compõem o perfil de demanda das classes de mais baixa renda - terão uma carga tributária relativamente menor do que os produtos mais sofisticados. Assim, estará garantida a progressividade desse sistema.


Cabe lembrar que o incentivo para a integração vertical da produção poderá acentuarse. Mas, consideradas as baixas alíquotas marginais do sistema, dificilmente esse processo irá além do que seria previsível por razões estritamente ligadas a economias de escala e a outros tipos de externalidade.


Outra característica interessante desta proposta é que a base de tributação deixa de ser a renda e a atividade produtiva, como é hoje, passando para as transações. Assim, passa-se a tributar não apenas as atividades vinculadas à geração de riqueza, mas também aquelas que impliquem mera transferência de ativos. Passa-se a taxar, portanto, todas as operações financeiras e de capital, que hoje são notoriamente subtributadas. Corrige-se, assim, o viés anti-produtivista na estrutura tributária brasileira.


Cabe acrescentar que as transações de caráter especulativo continuarão a existir - mesmo porque cumprem também um papel econômico -, porém passarão a contribuir para a arrecadação pública.


Esta proposta tem portanto algumas características essenciais que devem ser enfatizadas: garante a arrecadação tributária; elimina a sonegação e a corrupção fiscal; aumenta a eficiência da arrecadação; libera recursos reais significativos no setor privado e no setor público; é um sistema abrangente e progressivo.

 

A REVOLUÇÃO TRIBUTÁRIA  DO IMPOSTO ÚNICO 

Ives Gandra da Silva Marfins 

Folha de S.Paulo, 21/1/90 


 

IMPOSTO ÚNICO

Editorial Folha de S. Paulo, 28/1/90 

A necessidade de romper com toda uma rotina de timidez, de desgaste e de anacronismo na gestão da economia brasileira, tal como apontava o editorial "Choque de coragem", publicado recentemente na primeira página da Folha, corre o risco de ser interpretada - de tal modo profunda é a tradição acomodatícia e oportunista das elites políticas e sociais brasileiras - como um simples apelo em favor de maior austeridade nos gastos do governo. Não se trata apenas disto: extirpar definitivamente o déficit público exige uma disposição política, uma atitude psicológica de radicalidade absoluta - algo bem mais decisivo, renovador e corajoso do que a simples administração cotidiana do Tesouro.


Neste esforço, nenhuma conciliação poderá ser admitida, nenhum argumento que não considere, com exatidão e ênfase, o estado de emergência em que vive a sociedade brasileira poderá ser aceito. Vencer a ameaça hiperinflacionária é um imperativo que não mais tolera providências ditadas por um aparente espírito de moderação e gradualismo: há um choque psicológico e político a ser feito, custe o que custar.


Tampouco o empenho em realizar este choque imediato - sem o qual nenhum plano de estabilização poderá surtir efeito duradouro - deve ser entendido como um simples esforço contingencial a ser abandonado tão logo a economia reencontrar condições mínimas de crescimento. Trata-se de ir mais além, discutindo soluções inovadoras para os problemas estruturais do sistema econômico e social brasileiro. Se o esforço antiinflacionário exige, por exemplo, uma recuperação imediata das receitas do governo - contemplando, assim, a necessidade de um aumento da carga tributária e de ações exemplares contra os sonegadores de impostos -, há que trazer ao debate, por outro lado, modificações mais profundas no próprio sistema de impostos, capazes de extinguir por completo suas conhecidas distorções - cujos exemplos mais flagrantes são, sem dúvida, o fato de os ganhos de capital serem insuficientemente gravados, com o peso relativo dos tributos recaindo sobre a massa dos assalariados, e o problema do crescimento da economia informal, motivado pela extrema complexidade de um sistema fiscal inadministrável na prática.


A proposta lançada pelo economista e diretor da Fundação Getulio Vargas, Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, em artigo nesta Folha, merece sob este aspecto ser analisada com atenção e sem preconceitos. E, sem dúvida, polêmica; em seus aspectos técnicos e operacionais deve ainda ser objeto de muitos debates e conjeturas. Mas apresenta, pela sua sedutora simplicidade, vantagens claras sobre a atual estrutura, que muitas das críticas que tem recebido não pare- cem avaliar com precisão.


A idéia pode ser resumida em poucas palavras. Trata-se de extinguir todos os impostos atualmente existentes, substituindo-os por um único tributo. Este incidiria, com uma alíquota única - possivelmente inferior a 2% -, sobre todas as emissões de cheques e ordens de pagamento. O sistema bancário recolheria esta porcentagem em todos os cheques emitidos, transferindo-a automaticamente para os cofres do governo. As vantagens desse mecanismo não poderiam ser mais claras: instantaneamente, toda a imensa burocracia da arrecadação e da fiscalização dos impostos desapareceria por completo. Desapareceriam, também, todos os encargos e dificuldades que, tanto na vida cotidiana dos cidadãos como no interior das empresas, estão associados ao trabalho de prestar contas ao fisco: declarações de Imposto de Renda, escrituração das vendas, cuidados no acompanhamento da legislação. A sonegação fiscal, as tentativas de burla às determinações tributárias, a corrupção de fiscais, estariam extirpadas pela raiz. Toda a imensa rede informal de empreendimentos econômicos, formada em função da própria inviabilidade prática que conhecem as pequenas empresas para seguir à risca a miríade de obrigações fiscais, seria de imediato conduzida para o campo da legalidade, sem nenhuma possibilidade de subterfúgio e sem maiores sacrifícios. O alargamento da base tributária, à medida que se incorpore toda a massa da economia subterrânea, que se acabe com toda hipótese de sonegação e de corrupção, permitiria que todos os atuais contribuintes pagassem proporcionalmente menos impostos e dedicassem a atividades produtivas o tempo considerável que hoje é gasto nas relações com a estrutura de arrecadação do Estado.


As críticas que esta proposta tem recebido parecem, em comparação a estes benefícios, singularmente frágeis e inconsistentes. Argumenta-se, por exemplo, que este tipo de imposto seria regressivo: como se trata da mesma alíquota, as grandes e pequenas fortunas, os altos e baixos salários terminariam respondendo de forma igual às exigências do fisco. Há, entretanto, um ponto que esta crítica não leva em conta. O preço dos produtos embutiria, na verdade, o custo de seguidas transações econômicas, à medida que estas mercadorias exigem, para serem fabricadas, componentes diversos, adquiridos de diferentes indústrias ao longo de toda uma cadeia de produção. É este o tipo de produto que entra com maior peso no orçamento das classes mais favorecidas; ainda que, a cada cheque emitido, a alíquota seja baixa, a sucessão de tributos incluída no preço final de um automóvel, por exemplo, seria superior à de um bem de consumo popular.


Lança-se, ainda contra a idéia, o raciocínio de que logo poderia ocorrer a simples extinção do uso de cheques, preferindo-se as transações em moeda, o escambo entre empresas ou o uso do dólar como meio de troca. Para o contribuinte individual, seja a empresa, seja a pessoa física, este procedimento teria poucas vantagens. Não há estímulo para sonegar com uma alíquota marginal tão baixa; operações econômicas de grande vulto dificilmente poderiam ser feitas em papel-moeda. As desvantagens, em termos de viabilidade prática e de segurança, acaba- riam sendo, na verdade, bem maiores do que a economia que se pretendia obter.


Sem dúvida, novos argumentos poderão surgir contra a proposta. Lançada a título polêmico, é natural que seja examinada com cuidado e que se esgotem todas as críticas antes de se partir para sua implementação. Idéias desse gênero merecem, entretanto, ser destacadas pelo potencial de inovação, pelo interesse desburocratizante e renovador que revelam: são exemplo do que se pode fazer quando se procura simplificar de fato a vida econômica do país, romper com a carga burocrática que a sufoca e com a trama de interesses arraigados na falta de sentido prático, no gigantismo e na inviabilidade do sistema estatal brasileiro.

 

POR UMA REVOLUÇÃO TRIBUTÁRIA

Eduardo Chuahy

Jornal do Brasil, 2/2/90 

O final do século 20 vem-se caracterizando por uma mudança profunda nas estruturas políticas e econômicas que vigoraram desde a I Guerra Mundial. É como se o mundo todo começasse a se preparar para entrar de roupa nova na grande festa que se anuncia para o reveillon do novo século.


Enquanto isso, o Brasil começa essa última década debatendo-se numa avalanche de problemas crescentes, com a economia dando os seus primeiros sinais de desorganização, abrindo caminho para o caos político e social. Os diversos planos econômicos tentados sob a chefia de um governo sem comando não fizeram mais do que nos deixar, a todos, literalmente, em estado de choque.


Pelo andar da carruagem, estamos ameaçados de assistir ao baile do século, do lado de fora, em andrajos.


Desde a primeira crise do petróleo, vivemos 17 anos de crises econômicas, ao longo dos quais as receitas ortodoxas e heterodoxas dos mais renomados economistas só fizeram transferir, para uma data cada vez mais próxima, a explosão inflacionária.


Depois que tantas fórmulas antigas foram experimentadas sem sucesso, não seria o caso de buscarmos algo inteiramente novo para solucionar esses velhos e persistentes problemas?


Economistas, políticos e empresários das mais diversas tendências ideológicas concordam num ponto: para recuperar as finanças do setor público, tornar o déficit administrável e permitir que o Estado volte a investir é indispensável realizar uma reforma tributária. Os dados sobre a perda de receita são conhecidos. Basta examinar as contas nacionais, calculadas pelo IBGE, para constatar que a arrecadação total caiu de 25,1% do PIB no período 1970/79, para 23% em 1980/87 e apenas 20,8% em 1988.


O problema é descobrir os caminhos mais eficazes para realizar essa reforma. As soluções apontadas até aqui passam pelo combate à sonegação, cortes de subsídios e incentivos, tributação dos ganhos de capital e elevação das alíquotas dos impostos já existentes. Ao que tudo indica, porém, é preciso ser mais ousado, criativo e objetivo para realizar uma verdadeira revolução fiscal, pois as propostas já apresentadas representam apenas um remendo em relação à situação atual.


Nesse sentido, a tese mais avançada defendida até aqui partiu do economista Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, diretor da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. Ele propõe a adoção do Imposto Único sobre Transações e a eliminação de todos os demais impostos. Do que se trata? Explica o autor da proposta: "A cada transação, a conta credora e a conta devedora seriam debitadas em um percentual fixo do valor da transação. Assim, a cada transação efetuada mediante cheques ou qualquer outro tipo de ordem de pagamento, o sistema automaticamente transferirá o produto de arrecadação à conta dos Tesouros federal, estaduais e municipais, segundo critérios predefinidos".


Levando-se em conta o volume de transações realizadas na economia brasileira, para que o governo - em todos os níveis - arrecadasse cerca de 25% do PIB bastaria que a alíquota do Imposto Único sobre Transações fosse de apenas 2%. Metade seria paga pela parte credora e metade pela parte devedora. Para evitar que as transações realizadas em moeda ficassem isentas da tributação, todo saque ou depósito de moeda circulante poderia ser taxado de acordo com uma alíquota que reproduzisse em média o número de transações que se realizasse com moeda até seu retorno ao sistema bancário. O recomendável seria que essa alíquota fosse o dobro da alíquota geral, ou seja, 4%.


As vantagens da criação do imposto único são enormes: simplificação tributária, combate à sonegação, redução de custos para as empresas, queda dos custos de arrecadação por parte do setor público e critérios mais transparentes de taxação. A multiplicidade de obrigações fiscais inferniza a vida dos contribuintes e obriga o governo federal, os Estados e municípios a dispor de batalhões de fiscais, com uma complicada estrutura burocrática, ruja manutenção corresponde a pelo menos 10% da arrecadação, de acordo com as estimativas mais conservadoras.


Uma das maiores vantagens do imposto único é que a alíquota não passa de 1% em cada transação, o que torna a tributação perfeitamente aceitável- suave até -, desestimulando a sonegação. Além disso, o novo imposto passaria a tributar não apenas as atividades ligadas à geração de riquezas, mas também as que impliquem mera transferência de ativos. Assim, as operações financeiras e de capital deixariam de ser subtributadas, como acontece atualmente. Por outro lado, ele deverá incorporar à arrecadação toda a massa de economia subterrânea que é hoje estimada em 30% do PIB.


Outro ponto importante a assinalar na proposta do economista Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque é que, como se trata de um imposto em cascata, os bens mais sofisticados, que passam por processos mais elaborados de fabricação, serão mais taxados que os produtos da cesta básica. Assim, o imposto obedece ao critério da progressividade - o que significa atrelar o sistema tributário aos parâmetros da justiça social. Possivelmente, ao final de sua implantação, todos pagarão menos e o Estado arrecadará mais.


Enfim, as enormes vantagens associadas à adoção do imposto único recomendam que o assunto seja debatido em profundidade. Em especial pelo Congresso Nacional, a quem caberia a decisão de aprovar essa verdadeira revolução tributária que parece ter a simplicidade do ovo de Colombo. Neste momento em que o Brasil busca caminhos para reordenar sua economia e resolver a aguda crise financeira do setor público, o imposto único pode ser a luz no fim do túnel... Que desembocará - quem sabe? - no tão esperado país do futuro.

 

POR QUE O IMPOSTO ÚNICO NÃO É SOLUÇÃO 

Clóvis Panzarini 

Folha de S. Paulo, 10/2/90

A época da propaganda eleitoral gratuita, surpreendi-me com a proposta de um candidato à Presidência da República, no sentido de criar um imposto único no Brasil. Tentei imaginar qual seria o fato gerador de tão exótico imposto, apregoado como a panacéia para todos os males do país; qual seria sua alíquota; como seria rateado o produto de sua arrecadação entre as três esferas de governo e, mais importante, como seriam repartidos os quinhões estadual e municipal entre os seus partícipes. Afinal, seria ingênuo imaginar que a receita viesse a ser rateada na proporção da arrecadação verificada em cada território, pois os Estados da região Sudeste absorveriam a quase totalidade dos recursos e os demais Estados quebrariam. Definir o critério de rateio desse tributo significaria, portanto, definir o -. tamanho do orçamento de cada Estado e de cada município e, por via de conseqüência, o volume de serviços e obras públicas a que cada coletividade teria direito em cada período orçamentário. Governar seria, então, meramente priorizar as aplicações desses recursos, previamente definidos de forma exógena.


Quem definiria tal critério? Seria o Congresso Nacional? Aqueles que acompanharam a elaboração do sistema tributário na Assembléia Nacional Constituinte puderam assistir de perto ao milagre operado pelo conflito distributivo regional. Puderam ver, estupefatos, marchar, lado a lado, radicais de esquerda e representantes da mais conservadora oligarquia, na justa defesa de fatia tributária mais relevante para os Estados menos desenvolvidos. "Duzentos e noventa e dois votos e uma só vontade" diziam os cartazes que faziam pano de fundo nas paredes do Congresso Nacional, lembrando que as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, unidas, detêm maioria absoluta no Congresso Nacional, e fazendo velada ameaça a uma ruptura nas relações Norte-Sul.


E a parcela de cada uma das quase cinco mil prefeituras existentes no Brasil? Seria definida por lei federal ou arbitrariamente fixada por algum burocrata de plantão no Planalto Central? As demandas locais de bens públicos seriam respeitadas? Desvincular-seiam os direitos do eleitor-cidadão dos deveres do cidadão-contribuinte? O sistema federativo continuaria a existir ou os governadores e prefeitos passariam a ser nomeados por Brasília para administrar esses exóticos fundos? Enfim, nunca imaginei que essa proposta viesse um dia a ser levada a sério.


Entretanto o assunto novamente volta à discussão e assusto-me agora com a envergadura intelectual e a seriedade de seu novo defensor. Assusto-me mais ainda porque instituições e tributaristas acima de qualquer suspeita saem em defesa incondicional desse modelo que, só pelo conflito distributivo regional acima apontado, liquidaria com o sistema federativo, colocaria em risco as instituições democráticas e, provavelmente, conduziria o país a um conflito regional de pro- porções inimagináveis.


Mas, além desse problema de distribuição entre níveis de governo e entre regiões, permito-me enumerar mais alguns entraves para a adoção desse modelo.


1. Esse tributo teria característica de incidência em cascata, gravando simultaneamente o valor bruto da produção, a renda nacional, a despesa interna bruta e as transferências entre as entidades do sistema econômico. O volume de arrecadação dependeria mais do rearranjo do sistema produtivo que esse tipo de imposto provocaria do que propriamente das alíquotas fixadas em lei. Tributo em cascata induz à integração vertical da economia com indesejável perda de eficiência. Por exemplo, a incorporação de uma indústria de pneumáticos por uma montadora de automóveis significaria evasão tributária de alguns milhões de dólares por ano.


2. O imposto teria a função única de prover o setor público dos recursos necessários ao financiamento dos bens públicos demandados pela sociedade. O governo perderia importantes comandos de caráter distributivo e de estabilização.


3. O imposto em cascata não permite a desoneração tributária plena, quando necessária. A exportação de produtos manufaturados no Brasil, por exemplo, só começou a ganhar importância a partir da reforma tributária de 1967, quando a instituição de impostos do tipo valor adicionado (IPI e ICM) permitiu a isenção plena nas saídas de mercadorias para o exterior, dando-lhes condições de competitividade no mercado internacional. Por outro lado, esse imposto, como concebido, teria o efeito perverso de tributar menos fortemente os bens importados que os nacionais, uma vez que aqueles sofreriam uma ou no máximo duas incidências, enquanto os nacionais sofreriam a tributação em cascata: o minério de ferro, por exemplo, desde a saída da mina até a chegada ao consumidor final, na forma de um pára-lama de automóvel, seria tributado seis ou sete vezes. Como se vê, esse imposto mágico, além de implodir a balança comercial, destroçaria o parque industrial brasileiro.


4. Inúmeras distorções de ordem distributiva poderiam ser apontadas. O leite, por exemplo, teria carga tributária igualou maior que a do cigarro; a pensão recebida por uma viúva, carga idêntica aos dividendos percebidos pelo magnata.


Por fim, não se pode negar que o sistema de imposto único tem suas vantagens em relação ao sistema tributário atual. Desburocratizaria enormemente os controles fiscais e reduziria tanto a sonegação quanto a corrupção. Mas, a sua implementação equivaleria a "atear fogo ria casa para assar o leitão".

 

O "FALSO" MILAGRE DO IMPOSTO ÚNICO  

Fernando Rezende 

Folha de S. Paulo, 12/2/90 



 

VAMOS AO ATO DE CORAGEM! 

Jorge Konder Bornhausen 

Folha de S. Paulo, 16/2/90 

No dia 14 de janeiro último, a Folha publicou um artigo do economista Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque intitulado “Por uma revolução tributária” e, no mesmo dia, um extenso editorial, “Choque de coragem”, contendo uma ousada proposta de reforma tributária, com base na análise feita por aquele economista. Não posso deixar de me pronunciar sobre os dois documentos, embora com algum atraso, já que me encontrava nos Estados Unidos quando da sua publicação.


Marcos Cintra sugere uma medida radical: ele pretende reduzir todos os impostos a um único tributo, o qual incidiria sobre todas as transações monetárias. Toda a nossa complicadíssima estrutura fiscal seria substituída por um único mecanismo simples, compreensível e transparente para o público. Os tributos teriam uma base só e não múltiplas bases. Haveria, assim, uma verdadeira racionalização de todo o processo de ação do fisco, com o que se reduziria drasticamente o custo do sistema de cobrança dos tributos.


Atualmente, os custos de fiscalização e de arrecadação fiscal chegam a cerca de 10% das receitas tributárias. Somando-se a estes custos os da escrituração tributária a que estão sujeitos os agentes privados, poderíamos chegar, segundo Cintra, a 15% ou 20% das receitas de impostos no país.


É esse peso morto que o articulista pretende tirar de cima do país, fazendo com que seja possível liberar recursos reais avaliados em 4,4% do PIB, recursos que poderiam ser destinados a investimentos produtivos, para a criação de riquezas e de empregos em ampla escala.


Coube à Folha transformar a sugestão do economista num desafio a todos os que têm a preocupação de dar um novo impulso modernizante e democratizante ao Brasil, particularmente os governantes e os representantes do povo, para não falar dos líderes dos diversos segmentos sociais.


Parece-me evidente que a idéia de um novo sistema tributário, que venha a melhorar substancialmente o funcionamento da máquina estatal, tornando-a, a um só tempo, mais ágil, mais eficiente e menos onerosa para a nação, deve merecer o exame atento de todas as pessoas com alguma parcela de responsabilidade na condução dos negócios públicos.


Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque é um técnico de alto gabarito, com uma postura liberal moderna formalmente assumida. O seu enfoque das questões econômicas e sociais está em consonância com as tendências atuais do mundo avançado, segundo as quais não é através da hipertrofia crescente do Estado, mas do estímulo crescente à iniciativa dos cidadãos, que vamos melhorar o padrão de vida do povo.


Parece-me que a análise do economista e o desafio da Folha terão de ser estudados. Há dúvidas a esclarecer, tanto de natureza técnica (quanto a números e meios práticos de implementação do novo imposto), como na avaliação do conteúdo social dos tributos (não seria preciso preservar, de alguma forma, o imposto por excelência da cidadania, o Imposto de Renda?).


Mas tudo isso já é parte do debate que deve ser travado no país sobre o seu destino. O importante é que estamos diante de um desafio inarredável para que possamos romper as amarras do Brasil arcaico. Somente isso já basta para suscitar o nosso aplauso e o nosso entusiasmo. vamos ao ato de coragem!

 

RESPOSTA A ALGUMAS  CRÍTICAS AO IMPOSTO ÚNICO 

Marcos Cintra 

Folha de S. Paulo, 22/2/90 

Em artigo publicado no dia 14 de janeiro nesta Folha propus para debate uma revolução tributária no Brasil, com a adoção do Imposto Único sobre Transações (IUT).


Em linhas gerais, o IUT prevê a substituição de todos os impostos e demais exigências fiscais por apenas um imposto incidente sobre todas as transações monetárias, sem exceções. O fato gerador deste tributo seria a transação consumada no sistema bancário. Documentos como cheques, ordens de pagamento, avisos de débito ou crédito etc. automaticamente detonariam a cobrança de 1% de cada parte da transação, o que implicaria a neutralidade da proposta em termos de arrecadação bruta - cerca de 25% do PIB. A única alíquota diferenciada - propõe-se o dobro da alíquota geral - se aplicaria a saques e depósitos de numerário do sistema bancário, com o objetivo de desestimular as transações em dinheiro. O produto da arrecadação seria instantaneamente transferido para os vários níveis de governo, segundo critérios de rateio previamente definidos.


Esta forma de tributação tem várias vantagens. Praticamente elimina a sonegação, a corrupção e a economia informal, já que toda a arrecadação ocorreria no circuito bancário, onde a fiscalização pode ser fácil e barata. Ao ampliar enormemente o número de contribuintes, torna-se possível uma redução sensível da incidência nos segmentos que hoje arcam com o grosso da tributação no Brasil, fundamentalmente o assalariado e parte das empresas organizadas.


Também no setor privado ocorreriam enormes reduções de custos administrativos, pois toda a atual escrituração fiscal seria aboli da, juntamente com a extinção de maior parte dos impostos e contribuições fiscais como o IR, IPI, ICMS, ISS, lapas, retenções na fonte e toda a parafernália de exigências que, segundo o jurista Ives Gandra da Silva Martins, supera, no Brasil, a absurda soma de 50 tipos de tributos.


As Críticas de Panzarini e de Rezende 

Antes de passarmos a novas análises sobre o IUT, serão abordadas algumas críticas levantadas recentemente nesta Folha.


Espantei-me com a surpresa de Panzarini, ao indicar que tomou contato com a proposta de um imposto único no horário eleitoral gratuito. Causa pasmo que um conceito que vem sendo discutido na literatura econômica há alguns séculos apenas tenha chegado ao conhecimento do articulista naquela forma.


Quanto ao argumento de que a definição dos critérios de rateio da arrecadação do IUT entre os três níveis de governo poderia levar o país a "um conflito regional de proporções inimagináveis"(sic), cabe lembrar que a repartição da receita tributária no Brasil não é nova, tendo sido tratada inúmeras vezes no Congresso Nacional (vide, por exemplo, artigos 157 a 162 da nova Constituição), sem que tenhamos tido qualquer guerra de secessão entre nós.


Panzarini lamenta a perda de tributos com características extrafiscais. Também eu lamentaria, daí ter deixado aberta a porta para casos excepcionais - que esperaria serem muito poucos - como o caso do Imposto de Importação, cuja finalidade não é fiscal, mas sim de proteção à indústria nacional. Também o ITR progressivo sobre terras improdutivas poderia ser defendido como mecanismo de incorporação de áreas ociosas ao ciclo produtivo.

Rezende, cuja crítica é mais consistente, porém não menos preconceituosa, se coloca como um ardente defensor do status quo. Parece posicionar-se contra a busca de soluções que caminhem no sentido de aperfeiçoar o sistema tributário brasileiro pelo simples fato de que "Os conflitos que marcam a complexas relações Estado-contribuinte não tiveram solução ao/longo dos últimos 200 anos" (sic). Cabe indagar se isto justificaria renegar mudanças, aceitar o que existe e abafar. a tentação (condenável?) de inovar. Provavelmente ainda teríamos rodas quadradas, se dependesse de meu crítico. Trata-se da mesma atitude insólita dos que indagam “se a idéia é tão boa porque não foi jamais utilizada em outros lugares até hoje?”, como de fato Rezende questiona.


Ainda no rol de questões perfunctórias, Rezende pergunta de onde vem a economia de recursos reais que o IUT acarretaria e avaliada em meu artigo em 4,4% do PIB. A resposta acha-se no próprio texto. Redução de custos administrativos, privados e públicos, de 20% da arrecadação estimada em 22% do PIB. Simples aritmética explica o aparentemente "misterioso" - mas não menos impressionante - número.


Afirma Rezende que os especialistas dizem que os impostos em cascata- e imagino que poderíamos estender esta crítica aos impostos indiretos - são per- versos. Ora, argumentos de autoridade perderam qualquer respeito na comunidade científica. Pessoalmente acredito que estes dogmas devam ser questionados e que estejam surgindo novas justificativas para o uso crescente da tributação indireta, e mesmo em cascata.


Igualmente injustificável, para quem deseja criticar, é o pouco entendi- mento da proposta, refletido nos comentários de Rezende sobre o impacto da tributação dobrada incidente nos saques e nos depósitos de moeda do sistema bancário. Diz ele que a sonegação seria elevada, pois haveria estímulo para "o comércio rejeitar cheques nas vendas ao consumidor..." (sic). Não há razão para esta afirmação. Pelo contrário, a penalidade tributária seria aplicada tanto no saque quanto no depósito de numerário no sistema bancário. Assim, o comerciante que aceitar pagamentos em dinheiro arcaria com elevação de tributos no momento em que os depositasse em sua conta bancária.


A alternativa seria a manutenção dos recursos em moeda corrente, com toda as desvantagens e riscos que, desde a invenção dos bancos, os agentes econômicos já aprenderam a evitar. O mais provável é que nas transações pagas em dinheiro o vendedor exija do comprador um ágio equivalente à elevação dos encargos tributários que a transação em moeda irá implicar, da mesma forma que hoje se faz com compras financiadas com cartão de crédito, relativamente aos pagamentos à vista. Pode-se prever que apenas pequenas operações no dia-a-dia sejam pagas em dinheiro, mesmo que isto implique um ágio para o comprador.


Em realidade, os agentes econômicos passarão a avaliar a diferença nos custos de transação com moeda relativamente ao pagamento em cheque. Como este último implica um custo fixo, as transações que envolvam pequenos valores poderão continuar a ser feitas em moeda, sem que isto signifique qualquer artifício significativo de contornar a tributação do IUT. Quanto às que ultrapassem o limiar determinado pela comparação do acréscimo tributário versus o acréscimo no custo de transação, certamente continuarão a ser feitas pelo sistema bancário, pois a economia tributária será mínima (1% da transação), ao passo que os riscos e custos crescentes da monetização certamente serão bastante mais elevados. Provavelmente o IUT estimularia significativamente o uso do cheque - que já é a forma preponderante de pagamento -, bem como a prática saudável de os bancos cobrarem taxas por serviços prestados, em vez de auferirem seus ganhos por meio do f1oat, como ocorre hoje.


Rezende prossegue em suas críticas do subfaturamento que seria incentivado pelo lUTo Diz ainda que a intermediação financeira seria desestimulada, pois "não havendo registros contábeis nem a necessidade de comprovar a origem do rendimento para explicar o acréscimo patrimonial, a intermediação financeira doméstica ficaria ameaçada pelas vantagens não-tributárias concedidas à transformação dos excedentes financeiros em dólar, ouro ou depósitos bancários no exterior" (sic).


Vale notar que para Rezende a inexistência de comprovação de bens, registros fiscais etc. é uma falha, ao passo que para os que defendem o IUT trata-se de uma das principais vantagens da proposta. De fato, não caberá mais ao fisco exigir comprovação de nada, já que todas as transações serão taxadas no sistema bancário, único local onde se fará a fiscalização. Se há ilegalidade envolvida, a investigação e punição caberá ao Banco Central e à polícia, não ao fisco.


Quanto ao subfaturamento que, segundo Rezende, poderá ser incrementado, cabe apenas apontar que este conceito desaparecerá com a vigência do IUT. O subfaturamento não é um desconto, mas sim uma transação com parte do pagamento ocultado. Porém sempre realizado. Na medida em que o pagamento "oculto" se realize, com dinheiro ou com cheque, será alcançado pela tributação. E como apontamos anteriormente, o pagamento com dólares, contas no exterior ou outros meios ilegais acabará acarretando um acréscimo nos custos de transação que não será compensado pelo produto e pelos riscos da sonegação.


Caberia lembrar ainda que, se na vigência do IUT houver vantagens para sonegar, como as descritas pelo articulista, mais fortes ainda devem ser hoje, pois o tributo que economizariam na vigência do IUT é de apenas 2%, ao passo que hoje é algumas vezes mais elevado. Portanto, comparativamente ao atual sistema tributário, o IUT deverá reduzir sensivelmente ar prática de transações em moeda estrangeira, em contas correntes no exterior ou transformação de excedentes em ouro ou dólar.


Rezende alerta os defensores do IUT acerca do excessivo otimismo implícito na estimativa de que com uma alíquota de 2% sobre o volume de transações se torne possível uma arrecadação bruta equivalente a 25% do PIB. Afirma ainda que isto apenas se tornaria possível devido à "frenética especulação financeira que eleva o volume das transações do sistema bancário muito além do que seria necessário para sustentar o valor real dos negócios" (sic). Em seguida, utiliza dados referentes à atual contribuição do Finsocial para concluir que o setor produtivo contribuiria com apenas 20% da arrecadação projetada.


Esta questão extrapola a argumentação conceitual apresentada na proposta, e remete a discussão para uma avaliação empírica de abrangência do IUT. As estimativas preliminares que consubstanciaram a proposta acham-se fundamenta- das na necessidade de uma relação "volume de transações/valor do PIB" de 12,5. Neste caso, o produto da arrecadação equivaleria aos 25% do PIB oficial de hoje mencionado na proposta.


Inicialmente cabe apontar que o exercício apresentado por Rezende comete uma impropriedade ao igualar o conceito de faturamento (= Valor Bruto da Produção) com o conceito de transação. Este último é o mais amplo que o VBP, pois incorpora, além do faturamento, o volume das transações intermediárias referentes ao valor adicionado em cada etapa de produção abatido do mark-up do produtor (visto que este não é objeto de transação intermediária).


Fazendo-se esta correção, que implica acrescentar ao VBP os valores correspondentes à participação da massa de salários, dos aluguéis e dos juros na atividade produtiva, chegase a uma estimativa da relação "volume de transações produtivas/PIB" à qual se devem acrescentar os valores correspondentes ao mercado de ativos patrimoniais - como o mercado imobiliário, Bolsas de Valores, mercado de veículos usados etc. Feitos esses ajustes, chega-se a uma relação próxima de 5. Neste caso, abstendo-se totalmente do mercado financeiro - onde se acha a "frenética especulação" (sic) - o mercado "real" geraria receita próxima de 10% do PIB.


Os 7,5 restantes para que cheguemos à relação necessária de 12,5 serão gerados no mercado financeiro. Cabe apontar que este mercado inclui transações não-especulativas, como as cadernetas de poupança e as linhas de crédito ao consumidor e à produção. Se considerarmos que as operações especulativas são as do overnight - com giro diário no sistema financeiro - é fácil perceber que a relação "transações do over /PIB" de muito ultrapassará o valor necessário. Em realidade, e aqui concordamos com Rezende, a especulação financeira hoje faz com que este valor chegue próximo a 50.


Fica claro, portanto, que as estimativas apresentadas na proposta do IUT em nada dependem da manutenção da desenfreada especulação do overnight. Em realidade, está implícita na proposta uma dramática redução nesta especulação, o que fará com que o giro naqueles mercados sejam reduzidos de 50 para cerca de 7 vezes o valor anual do PIB.


Apenas para efeito de comparação, vale lembrar que estimativas para a economia norte-americana - onde certamente existe especulação, porém, não tão frenética como no Brasil- indicam uma relação transações/PIB equivalente a 60. Para o Brasil, estamos aceitando como hipótese de trabalho uma relação de 12,5. É importante ressaltar que a preocupação de Rezende ao levantar esta questão é absolutamente legítima, mas que se trata de preocupação empírica a ser resolvida com maior exatidão oportunamente.


Tanto Rezende como Panzarini levantam duas outras questões. Uma se refere à eqüidade do IUT. Certamente os produtos consumidos pelas classes de renda mais elevada - o que não significa necessariamente que sejam supérfluos, como afirma Rezende - tenderão a embutir uma carga tributária mais elevada em função de uma cadeia de produção mais longa. Assim, na média, a incidência do IUT tenderá a ser progressiva, embora na margem seja proporcional.


Em essência a desejada equidade fiscal implica uma intenção redistributiva de renda por parte do governo. Este objetivo pode ser alcançado pelos dois termos da equação fiscal, ou seja, pela receita e/ou pela despesa. O que deve ser enfatizado é que o IUT implica, de fato, uma imprescindível rigidez no lado da receita. Mas, caso as metas redistributivas não sejam totalmente alcançadas por este ângulo, ainda resta aos governantes o instrumento oferecido pela alocação dos recursos tributários agindo pelo lado das despesas.


O poder público poderá alcançar as metas redistributivas de forma explícita, e mais transparente, mediante o uso de subsídios e outros tipos de transferências, minimizando o recurso a instrumentos de renúncia fiscal, focos notórios de abusos e de privilégios velados. Esta mesma argumentação, por sinal, responderia às preocupações dos críticos no tocante à desafetação fiscal nas exportações.


Finalmente, Rezende e Panzarini apontam os riscos de um indesejável processo de integração vertical da produção, com o objetivo de economizar impostos. Não há por que imaginar que isto ocorra com intensidade maior do que já se verifica hoje. A integração, além do que seria recomendável do ponto de vista econômico/tecnológico, envolve custos que facilmente superarão os seus benefícios. Afinal, a cada etapa de integração se estará reduzindo o custo tributário em apenas 2%, comparativamente à especialização. Além disso a tendência moderna dos métodos de produção caminha no sentido inverso, ou seja, o de uma maior especialização, o que apenas aumentaria o custo de oportunidade da integração.

Um subproduto do IUT, interessante do ponto de vista conjuntural, refere-se à eliminação da corrosão das receitas públicas pela defasagem entre a ocorrência do fato gerador e o recolhimento dos tributos aos cofres públicos - o chamado efeito Tanzi. O IUT é um tributo perfeitamente indexado, pois incide sobre o valor corrente das transações, e seu recolhimento ocorre simultaneamente à compensação bancária. Assim, elimina-se o risco de que a aceleração inflacionária acarrete pressões fiscais.


Finalmente, algumas considerações sobre a forma de implantação do IUT. Certamente não se poderia subitamente decretar a eliminação dos impostos hoje existentes e sua substituição pelo novo tributo. Apesar das estimativas de arrecadação apresentadas, é forçoso reconhecer que se trata de uma sistemática de tributação ainda nova. A inovação abrange até mesmo as categorias analíticas relevantes. No caso, o volume de transações e sua distribuição setorial não são um dado formalmente coletado pelos institutos oficiais de estatística. Daí a dificuldade de implantação brusca do IUT. Uma alternativa seria sua implantação gradativa por setores.


Outro caminho seria a implementação total do IUT, porém com uma alíquota apenas simbólica - digamos de um décimo de um por cento. Após a aferição de seus resultados se partiria para a eliminação dos demais tributos, concomitantemente com o ajustamento de

sua alíquota às reais necessidades tributárias do governo.

 

IMPOSTO ÚNICO 

Fernando Albino 

Folha de S. Paulo, 27/2/90 

O artigo de Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, "Por uma revolução tributária", publicado no dia 14 de janeiro, na Folha, propõe a adoção de um imposto único. Apesar da correção de algumas de suas proposições, dele discordo, na sua essência.


Desde a Constituição de 1891 - calcada no exemplo americano - o Brasil optou pelo regime federativo, que pressupõe autonomia dos entes políticos, Esta- dos e União. A autonomia política, a seu turno, implica autonomia financeira. Esta só é alcançável com a outorga de competência tributária, que significa a possibilidade de editar leis impositivas de tributos.

Assim, a primeira dificuldade é saber de quem será o imposto único, da União ou dos Estados. Ou haverá dois?


Não basta dizer que a receita do imposto único seria atribuível ao Estado onde foi arrecadado. Isso geraria dois tipos de problema: (a) o da distribuição da receita, que conferiria à União um enorme poder político sobre os Estados, o que sempre se quis evitar com a discriminação rígida de tributos, desde a Constituição de 1891; (b) o da perpetuação das desigualdades regionais, pois o imposto arrecadado no Piauí seria irrisório diante do de São Paulo.


Mas ainda falta o município, cuja tradição de autonomia financeira data da organização política aqui implantada pela colonização portuguesa. No Brasil, desde o início, convivem três ordens de poder tributante, União, Estados e municípios. Como estes últimos ficariam diante do imposto único? Submetidos à União e aos Estados? Mas isso não contraria toda a tendência moderna do estímulo à descentralização política, num país tão multiforme e diferenciado como o Brasil?


Se isso é verdade no nível dos entes autônomos - União, Estados e municípios - que são inerentes à nossa história e tradição política, também o é diante da categorização dos tributos, reconhecida na atual Constituição e fruto de uma longa reflexão dos estudiosos de direito tributário.


O ideal da carga fiscal simplificada, que seria traduzível no imposto único, não seria - jamais - de molde a eliminar as taxas, contribuições de melhoria e contribuições - espécies, junto com o imposto, do gênero tributo.


E é ótimo que assim o seja. Enquanto o imposto é tributo genérico e impessoal do cidadão, independentemente de qualquer atuação estatal, como fonte de recursos primária do Estado, as taxas, contribuições de melhoria e contribuições são tributos vinculados a atuações estatais específicas e proporcionais aos gastos públicos decorrentes dessas atuações.


Assim, o ideal do imposto único jamais afastaria a complexidade tributária da convivência de inúmeras exações, que apenas refletem a presença do Estado nos mais variados setores, o que de resto se encontra em todo o mundo ocidental. Continuaríamos pagando taxa de pavimentação, taxa de iluminação pública, taxa de lixo e limpeza urbana, taxa de licenciamento de veículos, taxa de registro de emissões públicas na CVM, taxa de seguridade social, contribuição de melhoria por obras públicas que valorizassem os imóveis particulares etc. etc. etc.


O ideal de simplificação - do qual todos devemos compartilhar de sinônimo de eficiência e desburocratização da máquina arrecadadora - pode levar-nos a uma analogia com similar inquietude dos arquitetos. Da mesma forma, a cidade se multiplica e se torna complexa, fugindo dos planos preparados pelos urbanistas e arquitetos. São demonstrações de vida. Assim como a simetria da prancheta é violada pela teia decorrente da vida urbana, a simplicidade do cálculo matemático da carga tributária acaba violentada pela complexidade das instituições políticas e sociais.


Mas os problemas não param aí. O ideal de imposto único é duplo. Um só imposto com uma só base de cálculo. Essa base de cálculo única, que seria a "transação" e mais especificamente a "transação monetária", esquece a realidade jurídica subjacente. Por incrível que possa parecer, representa um retrocesso de 25 anos, aos tempos do imposto do selo.


Naquela época havia o Imposto sobre Transações Jurídicas, que era o imposto do selo. A assinatura de qualquer documento era válida apenas se aposta sobre estampilhas, coladas no mesmo.


A oposição a tal imposto, revogado pela reforma tributária de 1965 (emenda constitucional nº 18/65), precursora do atual Código Tributário Nacional, era de que ele desconhecia a realidade econômica subjacente à transação materializada no documento.


A sugestão do imposto único representa, de certa forma, a restauração do imposto do selo, apenas modernizado pela informática, calculado por computadores.


Um exemplo é suficiente. Imagine uma empresa que, adquirindo outra, nos termos de contrato celebrado entre ambas, pague o preço de US$ 50 milhões, recolhendo um "selo" de US$ 500 mil (1%). No dia seguinte, e ainda nos termos do mesmo contrato, ocorrendo condição suspensiva nele prevista, haja a devolução do preço, ocasião em que outro "selo" seria recolhido (mais US$ 500 mil). Ao cabo de dois dias, US$ 1 milhão teria sido pago sem que juridicamente nada tivesse ocorrido, nenhuma alteração patrimonial, nenhuma circulação de riqueza, nenhuma manifestação de capacidade contributiva.


Ou seja, a "transação monetária", base de cálculo do imposto único, não pode ser erigida como realidade em si, abstrata, sem vínculo com a realidade jurídica da qual é mero efeito.

A tendência moderna é a de colher na realidade concreta, no mundo fenomênico, manifestações de criação e circulação de riqueza e eleger tais fatos econômicos como fatos jurídicos ensejadores de pagamento de imposto. Nem toda "transação monetária" implica criação de riqueza e a eleição desse fato econômico para sua "jurisdificação" pelo direito tributário constitui uma simplificação exagerada que ensejará enorme injustiça fiscal.


Assim como a economia, o direito não convive bem com "choques heterodoxos". O maior choque é simplesmente o cumprimento da lei.


A criação de um corpo especial de fiscais que, submetidos ao ministério público, fiscalizassem o cumprimento da lei atual já aumentaria em muito a arrecadação do imposto sobre a renda. A revogação de todas as isenções e subsídios fiscais e o cálculo do tributo em moeda constante fariam outro tanto. A criação de uma alíquota única (e baixa) geraria o desinteresse pela sonegação, já desestimulada por punições (não "exemplares", mas simplesmente de acordo com a lei).


Isso tudo pode ser feito já, por decreto, sem longas negociações com o Congresso e com vigência e eficácia imediatas. A maior revolução tributária, por incrível que pareça, é a aplicação da letra da lei atual, em um país em que a sonegação virou regra.


Por outro lado, antes da "revolução" do imposto único com uma alteração profunda em nossa tradição constitucional, talvez seja mais fácil começar por tributar, com justiça, através do imposto direto sobre a renda efetivamente auferi- da, na pessoa física, os lucros na valorização de ações negociadas em Bolsa, na aposta em cavalos e nos ganhos da loteria, apenas para citar alguns "paraísos fiscais" internos.


São essas as considerações que aqui deixo e que espero possam contribuir para o debate que o assunto certamente provocará.


 

APOIO LIBERAL À REVOLUÇÃO FISCAL

Jorge Konder Bornhausen

Folha de S. Paulo, 2/3/90

Recentemente, reportei-me à proposta do economista Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque a respeito do Imposto Único sobre Transações monetárias, a qual foi transformada pela Folha num desafio à sociedade, concitando os homens públicos do país a empreender uma reforma corajosa de todo o nosso sistema tributário.


A proposta, como se sabe, prevê a substituição de todos os impostos e demais exigências fiscais por apenas um imposto incidente sobre todas as transações monetárias, sem exceções.

A tese, sem dúvida alguma, fascina quem sonha com a eliminação dos entraves da excessiva regulamentação e alimenta a esperança de ver um dia o cidadão mais respeitado na sociedade brasileira e o Estado menos inchado e mais eficiente.


Na ocasião, comentando o assunto aqui mesmo nesta coluna, ressaltei que a análise do respeitado economista e o desafio da Folha deveriam ser cuidadosamente estudados. Recentemente, o sempre presente Marco Maciel, líder liberal moderno, possibilitou-nos um encontro com o autor da proposta. Pudemos, então, discutir, eu como leigo, as dúvidas de natureza técnica referentes a números e à implementação prática do novo imposto.


Com muita confiança, ressalvando a necessidade da confrontação de seus cálculos com os dados oficiais, o autor da proposta manteve a sua convicção de que a alíquota de 2%, dividida entre as partes, seria equivalente à soma de todos os impostos atuais, quanto ao montante da arrecadação, ao mesmo tempo que, prudentemente, afirmou que a implementação poderia ser feita via o atual Imposto sobre Operações Financeiras com uma alíquota mínima durante o prazo de seis meses, durante o qual poderia ficar demonstrada a validade numérica resultante da introdução do novo imposto. A colocação do autor convenceu-me ainda mais da necessidade de continuarmos a perseguir a idéia.


Por outro lado, no meu artigo anterior, tive também a preocupação de ressalvar a necessidade de uma avaliação concreta do conteúdo social do novo tributo, uma vez que o Imposto de Renda, o da cidadania, seria sepultado. Outra vez, de forma inteligente e defensável, o economista defendeu a tese de que, se não é possível fazer a justiça fiscal pelo lado da receita, esta pode concretizar-se e ser compensada pela despesa, destinando-se mais recursos especialmente aos mais carentes, através das atividades essenciais do Estado, e atendendo-se também às inegáveis distorções regionais.


A diminuição quase completa da sonegação, a desburocratização, a diminuição dos custos das empresas, as facilidades para as pessoas físicas, a incorporação à sociedade legal da economia informal não foram objeto de contestação ou dúvida, porque são vantagens flagrantes da proposta inovadora.


O encontro agradável e o fascínio da idéia determinaram o pedido do senador Marco Maciel e do meu presidente do PFL, senador Hugo Napoleão, para que, através do Instituto Tancredo Neves, seja promovido um painel sobre o assunto, o que foi aceito de imediato.


Assim, Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque e a Folha ganham aliados para a idéia da revolução fiscal: os integrantes do grupo liberal moderno do PFL.


 

POR QUE O IMPOSTO ÚNICO NÃO É SOLUÇÃO

Clóvis Panzarini

Folha de S. Paulo, 6/3/90

Em recente artigo publicado na Folha (10/2/90, pág. B-2), escrevi que "surpreendi- me com a proposta de um candidato à Presidência da República no sentido de criar um imposto único no Brasil". Essa afirmação, de meridiana clareza, levou o professor Cavalcanti a concluir que minha perplexidade decorre não da proposta de implementação no Brasil desse esdrúxulo modelo, mas sim do debate em si do modelo, que qualquer tributarista ou economista medianamente informado sabe que vem ocorrendo nos meios acadêmicos há muito tempo e que, justamente pela sua inaplicabilidade, nunca foi levado a sério.


Nesse mesmo artigo levantei o problema da partilha da arrecadação desse imposto entre os três níveis de governo (centralização versus descentralização de poder) e também o problema da divisão dos quinhões estadual e municipal entre, respectivamente, os Estados e os municípios (conflito distributivo regional), dois problemas sérios, porém completamente distintos. O professor Cavalcanti, por conta própria, fundiu os dois problemas em um só e atribuiu a mim o seguinte imbróglio: "quanto ao argumento de que a definição dos critérios de rateio do IUT entre os três níveis de governo poderia levar ,o país a um conflito regional de proporções inimagináveis". Acredito, portanto, que seja necessário explicar melhor as causas de minha preocupação com a questão da partilha do IUT.


No que tange à questão da distribuição da receita tributária entre os níveis de governo, não se pode dissociá-la da questão da divisão dos encargos entre eles. Entretanto, a experiência recente no Brasil (leia-se Assembléia Nacional Constituinte) mostrou que essa postulação perde importância diante dos embates políticos. O modelo tributário consagrado na nova Constituição depauperou o orçamento federal em favor dos Estados e municípios, sem que houvesse preocupação, por parte da maioria dos constituintes, em descentralizar, paralelamente, os encargos. As estimativas mais conservadoras indicam que o orçamento federal, já à época deficitário, perdeu cerca de 30% da receita tributária líquida com a nova Constituição.


Assinalei no artigo anterior, e volto a insistir, que mais delicada que a questão da definição do tamanho de cada nível de governo é a da definição do critério de partilha das fatias estadual e municipal entre os respectivos governos locais. O professor Cavalcanti, em sua réplica, tergiversou ao analisar o problema e citou como exemplo de experiência brasileira sobre partição de receita tributária os fundos constitucionais compensatórios. Aponta, como exemplo pacífico, de repartição de recursos, os artigos 157 a 162 da nova Constituição.


Há que se considerar, todavia, que no atual sistema tributário apenas 26% dos recursos totais são distribuídos às esferas inferiores de governo, enquanto no modelo proposto a totalidade da receita tributária haveria de ser partilhada. O atual sistema de partilha para os Estados mais desenvolvidos tem importância apenas marginal, pois objetiva, basicamente, compensar desequilíbrios regionais, transferindo recursos financeiros às unidades federadas que não possuem base econômica suficiente para gerar os recursos tributários de que necessitam. Os artigos citados como exemplo de repartição de receita tributária no Brasil (artigos 157 a 162 da Constituição) realmente foram tranqüilamente aprovados porque se limitam a: 1) dilapidar o orçamento da desguarnecida União, em favor de Estados e municípios; 2) estabelecer um teto de 20% na participação individual de cada unidade federada nos recursos do fundo compensatório aos Estados pelas perdas decorrentes das exportações de produtos industrializados (artigo 159, par. 2º). Esse dispositivo contraria os interesses apenas do Estado de São Paulo, que responde por 52% das exportações brasileiras de manufaturados e recebe apenas 20% do fundo. Os n-1 Estados festejaram esse artigo, pois receberam os 32% (52% menos o teto de 20%) do fundo que deveriam ser destinados a São Paulo; 3) remeter à lei complementar a definição do critério de rateio dos fundos compensatórios; 4) cuidar da obrigatoriedade de divulgação de valores repassados (artigo 162). Os .repasses dos fundos compensatórios estão disciplinados pelas leis complementares federais de nºs 61/89, 62/89 e 63/90. O critério de rateio do FPE (Fundo de Participação dos Estados), que é alimentado por 21,5% da arrecadação do IPI e do Imposto de Renda (atualmente 19,5%), está definido na lei complementar federal nº 62 de 28/12/89. Essa lei, uma "pérola" de tecnicidade, estabelece que 85% dos recursos do fundo pertencem às unidades federadas das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e os 15% restantes às das regiões Sudeste e Sul (artigo 2º, I e II), e determina que 1% do fundo "está de bom tamanho" para o Estado de São Paulo. Ninguém discorda que esse fundo tem caráter redistributivo e objetiva "promover o equilíbrio sócioeconômico entre Estados e municípios", como manda o artigo 161, 11, da Constituição. É inconcebíveL entretanto, a forma como o Congresso Nacional impôs essa distribuição, de maneira absolutamente subjetiva, sem lastro em qualquer variável sócio-econômica. Talvez pouca gente saiba que essa lei, sem qualquer critério técnico, dividiu por quatro (como poderia ter dividido por seis ou por 17) a antiga fatia que o Estado de São Paulo recebia do FPE, que era de 3,946% (vide resolução nº 236/89 do TCU, publicada no D.O.U. de 1/3/89), quando calculada pelo critério estabelecido no decreto-lei nº 1.434/75, que se baseava no fator inverso da renda per capita e na população de cada unidade federada. Felizmente para o Estado de São Paulo, o FPE representava apenas 1,2% da receita líquida do Tesouro. Hoje, dividido por quatro, representa 0,3%.


No Estado do Acre, por exemplo, o FPE responde por 76% de seus recursos líquidos. No modelo proposto pelo professor Cavalcanti, o FPE representaria 100% da disponibilidade total de recursos, tanto no Acre como em São Paulo, e o critério de partilha continuaria sendo definido politicamente. A discussão da partilha de um componente da receita que pesa 1,2% do orçamento é, seguramente, mais amena que a discussão da definição de 100% do orçamento!


A suposta tranqüilidade do professor Cavalcanti na questão da partilha da receita tributária, portanto, repousa em monumental falácia. Daí, minha preocupação com o conflito distributivo regional, uma vez que representatividade política e representatividade econômica não caminham juntas. (Não se deve inferir dessas colocações que os representantes dos Estados mais desenvolvidos no Congresso tenham sido pouco atuantes.

Quem acompanhou os bastidores da Assembléia Nacional Constituinte viu como é difícil negociar sendo minoria - a questão é aritmética.) Retirar dos Estados e municípios a competência para instituir tributos significará dissociar a pujança econômica de cada unidade federada do tamanho de seu orçamento e, conseqüentemente, da capacidade de produzir os bens públicos demandados pela sociedade.


Causa pasmo que esse perigoso "balão de ensaio" chamado imposto único tenha sido candidamente levantado justamente pela intelectualidade do Estado de São Paulo! Quanto aos problemas técnicos e operacionais do IUT, já discutidos à exaustão, prefiro não mais comentá-los. A concepção de um sistema tributário não deve começar pela estimativa da arrecadação tributária, definição de alíquotas, prazos de recolhimento do imposto e outras questões menores. Há, antes disso, que se estudar com mais profundidade a estrutura das contas públicas do país, sua história, suas causas e conseqüências econômicas, sociais e políticas.

 

A ÚNICA VANTAGEM DO IMPOSTO ÚNICO

Fernando Rezende

Folha de S. Paulo, 11/3/90


 

O IMPOSTO ÚNICO DE MARCOS CINTRA 

Ives Gandra da Silva Martins 

Folha de S. Paulo, 11/3/90 


 

 

IMPOSTO ÚNICO SOBRE TRANSAÇÕES – 1 

José Valney de Brito 

Folha de S. Paulo, 2/7/90 

A proposta deste artigo é a retomada da discussão sobre o imposto único enfatizando e acrescentando argumentos a favor do mesmo. A sociedade tem a oportunidade de realizar extraordinária evolução, em seu próprio benefício.


No dia 14/1/90 o prof. Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, em excelente artigo na Folha, lançou a proposta do Imposto Único sobre Transações. Este incidiria em cada operação monetária, de qualquer natureza, especialmente cheques e ordens de pagamento, realizada através dos bancos. A alíquota única é estimada pelo autor em 2% do montante envolvido, metade paga por cada uma das partes, pagador e recebedor.


A partir daquela data e por um certo período desenvolveu-se o debate em torno da proposta com artigos pró e contra, mas recentemente o assunto parece ter esfriado, o que é uma pena.

A proposta do IUT é de um "óbvio ululante", simplifica e é de baixíssimo custo. Por isso a nossa natureza complicante, burocrática e incapaz de perceber o bom do óbvio tende a rejeitá-la. Até sob o mais ingênuo dos argumentos: "Se é tão boa, por que não foi usada antes?".


Um dos obstáculos mais fortes levantados contra o IUT seria o seu caráter nãoprogressivo.


Temo que estejamos diante de um problema muito mais grave e trágico, que tem pouco a ver com o sistema tributário. Tem muito mais com a própria estrutura da sociedade brasileira e com os valores éticos e morais aí predominantes e que resultam nos comportamentos econômicos de muitos indivíduos.


O Brasil é reconhecidamente um dos países de pior distribuição de renda no mundo inteiro, apesar de sua parafernália tributária teoricamente progressiva. Todos os principais impostos têm essa,característica de "quem pode mais, paga mais", a tão desejada progressividade. E assim com o Imposto de Renda, o ICMS, o IPI, o IPTU etc.


Os estudiosos de economia e política infelizmente dedicam pouca atenção à análise e interpretação das crises brasileiras pelo estudo do que se convencionou chamar "conflito distributivo". Este vem da forma como os indivíduos se comportam para obter e depois manter e fazer crescer a própria renda e, portanto, a sua participação no "bolo" econômico.


O aprofundamento desta linha de análise possivelmente levaria à conclusão de que o mais grave problema da nossa sociedade é a existência, em um extremo, de uma imensa quantidade de pessoas cujo comportamento na procura de renda é passivo, conformado e pouco ambicioso. No outro extremo, há grupos ativos, ambiciosos, politicamente fortes e, daí, ricos.


No meio, uma classe média trabalhadora, produtiva e que paga todas as contas. Acrescenta-se a esse quadro que significativa parcela dos que compõem o grupo dos ricos é pouco solidária socialmente. Pratica padrões éticos, morais e culturais frouxos ou tendentes a acentuar o caráter egoísta de sua atuação econômica.


É a cultura do "levar vantagem", do "jeitinho", da sonegação, da corrupção, do fisiologismo, do corporativismo, do parasitismo e do etc...


Há muitos indicadores de que as bem-intencionadas tentativas de tributação progressiva apenas provocam, na prática, um efeito perverso contrário. O primeiro deles é a evidência da própria forte concentração de renda. A tributação verdadeira, no Brasil, é profundamente regressiva, e pior, de forma indireta. Vejamos como.


Os indivíduos de renda mais alta raciocinam em termos de renda líquida. São vários os grupos, como profissionais liberais, políticos, quadros das empresas públicas e privadas, altos funcionários públicos dos três poderes, capitalistas, empresários, rentistas etc. e até mesmo contraventores. Detêm poder econômico e político para manter e fazer crescer essa renda. Qualquer aumento de tributos ou elevação de preços é simplesmente repassado para frente.


Evidências desse comportamento ocorrem com freqüência. Foi assim quando a Constituição mandou tributar os rendimentos de deputados e juízes. Simplesmente as remunerações foram aumentadas no montante para compensar o imposto. Em qualquer consultório ou escritório de profissional liberal é comum a pergunta "Com recibo ou sem recibo?". Se o recibo é exigido, acresce-se ao valor cobrado o imposto devido. Quando o IPTU tenta alcançar a renda do proprietário de uma bela casa ou apartamento, o cidadão vai buscar o necessário para pagar o imposto no aumento de sua renda corrente, nunca se desfazendo de seu patrimônio ou de parte dele. E assim por diante.


O IUT poderá ser mais progressivo, na prática, do que o atual conjunto de impostos por três razões principais: a primeira é que fica muito claro quem real- mente está pagando o imposto. A clareza leva a uma maior conscientização da cidadania e à exigência de maior controle social para o não repasse dos impostos.


Segundo, os produtos adquiridos pelos agentes de renda mais elevada tendem a ser mais elaborados, passando por mais etapas de produção e, portanto, pagando mais vezes o IUT. Esta forma de progressividade está muito bem explica- da no artigo do prof. Marcos Cintra.

A terceira razão é que as pessoas de renda mais elevada fazem mais transações de caráter patrimonial, tais como compra e venda de imóveis e veículos, obras de arte, ações etc.


É bom ressalvar que o IUT não deveria incidir nas transações de caráter estritamente financeiro, para não elevar a taxa de juros da economia, cuja manutenção em patamares baixos é importante fator de estímulo a investimentos. Esta isenção é básica e deve ser mantida mesmo que para tal seja necessário elevar a alíquota do IUT.


Prof. Marcos Cintra chama a atenção, corretamente, para o fato de que a justiça fiscal pode ser feita nas duas pontas: na arrecadação e/ ou na aplicação dos recursos tributários. Caso o grau de progressividade efetivamente conseguido com o IUT (mais facilmente aferível) não seja o socialmente desejado, o governo poderá corrigir isto orientando seus gastos para as classes de renda que deseja beneficiar.


Alega-se também como fraqueza do IUT que os agentes econômicos seriam levados a fazer os seus pagamentos em dinheiro frustrando a arrecadação. Essa tendência é verdadeira, mas, se nos lembrarmos das milhares e milhares de regras que regem as dezenas de atuais tributos e que infernizam a vida de pessoas físicas e jurídicas, poderemos aceitar algumas normas do IUT que inibam aquela prática. Normas simples poderão forçar que a imensa maioria das transações econômicas sejam necessariamente liquidadas através de bancos, tornando obrigatório O que já é prática hoje. Ainda, poderão ser limitados os saques em espécie e até mesmo usado o artifício da emissão apenas de notas de pequeno valor e moedas.


Outro ponto a ponderar com relação à possível elevada monetização da economia é o imposto inflacionário. A inflação é um imposto que ninguém pode sonegar, todos pagam de forma igual e incide sobre a base monetária. A autoridade econômica poderá emitir moeda, cada ano, em montante suficiente para provocar a taxa de inflação que julgar necessária e com isso compensar o imposto não arrecadado, devido à monetização.


Se o volume de moeda atingir 20% do PIB, urna inflação controlada de 30% ao ano (perfeitamente tolerável para o organismo econômico brasileiro) provocará a cada ano, grosso modo, urna "arrecadação tributária" de 6% do PIB.

 

IMPOSTO ÚNICO  SOBRE TRANSAÇÕES – 2

José Valney de Brito 

Folha de S. Paulo, 3/7/90 

Vamos examinar agora mais um ponto polêmico do Imposto Único sobre Transações: a alocação. 

Um imposto único, límpido, universal, estável e não-sonegável permitirá deslocar as atenções da arrecadação para o uso. Tudo será muito mais visível para a sociedade e essa visibilidade e transparência se refletirá em maior eficácia na aplicação dos recursos.


O grande trabalho dos políticos legisladores deverá ser a divisão do bolo tributário único entre os diversos níveis de governo municipal, estadual, federal e entre os poderes.


A única base razoável para uma correta divisão deverão ser os serviços que cada esfera de governo prestará aos cidadãos. A discussão girará, portanto, em torno de quais são os encargos e atribuições das entidades públicas e do custo de cada um deles. As comparações entre preços do mesmo serviço em municípios e Estados diferentes deverão levar a uma maior produtividade no serviço público, em benefício do contribuinte.


O conflito entre os diversos setores e níveis de governo depurará e elevará o debate político e acabará redundando em menores impostos e melhores serviços públicos para a sociedade.


O presente momento é adequado para a implantação do IUT. O plano de estabilização do governo Collor provocou um grande superávit fiscal. Há interesse e já se fala em reforma tributária. Ainda há tempo para as alterações constitucionais necessárias, o exercício pode ser mudado, há eleições legislativas em outubro e uma implantação bemsucedida do IUT pode, talvez, mudar o destino dos 80% de congressistas que, estima-se, perderão seus mandatos.


Argumenta-se também que o IUT não teria efeito coercitivo, especialmente para forçar a utilização econômica de terrenos urbanos e rurais ociosos. Mesmo sem o IUT, é questionável o efeito de qualquer tributação progressiva com esse objetivo específico. Em muitos casos o imposto punitivo provoca reações diferentes. O proprietário, se controlar os meios para tal, paga o imposto e eleva preços para preservar sua renda corrente, como já vimos anteriormente, ou realiza projetos que o mercado não quer.


Esse problema merece soluções mais inovadoras. A partir do princípio da função social da propriedade, inserido na Constituição e da eficácia econômica que o mercado deve procurar para os recursos disponíveis, pode-se admitir uma espécie de "desapropriação privada". O proprietário de qualquer bem ocioso seria compelido, após avaliação judicial, a vendê-lo, por valor de mercado, a quem disponha de recursos e de um projeto adequado.


Outro ponto para o qual não se tem dado a devida importância é que o ritual de pagar impostos neste país contribui para diminuir a qualidade de vida e aumentar a infelicidade dos cidadãos. A muitos afeta a tensão dos prazos, a burocracia excessiva, a pressão e o medo do erro e da fiscalização. Outros se ressentem da falta de dinheiro ou dirão que poderiam gastar melhor, ou ainda, se sentem mal por dar dinheiro para manter mordomias e maus serviços. Cada um tem o seu motivo próprio para se sentir infeliz com os impostos. O IUT, pelas suas características homeopáticas, pode contribuir para aliviar o stress social.


Quero chamar a atenção para alguns pontos importantes abordados pelo prof. Marcos Cintra.


O sistema tributário brasileiro é complexo, tem tributos em excesso (mais de 50, segundo levantamento do jurista Ives Gandra) e fazê-lo funcionar é muito oneroso para a sociedade. Acrescento também que é criminoso, pois induz ao erro. Não creio que haja uma única pessoa jurídica ou física que não seja infratora de alguma lei tributária. Conhecer e cumprir todas as leis, normas, instruções, portarias, pareceres normativos, resoluções, decretos etc. é uma simples impossibilidade física. É também criminoso ao estimular o crime, ao tornar a sonegação fácil e tentadora pela dimensão dos ganhos e gerar a corrupção. E pode também ser um dos responsáveis pelas graves distorções na distribuição de renda, pela sua incidência irregular.


Outro ponto muito importante é o custo de administração do sistema tributário avaliado em tomo de 4% do PIB. Esta estimativa deve ser otimista e provavelmente não leva em conta a multiplicidade de custos indiretos, como o tempo despendido dos congressistas, deputados estaduais, vereadores e todos gastos de suporte e voltados para a discussão e manutenção das leis tributárias. A sociedade gasta também com a grande quantidade de assessorias jurídico-tributárias, com tudo que se escreve e se imprime sobre impostos. Com o Poder Judiciário que julga todas as milhares de causas geradas por leis complexas e freqüentemente inconstitucionais.


Há uma imensa quantidade de boa inteligência gasta discutindo, analisando, escrevendo, pesquisando impostos, suas doutrinas, teorias e conceitos, sem que se consiga determinar seu efetivo proveito para a sociedade.


Essa inteligência, liberada, seria capaz de criar muitas coisas novas, úteis e boas para a comunidade. Também teriam aplicação mais nobre os 4% ou mais de bom esforço social que se gasta apenas para arrecadar impostos. As empresas poderiam ser mais eficientes e produtivas se não precisassem dedicar tanta atenção a assuntos tributários e os produtos poderiam ser mais baratos se o custo de pagar impostos não fosse tão elevado.


Há estimativas do PIB brasileiro em até US$ 570 bilhões e 4% equivalem a US$ 22,8 bilhões, que poderiam ter melhor função social na solução de qualquer um dos muitos problemas que afligem a nossa sociedade.


O sistema tributário atual não atinge nenhum dos objetivos que se propõe. E um sistema ruim e a proposta do IUT já começa com o grande mérito de poder substituir algo comprovadamente ineficaz.


Há poucas probabilidades de se criar algo pior. Daí não serem necessárias etapas experimentais ou de transição. Quanto mais rápida a implantação do IUT, mais cedo começaremos a usufruir os benefícios e nos livraremos da carga que carregamos hoje.

 

IMPOSTO ÚNICO  SOBRE TRANSAÇÕES

Bernardo Ribeiro de Moraes

Boletim Imposto$, fevereiro/90 

O emitente consultor econômico da Folha de S. Paulo e diretor da Fundação Getúlio Vargas acaba de oferecer atrativa contribuição para a reforma do sistema tributário nacional. Combatendo reformas restritas e irracionais, que objetivam apenas carrear, cada vez mais, recursos para as entidades políticas da Federação, no que tem razão, postula a adoção de um Imposto Único sobre Transações.


Embora sem muitos detalhes, a proposta sustenta a adoção de um único imposto, que seria o Imposto Único sobre Transações, incidente sobre pagamentos (um agente econômico efetuar pagamento a outro) e cobrado sobre o valor da operação (transação), na alíquota de 2% (1% exigido do emitente do cheque, 1 % exigido do beneficiado).


Com tal imposto haveria simplificação do sistema tributário, arrecadação automática a cada lançamento de débito e crédito, redução de custos administrativos (com redução de pessoal e da máquina) e de custos das empresas (com redução de pessoal), com uma sensível diminuição da sonegação fiscal e da corrupção.


Trata-se de mais uma idéia, ao lado das inúmeras tentativas doutrinárias e práticas já feitas, na busca do imposto único.


À medida que aumentam os gastos públicos, o Estado, por sua vez, multiplica o número de tributos que possui. Tal multiplicação, sem qualquer critério científico, feita apenas para aumentar a receita tributária, tem aspectos danosos para a sociedade, tendo em vista os reflexos econômicos e financeiros da tributação.


Daí o aparecimento de inúmeras teorias sobre a adoção do imposto único. Cada contribuinte deverá pagar um único imposto ou um único imposto deverá ser exigido de todos.


A história do imposto único aponta diversas tentativas doutrinárias e práticas concretizadas, cujas experiências revelaram uma sucessão de fracassos, com a conclusão de que, embora ideal, esse sonho é impraticável.


Juan Bodin (1530-1596), precursor teórico do imposto único, combatia a desordem e o excesso das cargas tributárias. Sebastian Vauban (1633-1707) procurou simplificar e unificar os sistemas tributários, sustentando a existência, como uma espécie de eixo do sistema tributário, de um imposto incidente sobre grande área, completado com alguns impostos diretos pequenos tal como "um astro rodeado por pequenos satélites". Já se tentou um Imposto Único sobre as Casas, proposto por Decker no século 18; um Imposto Único sobre a Terra, preconizado por John Locke (1632-1704), precursor dos fisiocratas, com o apoio posterior de Francisco Quesnay (1694-1774) e Henry George (1839-1897); um Imposto Único sobre a Renda (Inglaterra); um Imposto Único sobre as Sucessões etc.


Todos esses impostos únicos traziam elevadas desvantagens quanto à área onerada. Se alcançava o patrimônio, deixava livre a renda e vice-versa. Se alcançava a circulação, não alcançava o capital, a renda e o patrimônio. O imposto único recaía unicamente sobre determinada área, deixando sem tributação a outra. O princípio da generalidade da tributação não era atendido. Em conseqüência, o imposto único apresentava-se insuficiente para atender às necessidades públicas.


Agora, o eminente Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque procura trazer uma contribuição honesta, sincera e cheia de ideal, qual seja, a idéia da instituição de um Imposto Único sobre Transações.


O perfil desse novo imposto seria o da causa jurídica nele definido: o da incidência sobre as transações, embora exigido por ocasião dos pagamentos em cheque ou em outras ordens de pagamento. Todas vez que um agente econômico efetuasse um pagamento a outro, haveria a incidência do imposto, que teria como base de cálculo o valor da transação. A alíquota fiscal seria de 2% global, sendo de 1 % para o emitente do cheque e de 1% para o beneficiado.


Para a instituição do Imposto Único sobre Transações mister se faz alterar a discriminação constitucional de rendas tributárias, inclusive ser aprovada lei complementar definindo os elementos essenciais da nova espécie tributária (caso a Constituição mantenha essa exigência de lei complementar), oferecendo o fato gerador da respectiva obrigação tributária, a base de cálculo do tributo, a alíquota fiscal e o contribuinte.


Uma vez definido o imposto e distribuída a competência tributária (o poder fiscal poderá ser dado à União, aos Estados ou aos municípios), há a necessidade de lei ordinária formal instituir o imposto, que teria validade e poderia ser exigido após a respectiva rubrica fazer parte do orçamento (se mantido o art. 165 da Constituição).


A mudança da Constituição, a elaboração da lei complementar e a colocação da rubrica orçamentária constituem fatos que permitem a exigência do imposto único somente no ano de 1991, jamais em período anterior.


A definição e a implantação do novo imposto não poderiam, pois, ser feitas de imediato. Os instrumentos jurídicos (alteração da Constituição, elaboração da lei complementar e da lei ordinária do poder tributante) e as providências administrativas (junto ao bancos - todos eles - e sistema de controle quanto às informações de receitas) não permitem a implantação do Imposto Único sobre Transações antes do ano de 1991.


Esse controle administrativo implica a solução de problemas de repetição de indébito, de isenção fiscal etc.


Quanto à distribuição do montante arrecadado para as diversas pessoas jurídicas de direito público constitucional, a matéria é delicada, tendo em vista o fato gerador do imposto, que não irá ocorrer em todos os municípios. A arrecadação do imposto não poderá ser elemento de distribuição. O critério, então, seria político, não ligado ao imposto. Assim, a receita tributária não poderia ser levada em conta para cada unidade municipal, estadual e federal. A dosagem seria extraída dos elementos população, produção e encargos orçamentários.


A matéria é de caráter financeiro e não tributário, razão pela qual devem ser ouvidos os especialistas da área.


Desconheço a existência do aludido sistema em qualquer país. Um Imposto Único sobre Transações, vinculado a operações relacionadas com cheques, com o desenvolvimento da instituições financeiras, não pode ser do passado. Quando muito, poderia ser instituído a partir de 1950, quando os bancos se desenvolveram e a atividade bancária se alastrou em todos os países. Todavia, desconheço o fato de qualquer país ter agasalhado esse Imposto Único sobre Transações.


A instituição de um imposto sobre transações, do tipo recomendado, não depende apenas da vontade política da sociedade. Todo sistema tributário deve estar orientado para os propósitos fixados pela política financeira do Estado, adaptar-se à organização social e respeitar os princípios constitucionais, e na prática não destruir, debilitar ou comprometer a economia.


O Brasil, em todos os sistemas tributários, não teve uma espécie tributária semelhante, de área de incidência vasta, sobre as transações. O Imposto de Indústrias e Profissões, ruja incidência atingia a atividade industrial, comercial, financeira e de prestação de serviços, não onerava as transações, mas sim a própria atividade lucrativa. Não serve tal imposto como paradigma para o imposto projetado.


Mesmo um imposto único, com a oneração de uma única área de incidência, jamais existiu no Brasil. O conhecido imposto único sobre combustíveis e lubrificantes, sobre minerais do país e sobre a energia elétrica nada tinha de "único", a não ser a incidência nas diversas etapas econômicas. Esses impostos únicos coexistiam com os diversos impostos do sistema tributário nacional.


Com a devida vênia, a manifestação do eminente dr. Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, preconizando um Imposto Único sobre Transações, merece, ainda, maiores estudos.


Sem a menor dúvida deve-se dar um paradeiro a esse número exagerado de impostos, taxas e contribuições.


Todavia, o certo, penso eu, não seria dar um pulo elevado, partindo de um sistema tributário com multiplicidade de tributos para um sistema de um único imposto. Da pluralidade gigantesca do sistema tributário não se pode passar para a unidade simplória, onerando unicamente as transações. Onde ficaria a tributação do patrimônio (quem tem imóveis e aufere imensa renda ficaria livre da tributação) ou da renda? Não se pode esquecer que a multiplicidade das cargas tributárias permite estender e nivelar o peso dos impostos, de modo que a tributação seja mais tolerável.


Para a melhora do sistema tributário o caminho não seria uma volta ao passado, com a adoção de sistema tributário jurídico e não econômico (quanto à nomenclatura impositiva), muito menos de um sistema de tributação em cascata e não sobre o valor agregado. Todos os países do mundo europeu estão postulando um sistema econômico sobre o valor agregado. O imposto sobre transações, voltando para o passado, tem uma nomenclatura não-econômica e se apresenta como imposto em cascata. O ideal, nessa fase pela qual o país atravessa, seria adotar o sistema preconizado pelo prof. Rubens Gomes de Sousa, aprovado pela emenda constitucional nº 18, de 1965, em que os impostos do sistema tributário nacional eram divididos em quatro áreas: impostos sobre o comércio exterior (importação e exportação); impostos sobre o patrimônio e a renda (impostos sobre a propriedade predial e territorial e Imposto de Renda); impostos sobre a produção e a circulação (ISS, IPI, ICMS, IOF etc.); e impostos especiais (imposto sobre combustíveis líquidos e gasosos, sobre minerais do país e sobre energia elétrica). O grupo dos impostos especiais já foi suprimido. O Brasil poderia adotar impostos para os três grupos remanescentes, mas admitindo menos impostos. O Imposto Predial e Territorial Urbano e o Imposto Territorial Rural poderiam ser suprimidos; o ISS, o IPI e o ICMS poderiam ser adotados como um único imposto sobre a circulação de mercadorias e serviços e assim por diante.


O Imposto Único sobre Transações traria um sistema tributário que não atenderia ao princípio da elasticidade nem ao da flexibilidade, muito menos ao da generalidade. O imposto em pauta, data venia, não respeita a capacidade contributiva, pois quem compra não tem a mesma capacidade contributiva de quem vende (ambos seriam onerados igualmente), violando o art. 145, parágrafo 12, da Constituição, que é princípio básico da tributação e não mera norma jurídica revogável.


Embora não acreditando num Imposto Único sobre Transações, preconizado pela proposta do eminente Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, a idéia merece a atenção de todos, pelos objetivos com que foi lançada (eliminação da corrupção fiscal, eliminação da sonegação, liberação de recursos reais significativos no setor privado e no setor público, além de outros) e pela honestidade intelectual de seu autor.


Um problema não combatido pelo ilustre autor foi o dos "regulamentos fiscais", em que algumas autoridades administrativas burocratizam a implantação de qualquer imposto, criando embaraços para coisas simples e dificultando a atuação dos contribuintes.

 

O NARIZ DO CAMELO 

Fernando Rezende 

Folha de S. Paulo, 23/11/91

 

IMPOSTO PERIGOSO 

Mailson da Nóbrega 

"Um país que precisa de um salvador não merece ser salvo.”  Millôr Fernandes

O Estado de S. Paulo, 24/11/91 

Há um novo salvador na praça: o imposto único sobre transações, que incidiria sobre pagamentos efetuados pelo sistema financeiro, especialmente por meio de cheques. Diz-se que seria uma contribuição revolucionária para solucionar nossos intrincados problemas.


A idéia fascina. O pagamento seria simples. Dispensaria papelório. Reduziria drasticamente nossa sufocante tributação. Acabaria com uma grande estrutura burocrática. Eliminaria o potencial de corrupção. Impediria a sonegação. Todos pagariam: é apenas 1%.


A adesão de empresários, profissionais liberais e ilustres figuras à proposta tem sido impressionante. Estão movidos talvez pelo cansaço e por uma atitude de revolta contra a ineficiência dos serviços públicos. O que mais atrai simpatizantes parece ser, na verdade, a desinformação. A propaganda na televisão dá a falsa sensação de que o custo final do imposto é de 1%. Poucos percebem que ele encarecerá o produto ao incidir numa infinidade de operações anteriores. Para impressionar, o apresentador fala em 58 impostos, quando na verdade existem cerca de 15 (o que também é muito). O restante são as taxas, cobradas apenas dos que usam determinados serviços públicos.


Já foram apontados vários inconvenientes do imposto único. Seria um enorme retrocesso. O mundo evoluiu séculos para concluir que as bases da tributação devem ser a renda, o consumo e o patrimônio, e não as transações financeiras. Admite-se também a existência de impostos com finalidade extrafiscal, como os de importação e exportação.


O imposto único incidiria em cascata, acarretando brutal ineficiência na atividade econômica. Constituiria um imposto indireto. Os pobres pagariam relativamente mais do que os ricos. Seria incompatível com o sistema federativo. Provocaria uma grave desintermediação no sistema financeiro.


Seu impacto pernicioso dependeria do nível de inflação. Se alta, seus efeitos seriam pouco percebidos. Se baixa, emergiriam todos os seus defeitos. Na Argentina, que criou esse imposto, o próprio governo passou a perceber que era distorcivo após a queda da inflação.

A alíquota é duvidosa. A arrecadação pública totaliza cerca de US$ 100 bilhões. Portanto, para gerar a mesma receita com uma alíquota de 1%, as transações deveriam alcançar incríveis US$ 10 trilhões, ou 25 vezes o PIB.


Valeria discorrer mais sobre um aspecto pouco analisado: a influência destruidora que o novo imposto teria sobre as exportações. Como se sabe, a globalização da economia mundial exige a integração competitiva de cada país nos fluxos de comércio. E, assim, crucial que se assegure a isenção de impostos indiretos nas vendas ao Exterior. Não se exporta imposto, é a máxima aceita por todos.


A isenção integral só é possível em duas hipóteses: se a cobrança ocorrer apenas na venda final (sales tax) ou quando se tratar de tributo sobre o valor agregado (nossos ICMS e IPI). Neste caso, isenta-se na última fase e mantém-se o crédito das etapas anteriores.


Isentar a exportação é inviável com o imposto único. Não se saberia quantificar a tributação total. Um mesmo bem poderia ter carga fiscal distinta, dependendo do número de transações ocorridas em seu processo produtivo. Seria diferente entre empresas e entre produtos.


Se em vez da isenção se decidisse pela indenização, o problema seria maior: além de não se saber quanto devolver, os exportadores ficariam à mercê das dificuldades do Tesouro. Afora isso, a comunidade mundial não aceita esse mecanismo. Relembre-se que o Brasil eliminou o crédito-prêmio nas vendas externas para evitar retaliações.


A perda de competitividade nas exportações em face de um tributo inadequado teria desastrosas conseqüências: crise no balanço de pagamentos, atraso tecnológico, desemprego, empobrecimento, agravamento do quadro social. Não se trata, pois, de receio de uma inovação. A proposta representa uma séria ameaça ao País.


O imposto único tem uma vantagem: lançar um brado de alerta contra as iniqüidades e os perigos a que estamos expostos com nosso sistema tributário, cujo caos foi agravado pela nova Constituição. Fazê-lo, todavia, mediante tão temerária idéia é ainda mais perigoso.

  

 

IMPOSTO ÚNICO SOBRE  TRANSAÇÕES: O MITO 

Clóvis Panzarini 

Jornal da Tarde, 27/11/91 

A proposta do Imposto Único sobre Transações - IUT, agora formalizada na Emenda Constitucional nº 17/91, tem o fascínio de um modelo quase mágico que, segundo seu autor, substitui dezenas de tributos de custosa administração e alíquotas selvagens por um único imposto cuja indolor alíquota de 2% reproduziria a atual arrecadação tributária e economizaria 4% do PIB, mercê da possibilidade de extinção das administrações tributárias, pública e privada. Infelizmente, o paraíso fiscal prometido pelo IUT traria mais problemas do que soluções para o País, na medida em que introduziria uma anacrônica forma de tributação "em cascata", substituindo o sistema tributário por um enorme "Finsocial", que ninguém minimamente informado sobre o assunto ousa defender. Dentre os desastres que o IUT provocaria, destaco os que seguem:


1º) O modelo acentua extraordinariamente a ,regressividade do sistema, porque iguala os desiguais. Como justificar que o dividendo recebido pelo banqueiro tenha carga tributária idêntica à do salário do gari? No lado do produto, os absurdos são igualmente gritantes. Segundo o autor, o modelo promove progressividade automática, pois os bens mais sofisticados têm ciclo de produção mais longo e, portanto, sofreriam maior incidência tributária. Esse argumento, entretanto, só vale nas comparações entre produtos industrializados e os consumidos in natura, que pesam menos de 10% no orçamento familiar. Destarte, o trator teria carga tributária idêntica à do jet ski, o medicamento mais imposto que a aguardente e a lata de sardinha seria mais gravada que um maço de cigarros.


2º) O IUT inibe as exportações, pois, incidindo "em cascata", não permite a desoneração plena na ponta da demanda final. Dessa forma, o Brasil teria de competir no exterior exportando imposto. Se é válida o argumento do autor de que quanto mais sofisticada a mercadoria, maior sua carga tributária, o Brasil, com o IUT, teria de regredir ao ciclo do pau-brasil, pois os produtos mais elaborados teriam tributação proibitiva para o mercado externo.


3º) Problema dos mais sérios é a definição da partilha de arrecadação do IUT cujo critério, necessariamente, será político. Como se dividirá a receita entre os três níveis do governo e entre as unidades federadas? Certamente, a distribuição regional não se fará pelo critério do local da ocorrência do fato gerador, como candidamente tem propugnado o autor do modelo, pois tal critério quebraria os Estados das regiões Norte, Nordeste e CentroOeste, majoritárias no fórum político da decisão. Entre a prancheta do estudioso e a implantação do modelo existe a realidade política do País; plasmados na representação do Congresso Nacional, existem os conflitos distributivos regionais.


4º) A proposta, que foi concebida basicamente para simplificar a vida dos cidadãos e evitar a sonegação, na prática não atenderia a nenhum dos dois objetivos. Alcançar-se-ia a elisão fiscal simplesmente evitando-se o sistema de compensação bancária. Os cheques circulariam de mão em mão e o dinheiro, uma vez sacado dos bancos, ainda que com a alíquota em dobro como propõe o autor (o que, diga-se de passagem, penaliza ainda mais os mais pobres, que não têm conta bancária), dificilmente retomaria a ele. O uso do sistema bancário passaria a ser um luxo caro, e tanto mais caro seria quanto mais os bancos fossem evitados, pois a alíquota do IUT, incidente sobre os cheques, teria de ser cada vez mais aumentada, para manter a máquina estatal. Seriam as transferências bancárias intrafamiliares e intra-empresariais tributadas? Se o forem, a tributação será iníqua; se por outro lado o modelo começar a abrir exceções, a máquina fiscal não poderá ser sequer reduzida.


5º) A festejada economia equivalente a 4% do PIB, que o modelo proporcionaria pela desativação da máquina fiscal do Estado e do contribuinte, infelizmente não se verificaria, pelo menos na magnitude sequer parecida com esta, pois o custo da administração fiscal está brutalmente superestimado. Bem distante dos 10% apresentados como custo médio da arrecadação fiscal, a União, que em 1990 arrecadou 65,8% de receita total (inclusive contribuições), gastou, naquele ano, com a administração fiscal o equivalente a US$ 460 milhões ou 0,57% de sua receita total, ou ainda 0,088% do PIB. Os Estados, em 1990, arrecadaram 30,5% da receita total, e gastaram, de acordo com levantamento em amostra representativa destes, entre 2% e 2,5% do total arrecadado. São Paulo, por exemplo, que responde por 40% da receita deste nível de governo, gasta cerca de 1,6% de sua receita com a administração tributária. Enfim, o efetivo custo da máquina fiscal é 80% inferior ao apresentado pelo autor e, mesmo com o IUT, ela não poderia ser eliminada, mas, talvez, apenas reduzida. Caso a alíquota prevista para o IUT tenha sido estimada com rigor técnico equivalente ao utilizado na estimativa do custo da máquina fiscal, corremos o risco de ver aqueles 2% transformados em 10%.


Finalmente, vale ressaltar que essa reforma provocaria importantes transferências interpessoais, inter-regionais e intersetoriais de renda. Certamente, não seriam apenas os sonegadores e a economia informal que pagariam a conta. É fundamental que se explicite se essas transferências de renda são intencionais, se já foram mensuradas e, em caso positivo, quais os resultados das simulações. 

 

A PROPOSTA DE IMPOSTO ÚNICO ESTÁ MADURA  

Flávio Rocha 

Jornal da Tarde, 29/11/91


 

IMPOSTO ÚNICO CONTRA AS  EXPORTAÇÕES E O MERCOSUL 

Mailson da Nóbrega 

Folha de S. Paulo, 17/12/91 

A idéia do Imposto Único sobre Transações substituindo o universo dos impostos é fascinante. Todos almejamos uma radical simplificação no pagamento de tributos que nos livre do freqüente contato com o Estado, reduza substancialmente a burocracia e erra dique o potencial de corrupção associado à arrecadação das receitas públicas. 

A sociedade está-se rebelando contra o sufocante sistema de tributos no Brasil, que ficou mais caótico com a nova Constituição. Os que não podem fugir do pagamento de impostos se revoltam diante da concorrência desleal que lhes infligem os sonegadores e a economia informal.

O imposto único seria o ideal. Resolveria todas essas questões. Liberaria energias hoje consumidas no cumprimento de um enorme emaranhado de obrigações. Não seria mais preciso escriturar livros nem preencher declarações anuais do Imposto de Renda. Desapareceria uma montanha de formulários e notas fiscais. Sumiria de nosso cotidiano um punhado de siglas como Darf, CGC, CPF, Ufir, IR, IPI, ICMS, IPVA etc.

Infelizmente, esse imposto único "nos livraria disso tudo, mas poderia agravar os já terríveis problemas do Brasil. Seus inúmeros inconvenientes, demonstrados por vários especialistas, provocariam mais injustiça social e ineficiência na economia. No comércio exterior sua implantação seria desastrosa. O Mercosul seria inviável.

No comércio entre as nações vigora o princípio de que todo produto deve se tributado no destino, isto é, no consumo final. Por exemplo, quando o consumidor americano compra um sapato é indiferente, para efeitos fiscais, se foi fabricado nos Estados Unidos, na Itália ou no Brasil. O imposto de vendas será exatamente o mesmo.

Em conseqüência, o produto exportado não pode ser tributado na origem, isto é, no país onde é fabricado. Do contrário, haverá dupla tributação e o exporta- dor, perdendo competitividade, abandonará a atividade de comércio exterior. Se a exportação ficar inviável para todos, o balanço de pagamentos entre em colapso, paralisam-se as importações de bens essenciais, a economia afunda, o desemprego se agiganta, os problemas sociais e políticos se multiplicam.

Existem duas únicas maneiras de isentar as exportações: 1) quando o imposto de consumo é cobrado apenas na fase final (safes tax); isentada a venda ao exterior, estará eliminado o imposto sobre o produto exportado; 2) quando o imposto de consumo é cobrado ao longo do processo produtivo, sobre o valor agregado em cada etapa (nossos ICMS e IPI); isenta-se a fase final e aproveita-se o crédito gerado nas etapas anteriores. O resultado é o mesmo. 

A isenção das exportações é inviável com o imposto único, que seria uma tributo em cascata. São milhares as transações financeiras envolvidas na produção de um bem, umas impactando outras em termos de tributação. Seria impossível calcular o custo preciso do imposto. Um mesmo produto teria carga tributária distinta, dependendo da empresa que o fabricasse e do seu grau de verticalização.

Pode-se tentar contornar o problema de duas maneiras: 1) O governo devolveria o imposto pago; seria uma solução pior, pois, além de não de saber o valor a devolver, o exportador ficaria à mercê das dificuldades do Tesouro; 2) O exportador teria um crédito fiscal sobre cada transação realizada; exigir-se-ia um mecanismo mais complicado e oneroso do que o atual, com escrituração fiscal, controles, livros, fiscalização etc., eliminando um dos charmes da idéia, a simplificação.

Portanto, o imposto único seria prejudicial às exportações. Quanto ao Mercosul, mesmo que descontado o excessivo otimismo oficial que prevê a união já em 1995, essa é uma tentativa de integração regional da América Latina com efetiva chance de sucesso. Pela primeira vez, juntam-se vontade política e amplo interesse empresarial.

A união econômica exige harmonização tributária: o imposto de consumo deve ser o mesmo tipo em todos os países membros, com regras e alíquotas uniformes para preservar a neutralidade do tributo sobre a formação dos preços.

Essa tem sido uma das grandes tarefas atuais da Comunidade Econômica Européia. Todos os seus membros já aderiram ao imposto sobre o valor agregado; as alíquotas serão compatibilizadas até 1993.

Assim, se o Brasil implantasse o imposto único, seria preciso que a Argentina, o Uruguai e o Paraguai também. o fizessem para que o Mercosul se tornasse uma realidade. Ao contrário, a Argentina está procurando recuar do imposto sobre os cheques, semelhante ao imposto único, depois que a queda da inflação e a experiência vieram mostrar seus grandes inconvenientes.

O fascínio em relação ao imposto único não pode obscurecer os riscos que ele encerra, inclusive o de levar o Brasil ao isolamento internacional ou de a proposta ser utilizada pelo governo para a criação de mais um tributo. Valeria, por isso, ampliar o debate e a reflexão em torno da idéia para possibilitar a prudente consideração de todas as circunstâncias que cercariam sua eventual implantação.


 

 O SALTO NO ESCURO  DO IMPOSTO ÚNICO 

Mário Henrique Simonsen 

Revista Exame, 18/3/92 

 

AJUSTE OU MARKETING?

José Serra

Folha de S. Paulo, 7/7/92 

Em face do espaço apertadíssimo desta coluna, resumo em tópicos dúvidas e inquietações sobre o ajuste fiscal despertadas pela leitura dos jornais e revistas do fim de semana. 

1)                        Duvido que as elites, hoje desejosas do ajuste fiscal, se entendam sobre o objetivo perseguido. Seria aumentar a carga tributária? Ou diminuí-la? Ou, ainda, seria primordial a melhora da eficiência alocativa desse sistema, privilegiando os investimentos e as exportações? Confusão maior ocorre a respeito dos prazos: em quanto tempo se espera obter o quê?

2)                        O projeto de governo pretende modificar 53 artigos (22% do total) e 145 dispositivos da Constituição, além de introduzir 30 outros dispositivos novos. Ou seja, seriam 175 votações em quatro vezes (duas na Câmara, duas no Senado): 700 votações no total, exigindo quórum qualificado.. Além disso, o projeto não separa curto de longo prazo. Deveria conter apenas (e já seria muita coisa) o necessário para 1993. Mas contém dispositivos cujos efeitos fiscais ocorreriam daqui a três, cinco ou dez anos. Por que não deixá-los para a revisão constitucional? Misturar tudo, agora, fica bonito para anúncios na imprensa, mas conspira contra a realização de algo efetivo.

3)                        O governo propõe impostos novos. Um deles, o Imposto sobre Transações Financeiras (defendido como único pela Folha), com alíquota de 0,2%, substituiria o Finsocial, o Pis-Pasep e a contribuição social sobre os lucros. Em matéria de cumulatividade (ou efeito "cascata"), trocar o Finsocial por esse ITF equivale a trocar seis por meia dúzia. Mas a idéia do ITF tem charme: como diz o professor Chico Lopes, há a sensação geral de que o novo imposto vai gerar uma grande arrecadação, mas que ninguém vai pagar. Alardeia-se que os bicheiros, as indústrias de fundo de quintal e os outros sonegadores, que escapam do Finsocial, não se livrariam do ITF, ampliando-se, assim, notavelmente, a arrecadação. Será? Suponhamos que a economia informal seja duas vezes a economia formal, para efeito tributário. Isto equivaleria a um Finsocial de 0,6%, em vez dos 2% de hoje, com efeito modestíssimo sobre a arrecadação. Quem, então, pagaria o ITF? Como mostrou o professor Lopes, os pagadores seriam os tomadores de empréstimo em moeda indexada, principalmente o governo (80% do total), sob a forma de juros maiores: cerca de dez pontos percentuais a mais por ano, onerando pesadamente o serviço da dívida pública.

4)                        O novo imposto sobre ativos, dedutível do Imposto de Renda, é copiado da experiência mexicana. Mas no México as empresas deduzem as dívidas, ou seja, o imposto incide sobre o patrimônio líquido. Ao que parece, a proposta do governo não ,faz essa dedução. Por isso e por outro motivos, se tomarmos as 500 maiores empresas do país, mais de 73% da arrecadação virá das estatais, ou seja, será um imposto cobrado pelo governo sobre o governo. Entre elas estão empresas com déficits espetaculares e sem IR a pagar, como a Rede Ferroviária Federal, a Fepasa e os metrôs, todos com patrimônios também espetaculares!

A afobação e a confusão em tomo do ajuste são provocados pelo desejo do governo de mostrar que continua existindo, apesar da CPI e do colapso de sua credibilidade. Mas a estratégia realista e efetiva teria de ser outra: (a) promover um "ajuste fiscal ponte" para 1993, bastante mais modesto porém eficaz; (b) preparar a reforma ampla para a época da revisão constitucional; ou, alternativamente, segundo propus, mandar projeto de emenda constitucional retirando o capítulo tributário da Constituição, mantendo-se apenas os princípios básicos. Com isto, a reforma seria feita através de leis complementares e ordinárias, caminho muito mais flexível e racional. 

 

CRÍTICA OU DIATRIBE?

Marcos Cintra

Folha de S. Paulo, 19/7/92 

No último dia 7, em "Ajuste ou marketing?", José Serra discorreu sobre alguns pontos do projeto de reforma fiscal do governo. Propôs-se a fornecer aos leitores desta Folha um resumo das "dúvidas e inquietações sobre o ajuste fiscal desperta- das pela leitura dos jornais e revistas do fim de semana".

Várias de suas observações mostram-se amplamente procedentes. A reforma fiscal implica um elevadíssimo número de emendas constitucionais. As mudanças não poderiam ser realisticamente discutidas e aprovadas fora da revisão constitucional de 1993. As críticas ao novo imposto sobre o patrimônio das empresas também se mostram pertinentes.

Infelizmente, contudo, o autor não teve o mesmo êxito em outras passagens de sua coluna. Mostrou-se desinformado acerca de importantes detalhes dos projetos fiscais em análise. E ainda ousou propor idéias temerárias e até desconcertantes.

José Serra afirmou que "em matéria de cumulatividade (ou efeito "cascata"), trocar o Finsocial por esse ITF (Imposto sobre Transações Financeiras) equivale a trocar seis por meia dúzia".

Ignorando-se o indisfarçável tom de desdém, só resta dizer que, neste ponto, José Serra confunde germano com gênero humano.

Deixa entender que o efeito cascata, tout court, representa um grave defeito do Imposto sobre Transações Financeiras - e conseqüentemente de seu irmão gêmeo, o Imposto Único sobre Transações -, e que o efeito cascata é um mal em si mesmo, e que deve ser intransigentemente renegado, sem necessidade de nenhuma qualificação ou justificativa.

Infelizmente, o colunista ignora os recentes resultados de pesquisa obtidos a partir da literatura conhecida como "tributação ótima". Não se pode precipitadamente inferir implicações normativas acerca das distorções alocativas de impostos em mercados imperfeitos.

Como um bom estruturalista, José Serra não ousaria afirmar que a economia brasileira funciona em regime competitivo perfeito, razão pela qual sua ojeriza por impostos em cascata não encontra, a priori, justificativa suportada pela moderna teoria das finanças públicas.

Além disso, do ponto de vista de eficiência alocativa, a comparação da magnitude das distorções causadas por impostos cumulativos versus impostos sobre valor adicionado depende não apenas da natureza do tributo (cumulativo ou não), mas sobretudo das alíquotas marginais aplicadas em cada caso. Assim, um imposto sobre valor adicionado com alíquotas altas pode introduzir distorções mais fortes do que impostos cumulativos com alíquotas baixas.

Indago se não poderiam ser este o caso com o ICMS e o IPI que têm alíquotas extremamente elevadas e que, se unificadas, como pretende a Comissão de Reforma Fiscal do governo, poderiam chegar a 25% ou 30%.

Ademais, a cumulatividade é hoje uma das mais marcantes características do sistema tributário nacional. O ISS é cumulativo. Até impostos teoricamente não-cumulativos como o ICMS se tornam cumulativos quando a cadeia de crédito/ débito se rompe, como é comum em vários setores, como, por exemplo, a agropecuária.

A seguir, José Serra reproduz um questionamento, formulado pelo professor Chico Lopes, sobre o potencial de arrecadação do imposto sobre transações. Neste exercício, simplesmente se extrapola a  arrecadação do Finsocial para concluir que o grosso da receita de um imposto sobre transações bancárias acabaria incidindo sobre o mercado financeiro, mais especificamente sobre "os tomadores de empréstimos em moeda indexada, principalmente o governo...".

Este raciocínio mostra a enorme desinformação que acomete muitos dos partícipes desta polêmica. O Finsocial não arrecada por ser um imposto declaratório - preferido dos "papirófilos" na expressão do deputado Roberto Campos - e ter abrangência limitada.

O problema não está apenas na evasão da economia informal, mas também na sonegação da própria economia formal e em sua abrangência não-universal.

Como o imposto sobre transações seria arrecadado diretamente nas operações bancárias, o fator de projeção tomando por base a atual arrecadação do Finsocial não pode ser apenas a parcela da economia representada pela economia informal, mas deve incluir também os índices de sonegação dos setores formalmente constituídos, além da parcela da economia não incluída na base de cálculo daquele tributo.

Ademais, para não incorrer no mesmo equívoco do ex-ministro Maílson da Nóbrega que, ao criticar o Imposto Único, desavisadamente ignorou que nas operações financeiras o tributo incidiria apenas sobre os rendimentos reais, cabe alertar que o alegado impacto nas taxas de juros dos títulos públicos simplesmente não ocorreria.

Também combato e critico a reforma tributária do governo, e em especial o uso indevido que fazem da proposta do Imposto Único. Porém, por razões totalmente diferentes das de José Serra.

Para finalizar, o autor faz uma proposta no mínimo aberrante, ou seja, retirar o capítulo tributário da Constituição. Com isto, segundo José Serra, “a reforma (fiscal) seria feita através de leis complementares e ordinárias, caminho mais flexível e racional”.

É simplesmente estarrecedor que se proponha algo tão discricionário em uma fase da vida nacional onde o cidadão e o contribuinte são constantemente violentados pelo governo e por isso mesmo buscam garantias de seus direitos na própria Constituição.

Relegar o poder de tributar no Brasil à legislação ordinária, depois de tudo o que passamos e estamos passando, é uma proposta no mínimo autoritária e desrespeitosa para com os direitos dos cidadãos.

Em nome de quê? Flexibilidade? Racionalidade? Uma decisão tão importante como uma reforma tributária deve tomar tanto tempo quanto necessário para que a sociedade a discuta e possa conscientemente deliberar através de seus mecanismos decisórios. Sem pressa nem açodamento. Com paciência e responsabilidade.

 

MÁRIO HENRIQUE SIMONSEN E O IMPOSTO ÚNICO 

Marcos Cintra 

Folha de S. Paulo, 1/4/92 

Em recente artigo publicado na revista Exame (18/3/92), Mário Henrique Simonsen tece inúmeros comentários acerca do Imposto Único sobre Transações (IUT). O autor mostra sua desconfiança nas soluções simples como o IUT e critica os argumentos a favor e contra o imposto. Não obstante, reconhece a validade da proposta e acaba sugerindo sua implementação experimental. 

Questões elementares ou complexas devem ser enfrentadas com propostas tão simples quanto possíveis, desde que eficazes. Se o grau de complexidade das soluções fosse prérequisito de eficácia, como sugere o ex-ministro, ainda não teríamos conhecido a penicilina e os alquimistas de há muito teriam descoberto a transformação do ferro em ouro. Em outras palavras, não há correlação entre complexidade e eficácia. Tomemos o caso do IUT. Trata-se de um imposto simples, mas de perturbadora robustez. Não se trata de “remédios da moda” nem do “fetiche das fórmulas simples para resolver problemas complexos”, como quer Simonsen, mas sim de um novo conceito tributário em discussão há mais de dois anos e que encontra respaldo crescente junto à sociedade brasileira.

Os defensores do IUT acham-se convencidos de seus méritos e batalham por sua aceitação. Contudo, encontram fortes resistências entre aqueles que temem estar vislumbrando um novo paradigma tributário capaz de contrariar os investimentos intelectuais e profissionais acumulados.

Em artigo publicado no ano passado na revista Exame (26/6/91), Mário Henrique Simonsen apresentou um notável diagnóstico sobre os defeitos do atual sistema tributário brasileiro. A leitura do artigo indicava que o autor estava prestes a ultrapassar a barreira do dogmatismo convencional. Questionou o mito da progressividade, concordou com os proponentes do IUT no sentido de que a redistribuição de renda pode ser mais eficaz se implementada pelo lado dos gastos públicos do que pelo da arrecadação fiscal, insurgiu-se contra "preciosismos técnicos que não se tem como fiscalizar", defendeu a simplicidade e potencial de arrecadação como pré-requisitos para a eqüidade tributária.

Mas não deu o passo final. Não foi além de um face lift ao propor apenas mudanças cosméticas que não alteram a espinha dorsal do sistema tributário nacional.

Mas agora, em sua crítica ao IUT, Simonsen faz o caminho inverso. Critica a proposta, seus defensores e opositores, e acaba sugerindo sua implementação, ainda que parcial e tentativa. Ao condicionar sua integral aplicação à verificação de seu potencial arrecadador, implicitamente parece aceitar as premissas conceituais básicas do IUT e o fato de que, no composto final, o saldo do IUT pode ser positivo.

Simonsen afirma que a argumentação a favor e contra o IUT agride o bom senso. No entanto, os que acompanham o debate mais de perto sabem que ele está centrado inteiramente nos critérios clássicos de avaliação tributária: economicidade, eficiência e eqüidade. Pelas características do IUT, adicionou-se o critério da robustez.

Em realidade o IUT permite concretizar o antiqüíssimo conceito da unicidade tributária. Paulo Hugon atribuiu o insucesso das propostas de implementação do imposto único à inexistência de uma base tributária suficientemente ampla para permitir a existência de apenas um tributo com alíquota que não sejam escorchantes ou confiscatórias. Da mesma forma, J. Grosclaude e R. Herzog (Revue Française de Finances Publiques, nº 29, 1990) organizam toda a discussão de seu artigo "O mito do imposto único" em tomo dos vários fatos geradores tentados no passado. E concluem, indagando, se "o novo mito no final do século 20 não é o de unificar os sistemas fiscais, ao menos na Europa, em tomo de dois impostos básicos, o Imposto sobre Valor Agregado (imposto dominante na atualidade) e o Imposto de Renda, reproduzindo o mito da unicidade do século precedente?".

A proposta de um novo fato gerador - o lançamento bancário - trata portanto da questão essencial ao tema da unicidade tributária, contrariando frontalmente a tentativa de Simonsen de minimizar a questão. Passa-lhe desapercebido que este é ponto essencial da temática em apreço, pois objetiva destruir o mito de que o imposto único é um mito.

O IUT é uma turn aver tax, como existiu na Alemanha até meados da década de 60. A essência do tributo é a mesma. Mas a forma de arrecadação lhe traz contemporaneidade. Tributam-se as transações econômicas através de seus correspondentes lançamentos bancários. A técnica de cobrança garante automaticidade, superando os sistemas de lançamento (como o IPTU ou o IPVA), e o de auto-apuração é auto-recolhimento com auditoria (como o IR, ICMS, IPI e vários outros). Eliminam-se a burocracia e o papelório.

Cumpre observar que essa nova sistemática de arrecadação só se tornou viável a partir da modernização e informatização do sistema bancário brasileiro. E ainda pela quase total substituição da moeda manual - uma relíquia bárbara, no dizer de Keynes - pela moeda escritural.

Essas duas características permitem concretizar o mito do imposto único acalentado há séculos, mas frustrado pelas dificuldades de identificação de formas viáveis de operacionalização. Não é a nova base de incidência em si que justifica o IUT, mas sim o fato de ele permitir a unicidade tributária, ainda que de forma cumulativa. E de permitir ainda eliminar a sonegação, a economia informal e a corrupção. Um saldo razoável para uma sociedade marcada pela fragilidade tributária, como de resto ocorre na maioria dos países em desenvolvimento.

É evidente que a expansão do sistema bancário brasileiro se deve à inflação, como apontou Simonsen. Imaginar, contudo, que a ausência de tributação teve papel relevante nesse processo seria enganoso. Pode não ter havido a imposição de impostos nas transações bancárias, mas sempre existiram custos. Taxas bancárias, exposição ao fisco, corrosão inflacionária dos saldos em conta corrente são ônus tão reais quanto tributos. Nem por isso os bancos deixaram de se expandir celeremente em todo o mundo, mesmo naqueles países onde a inflação é baixa.

Trata-se, antes de mais nada, de uma inexorável caminhada da humanidade rumo à perda de espaço da moeda manual em favor da preponderância da moeda escritura, da moeda eletrônica, das transações concretizadas por impulsos eletrônicos e por lançamentos em contas gráficas.

O Brasil se encontra em estágio avançado de informatização bancária e de desmonetização, à frente da maioria dos países. O IUT exige que esses dois pré-requisitos sejam atendidos, o que o torna viável hoje em poucas economias do mundo.

Curiosamente os Estados Unidos não satisfazem o primeiro e o Japão não satisfaz o segundo. Esta observação, por sinal, responde às indagações acerca da inexistência ou do fracasso desse tipo de imposto em outros países. Mas certamente a expansão bancária e a desmonetização das economias modernas são processos globais e inexoráveis, o que tornará essa técnica de arrecadação comum em todo o mundo nas próximas décadas.

Mário Henrique Simonsen aponta o amadorismo dos cálculos sobre o IUT. Mais urna vez, ele demonstra não se haver debruçado sobre o problema a ponto de sentir a pulsação do debate.

O conceito de transação bancária, por exemplo, não é medido nem computado pela Receita Federal, pelo Banco Central, pelo IBGE ou por nenhum instituto de pesquisa. E um dado novo e não existem séries históricas. A única fonte, portanto, são os registros bancários, onde foram buscados os números apresentados. Se existirem outras fontes mais "profissionais", por favor, apontem-nas. O mesmo problema surge no cômputo dos custos operacionais sociais e privados do atual sistema tributário e na avaliação do impacto do IUT nos preços relativos.

Mas, mesmo assim, cabe indagar se toda proposta para discussão tem necessariamente de estar acompanhada de pretensiosas justificativas acadêmicas, de arrogantes modelos quantitativos e de cansativas regurgitações intelectuais.

O ineditismo da proposta exige um esforço contínuo de pesquisa. Isto, contudo, não deve evitar que se busquem estimativas como as que vêm sendo apresentadas.

As sugestões serão bem-vindas, sem falar na esperança de que o próprio governo aloque seus recursos de análise e pesquisa - como o IPEA - na busca de maior profundidade no conhecimento dos impactos do IUT - pedido, aliás, feito reiteradamente às autoridades, mas por elas sempre ignorado.

Ou, então, que surjam provas sobre os erros das estimativas apresentadas. 

O debate prossegue e a participação de Mário Henrique Simonsen o enriquece. Cumpre dizer, contudo, que, apesar de sua evidente contrariedade, ele reconhece que um teste com o IUT seria apropriado. Propõe que seja implantado em substituição a alguns impostos atualmente existentes. Não concordo, mas essa é uma outra discussão.

 

OS PROBLEMAS DO IMPOSTO ÚNICO

Fábio Giambiagi

Folha de S. Paulo, 21/4/92 

Desde que foi incorporada ao debate sobre o sistema tributário brasileiro, a proposta do Imposto Único sobre Transações (IUT) vem sendo tratada de forma um tanto quanto maniqueísta por uma parte considerável dos especialistas em finanças públicas. De um lado, muitos críticos simplesmente desqualificam a idéia, sem se deter numa análise mais detalhada da mesma. De outro, os seus defensores limitam-se a apontar as suas virtudes, negando-se a reconhecer a existência de problemas concretos para a sua adoção e atribuindo as resistências "àqueles que temem estar-se vislumbrando um novo paradigma tributário, capaz de contrariar os investimentos intelectuais e profissionais acumulados" (Marcos Cintra, Folha de S. Paulo, 1/4/92). O propósito deste nosso artigo é o de mostrar que as resistências à adoção da idéia do IUT obedecem a objeções relacionadas com o interesse público e não a uma mera questão de idiossincrasia ideológica ou interesse pessoal de tributaristas cujo capital humano esteja - para seguir o raciocínio do prof. Cintra- ameaçado de "depreciação acelerada".

Há sete dúvidas, de importância variada, já levantadas por outros economistas e que merecem ser consideradas:

a) embora a proposta do IUT seja cativante pela simplicidade e pela suposta eficiência que os seus defensores lhe atribuem, qual é o sentido de os governos renunciarem à cobrança de impostos como o de renda na fonte, da pessoa jurídica - no caso das grandes empresas - ou o IPI sobre produtos de consumo de massa, elevado valor unitário e/ ou produzidos por poucas empresas, que são de fiscalização mais fácil e portanto não sofrem muita sonegação? Desmontar todo o sistema tributário, só porque parte dele induz à evasão, equivale a derrubar uma casa inteira apenas porque uma das salas sofre problemas de infiltração;

b)                        da mesma forma, o fato de se reconhecer que o problema distributivo pode ser atacado pelo governo pelo lado do gasto não autoriza a que se renuncie ao princípio da progressividade, especialmente quando - como é o atual caso do Imposto de Renda da Pessoa Física - a estrutura de alíquotas é muito simples e quem já paga mais não tem como escapar da tributação. Deixar de taxar as rendas mais elevadas, que efetivamente pagam impostos, em nome da falta de pagamento dos evasores, implica adotar a mesma lógica curiosa com a qual Stanislaw Ponte Preta reivindicava que "ou se restaura a moralidade ou locupletemo-nos todos"; 

c) por ser um imposto cumulativo, o IUT grava mais o preço dos produtos com cadeia mais extensa de produção, o que significa que a sua adoção pode implicar uma mudança substancial dos preços relativos da economia, cujas conseqüências, ao que nos consta, não foram até agora estimadas com precisão por ninguém;

d)                        devido à cumulatividade mencionada anteriormente, que não permite a desoneração neutra do tributo, o IUT teria um impacto prejudicial sobre as exportações, que não poderia ser compensado através de subsídios diretos, pelos constrangimentos que isso criaria para o país no âmbito do Gatt (Acordo Geral de Tarifas e Comércio);

e) o custo dos serviços bancários - recolhimento dos tributos ao governo federal e transferência automática de parte deles para as respectivas contas de uma multiplicidade de Estados e municípios - pode ser muito alto, o que explicaria o pavor que a menção ao IUT gera em alguns banqueiros, pois, afinal de contas, ninguém gosta de ter custo sem receita. Os defensores do IUT dizem que a não adoção. desse imposto no passado, apesar das suas alega das virtudes, se prende ao fato de que só recentemente o sistema financeiro atingiu o grau de amadurecimento necessário para que a implantação do imposto se tornasse viável. O problema é que a tentativa de estruturar um novo sistema tributário com o IUT, baseado na existência prévia de um sistema financeiro estruturado, pode justamente gerar o efeito oposto e, além de não garantir as metas de receita do governo, causar, como efeito colateral, a desestruturação do sistema financeiro;

f)  O desaparecimento de qualquer vínculo entre o gasto por esfera de governo e o ônus tributário associado ao financiamento dessa despesa pode constituir-se num formidável estímulo ao relaxamento fiscal. Afinal de contas, o partido cujo ministro encomendasse uma obra eleitoreira, o governador que aumentasse o salário do funcionalismo ou o prefeito que contratasse mais gente, ao invés de aumentar o Imposto de Renda, o ICMS ou o IPTU - todos eles de grande visibilidade - teriam apenas de pressionar o governo para aumentar "só um pouquinho" a alíquota do IUT, que correria o risco, então, de se transformar num imenso Finsocial, com alíquotas crescentes ao longo do tempo e,

g)                        o número de transações bancárias sobre as quais o IUT incidiria seria certamente muito inferior ao de hoje. Haveria diversos mecanismos através dos quais os agentes poderiam fugir da tributação, simplesmente fazendo com que os seus recursos transitassem menos pelo sistema bancário. Entre eles, podem ser mencionados a realização de operações casadas - quando, por exemplo, ao invés de A pagar B e este a C, A pagaria diretamente a C -; a criação de câmaras de compensação por parte das empresas, para emitir cheques referentes apenas ao valor da diferença entre as operações de compra e venda entre diversos agentes que participem de mercados interligados; ou a postergação do depósito de cheques com assinaturas confiáveis, que passariam a funcionar como substitutos de moeda.

E devido aos problemas acima apontados que a idéia do IUT enfrenta tantas resistências. Sendo assim, a alternativa de adotar um imposto sobre transações bancárias apenas em pequena escala e a título experimental parece uma melhor estratégia do que eliminar todos os impostos e adotar o IUT imediatamente, o que seria uma verdadeiro salto no escuro. Como recentemente foi lembrado pelo professor Vito Tanzi, a propósito de propostas similares surgidas em outros países, num seminário sobre políticas tributárias na América Latina promovido pela Cepal em Santiago (Chile), é preferível que as idéias revolucionárias sejam primeiro testadas em economias sólidas e estáveis, nas quais o custo do fracasso não é tão grave, do que em economias como as nossas, já cheias de problemas e cansadas de frustrações.


 

OS SETE PECADOS  DO IMPOSTO ÚNICO

Marcos Cintra

Folha de S. Paulo, 15/6/92 

Em artigo publicado na Folha no dia 22 de abril, Fábio Giambiagi discute a proposta do Imposto Único sobre Transações - IUT. O autor afirma preferir a implementação inicial do IUT em pequena escala, e apresenta para discussão sete problemas que o fazem adotar aquela atitude de cautela. 

Inicialmente, o autor questiona a eliminação de impostos de pouca sonegação - como sugere ser o caso do IR na fonte, do IRPJ das grandes empresas e do IPI sobre produtos de consumo de massa, de elevado valor unitário e/ou produzidos por poucas empresas. Eliminar tais impostos seria derrubar toda a casa só porque há infiltração (sonegação) em uma das salas, diz.

Esta questão tem como fundamentação o princípio da produtividade dos impostos. Se produtivos, devem ser mantidos, sugere o autor. Ora, o IUT é mais produtivo do que os impostos que Giambiagi questiona extinguir, pois elimina de vez a evasão e a corrupção tributárias. Os impostos citados por ele não são imunes à evasão, ainda que tenham problemas menos severos.

Portanto, sob o aspecto da produtividade, o IUT é mais eficiente. Não há trade-offs. Trata-se de uma solução nitidamente Pareto-superior, neste aspecto, e portanto justifica-se sua implementação como imposto único.

A segunda crítica se refere à eqüidade. Giambiagi defende a progressividade na arrecadação, além de nos gastos.

O sistema atual, mormente o IR, é progressivo apenas no papel. Em economias complexas como a brasileira, não há estrutura administrativa que garanta a aderência entre intenções e a realidade. Na prática, o IRPF é fortemente regressivo.

Giambiagi defende a progressividade tributária, mas, curiosamente, preconiza a manutenção do IRPF, mesmo admitindo que boa parte dos contribuintes os sonegam flagrantemente. Em nome do tratamento desigual para os desiguais - uma forma superior de justiça econômica - aceita tratamento desigual para os iguais - uma ultrajante iniqüidade.

O IUT permite certa progressividade como imposto direto mediante a concessão de limites de isenção tributária; como imposto indireto, possui uma progressividade natural, imune às manipulações de eventuais sonegadores.

Na terceira observação, Giambiagi aponta as prováveis alterações nos preços relativos que o IUT acarretaria. A cumulatividade do imposto impactaria de forma diferenciada o preço dos produtos, dependendo da extensão de suas respectivas cadeias de produção.

Certamente os preços relativos serão alterados com o IUT, mas para melhor, no sentido de refletirem seus respectivos custos de oportunidade.

A carga tributária dependerá da extensão da cadeia de produção de cada setor, e também do coeficiente de agregação de valor em cada uma destas etapas. Por exemplo, dois produtos com uma mesma cadeia de produção mas que diferem no montante de valor agregado na última etapa da cadeia - por exemplo, no varejo - terão onerações tributárias diferentes.

Embora a teoria do second best tenha colocado uma pá de cal sobre as pretensões de se conhecerem detalhadamente as implicações alocativas das distorções tributárias, não há por que esperar que as alterações sejam necessariamente para pior.

Estimativas setoriais mostram que a cunha fiscal será reduzida substancialmente e, portanto, com o IUT a estrutura de preços relativos será menos distorcida do que a atual. Os preços se aproximarão dos custos marginais, e os preços relativos se aproximarão das taxas marginais de transformação.

Não há por que defender a manutenção da atual estrutura de preços relativos, como sugere Giambiagi. Aliás, a forte concentração industrial brasileira permite que a carga tributária teórica seja usada na composição de preços ao consumidor, ainda que ela não se transforme em efetiva arrecadação pelas mais variadas formas de evasão. Portanto, boa parte dos preços ao consumidor tem um componente semelhante à exploração monopolística, implicando fortes distorções alocativas e distributivas.

Giambiagi demonstra preocupação no tocante à desoneração tributária das exportações. Com o IUT, e o auxílio de uma boa matriz de relações interindustriais, o governo poderá criar pautas de rebate fiscal aos exportadores para desonerar as exportações. Haveria incremento de competitividade, pois hoje o Brasil exporta impostos. Apenas o ICMS e o IPI são isentados. Exporta-se Finsocial, IPTU, IRD, ISS e muitos outros encargos perdidos no emaranhado tributário nacional.

Não de trata de subsídio, mas apenas de devolução de impostos pagos, como já ocorre em vários países e como os turistas já aprenderam ao receber seus detax pelo correio.

O tópico seguinte de discussão sé prende aos custos bancários e ao "pavor que a menção ao IUT gera em alguns banqueiros...".

É evidente que os bancos serão remunerados pelos serviços de arrecadação tributária que efetuarão. Mas o busílis da questão não se prende a isto, um tema que meia hora de negociação seria capaz de resolver: Afinal, o IUT implicaria custos praticamente nulos de arrecadação e de distribuição.

Hoje, cada um das dezenas de tributos implica uma guia de recolhimentos, a conferência pelo caixa do banco, custos de espera (filas), digitação dos documentos no CPD dos bancos, processamento, microfilmagem, discriminação dos recebimentos por tipo de tributo, por tipo de destinação e por prazo de recolhimento ao governo. Enfim, um custo elevado comparativamente ao que seria o IUT: apenas um impulso eletrônico - sem emissão de papel e sem burocracia.

Feitas estas observações, permanecem um mistério as razões pelas quais, do ponto de vista do custo operacional, os bancos não deveriam prontificar-se a pagar o governo para implantar o IUT, em vez de cobrarem. Quem sabe, o cerne do problema se prende ao float bancário. Porém, acredito que, feitas as contas, e explicitando-se de forma transparente os custos e as vantagens que o IUT proporcionaria ao setor bancário, seria fácil chegar a um acordo que levaria em conta o legítimo interesse comercial dos bancos e os da sociedade.

Neste sentido, chamaria a atenção para um esclarecedor artigo do presidente da Febraban, Alcides Tápias, publicado na Folha em 8 de abril, onde diz que o governo “se apropria atualmente de 57,65% da taxa de juros real paga pelo tomador de empréstimos...", e que lias despesas tributárias dos bancos comerciais em 1991 corresponderam a 149,4% do lucro líquido, ou seja, os bancos serviram mais ao governo como fonte de arrecadação do que a seus acionistas...". O IUT corrigiria esta evidente distorção.

Em seguida, Giambiagi aponta sua sexta objeção ao IUT. O temor de que, pressionado por políticos demagógicos e/ou mal-intencionados, o governo aumente as alíquotas do IUT.

Esta crítica não deveria ser direcionada ao IUT, mas sim às instituições políticas brasileiras. Afinal, como o autor mesmo explicitou, estamos hoje sujeitos a esse tipo de comportamento de nossos governantes. Vide o Finsocial, que começou com 0,5% e hoje é de 2%; ou o ICMS que começou com 12% e hoje é de 17% (18% em São Paulo). Há muitos outros exemplos.

Ao contrário da tese de Giambiagi, a unicidade tributária iria impedir que esse comportamento fiscalista do governo voltasse a ocorrer. Hoje a parafernália de impostos desarma o contribuinte que deseja defender-se. A cada momento é uma alíquota que sofre alterações, uma legislação que muda, uma nova obrigação criada.

Com o IUT a questão fica mais transparente, menos opaca e mais direta. Qualquer sugestão de elevação da alíquota do IUT seria manchete de todos os jornais, pois há uma relação direta entre alíquotas e custos tributários. O contribuinte estaria mais atento e o político encontraria sérios constrangimentos ao propor qualquer elevação de alíquota que não fosse plenamente justificada e discutida.

O IUT, contrariamente ao que diz Giambiagi, é o caminho para a responsabilidade tributária e para o definitivo sepultamento da demagogia e dos abusos que regularmente fazem dos desprevenidos contribuintes brasileiros vítimas irrecorríveis da irresponsabilidade de seus governantes.

Finalmente, Giambiagi menciona uma série de argumentos que, a seu ver, indicariam que a base de tributação do IUT - as transações bancárias - poderia ser comprometida por câmaras de compensação privadas e pela transformação de cheques em quase-moeda.

O que carece neste tipo de argumentação é o fato de os custos das transações tidas como substitutivas à transação bancária serem mais elevados do que a economia tributária obtida.

Por exemplo, as câmaras de compensação privadas seriam, em realidade, pequenos bancos privativos, com custos operacionais que não podem ser negligenciados. A aceitação de cheques de terceiros implica riscos cujos custos o comércio e o setor bancário bem conhecem. Pergunto se o custo de uma apólice de seguro contra cheques sem fundo seria inferior à alíquota do IUT.

Além disso, o processo produtivo moderno é essencialmente unidirecional. Nas transações entre empresas e entre setores não existem pagamentos recíprocos. O professor vende seus serviços à universidade e quase nada compra dela; o operário de uma siderúrgica não consome aço, nem um sapateiro come os chinelos que fabrica. Nesse sentido, as câmaras de compensação, para terem um mínimo de efetividade, teriam de ser abertas ou então englobar grande número de setores.

Ademais, cabe lembrar que o IUT é desburocratizado. Mas não prescinde de um arcabouço legal mínimo, Algumas regras teriam de ser seguidas.

Por exemplo, compensação de valores é atividade privativa do sistema bancário, o que tornaria ilegais as câmaras de compensação privadas, Cheques ou endossos ao portador são proibidos, sujeitando o infrator a pesadas multas que reverteriam automaticamente em favor de quem apresentasse os documentos irregulares a qualquer guichê de banco. E a tributação sobre os cheques levaria em conta o número de endossos que portassem em seus versos.

Com pequenas e simples regras como estas, os argumentos tidos como insuperáveis pelos críticos do IUT poderiam ser imediatamente removidos. Basta uma regulamentação competente e um pouco de boa vontade para encontrar as soluções administrativas.

Para finalizar, Giambiagi endossa as observações de Vito Tanzi. Economias como a nossa, segundo ele, já estão cheias de problemas e cansadas de frustrações, Nada de "idéias revolucionárias". Cabe dizer que muitas das economias sólidas e estáveis assim o são por terem sido revolucionárias no passado. O Brasil encontra-se hoje em uma encruzilhada. O presidente da República chegou a afirmar que "o Estado faliu" e que a atual estrutura tributária estaria causando "quase uma desobediência civil".

Que o IUT seja adotado, ou rejeitado, apenas em função de análises técnicas, jamais pelo ineditismo da solução. No atual cenário, nada seria mais arriscado do que a timidez, este sim, um pecado mortal se buscam soluções para o país. 

 

POR QUE SE BUSCA A EUTANASIA TRIBUTÁRIA

Mailson da Nóbrega 

Folha de S. Paulo, 7/2/93

Grande parte da classe política e milhares de empresários estão irmanando-se para defender a simplificação na cobrança dos tributos. Não é para menos. O sistema tributário virou um caos: exagerado número de impostos e contribuições; multiplicidade de livros, guias e notas fiscais; regras confusas e mudando a toda hora; pacotes de emergência; achaques de fiscais corruptos que deslustram a carreira.. Incentiva-se a sonegação e, com ela, a competição desleal. Desperdiçam-se energias que deveriam estar dedicadas à produção.

O Brasil já possui um sistema tributário sem essas mazelas. Entre 1965 e 1967 abandonamos o jurídico-formalismo socialmente inútil, seguimos as tendências internacionais mais modernas e adotamos tributos orientados pela funcionalidade, capazes de contribuir para o desenvolvimento econômico e social. Ainda havia defeitos na estrutura tributária: os impostos únicos sobre energia, combustíveis, minerais e mais tarde transporte e comunicações; o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e o Imposto municipal Sobre Serviços (ISS). Por isso não chegávamos a ter um sistema tributário ideal, isto é, aquele que produz as receitas necessárias a financiar um nível adequado de gastos públicos e ao mesmo tempo alcança dois objetivos: interfere o mínimo na atividade econômica (princípio da neutralidade dos tributos) e cobra segundo a capacidade contributiva dos cidadãos (princípio da justiça tributária).

A questão da neutralidade tributária é de longe a mais importante para o desenvolvimento. A justiça tributária é fundamental para atenuar o problema das desigualdades sociais. A neutralidade é obtida basicamente com a eliminação dos tributos em cascata, ou seja, os que incidem sobre si mesmos, nas sucessivas etapas de produção de um bem ou serviço. A justiça tributária vem com a progressividade prudente nos impostos diretos (renda e patrimônio); mais recentemente, a justiça tem sido também alcançada mediante seletividade nos impostos indiretos e maior abrangência na tributação, a qual permite redução nas alíquotas.

A economia mundial dificilmente teria experimentado seu espetacular desenvolvimento pós-guerra, notadamente a partir dos anos 50, não fosse a solução para o problema da neutralidade tributária. E que os impostos em cascata prejudicam o melhor uso alternativo dos recursos de uma sociedade (o que os economistas chamam de processo alocativo). Por exemplo, um dos fatores básicos para a expansão econômica dos países industrializados, além da educação e do desenvolvimento científico e tecnológico, foi a descentralização da produção. Os gigantes da indústria japonesa são um bom exemplo. A produção de milhares de itens (partes, peças, componentes, serviços) foi confiada a outras empresas, geralmente de pequeno e médio porte. Ganhou-se em eficiência, produtividade e competitividade. Essa estratégia, que no Brasil chamamos terceirização, não funcionaria se a cada etapa existisse um imposto a onerar a operação pelo seu valor bruto. O comércio exterior, outra alavanca da expansão econômica mundial (cresceu em média acima da evolução do produto interno nos últimos quarenta anos), também não se teria desenvolvido sem a solução para o problema dos impostos em cascata. Isso porque as mercadorias devem ser tributadas no local em que são consumidas (para evitar discriminação tributária entre produtos nacionais e importados). E preciso, assim, que as exportações sejam isentas de impostos indiretos, impossível quando existe a cascata.

Os impostos em cascata (cumulativos) são aparentemente simples. Cobram-se em cada venda e ponto final. Os impostos sobre o valor agregado (IVA), não cumulativos, tendem a ser complexos. Exigem livros para registro de créditos e débitos tributários, apuração periódica do resultado, cálculos para manutenção do crédito sobre os insumos nas operações que destinem mercadorias ao exterior e assim por diante. Resta saber se é melhor a simplicidade ou a eficiência na alocação dos recursos da sociedade. O crescente e amplo emprego dos tributos não cumulativos em todo o mundo é o grande veredicto: os países preferem a complexidade racional do IVA à simplicidade burra e aparente dos impostos em cascata.

O IVA foi adotado pela primeira vez na França. Provou-se tão eficaz que seu uso se espalhou pela Europa e se tornou regra para a harmonização tributária dentro da Comunidade Européia (CE). Com a recente desintegração da União Soviética, a construção de um sistema tributário digno desse nome incluiu a adoção do IVA, já em uso pelo menos na Rússia. O Brasil foi um dos pioneiros na aplicação das teses que em várias partes do mundo mostravam as vantagens do IVA. Adotamos o imposto indireto não cumulativo (o ICM e o IP!) em 1967, antes da maioria dos europeus, e servimos de exemplo para nossos vizinho da América Latina. Itália, Irlanda e outros países europeus passaram a usar o IVA na década de 70, Espanha, Portugal, Grécia, México e Argentina somente nos anos 80.

Enquanto os outros copiavam o Brasil, nós regredíamos. Restabelecemos a incidência em cascata com o PIS/Pasep. Depois, demos outro passo rumo ao atraso: criamos outro tributo em cascata, iníquo, regressivo, anti-social, curiosa- mente denominado Finsocial. A Constituição de 1988 foi a "pá de cal". De bom, extinguiram-se os impostos únicos sobre certos bens e serviços. O mais veio para piorar. Criou-se um imposto municipal sobre a venda de combustíveis (IVV). Os Estados foram autorizados a cobrar um adicional de Imposto de Renda. Perdeu-se a chance de integrar o ISS, o ICM e o IPI em um IVA universal. Não se tentou encontrar alternativas racionais para o PIS/Pasep e o Finsocial. Agora, se passar o malsinado IPMF, a situação piora com mais um imposto em cascata.

A mudança dos critérios de partilha de recursos em favor dos Estados e municípios complicou ainda mais esse quadro. Realizou-se sem a contra partida da transferência de responsabilidades. O governo federal perdeu tributos para os governos subnacionais, que, além" disso, aumentaram muito sua participação na receita do Imposto de Renda (47%) e do IPI (57%). O excesso de vinculações aumentou a rigidez orçamentária. A União quebrou financeiramente. Para fugir às transferências aos Estados e municípios, buscou-se o aumento ou a criação de tributos e contribuições não partilháveis, quase todos em cascata: IOF, Finsocial e contribuição social sobre o lucro. O governo federal passou a depender cada vez mais de pacotes tributários de fim-de-ano, preparados de afogadilho e alterados à última hora pelo Congresso. Resultado: leis malfeitas, mudanças intempestivas das normas, indignação dos contribuintes, criação de ambiente para milhares de ações judiciais contra a União, estímulo à desobediência civil.

Nossos vizinhos latino-americanos evoluíram. Praticamente todos aderiram ao método do valor agregado. A Argentina, além de concentrar esforços na consolidação do IVA, extinguiu o imposto sobre cheques. Na contramão, o Brasil mergulhou numa tremenda confusão tributária, o que tem dado lugar ao surgi- mento de propostas salvadoras como a do Imposto Único sobre Transações Financeiras (IUTF). Há outras, como a dos impostos insonegáveis, que procuram fugir da fragilidade conceitual do IUTF e da falsidade de suas premissas. Qualquer uma delas ampliaria a incidência em cascata. Atentaria contra a federação e a necessidade de descentralização tributária. Apesar disso, tais propostas encantam os empresários. Muitos chegam a financiar o seu proselitismo. No caso do IUTF, organizam carreatas e outras demonstrações públicas para convencer o Congresso da necessidade de sua aprovação.

Na realidade, as idéias em discussão no Congresso fazem muito sentido para as empresas. A arrecadação acontecerá em uma única ou em poucas fontes. Para a maioria esmagadora das empresas desaparece a chateação do pagamento de impostos. Não haverá mais papelada nem despesas com administração tributária. Não será mais preciso ir à Justiça nem corromper fiscais. As vantagens de nível micro são tantas que os aspectos macroeconômicos relevantes são inteiramente ignorados. Desanimados com a inflação, a recessão e a corrupção, os empresários não conseguem refletir serenamente sobre as conseqüências dessas propostas. Não ligam para o fato de que elas piorariam a alocação de recursos e impediriam a desoneração de tributos indiretos nas exportações. A indústria brasileira perderia para os produtos importados, que chegam sem tributos na origem e não seriam aqui tributados (o Imposto de Importação é impróprio para compensar ineficiências oriundas da tributação). O Mercosul seria inviabilizado pela impossibilidade de harmonização tributária, a menos que os nossos parceiros também entrassem em desespero e aderissem a essas propostas (o que parece não ser o caso, já que o Paraguai está adotando o IVA e a Argentina livrou-se do imposto sobre transações financeiras).

As novas propostas conseguem ganhar crescente adesão. Seus autores e simpatizantes estão honestamente convencidos do caminho que defendem. Afirmam que as chances de sua aprovação no Congresso são muito grandes. Mesmo os que aceitam a existência de riscos se declaram convictos de que a corrupção e o subdesenvolvimento cultural impedem a existência entre nós de um sistema tributário moderno. Complexo, esse sistema não fincaria raízes no Brasil. Degeneraria. Assim, é melhor assegurar a arrecadação e livrar as empresas dos inconvenientes do hospício tributário em que vivemos. Segundo esse raciocínio, a simplicidade (ou simplismo?) é preferível, ainda que em prejuízo da racionalidade.

Tudo isso é inaceitável se pensarmos que a ainda frágil democracia brasileira pode inviabilizar-se se não nos reencontrarmos com a estabilidade e o cresci- mento. A estabilidade ficará mais difícil com um sistema tributário ineficiente. Não haverá desenvolvimento sem uma integração adequada com a economia mundial, a qual é inviável com as propostas tributárias em andamento no Congresso. Deve- mos lutar pela eliminação do que existe de impostos em cascata e não para generalizá-los. Um dos líderes da vanguarda tributária em época recente, o Brasil não pode agora ser o pioneiro do retrocesso, utilizando vãs justificativas da era eletrônica. Ao apoiar as propostas salvadoras, os empresários podem estar optando pelo subdesenvolvimento movidos pela atraente mas enganosa solução para suas aflições cotidianas. Querem um caminho que os livre do sofrimento imposto por um Estado desorganizado e falido. Buscam, na verdade, uma morte indolor. Querem uma eutanásia tributária.

 

UM PRECEDENTE  PERIGOSO 

Mailson da Nóbrega 

Folha de S. Paulo, 13/2/93

O IPMF é urna degenerescência do imposto único sobre transações financeiras. O idealizador do imposto único, o norte-americano Edgard Feige, jamais teve sua proposta levada muito a sério, mas acabou contribuindo para uma tremenda confusão no Brasil. Importada em 1989, a idéia conquistou os empresários. A revolta contra o atual hospício tributário não lhes permitiu fazer contas, refletir sobre os defeitos do imposto ou avaliar seus graves riscos. Encantaram-se com a sensação do banimento de livros fiscais, notas, guias, corrupção. Apesar de acostumados a negociar, compraram a proposta sem regatear. Alguns até financiam a sua divulgação e participam de manifestações pró-imposto único. 

Qualquer principiante no estudo macroeconômico da tributação sabe que é urna idéia sem sentido, embora fascinante corno toda utopia. Quando do lançamento no Brasil, o Ministério da Fazenda e os Estados mostraram tratar-se de proposta temerária. E um imposto em cascata, regressivo, ineficiente, inflacionário, ultrapassado, socialmente injusto, antifederativo, vendido aos incautos com a fachada da era eletrônica. Prejudica as exportações, beneficia o produto importado, inviabiliza o Mercosul. Estudo recente indicou que os cálculos sobre arrecadação são infundados e evidenciou a fragilidade técnica e conceitual do imposto. Sem argumentos, os seus defensores espalharam que os contrários à idéia eram burocratas temendo perder o emprego ou pessoas a serviço dos bancos.

Os entusiastas do imposto único não se deram conta de que estavam gerando urna nova idéia para um fisco cuja insaciedade foi multiplicada pelos desacertos da nova Constituição. O governo usou a proposta para criar mais um tributo, com todos os defeitos do imposto único e sem sua única virtude: a fantasia da simplicidade. Pior, o tal IPMF vai quebrar dois princípios essenciais à democracia brasileira: a anterioridade (não cobrar imposto no ano em que instituído) e a imunidade recíproca (uma esfera de governo não pode tributar outra). Mais grave, o IPMF não servirá para reduzir dívida pública ou tapar rombos do orçamento, como imaginava a equipe econômica. Já foi loteado em 38% e o restante deve ser usado para novos gastos. Portanto, é inútil para reduzir as dificuldades do Tesouro neste ano. Pode começar a ser arrecadado apenas no segundo semestre. Considera- das as mudanças de comportamento dos correntistas ou as isenções, deve gerar liquidamente em 1993 cerca de US$ 2 bilhões, ou 0,5% do PIB. Será que vale a pena arranhar instituições democráticas e provocar tamanha confusão por tão pouco? Será que os senadores, representantes dos Estados, já refletiram sobre o fato de estarem abrindo um precedente perigoso contra a federação? Deveriam dizer não ao IPMF, até porque isso não provoca nenhum caos no Tesouro Nacional.

 

O IMPOSTO ÚNICO E SEU IRMÃO BASTARDO, O IPMF

Marcos Cintra 

O Estado de S. Paulo, 14/2/93 

Está para ser consumado um estelionato intelectual contra o Imposto Único: a implantação do Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira (IPMF). 

É mais do que um insulto aos defensores do IUT: é também uma ameaça à sua futura implementação.

O imposto único sobre transações financeiras se afirma a partir de uma relação custobenefício claramente identifica da. Os benefícios são a universalidade tributária, a simplicidade de arrecadação, o fim da corrupção, a eliminação dos custos sociais das atuais obrigações tributárias acessórias e a minimização da injustiça fiscal que tributa desumanamente os que não podem defender-se da fúria arrecadadora do Estado e da sua burocracia.

Como não poderia deixar de ser,ra implementação do IUT exige uma série de salvaguardas para evitar a corrosão de sua base tributária: a sobre taxação dos saques de numerário do sistema bancário; o controle - ou até a proibição - de endossos; alguns controles nas tentativas de criação de sistemas paralelos de compensação de documentos de crédito - atividade, aliás, privativa do sistema bancário; e modificações institucionais profundas na forma de efetuar transações financeiras e de capital.

O saldo, porém, é amplamente favorável ao IUT. 

O mesmo não se pode dizer do IPMF. O novo imposto em nada contribui para reduzir os custos e a burocracia do atual sistema, pois ele é apenas adicionado à estrutura existente. Pelo contrário, trata-se de mais uma preocupação fiscal para os contribuintes, para os bancos e para o governo. Será mais um imposto a ser arrecadado, controlado e fiscalizado. Implicará novos custos para o sistema arrecadatório bancário que, além de todos os controles e rotinas para administrar os vinte e tantos impostos atualmente existentes, ainda terá de lidar com mais um.

Também não contribuirá significativamente para universalizar a obrigação tributária, já que, com a alíquota proposta, o IPMF contribuirá, na melhor das hipóteses, com apenas cerca de 5% da carga tributária brasileira.

A implantação do IPMF não servirá nem mesmo para testar o potencial arrecadador do imposto sobre transações financeiras. Já são inúmeras as pressões para isentar o trabalhador, o aposentado, os depósitos de poupança (e certamente todas as demais transações financeiras caracterizadas por giros elevados e margens reduzidas), os Estados e municípios etc. etc. etc.

Cumpre dizer que todos os pleitos de isenção são justos para um imposto adicional meramente arrecadador como o IPME. Porém, é preciso ter em conta que a cada isenção, a cada caso especial criado, aumentam os custos do imposto e amplia-se a complexidade do sistema. Um tributo criado para ser simples e automático rapidamente se transformará em novos corredores do inescrutável labirinto tributário brasileiro. Será um imposto de cobrança cara, de implementação complexa, de administração burocratizada e convidativa à corrupção. A antítese do IUT.

O mais preocupante, porém, é que, por ser um imposto provisório e de reduzida participação na receita total, não se justificarão adaptações institucionais e operacionais que necessariamente seriam introduzidas se o IUT passasse a viger.

Como um imposto provisório, não se espera que os endossos de cheques sejam controlados ou proibidos, que se criem contas bancárias especiais para servir de base para as operações financeiras, ou que os saques de numerário do sistema bancário sejam desestimulados, providências que, necessariamente, acompanhariam o IUT se ele viesse a ser implantado.

Igualmente desalentador é que o IPMF está sendo utilizado para amortecer a imperiosa urgência de uma verdadeira reforma fiscal no País. O IPMF não contribui para reverter o atual clima de desalento. Os agentes econômicos não o interpretam como uma contribuição concreta no sentido do equacionamento da atual crise fiscal. Ao contrário, vêem nele a continuidade da falta de condições objetivas de buscar um setor público eficiente e ajustado às necessidade do País.

Ainda há tempo para evitar esta infeliz improvisação. E, em seu lugar, que se aprove uma verdadeira reforma tributária, como preconizada pelos defensores do Imposto Único. 

 

A "CASCATA"  DA CASCATA

Flávio Rocha


 

IMPOSTO ÚNICO: INSINUAÇÕES E FATOS 

Marcos Cintra 

O Estado de S. Paulo, 10/3/93

Em recentes artigos publicados na Folha de S. Paulo (7/2/93 e 13/2/93) e no Estado (28/2/93), o ex-ministro Maílson da Nóbrega investe contra o IPMF. Mas o verdadeiro alvo é outro: o Imposto Único que tem possibilidades concretas de ser aprovado na próxima revisão constitucional. 

As críticas apresentadas são monumentos ao despreparo técnico, ao desconhecimento da literatura, ao conservadorismo acadêmico e à deslealdade intelectual. Abordo hoje a infidelidade de algumas interpretações factuais.

Em "Um precedente perigoso" (Folha, 13/2/93) e em "A culpa do IPMF é de um americano" (Estado, 28/2/93) o ex-ministro entra no campo da fofoca, da intriga e da maledicência. Afirma que a proposta do Imposto Único foi "importa- da" dos Estados Unidos em 1989 depois de criada por Edgard Feige. Por pouco não faz acusação de plágio, embora a insinuação seja mais do que evidente.

A primeira vez que escrevi sobre o Imposto Único sobre Transações foi em janeiro de 1990. E o fiz após alguns meses de reflexão, durante os quais não tive conhecimento do trabalho de Feige nem de nenhuma outra proposta semelhante. Alguns dias antes de publicar o artigo "Por uma revolução tributária", que lançou o Imposto Único no Brasil, fui informado pelo professor Carlos Longo de que semanas antes algo semelhante teria sido discutido num congresso realizado na Argentina. Imediatamente Longo se prontificou a tentar localizar em seus pertences o paper de Feige.

Foi tipicamente um caso de trabalho paralelo, sem conhecimento mútuo. Fiz menção a este fato e ao trabalho de Feige no primeiro artigo que escrevi sobre o Imposto Único. Viemos a ter contato e a nos corresponder algum tempo depois.

A idéia da unicidade tributária tem raÍzes seculares e conta com uma ampla, variada e respeitável literatura. Foi primeiramente formalizada pelos fisiocratas, que defendiam um imposto único sobre a propriedade fundiária. Outros defenderam projetos semelhantes, como Henri George no século passado, e Edouard Schiller nos anos 50.

De forma menos radical, Kalder defendeu uma reforma tributária baseada no imposto sobre consumo. Agora mesmo se defende o imposto único no Canadá (vide The Single UIX, Dennis Mills, Hemlock Press, Toronto, 1990). Nos Estados Unidos visa-se também à radical simplificação tributária (vide The Flat Tax, R. Hall e A. Rabushka, Hoover Institution Press, Stanford, 1985), ainda que com características diferentes do IUT.

Por outro lado, o uso da "transação" financeira como base de incidência tributária é recente. Surgiu com a preponderância da moeda escritura sobre a moeda manual e com os efeitos da era da cibernética na informatização bancária. Em fevereiro do ano passado, Ives Gandra da Silva Martins descobriu e divulgou amplamente que a criação de uma taxa sobre transações bancárias havia sido proposta nos Estados Unidos pelo advogado John Newman em 1986, e defendida no Congresso norte-americano pelo senador Kerry e pelo deputado Joe Kennedy em 1991. Impostos sobre transações financeiras, em suas mais variadas formas, têm sido aplicados na Argentina, na Austrália, no Peru e também no Brasil, pois o IOF é um imposto sobre transações realizadas no mercado financeiro.

Porém, a conjugação do imposto único com a transação bancária, cuja paternidade reivindico, surge agora. Esta é a novidade, e veio para ficar. E não se deve a nenhum "americano".

Como se vê, o conceito do imposto único é amplo e vem sendo discutido há séculos. Impostos sobre transações também não são inéditos, embora mais recentes. E o fato de esta conjugação ter pipocado em trabalhos paralelos mostra que a idéia da tributação sobre fluxos financeiros amadureceu. E um indicador da força deste conceito, e não de sua fragilidade, como erroneamente insinua o ex-ministro.

A substituição da moeda manual pela escritural; a brutal evolução da informática e seu impacto no sistema bancário; e a possibilidade de um sistema tributário nãodeclaratório e portanto ágil, barato, universal e imune à corrupção e à evasão são fatos de uma gritante contemporaneidade, e fazem do Imposto Único sobre Transações uma idéia cujo tempo chegou.

Tenho analisado e discutido a proposta da unicidade tributária desde meados da década de 80, e defendi durante alguns anos em discussões no Instituto Tancredo Neves, com Cláudio Lembo, Marco Maciel, Everardo Maciel, Gustavo Krause, Paulo Guedes e Paulo Rabelo de Castro, a implantação de um imposto único sobre consumo, nos moldes da proposta de Kaldor (vide "Uma proposta de política econômica", Conjuntura, FGV, dezembro, 1987; e "A nova economia", mimeo, Senado Federal, 1988).

Esta explicação visa desfazer as maliciosas insinuações do ex-ministro. Carlos Longo, conhecida e respeitada personalidade, está aí e pode confirmar estes fatos.

Apesar da resistência da Febraban e das contínuas críticas de Maílson da Nóbrega, a proposta do Imposto Único está enraizada.

Pesquisa realizada em agosto de 1992 mostrou que 58% dos parlamentares federais eram favoráveis ao IUT. Outra pesquisa em janeiro de 1993,. realizada pela Price Waterhouse de São Paulo, constatou que 46,6% dos empresários entrevistados apontaram o IUT como a fórmula para a simplificação do sistema tributário brasileiro.

, Também impressionante foi o resultado da pesquisa DataFolha divulgada em 14 de fevereiro. Mostra que 64% dos paulistanos apoiariam o Imposto Único. Com certeza se trata de recordista nacional em termos de projetos de reforma tributária, e um dos temas que mais têm galvanizado a opinião pública brasileira.

Acumulam frustrações os que apontam suas baterias contra o IPMF, esperando que, com isso, também estejam combatendo o Imposto Único. Particularmente alentador na pesquisa DataFolha é que 59% dos entrevistados não concordam com a criação do IPMF. Mas, na mesma mostra, 64% desejam o IUT.

Fica claro, portanto, que a população soube diferenciar um do outro. Combate o IPMF, mas aprova o IUT. Vamos a ele na reforma constitucional. 

 

A EXPERIÊNCIA  ARGENTINA E O IPMF

Marcos Cintra

Folha de S. Paulo, 11/4/93

Uma das mais freqüentes críticas à tributação sobre transações financeiras no Brasil se reporta à sua aplicação na Argentina a partir de 1984. 

Nos dias 6 e 7 de abril, um grupo composto pelos deputados Roberto Campos, Luis Roberto Ponte e Flávio Rocha, pelos economistas Daniel Dantas, Pedro Bodin, Luis Zottman e pelo autor esteve na Argentina para encontros com economistas, banqueiros, com o ministro Cavallo e seu secretário de Receita, além de empresários.

O imposto sobre débitos bancários na Argentina teve várias fases. Foi inicialmente um tributo provisório e de baixa arrecadação. Mas se transformou em importante coadjuvante no ajuste fiscal realizado naquela economia, até sua extinção, em julho de 1992.

O ministro Cavallo, que aumentou a alíquota para 1,2%, atribuiu ao imposto papel de fundamental importância no esforço de estabilização. Chegou a arrecadar US$ 1,80 bilhão, ou 1,27% do PIB. Superou todos os demais impostos cobrados na Argentina, exceto o imposto sobre valor agregado (US$ 7,2 bilhões) e o imposto sobre combustíveis (US$ 2,7 bilhões).

Sua extinção deveu-se exclusivamente à sua incompatibilidade com o modelo tributário ortodoxo que se busca aplicar naquele país. 

De fato, o imposto sobre transações não se coaduna com a estrutura tributária tradicional, da mesma forma que também não se coaduna com as intenções do atual governo brasileiro de implantar o IPMF como um apêndice da atual parafernália tributária brasileira.

O grande esforço do governo argentino se concentra na implantação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Com a portentosa fé dos recém-convertidos, avança-se rapidamente na universalização do IVA, ainda que com imensos custos burocráticos e com um clima repressivo que beira o nazismo fiscal.

No Brasil, já trilhamos o mesmo caminho desde meados da década de 60, quando Roberto Campos implantou o IVA pioneiramente em todo o mundo.

Nestes últimos 30 anos, contudo, confirmaram-se amplamente as inconveniências e os elevados custos dos impostos declaratórios. Perdemos a inocência tributária e a fé desvaneceu.

Hoje, voltamo-nos para os impostos automáticos, não-declaratórios, produtos da era da informática, mais justos, mais baratos e mais eficientes, ainda que mais ousados, atrevidos e polêmicos.

No Brasil, um imposto sobre transações encontra justificativa não só como potente tributo de estabilização, mas também como a base de uma nova estrutura tributária, a exemplo do projeto do Imposto Único e da proposta do deputado Luis Roberto Ponte, de impostos não-declaratórios.

A experiência do Imposto sobre Débitos Bancários da Argentina confirma a viabilidade destes novos modelos tributários.

Alegam os críticos do imposto sobre transações que o imposto sobre débitos naquele país teria sido o causador de intensa desintermediação financeira. A elevação das alíquotas aparentemente motivou a perda de transações bancárias e, por conseqüência, o aumento das transações em moeda (austrais ou dólares). Teria havido intensa erosão da base de tributação, além de aumento de custos de transação e perda de competitividade para bancos e para os agentes econômicos em geral.

Desta forma, continuam os críticos, a eliminação daquele tributo em julho do ano passado foi imposição do bom senso e a experiência Argentina não recomendaria sua implantação no Brasil.

Esta correlação, contudo, é espúria, pelas razões que seguem.

Cabe apontar inicialmente que o Brasil possui condições estruturais mais propícias a impostos sobre transações do que a Argentina. Mesmo em sua fase inicial, quando a alíquota era de 0,1 % ou 0,2% e quando, portanto, não houve tentativa de evasão do tributo, estava implícita uma relação transações bancárias/ PIB de 2,5. No Brasil, esta relação é de cerca de 12.

Em outras palavras, utilizam-se os bancos no Brasil com muito mais intensidade do que na Argentina. De fato, o cheque é pouco utilizado naquele país. Cheques não são utilizados pelas pessoas físicas ou pelo comércio. O sistema bancário ainda é pouco informatizado e não existe uma câmara nacional de compensação como no Brasil. Os custos são elevados e os cheques têm pouca credibilidade como meio de pagamento.

Ademais, a defeituosa regulamentação do imposto sobre débitos na Argentina permitiu a corrosão da base de incidência. Apenas os cheques eram tributados, excluindo-se outros tipos de lançamentos bancários, como cobranças (contas de recaudación), transferências em conta, depósitos a prazo e endossos. Havia alíquotas diferenciadas e grande número de isenções e imunidades. Estes desvios foram paulatinamente eliminados, mas a evasão foi intensa durante a maior parte da vigência do imposto, levando a relação transações bancárias/ PIB a cerca de 1,2 em 1991. 

Cumpre dizer que esta queda deveu-se, sobretudo, a fatores independentes do imposto sobre débitos.

Entre 1988 e 1991, a Argentina sofreu enorme instabilidade e dois surtos hiperinflacionários. Neste período, os depósitos bancários à vista rendiam juros fortemente negativos, causando migração de recursos para os depósitos a prazo (não-tributados) e para os mercados informais de aplicações overnight.

Estes últimos funcionavam como bancas de jogo do bicho, na base da estrita confiança. Pessoas físicas ainda convertiam seus rendimentos em austrais para dólares com perdas que chegaram a até 4%, numa clara demonstração da perda de competitividade das aplicações bancárias e de como há margem para o aumento de alíquotas de imposto sobre transações em sistemas bancários confiáveis.

Nestas circunstâncias, não há como atribuir a evasão bancária ao imposto sobre débitos.

A lição que a experiência Argentina nos ensina é tripla. Primeira: há que se produzir uma regulamentação competente. Segunda: o Brasil possui condições estruturais que nos permitem antever grande sucesso com imposto sobre transações bancárias. Terceira: tratase de um imposto ágil, de custo baixíssimo (como reconhecido pelos próprios banqueiros argentinos) e que não suscitou reação contrária da população.

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