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Marcos Cintra

Livro: Imposto Único: Um produto genuinamente brasileiro

Para referências, bibliografia, e demais conteúdos, acesse o livro completo em PDF.


ÉTICA E FORMAÇÃO POLÍTICA LIBERAL

Há que desfazer a confusão, hoje corrente, do papel do liberalismo, em face das mudanças reclamadas pelo País, com vistas a reduzir o tamanho do Estado, bem como a abrangência da função a ser por ele desempenhada.


Nesse quadro, acabar com o equívoco de que o liberalismo atua no sentido de desmantelar e suprimir a ação do Estado e mostrar, pelo contrário, que o pretende forte, capaz de assegurar a igualdade relativa de oportunidades aos indivíduos, bem assim o razoável funcionamento dos mercados, intervindo, sempre que desvios gerados por estruturas imperfeitas ameacem a competição e o interesse social.


Tudo isso, longe do paternalismo e assistencialismo que produziram a crise do liberalismo social ou do Estado de bem-estar social, consubstanciado nos impasses fiscal, político, do desemprego e macroeconômico, este traduzido na estagflação, fruto da política de gastos e concessão de benefícios sociais sem a contrapartida da produtividade, que culminou no descalabro inflacionário e no freio ao crescimento, que desembocou nas dificuldades dos anos 80. No Brasil, aliado aos incentivos e ao protecionismo por tempo ilimitado à indústria nascente e de iniciativas do Estado como empresário, deu margem ao seu agigantamento e ao surgimento dos interesses econômicos, políticos e corporativos, resistentes a toda medida voltada ao restabelecimento da concorrência e à eficiência e racionalidade no emprego dos recursos públicos.


Toda medida hoje tendente a afastar o Estado de suas atividades produtivas de bens e serviços e a orientar suas ações para atividades típicas, como educação, saúde, saneamento, segurança, etc., é taxada de neo-liberal, que tem por objetivo estabelecer o capitalismo selvagem, o predomínio da liberdade sem freio do mercado, sem se preocupar com o combate ao desemprego e à pobreza. Em verdade, o que se pretende com tais resistências é a defesa do empreguismo, dos oligopólios privados, dos monopólios estatais, tecnologicamente atrasados, portanto de baixa produtividade e alto custo social.


O Partido Liberal, dentro de sua tradição de informar seus afiliados, eleitores e simpatizantes, vai, em breve, dar continuidade aos seus cursos de formação política, abordando conceitos relacionados com seus princípios partidários e seus desdobramentos na vida econômica, política e social dos cidadãos.


Os cursos pretendem demonstrar que o liberalismo persegue uma mudança de rota, no sentido de redimensionar o tamanho do Estado e redefinir seu papel, para que se concentre em suas atividades públicas típicas e de agente regulador e fiador da adequada e saudável competição nos mercados. Sem descuidar das políticas complementares, afins com a correção das desigualdades sociais.


Além disso, os cursos de formação política do Partido Liberal vão realçar a importância de observar-se, de modo irrestrito, uma postura ética na política. Procurar-se-á mostrar que o exercício da atividade política deve ser orientado pela probidade, no sentido mais amplo possível. A negociação política, por exemplo, somente comportará a barganha em termos de benefícios públicos, nunca pessoais ou de grupos de interesses a eles estranhos, como no fisiologismo habitualmente praticado hoje em dia, gerador de toda ordem de corrupção, como aquelas comprovadas na manipulação de verbas orçamentárias com fins escusos; na emissão e negociação de títulos públicos; na denunciada compra de votos para a aprovação de projetos desvinculados do interesse público.


Enfim, os cursos de formação política do PL tendo por objetivo a mudança cultural do seu público-alvo. Esclarecer os princípios programáticos do partido e seus objetivos rumo à modernização do papel do Estado. E valorizar a militância política calcada em conduta ética com o escopo último de promover o bem comum.

 

ADMINISTRAÇÃO PRIVADA DE SERVIÇOS SOCIAIS

Atualmente, em todo o mundo, ganha força a convicção de que o governo deve deixar para a iniciativa privada tudo o que ela puder fazer melhor e a mais baixo custo. Daí porque, no sentido mais amplo da idéia de privatização, em que, além desta, cabem, também, a concessão e a parceria, abre-se um campo enorme de possibilidades de maior oferta de serviços públicos, com melhor qualidade.


No caso da administração privada de serviços sociais, a variante mais adequada parece ser a da parceria. Qualquer tipo de associação entre os setores público e privado constitui uma parceria, da qual a manifestação mais comum seria contratar a gestão da prestação de serviços públicos.


Uma variante mais recente de associação entre o setor público e o privado, já consagrada nas relações internas ao setor privado, é a contratação de administração ou da prestação privada de serviços, antes a cargo de uma entidade estatal ou de um segmento de sua estrutura organizacional. Enquadram-se neste caso a administração de hospitais; a manutenção de parques, jardins e equipamentos: a prestação de serviços postais por agências franqueadas; o transporte de pessoal, os serviços de limpeza, o fornecimento de refeições, etc., por terceiros, numa relação que se convencionou denominar de terceirização.


No caso dos serviços sociais, estão em curso, no exterior, experiências interessantes de administração de segmentos inteiros de programas sociais e serviços previdenciários. Por exemplo, conseguir colocação para pessoas beneficiárias do seguro desemprego; verificar se um pedido de beneficio da previdência (aposentadoria, auxílio-doença) é legítimo; processar dados, folhas de pagamento, recolher contribuições, realizar pagamentos de benefícios e fiscalizar a correta destinação dos recursos pagos ao verdadeiro beneficiário, prevenindo a fraude: e, ainda, a gestão de programas sociais, como de capacitação e reciclagem profissional, reabilitação de dependentes de drogas, administração de creches, serviços de saúde, planejamento familiar e outros.


Estima-se que, em alguns casos, o custo desses serviços seja reduzido substancialmente, mesmo com o pagamento da sua prestação terceirizada. Sem falar na agilidade no atendimento, seu caráter personalizado, livre dos embaraços típicos da burocracia pública. Um exemplo atual dessa realidade é a terceirização do serviço de recadastramento e emissão de documento de identidade de estrangeiro, delegado a agentes privados pelo governo:

Esta é a idéia que se coloca para a reflexão da sociedade e dos legisladores, no momento em que se espera que sejam retomados, para valer, os projetos de reformas estruturais no Congresso Nacional, dentre elas a reforma da Previdência.

REAL! TRÊS ANOS: RESTAM EXPECTATIVAS

A estabilização monetária continua a ser o grande feito do Plano Real. Com ela, os agentes econômicos - sociedade, enfim - voltaram a contar com parâmetros de referência para formação de preços de compra e venda em toda a cadeia produtiva de bens e serviços, desde a produção propriamente dita até a distribuição e comercialização, com toda sorte de reflexos positivos na vida das empresas e dos indivíduos, propiciados pelo resgate de viver organizadamente, com horizontes mais amplos de planejamento e regularidade de resultados. A conseqüência mais notada nesse quadro, no dia-a-dia, é a proteção da renda e do poder de compra nos extratos inferiores de renda familiar.


Entretanto, o Real vem se sustentando em bases frágeis, com problemas pendentes a alimentar angustiantes expectativas. A mais destacada e criticada é a âncora cambial, traduzida na manutenção de alto nível de reservas e na sobrevalorização do real, como forma de baratear as importações, expondo a economia à competição externa, e assegurar a estabilidade de preços. O Plano assenta-se no setor externo, historicamente o mais vulnerável da economia brasileira, temperado por suas próprias deficiências estruturais. Nesse quadro, deve ser entendido o choque da crise mexicana, com ameaça de fugas de capitais, o aumento brutal das taxas de juros internas, o déficit na conta de comércio e em transações correntes, o persistente déficit público, a crise bancária, os endividamentos interno e externo crescentes e de alto custo, tudo compondo o rol de problemas que pontuam a trajetória de risco da economia, sem solução imediata à vista.


As altas taxas de juros têm possibilitado a manutenção do nível de reservas em tomo de US$ 60 bilhões; o fluxo de capitais externos, provenientes de investimentos diretos, para a implantação de novas empresas ou compra de ativos privados e públicos privatizados, e de captações no mercado internacional, tem permitido financiar o déficit em transações correntes, projetado em algo como US$ 35 bilhões para este ano. O déficit comercial, estimado em cerca de US$ 12 bilhões, resiste, devido à estagnação das exportações e inflexibilidade das importações.


A propósito do fraco desempenho no comércio exterior, consta que ele se deve à desatualização, à falta de agressividade do país nessa área, bem como à defasagem tecnológica, impedidora de alterações no perfil das vendas externas, com maior participação de produtos de alta densidade econômica, capaz de contrabalançar a presença de produtos primários e manufaturados tradicionais na pauta das exportações. A presença marcante do item bens de capital nas importações tem levado o governo a apontar para uma grande reestruturação do setor industrial, que deverá rever- ter em produção competitiva para o mercado externo e, por- tanto, alterar o comportamento das exportações.


A realidade, todavia, é que o governo tem atuado com grande lentidão em traçar uma estratégia de recuperação da capacidade de exportar, traduzida na definição de uma política industrial consistente, e em assegurar mecanismos de financiamento de investimentos, da produção e das exportações em condições de custo e prazos compatíveis com as vigentes em nível internacional, de que usufrui a concorrência. As medidas recentes, nesse sentido, ainda não estão sendo praticadas, apesar de reiteradamente anunciadas. Resta saber se, alcançada a citada reestruturação, a produção será, qualitativa e quantitativamente, de ordem tal que permita pagar o passivo externo acumulado.


Internamente, o fracasso no combate aos déficits públicos federal, estaduais e municipais já coloca o endividamento interno em tomo de R$ 240 bilhões. Os modestos investimentos governamentais na recomposição da infra-estrutura econômico-social vêm sendo sustentados por financiamentos de organismos internacionais, aumentando o endividamento externo, já na casa dos US$ 170 bilhões.


Apesar dos benefícios da estabilização, o país acumula um violento passivo social, em termos de concentração de renda, deficiências na área da saúde, habitação, segurança, educação e emprego. Aliás, em que pesem as medidas corretoras em curso e as recentemente anunciadas no âmbito da educação, com frutos esperados para o médio e longo prazo, as deficiências e descompassos acumulados são condicionadores do nível de emprego nos setores industriais e de serviços, tecnologicamente mais avançados.


Como se vê, há sérios impasses de ordem econômica, política e social a bloquear o caminho de novas conquistas do Plano Real. Permanecem angustiantes expectativas. Entre elas, ter a sorte - esperada pelo próprio presidente da República - de continuidade da liquidez internacional para financiar o passivo já acumulado, até que se reverta a situação atual. Amém.

CRISE DO ENSINO CONDICIONA EMPREGO

A explicação para a dificuldade de colocação de recém-formados no mercado de trabalho deve ser buscada no amplo panorama formado pela crise que assola o ensino no Brasil, pelos novos padrões de qualificação exigidos pela revolução tecnológica na informática, nas comunicações e nos transportes, assim como pelo seu impacto na produção de bens e serviços para uma economia internacional que sofre as tensões da globalização.


Apesar de as decisões que a determinaram terem sido tomadas no final da década de 60, a deterioração do ensino no Brasil foi iniciada na primeira metade dos anos 70. A partir daí, a escola pública entrou em declínio e foi deslocada pela particular. Com as exceções habituais, encontram-se, ainda, escolas excelentes, tanto numa como noutra. Entretanto, a perda drástica da qualidade de educação e o sucateamento da rede pública de ensino é a regra.


Qualquer que seja o ângulo pelo qual se examine a educação no País, constata-se que, há muito, ela deixou de ser prioridade governamental. A situação é estarrecedora. Da baixa remuneração e reciclagem dos professores ao estado físico das escolas, suas instalações, equipamentos e serviços de manutenção; e destes à falta de recursos materiais mínimos, como material didático, giz, papel. A tudo isso soma-se a falha estratégica de contemplar o ensino superior em detrimento do ensino fundamental na distribuição das decrescentes consignações orçamentárias.


Nesse quadro de abandono e escassez de recursos materiais e humanos, como podem ser estabelecidos currículos e carga horária e adquirido material didático com- patível com a formação de profissionais de nível médio e superior em linha com os novos padrões de qualificação demandados pelos novos tempos? Embora não se vislumbre solução aquém do médio e longo prazo, em face da drástica guinada a ser dada ao rumo do ensino, o fato é que o Brasil não pode continuar ignorando o exemplo de países que investiram pesadamente em educação, como os dos tigres asiáticos, liderados pelo Japão.


A rapidez com que a informática foi difundida e adotada em todo tipo de atividade requer uma mudança no perfil e na composição da mão-de-obra. Agora, a vaga no mercado de trabalho vai depender da escolaridade, da qualificação, da especialização, da reciclagem constante - da qualidade, enfim - dos recursos humanos. Nesse cenário, as indústrias tradicionais são deslocadas por uma diversificada combinação de atividades de alta tecnologia, tanto na produção de bens como na produção de serviços nas áreas das finanças, da medicina, da cultura, do comércio, dos negócios internos e internacionais.


A velocidade da comunicação da informação, através da teleinformática e das "infoways", praticamente eliminou as fronteiras nacionais. As empresas vêm informatizando suas linhas de produção em ritmo crescente, obtendo níveis de produção e produtividade impressionantes e perseguindo, ao limite, a redução de custos. Impondo padrões técnicos e de produção, asseguram-se de fontes diversificadas de suprimento de matéria-prima, insumos e componentes finais de alta qualidade e transferem-se para países onde a mão-de-obra seja a mais barata possível. Além disso, dispõem de meios de transporte integrados, capazes de levar, em prazos exíguos e em larga escala, sua produção para os mais diferentes mercados em todo o mundo.


Nesse processo, buscam a regularidade de resultados num mercado global. Exibem altas taxas de crescimento, mas não geram empregos na mesma proporção. Em muitos casos, promovem sua destruição, notadamente no segmento produtivo. Organizada a produção capital intensiva e poupadora de mão-de-obra de baixa qualificação, sua preocupação, agora, está centrada em novos projetos, na guerra do marketing e na racionalidade do gerenciamento. Inclusive de entrepostos de armazenagem e distribuição de mercadorias, que têm como objetivo último a total satisfação do consumidor.


É exatamente aí que estão os melhores empregos. Todos eles requerem dos candidatos a ocupá-los, além de sólida formação acadêmica, permanente atualização e o domínio de sofisticados equipamentos e programas de informática, sobre os quais repousa toda a organização empresarial.


Percebe-se que, nesse cenário, a disputa por uma vaga no mercado de trabalho tende a tornar-se cada vez mais acirrada. Quem não estiver preparado para nele atuar, corre o risco de integrar as fileiras de vítimas do chamado desemprego estrutural - indivíduos que não se enquadram nas condições de trabalho impostas pelo novo padrão tecnológico que está percorrendo todo tipo de atividade.


A crise vivida pela educação brasileira, hoje, é de solução demorada. Até lá, é-lhe impossível formar quadros afins com os novos tempos. Muito provavelmente, os contingentes de formandos despejados pelas escolas, todos os anos, continuarão sendo, rigorosamente e como sempre, selecionados por um exigente mercado de trabalho. Os candidatos que a ele não se ajustarem vão, por certo, militar no setor serviços de baixa produtividade, justamente o que mais tem se expandido em todo o mundo, nessa nova era de desenvolvimento da humanidade.


Esse panorama de mudanças estruturais profundas, aqui agravado por uma política econômica de ajuste de base recessiva, pode ser a fonte das dificuldades de acesso dos recém-formados ao mercado de trabalho.

 

CÂMBIO E REELEIÇÃO

O Plano Real teve enorme sucesso. Derrubou a inflação, melhorou o poder aquisitivo dos pobres, redistribuiu renda e causou surtos de crescimento da produção e do emprego. Efeitos positivos que elegeram FHC e deram-lhe popularidade.


Mas hoje o cenário econômico se acomoda, presentes os embaraços da estabilização - desemprego, produção oscilante ou estagnada, juros altos, câmbio defasado, exportações lentas, importações crescentes (no lugar da produção nacional), déficits comerciais elevados e baixa taxa de poupança e investimento.


A questão é saber se as políticas econômicas estão corretas, se são capazes de manter a estabilização e garantir crescimento mínimo, com expansão do emprego. É o que exige a economia brasileira para driblar os danos da desigualdade e evitar graves conflitos sociais.


No centro do debate, a política que faz do câmbio a âncora da estabilização. Abriu-se a economia, reduziram-se as barreiras comerciais, vieram as importações. Criou-se, assim, forte restrição ao retorno da inflação, principalmente para os "tradeables", produtos transacionados nos mercados internacionais. Os serviços e outros "non-tradeables" têm proteção natural contra as importações. Neles, a inflação residual persiste. Portanto, a política comercial inibe a alta de preços e atrela a inflação brasileira à internacional.


Argentina e México são os casos mais interessantes de uso da política cambial no controle da inflação. Na Argentina, o câmbio é fixo, congelado por lei. Ali, os movimentos de reservas internacionais causam rápidos ajustes na oferta interna de moeda. A paridade fIXa trouxe déficits ao balanço de pagamentos, perda de reservas, redução do meio circulante e períodos de deflação. O custo desta camisa-de-força é recessão e desemprego. No México, após a crise de 1995, o câmbio flutuou para evitar o estrangulamento externo. O resultado foi alta da inflação e política recessiva.


O Brasil adotou uma política intermediária, de câmbio deslizante, em grau julgado insuficiente e, por isso, fortemente valorizado. Cabe indagar o que aqui poderá acontecer e quais as conseqüências políticas do cenário econômico resultante.


Depreciar o câmbio é estratégia de alto risco, descartada pelo governo. O ajuste fiscal não foi feito, o déficit público está fora de controle. Um quadro em que uma desvalorização cambial atingiria os preços, por conta da cultura da indexação. Seus efeitos positivos no balanço comercial seriam logo corroídos pelo aumento da inflação. Ao governo, restaria" aceitar a espiral inflacionária ou tentar evitá-la com tranco recessivo, para coibir o setor privado e controlar a demanda agregada.


A saída é deixar o câmbio flutuar, em limites estritos, e buscar ganhos de produtividade, com as reformas estruturais e as privatizações. Este parece ser o único modo de romper o impasse.


Mas o governo é fraco. Permite que nacionalistas cinqüentistas reajam com críticas às privatizações e perde o poder de conduzir as reformas. Curioso é que se tenta passar a idéia de que FHC não teve tempo de fazê-las todas e precisa de mais um mandato para concluí-las. A fraqueza vira trunfo político para aprovar a reeleição com mistificação. Se não conduziu o processo em dois anos, por certo não o fará em segundo mandato. Porque, para alcançar a reeleição, terá de transigir em troca da adesão de grupos não retrógrados (vide, a propósito, a barganha proposta por Sarney para aprovar a reeleição).


Outra saída seria o governo, num arroubo demagógico, desvalorizar o câmbio, em momento escolhido, prévio às eleições, para usufruir seus efeitos positivos imediatos, antes que aflorem os negativos. Creio, porém, que todos a descartarão. Como disse Gustavo Franco, essa é a saída "velha" para crises no balanço de pagamentos. Sem as mudanças estruturais, apenas atenuaria a crise, sem tocar suas causas.


Resta, ainda, deixar tudo como está para ver como fica. Opção que não vai empolgar a opinião pública e, sim, desgastar mais o governo. As reformas não sairão e o quadro econômico ficará indefinido - em cima do muro, como é próprio dos tucanos. A estagnação econômica vai minar a credibilidade de FHC, acentuar os conflitos distributivos e gerar tensões sociais. Neste cenário, com ou sem reeleição, os tucanos estarão em maus lençóis.

 

BRASIL TRIBUTA EM EXCESSO

Impostos escorchantes têm sido comuns ao longo da história. Governos tendem a apelar para os tributos toda vez que precisam de recursos. Iniciam, assim, um círculo vi- cioso na medida em que mais impostos induzem maior sonegação. É este o caso brasileiro.


O Governo Federal criou a CPMF e agora busca torná-la permanente. Mesmo governos estaduais, como é o caso do de São Paulo, buscam novos tributos sobre patrimônio, contribuições de melhoria e taxas antes inexistentes.


Apesar da péssima qualidade e da escassa disponibilidade de serviços públicos, o peso dos impostos no Brasil já se aproxima do de países mais avançados, como os Estados Unidos e Japão. Nos últimos anos superou 30% do PIB e ameaça chegar a 33% em 1997, um recorde histórico.


O resultado inevitável é a perda de competitividade, o estímulo à sonegação e o desaquecimento da produção. Com a globalização da economia mundial e a crescente mobilidade do capital é fácil verificar que a trajetória brasileira aponta para o desastre.


As previsões mais pessimistas começam a despontar como verdadeiras. A evasão fiscal, a sonegação e a economia informal explodem em todo o País. A própria Receita Federal admite que cada real arrecadado pelo setor público tem igual contrapartida sonegada. Isto implica dizer que a carga tributária teórica na economia brasileira seria de mais de 60% do PIB. Ou seja, se não houvesse qualquer forma de sonegação, a carga tributária brasileira seria superior a 60% do PIB!


Não surpreende que a evasão de impostos esteja aumentando. Não por perversão do contribuinte brasileiro, mas por puro espírito de defesa.


A economia informal se expande. Aumenta o número de ambulantes, das empresas de fundo de quintal, das vendas sem nota. E diminui a proporção dos trabalhadores com carteira assinada. Dos 35 milhões de assalariados no País, menos de 20 milhões são registrados. Como os serviços do INSS são universais, isto implica admitir que quase metade dos assalariados usufruem de serviços públicos sem que eles, ou seus empregadores, arquem com os custos dos serviços prestados.


Este fenômeno é mundial. Nos países desenvolvidos, a taxa de crescimento da economia informal cresceu três vezes mais rapidamente que a economia formal. Não surpreende que o contribuinte esteja desaparecendo por entre os dedos das autoridades econômicas.


Além da excessiva regulamentação, burocracia e altos custos das obrigações acessórias trabalhistas, fatores tecnológicos ligados à economia moderna, como a expansão do setor terciário, o auto-emprego, a crescente mobilidade do capital, dos produtos e do trabalho com a globalização mundial, estão se transformando em verdadeiros pesadelos para os arrecadadores de impostos. As tentativas de recuperar a arrecadação dos impostos tradicionais resultarão em dois fatos: a ditadura e opressão da burocracia sobre a economia formal, e a expansão explosiva da economia informal. Quem pagar impostos pagará demais, ao passo que, em escala crescente, outros pagarão cada vez menos, ou até nada.


Por estas e muitas outras razões é que a proposta do Imposto Único surge como uma alternativa para recuperar a base de tributação no Brasil.

 

FRAUDE E IMPUNIDADE

Há um conjunto de episódios a desafiar a compreensão do cidadão comum, lutando para sobreviver com dignidade dentro dos estreitos limites impostos por uma perversa estrutura de distribuição de renda. Pois, enquanto esse cidadão sofre a deficiência dos serviços básicos (saúde, educação, segurança, habitação, etc.), esses acontecimentos acabam por se constituir em drenos insaciáveis de recursos que, de outro modo, poderiam assegurar o provimento desses serviços. No setor privado, falcatruas consomem montanhas de recursos, que acabam cobertos pelo governo. Os casos de corrupção são denunciados e investigados; porém, sem desfecho visível.


Vem de longe a questão dos desvios e perdas do FGTS, administrado pela CEF; mais reentemente, apareceu a crise dos bancos; depois se lidou com a dívida dos agropecuaristas, contraída com o Banco do Brasil, afinal securitizada com prazos de até dez anos para pagamento e taxas favorecidas. Mesmo depois da CPI do Orçamento, caso de corrupção semelhante ao que a originou repetiu-se no Congresso Nacional.


Planos de saúde aumentam o valor de suas mensalidades e ao mesmo tempo restringem a cobertura dos segurados, desviam recursos de suas finalidades, sonegam impostos, ao tempo em que projeto em trâmite no legislativo consagra suas distorções. Construtora de habitação, segundo consta, numa escalada de desvario financeiro, lesa milhares de clientes, desvia recursos, faz remessa ilegal de divisas, apropria-se de impostos e contribuições sociais descontados de seus empregados e ainda tenta socorro do governo.


Em todos esses casos, o mercado vinha apontando de longa data as suspeitas de irregularidades, os desvios praticados pelas entidades envolvidas. No caso dos bancos, os problemas vieram à tona nos anos 80; os abusos dos planos de saúde sempre foram freqüentes, sem que os usuários tenham qualquer respaldo; os sintomas de descontrole financeiro da construtora apareceram no início destes anos 90.


O que parece incrível é que nenhum órgão oficial, no caso dos bancos, dos planos de saúde e da construtora, se manifestou, preventiva ou corretivamente, senão depois de consumados, de forma irreversível, os prejuízos sociais. A "solução de mercado" preconizada para os bancos consumiu até agora cerca de R$ 20 bilhões do Proer, conforme dados mais recentes divulgados. Resta esperar que, no caso do plano de saúde e da construtora, o eufemismo seja deixado de lado e a solução seja, efetivamente, de mercado, sem o concurso de recursos públicos.


Ironicamente, não se tem notícia de nenhuma punição exemplar. Mas, cessada a repercussão dos escândalos, os personagens envolvidos voltam a aparecer na mídia, para confirmar que vão bem, obrigados, gozando o elevado padrão de vida de sempre, vivendo em suas mansões suntuosas, rodando em carros importados de luxo, viajando regularmente para suas temporadas de ócio no exterior.


Assim, de fato, fica impossível ao cidadão comum compreender a desigualdade de tratamento entre quem procura honrar seus compromissos e os aventureiros de todo tipo que, além de permanecer impunes costumeiramente, ainda têm socorro do governo, no velho, manjado e descarado costume de privatizar lucros e socializar prejuízos, enquanto a provisão adequada de serviços públicos básicos vai sendo empurrada para horizonte sempre distante.


A impunidade incentiva a fraude.

 

DEITADO EM BERÇO ESPLÊNDIDO

Há uma unanimidade entre os analistas econômicos de que o Brasil possui um potencial de desenvolvimento econômico fabuloso. A própria posição geográfica de nosso país constitui-se uma verdadeira dádiva. Temos um mercado consumidor de 160 milhões de pessoas; quantitativamente não nos falta mão-de-obra; nossa estrutura produtiva é altamente diversificada; não convivemos com conflitos de ordem étnica e - tampouco - religiosa; contamos com abundância de recursos naturais, etc. Entretanto, temos barreiras a superar. Insuficiência de poupança interna, absurda concentração de renda, grande contingente de mão-de-obra desqualificada - um dos maiores entraves ao nosso desenvolvimento - e carência de investimentos em pesquisa e tecnologia alinham- se entre os fatores de nossa evolução sócio-econômica.


A nova ordem econômica mundial exige de nossa sociedade ações rápidas e eficazes que levem, efetivamente, nosso país a uma posição de destaque no novo cenário.


Diferentemente do que ocorreu no passado, o carro-chefe de nosso crescimento econômico será a iniciativa privada. O setor público, historicamente o eixo dinâmico de nosso processo de desenvolvimento econômico, assume ago- ra um novo papel na nova conjuntura. Fato que a própria esquerda brasileira, enfIm, aos poucos, vai assimilando.


Há um ditado que diz: o navio mais lento é que limita o movimento do comboio. Pois bem, o navio lento da economia brasileira é o Estado. Ou seja, a reforma do poder público brasileiro apresenta-se como o fator diferencial para a inserção de nosso país na rota da prosperidade.

O Brasil superou o principal obstáculo ao seu desenvolvimento auto-sustentado, que era a inflação. Contudo, os efeitos positivos da estabilidade já não são suficientes para manter a economia em expansão. São necessários novos focos de dinamismo.


A transição entre o presente e o futuro promissor requer o equacionamento de inúmeros problemas.


Sondagens recentes junto ao empresariado apontam que estes estão otimistas a médio prazo, mas não escondem preocupações com o atual quadro econômico nacional. O dilema que se apresenta é como não morrer antes que os frutos possam ser colhidos. Fatores limitantes do crescimento econômico, da geração de novos e melhores postos de trabalho, da competitividade da produção nacional e da expansão de nossas exportações precisam ser rapidamente eliminados. Destacam-se, entre eles, a carga tributária elevada, encargos sociais excessivos, custos financeiros proibitivos, câmbio inadequado, contas públicas deficitárias, infra-estrutura econômica precária e o baixo nível de escolaridade dos trabalhadores.


Neste contexto, o setor privado vem se ajustando como pode. Muitos sucumbem neste processo. O poder público, por sua vez, não faz sua parte. As reformas administrativa e da Previdência empacaram no Congresso. A reforma tributária foi alvo de declarações infelizes por parte de membros do governo, que disseram que esta não é prioridade. Pressionados por vários movimentos na imprensa e por entidades de classe, o governo anunciou uma proposta que, na verdade, serve apenas para uma perfeita encenação para a sociedade. Vale dizer que a mesma não inova em termos de adequação ao sistema.


Enfim, o governo insiste em não sintonizar as demandas da maioria da sociedade. Continuando assim, o Brasil será, eternamente, apenas o país do futuro, deitado em berço esplêndido, em que a prosperidade econômica com justiça. social fará parte apenas dos discursos de políticos oportunistas e demagogos, sem compromissos com a nação e seu povo.

 

SOS - EMPRESAS

Empresários de diferentes setores vêm arcando com um custo altíssimo no atual processo de reestruturação da economia brasileira intensificado nos anos 90. Estes, que já sofreram na segunda metade dos anos 80 com a transformação do País em laboratório de experiências para economistas aventureiros e encantados pelo poder, convivem desde o início desta década com o fantasma da falência.


Dados do Instituto de Economia Gastão Vidigal, da ACSF: mostram que até 1990 ocorria no Estado de São Paulo uma média mensal de 53 falências, enquanto que no período de 1991 até 1996 esse número saltou para 125, ou seja, um aumento de 136%. Até setembro deste ano foi registrada uma média mensal de 281 falências, um recorde no Estado.


A derrubada das barreiras alfandegárias, muitas vezes ocorrida de modo abrupto e desprovida de análises mais acuradas, e o fim da selvageria inflacionária a partir do segundo semestre de 1994 expuseram a ineficiência econômica de muitas empresas. O fato de o País viver até o início dos anos 90 com uma economia extremamente protegida contra a concorrência externa e os altos níveis de inflação mascararam todo o sistema econômico nacional. Naquela conjuntura, toda e qualquer ineficiência era descarregada nos preços pagos pelos consumidores.


Outro elemento decisivo para a morte de empresas tem sido a política de juros altos. A taxa real de juros no Brasil é a mais alta do mundo, principalmente agora, com a elevação promovida pelos técnicos do governo para que o País pudesse se defender da crise que abalou, e continua abalando, o mercado asiático. Tudo isto porque o governo não tem interesse em promover uma reforma tributária, já que, do jeito que está, é benéfico para ele, pouco importando os custos que isso gera para toda a sociedade brasileira. Assim, os juros mantêm-se elevados como forma de atrair recursos financeiros para tapar os buracos das contas públicas.


O Brasil precisa de uma enorme empreitada que reúna governo, empresários e trabalhadores. É fundamental que as associações empresariais e de trabalhadores se mobilizem mais intensamente no sentido de pressionar o governo a promover uma reforma tributária séria, que dê margem para a redução dos juros, e que a educação formal e o treinamento para o trabalho se tornem prioridade número 1 no Brasil. Por outro lado, cabe ao empresariado assimilar a idéia de que a racionalização dos custos deve ser uma obsessão dentro da empresa.


Enfim, todos precisam entender que, na atual conjuntura, uma estrutura de custos eficientemente administrada, juros civilizados e trabalhador bem treinado são, de um modo geral, as chaves para a prosperidade.

 

DINHEIRO DESNECESSÁRIO

A revolução da informática começa a alterar em profundidade as formas como as trocas se realizam nas economias contemporâneas. O dinheiro de papel será substituído pelas mais variadas formas de moeda escritural, dentre elas o cheque, o dinheiro de plástico, os "smart cards" e a moeda eletrônica. Em breve as economias modernas serão totalmente desmonetizadas. A desconfortável moeda manual irá desaparecer por completo.


A mais dramática experiência vem da Bélgica, onde mais de um milhão de belgas podem fazer suas transações, mesmo de baixo valor, simplesmente inserindo seus cartões eletrônicos nas leitoras instaladas em lojas, jornaleiros, táxis, etc. Ao final do dia, os comerciantes fazem o "download" de suas leitoras nos computadores do sistema bancário e instantaneamente suas contas bancárias são creditadas no valor correspondente, evitando-se assim os elevados custos, e também os riscos, das transações em dinheiro. A generalização desse sistema em todo o mundo é apenas uma questão de tempo.


O desaparecimento da moeda manual já vem ocorrendo no Brasil há anos. Estimulada pela corrosão inflacionária crônica do valor da moeda manual nas três décadas passadas, a sociedade brasileira respondeu de forma eficiente. Substituiu o dinheiro de papel pelo cheque. O Brasil se antecipou a uma tendência mundial, operando com taxas de 3% de monetização (papel-moeda em poder do público) em relação ao PIB, certamente a mais baixa do mundo entre as economias ocidentais.


Vale acrescentar que, na Bélgica, os estabelecimentos comerciais pagam 0,7% do valor da transação eletrônica para utilização do sistema, além das taxas fixas cobradas dos consumidores. Isto faz com que os críticos do Imposto Único, que alegam que a alíquota de I % sobre as transações causará a desintermediação bancária, a remonetização da economia, e até mesmo a volta ao pré-histórico escambo, tornem-se argumentos no mínimo risíveis.


Para rememorar, o Imposto Único é proposta de re- forma tributária que elimina todos os impostos arrecadatórios (IR, ICMS, IPI, IOF; ISS, contribuições ao INSS, Cofins, entre outros) e institui, em seu lugar, um único tributo de I % cobra- do em cada lançamento nas contas bancárias. A viabilidade dessa proposta exige um sistema bancário avançado e uma economia adaptada ao uso da moeda escritural em lugar do papel-moeda. No Brasil, ambas as condições acham-se atendidas.


É interessante observar que a crescente aceitação de tributos sobre movimentação financeira, como a CPMF; encontra embasamento não apenas em sua contemporaneidade tecnológica - refletida no seu baixo custo, sua simplicidade, sua universalidade (é insonegável) , e em sua eficiência - mas também começa a encontrar justificativa na inevitável globalização mundial.


Em suma, criam-se condições crescentemente favoráveis para que a proposta do Imposto Único seja discutida com seriedade pelo Governo como uma alternativa viável para a inadiável, porém sempre adiada, reforma tributária no Brasil. Deve-se aproveitar o fato de que, ainda que por razões erradas (a inflação crônica), o Brasil já chegou ao destino certo (transacionar sem dinheiro vivo).


O exemplo mais evidente desta mudança pode ser observado na eficiência e robustez dos impostos sobre transações financeiras, como a CPMF A aceitação desta hodierna técnica de tributação cresce apoiada nos resultados altamente satisfatórios que vêm sendo obtidos. Setores de todas as tendências ideológicas têm apontado a modernidade operacional da CPMF; a exemplo de Roberto Campos, Maria da Conceição Tavares e Roberto Freire. Infelizmente, o mesmo não se pode dizer dos princípios e objetivos que nortearam a adoção desses tributos, já que foram diretamente justificados pela sanha arrecadatória com que o Governo vem avançando sobre os contribuintes brasileiros.


Estamos preparados para o Imposto Único.

 

 

RISCOS DA GLOBALIZAÇÃO

A edição brasileira de “Foreign Affairs”, da Gazeta Mercantil, publicou recentemente matéria intitulada “A economia global e o Estado nacional", de autoria de Peter Drucker, que serve à reflexão de toda a sociedade brasileira. Sobretudo agora, com os abalos que vem sofrendo a economia mundial, em que a crise das bolsas constitui-se num sinalizador de que as coisas não vão bem.


Em resumo, o artigo de Drucker diz que a economia global obriga os governos a mais prudência nas questões monetária e fiscal, num quadro em que as taxas de câmbio flutuantes trouxeram grande instabilidade às moedas e fizeram surgir massa brutal de dinheiro anônimo, mais virtual do que real, que atua na economia global e nos seus mercados financeiros. Sem vínculo econômico, com mobilidade total. Trata, ainda, das empresas multinacionais que se tornam transnacionais. Segundo Drucker, para as transnacionais só existe uma unidade econômica, o mundo, para o qual planejam, pesquisam, produzem e vendem o produto completo, cujos componentes são fabricados em diversos países, numa integração mundial de custos de produção reduzidos, das quais as montadoras de automóveis são um exemplo típico.


No cenário globalizado, a ação das empresas transnacionais constitui grande desafio para a economia brasileira, na avaliação, escolha e dimensionamento de investimentos, para se evitar frustrações. No setor automobilístico, por exemplo, anunciam-se vultosos investimentos. O apelo seria o tamanho do mercado. Mas o conjunto renúncia fiscal, doação de terrenos e oferta de infra-estrutura são apelos de significativo peso, pois a estrutura de distribuição de renda não efetivará a demanda potencial em horizonte visível.


O mercado externo para as montadoras é uma incógnita. O uso da capacidade instalada mundial está em torno de 70%, pois os mercados não absorvem a produção potencial. No Brasil, fechamento de revendas e promoções freqüentes são sintomáticos.


Em termos macroeconômicos, os efeitos, para trás e para a frente, da instalação e operação de uma montadora não podem ser ignorados. Atingem a balança comercial e criam expectativas regionais, cuja frustração pode ser dolorosa. O caso de uma montadora no Estado do Rio de Janeiro é ilustrativo. Falou-se em investimentos de US$ 270 milhões, mas os investimentos efetivos estariam em US$ 100 milhões. O número de empregos está aquém do anunciado.


Investimentos a qualquer preço têm seu custo. Re- núncia fiscal, agravamento das contas internas e externas, expectativas malogradas são apenas alguns exemplos de seus efeitos maléficos sobre a sociedade.


O seguro maior reside em políticas monetárias e fiscais austeras, num orçamento equilibrado, na independência de capitais voláteis de curto prazo para cobrir déficits e na cuidadosa seleção dos investimentos diretos, que podem ser tão perigosos como o dinheiro virtual. Este parece ser o caminho mais adequado para a sobrevivência do Estado-nação chamado Brasil.

 

CORRUPÇÃO E IMPOSTO UNICO

A gritaria provocada por alguns nacionalóides de plantão, quando da divulgação de um documento oficioso norte-americano, segundo o qual a corrupção no Brasil é endêmica, deve ser classificada, no mínimo, como hipocrisia.


A corrupção sempre foi praticada por indivíduos, ou grupos de pessoas, que atuam em funções públicas, Sindicâncias, comissões de inquérito, tribunais de contas, etc., são mecanismos usuais de proteção contra atos lesivos provocados por quadrilhas, ou indivíduos, contra a administração pública. Em suma, a sociedade sempre se organizou de alguma forma para punir os meliantes que agem no sentido de promover benesses particulares em detrimento da coisa pública.


Mas, nos últimos tempos, a situação vem mudando de característica. A corrupção está se institucionalizando em nossa sociedade. Formular políticas públicas exige a necessidade de se contornar um problema que se tornou endêmico.


O combate a esta chaga social em nosso país exige ações sistêmicas de amplo espectro.


O sistema tributário brasileiro representa um exemplo fiel de como as ações corruptas impregnaram toda a máquina governamental responsável pelas finanças públicas. Neste campo complexo e burocrático, a corrupção encontra ambiente fértil para proliferação.


Temos um sistema baseado em impostos declaratórios que proporcionam uma grande margem à sonegação e à evasão de recursos, fatos estes que penalizam uma grande massa de trabalhadores e empresas formais que não têm como fugir do perverso e injusto sistema de arrecadação de nosso país. Ou seja, a atual estrutura tributária brasileira obriga segmentos da sociedade a arcar com uma pequena carga de impostos como forma compensatória àqueles que nada pagam. Além disso, o sistema conta com uma máquina fiscalizadora, cuja manutenção é extremamente cara e corrompida.


Se, de um lado, a estrutura arrecadatória se apresenta viciada, no tocante aos gastos a situação não é diferente. O escândalo dos anões do orçamento expôs a ponta do iceberg. As disputas por verbas orçamentárias pra- ticadas pelos políticos para "beneficiar" seus feudos eleitorais e as "ligações perigosas" entre estes e os administradores do dinheiro público proporcionam ares nada saudáveis.


Simplicidade, equanimidade, automaticidade, menos burocracia e transparência. Estes são princípios básicos para consecução de um novo sistema tributário nacional.


A proposta do Imposto Único, que venho debatendo na imprensa e em palestras por todo país desde 1990, contém todas estas características. Apresenta-se à sociedade como um sistema eficaz no combate à sonegação, à fiscalização corrupta e à nebulosidade da distribuição dos recursos públicos. É de baixo custo e garante uma arrecadação robusta.


Algumas experiências derivadas da proposta do Imposto Único, como o IPMF e a CPMF; comprovam a eficiência de uma estrutura tributária baseada na movimentação financeira. Políticos e economistas de diferentes vertentes ideológicas, como Maria da Conceição Tavares, Roberto Campos e Roberto Freire, defendem este sistema e classificam-no, de um modo geral, como imune à sonegação.


Em suma, trata-se de um sistema que reduz a corrupção a uma taxa marginal. As vozes contrárias a esta proposta originam-se, em grande parte, em grupos que se beneficiam com a atual estrutura corrupta. O coro destes contra o Imposto Único tem o mesmo tom do daqueles que, cinicamente, se alvoroçaram contra as afirmações de que a corrupção é endêmica. 

 

E-MONEY E O IMPOSTO UNICO

Em breve as economias modernas serão totalmente desmonetizadas. A desconfortável moeda manual – anti-higiênica e de custosa manipulação, que, como lembrado por Keynes, é uma relíquia bárbara dos tempos em que os meios de troca eram mercadorias com valor intrínseco - irá desaparecer por completo.


O avanço tecnológico e a revolução da informática começam agora a alterar em profundidade as formas como as trocas se realizam nas economias contemporâneas. O dinheiro de papel será substituído pelas mais variadas formas de moeda escritura!, dentre elas o cheque, o dinheiro de plástico e a moeda eletrônica.


O exemplo mais evidente dessa mudança pode ser observado na eficiência e na robustez dos impostos sobre transações financeiras, como a CPMF Setores de todas as tendências ideológicas têm apontado a modernidade operacional da CPMF; a exemplo de Roberto Campos, Maria da Conceição Tavares, Everardo Maciel e Roberto Freire.


Infelizmente, o mesmo não se pode dizer dos princípios e objetivos que nortearam a adoção desses tributos, já que foram diretamente justificados pela sanha arrecadatória com que o governo vem avançando sobre os contribuintes brasileiros desde princípios da década de 90.

O desaparecimento da moeda manual ocorreu precocemente no Brasil, induzido pela inflação crônica que durou cerca de 40 anos. Estimulada pela corrosão do valor da moeda manual, a sociedade brasileira investiu pesadamente no sistema bancário e deixou de usar dinheiro vivo. O sucedâneo encontrado foi o cheque. Trata-se de moeda escritual que vem se tornando obsoleta, pois ainda implica utilização física de papel. O Brasil antecipou-se a uma tendência mundial e já opera com taxas de 3% de monetização (papel-moeda em poder do público) em relação ao PIB, certamente a mais baixa do mundo entre as economias ocidentais.


Vale lembrar que, apesar da estabilização da moeda, a remonetização foi mínima. Os impactos redutores de custo de transação causados pela informatização nas formas de pagamento sobrepujaram amplamente as crescentes tarifas bancárias e a brutal queda no custo de oportunidade da manutenção de saldos líquidos. Pode-se afirmar com razoável grau de certeza que a moeda manual irá desaparecer em breve, vindo a ser substituída pela moeda escritural eletrônica.


Esse fato vem sendo observado em recentes reportagens publicadas na "The Economist" em 1997. A mais dramática experiência vem da Bélgica, com a criação do Proton, que concorre com o sistema Mondex, controlado pela MasterCard, e com as demais formas de "e-cash", como o Visa Cash.


Mais de um milhão de belgas podem fazer suas transações, mesmo de baixo valor, simplesmente inserindo seus cartões eletrônicos nas leitoras instaladas em lojas, jornaleiros, táxis, etc. Ao final do dia, os comerciantes fazem o "download" de suas leitoras nos computadores do sistema bancário e, instantaneamente, suas contas bancárias são creditadas no valor correspondente, evitando assim os elevados custos, e também os riscos, das transações em dinheiro.


Mais de 15 milhões de cartões espalhados em dezenas de países e quase 100 mil terminais de venda já compõem a rede de dinheiro virtual. A generalização desse sistema em todo o mundo, transformando-nos em uma “cashless society”, é apenas uma questão de tempo.


Vale acrescentar que os estabelecimentos comerciais pagam 0,7% do valor da transação eletrônica para ter o direito de sua utilização, além das taxas fixas cobradas dos consumidores. Isso faz com que as críticas ao imposto único, que alegam que a alíquota de 1 % sobre as transações causará desintermediação bancária, remonetização da economia e até mesmo a volta ao pré-histórico escambo, tomem-se argumentos no mínimo risíveis.


Em suma, criam-se condições crescentemente favoráveis para que a proposta do imposto único seja discutida com seriedade pelo governo como uma alternativa viável para a inadiável, porém sempre adiada, reforma tributária no Brasil. Deve-se aproveitar o fato de que, ainda que por razões erradas (a inflação crônica), o Brasil já chegou ao destino certo (transacionar sem dinheiro vivo). Tecnológica e culturamente, o Brasil está preparado para o imposto único. 

 

EDUCAÇÃO EM CRISE

A deterioração do ensino no Brasil foi iniciada na primeira metade dos anos 70, apesar de as decisões que a determinaram terem sido tomadas no final da década de 60. A partir de então, a escola pública entrou em declínio e começou a ser deslocada pela escola privada. Com as exceções habituais, encontram-se, ainda, ilhas de excelência, tanto no ensino público quanto no privado. A regra, entretanto, é de perda drástica da qualidade e o sucateamento da rede pública de ensino.


Embora a Constituição Federal afirme em seu artigo 208-I "O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria", há evidências de que a educação deixou de ser prioridade governamental. Isto é comprovado por alguns dados de excelente estudo de Ib Teixeira, da FGV; a partir da análise de recentes levantamentos estatísticos oficiais e da execução orçamentária do conjunto dos estados da federação.


Suas constatações são estarrecedoras: dos cerca de 40 milhões de crianças e adolescentes, na faixa etária de cinco a dezesseis anos, somente 34 milhões estão matriculadas no ensino pré-escolar e primário, ou seja, cerca de 6 milhões de crianças não têm acesso ao ensino básico; dos 30,5 milhões de alunos que iniciam o curso primário, apenas 13,4 milhões alcançam a oitava série, enquanto os outros 17,1 milhões de crianças se evadem da escola no período; daquele contingente de alunos matriculados no início do curso primário, tão-somente 3,6 milhões iniciam a primeira série universitária; e a matrícula nos programas de alfabetização de adultos registra queda de 1,7 para 1,5 milhão de inscritos. O resultado é o país contar cerca de 33 milhões de analfabetos; registrar 9 milhões de chefes de família sem qualquer instrução; e a proporção da força de trabalho com primário completo ter caído de 45 para 40%, de 1976 até hoje.


Do lado da aplicação dos recursos, confirma-se o pouco caso pela educação, em comparação com outros setores da estrutura dos governos estaduais. Entre 1982 e 1993, as despesas com seus poderes legislativo e judiciário revelaram um crescimento médio de, respectivamente, 8 e 13%, quando as rubricas correspondentes à educação cresciam, em média, 3%. Como participação no PIB, os gastos com a educação entre 1989 e 1992 caíram de 2,2 para 1,3%, traduzindo uma perda de recursos em tomo de 41%.


Do lado dos professores, os efeitos não são menos desastrosos. Seus salários - entre os mais baixos do país - estão cerca de 28% aquém da média observada no setor educacional. Há estados que pagam apenas um salário mínimo para seus professores. Nas regiões nordeste e norte, existem professores rurais ganhando R$ 40,00 por mês.


Entretanto, não se pode ignorar o deplorável estado físico das escolas, suas instalações e equipamentos e a falta de recursos materiais mínimos, como giz e papel, e de serviços de manutenção.


Se já não bastassem as distorções e as terríveis conseqüências apontadas até aqui, há que falar de outro aspecto da falha estratégica na política educacional. Trata-se de priorizar o ensino superior em detrimento do ensino fundamental, na distribuição das decrescentes consignações orçamentárias. Neste ano de 1995, 60% das verbas do Ministério da Educação estão sendo canalizados para o ensino superior, ao passo que somente 12% estão indo para o ensino básico.


Aqui está embutida uma violenta transferência de renda das camadas mais pobres para as mais ricas da sociedade brasileira: o perfil sócio-econômico do aluno da universidade pública no Brasil, levantando pelo IBGE, diz que 72% deles possuem casa própria, 47,3% têm automóvel, 50% pertencem a famílias que auferem renda superior a 30 salários mínimos, 69% possuem caderneta de poupança, 35% carregam cheque especial e 25% são portadores de cartão de crédito. Tudo evidenciando que os alunos das universidades públicas pertencem a famílias de alta renda.


Esse quadro mostra que a educação está longe de dar sentido prático ao citado dispositivo constitucional e colher os frutos econômicos e sociais que, fatalmente, produziria. Pois estudos do Banco Mundial revelam que, em um ano, para cada crescimento de 1 % no tempo de escolaridade da força de trabalho, a produtividade aumenta 4%.


No Brasil, os governos insistem em ignorar o exemplo de países que investiram em educação, como o dos tigres asiáticos. J. Rauche, referindo-se ao Japão, diz que não foram as políticas macroeconômicas do governo que produziram prosperidade. "O que deu certo é o que funciona em qualquer lugar ... honestidade, educação, amor à poupança, direito à propriedade, sacrifício para o futuro e famílias sólidas que cuidam bem de suas crianças".


Nessa mesma linha, o prêmio Nobel de Economia, Robert Lucas, que, recentemente, se tem dedicado ao estudo da tecnologia e da educação, colocando-a no centro das modernas teorias de crescimento, ensina que o desenvolvimento econômico não sai do capricho dos burocratas e dos formuladores de política econômica, mas da atuação de segmentos fundamentais que dão suporte à moderna produção capitalista - notadamente, o conhecimento humano.


O governo federal, em boa hora, há alguns dias, anunciou ambicioso programa de recuperação do ensino básico, de contenção da evasão escolar e de valorização profissional dos professores, com cursos de reciclagem e recuperação salarial. Já é tempo de abandonar o preconceito, conhecer e adotar o que, concretamente, tem dado certo em outros lugares. Caso contrário, ao Brasil será, cada vez mais, difícil integrar-se na economia global competitiva das sociedades do conhecimento.

 

CRESCE A FORÇA DO IMPOSTO ÚNICO

Perda de arrecadação - eliminada a megainflação - e regressividade são os pontos em que se concentraram as criticas dos opositores do Imposto Único.


A alegação de que, sob condição de inflação reduzida, as transações bancárias diminuiriam somente seria possível se as pessoas deixassem de usar os depósitos bancários e adotassem a moeda manual, numa situação de moeda estável. Mas, mesmo com baixa inflação, o Brasil continua um país fortemente desmonetizado. Tanto que, depois do Plano Real, a participação do papel-moeda em poder do público no total dos meios de pagamento (M1), que era, em média, de 32%, no primeiro semestre de 1994, saltou para 39% no mesmo período de 1995.


Além disso, com base no volume de transações de um grande banco, cujos lançamentos venho acompanhando mensalmente, há quatro anos, pode-se dizer que as transações bancárias tiveram um acréscimo de 120% após a estabilidade monetária alcançada com o Real. Esta circunstância (que retrata, também, o aprofundamento da automação e modernização bancárias, com disseminação do cartão magnético e da teleinformática) realça o erro em que incorreu o ex-ministro Simonsen, ao afirmar na sua coluna de 16 de agosto, na revista Exame, que um imposto sobre transações financeiras "só é capaz de viver como complemento da inflação ", com o volume de transações bancárias dilatado pelo "overnight".

Contudo, isso nunca aconteceu. De um lado, porque fazia muito tempo que o "over" fora substituído pelo "fundão"; de outro, porque, caso o "over" estivesse na base de cálculo, a simples aritmética revelaria que a arrecadação do Imposto Único não seria de 25% do PIB, mas de 110% - uma impossibilidade econômica.


Em resumo, tudo indica que a queda da inflação não reduz o potencial de arrecadação do Imposto Único. Ao contrário, alarga a base de incidência, fazendo prever que a alíquota necessária poderia ser muito inferior a um.


Com relação à tese de regressividade, esta foi reavaliada por Maria da Conceição Tavares, em sua coluna do último 24 de setembro, na Folha de São Paulo. Ali, ela de- clara que "as transações financeiras constituem uma das poucas bases potenciais de arrecadação futura na qual é possível ancorar o aumento da receita pública, sem penalizar segmentos sociais".

 

A HORA E A VEZ DO IMPOSTO ÚNICO

Incapaz de reduzir gastos, o governo continua a produzir déficits e, juntamente com sua burocracia, atazana a vida do contribuinte com freqüentes alterações normativas dos impostos existentes ou cogitando da criação de novos, buscando, sempre, elevar a arrecadação. O arrocho tributário continua brutal. Depois de elevar a receita de tributos acima de 30% do PIB em 1995 - a mais alta taxa da história do País -, já anunciou o propósito de mantê-la nesse nível neste ano de 1996.


Entretanto, a burocracia pública afirma, cinicamente, que, do ponto de vista macroeconômico, uma carga tributária dessa ordem não constitui nenhuma aberração, frente a comparações internacionais. Só que se esquecem de que, no Brasil, a maior aberração não é o total da carga e sim seu padrão desigual de incidência, que faz com que o violento aumento tributário seja suportado pelos que não podem – ou não querem - partir para a marginalidade da sonegação, para a evasão ou para a economia informal, e acabam pagando muito mais do que seria considerado razoável.


Esta situação de forte aumento na arrecadação de impostos acabou por desinteressar as autoridades em uma verdadeira reforma tributária. Tanto, que a proposta de reforma tributária enviada pelo governo ao Congresso Nacional no final de agosto do ano passado contém apenas mudanças cosméticas. Dela, além disso, sabe-se apenas que, até agora, não caminhou e nada se espera antes de 1998; que desconsidera as 22 propostas de emenda constitucional, tratando de matéria tributária, já existentes no Congresso; e que conseguiu acirrar descontentamentos e desconfianças dentro e fora do governo.


Após os importantes avanços do seu programa de reformas da ordem econômica no legislativo no ano passado, a verdade é que o governo nada mais conseguiu. Os passos seguintes não aconteceram, quer devido a conflitos de interesses políticos econômicos e regionais presentes no Congresso, quer pela necessidade de legislação complementar de iniciativa para se tomarem operacionais.


Incapaz de cortar gastos e de promover as reformas tributária e fiscal, essenciais para a preservação do Plano Real com o saneamento das finanças públicas, o governo desgasta-se no esforço para aprovar medidas de redução de benefícios sociais, a exemplo da pouco convincente e mal explicada reforma da Previdência, sem oferecer qualquer compensação na forma de redução de encargos fiscais aos seus cidadãos.


Enquanto a sociedade se exaure na sua capacidade contributiva, o governo empenha-se em promover remendos na estrutura tributária em lugar de realmente reformá-la. Apega-se à postura de tributaristas tradicionais, incapazes de buscar saídas criativas para a questão, e insiste em ignorar que, dentre aquelas 22 propostas de emenda constitucional existentes no Congresso, versando sobre reforma tributária, cinco das mais importantes contemplam a volta do IPMF para compor com outros impostos a nova estrutura do sistema.


Ora, o sucesso do IPMF; sua eficiência em termos de arrecadação, tem inspirado sua reedição, mesmo com outro nome, como mostra a tentativa de aprovar a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira para a saúde, e aponta para o potencial arrecadatório do Imposto Único, do qual foi, oportunisticamente, derivado.


Então, por que não levar em conta os dados objetivos das propostas existentes no Congresso e da capacidade de arrecadação do IPMF e abraçar a proposta original? Chegou a hora e a vez do Imposto Único - insonegável, que maximiza o universo de contribuintes, barato e de fácil administração, como o IPMF demonstrou à exaustão. Se todos pagarem, todos pagarão menos. Muitos, como os sonegadores e corruptos, pagarão mais do que hoje e passarão a contribuir com sua parcela de recursos para o custeio das atividades públicas. É preciso ir além de desonerar a produção e desonerar o setor formal da economia. O Imposto Único pode fazer tudo isso e, também, reduzir o famigerado "custo Brasil".


ERROS E RISCOS

Uma das qualidades exigidas de governos de países em desenvolvimento é a capacidade de resolver problemas e ajustar as instituições públicas a constantes transformações. O Brasil, após um ciclo de forte intervencionismo estatal e décadas de inflação galopante, tenta passar para uma economia de mercado, vivendo um contexto em que a sociedade exige mudanças profundas, às vezes imprevisíveis, e em que o governo precisa mostrar agilidade para ajustar a economia e a administração pública para atendê-la. Foi com promessas de inadiáveis mudanças estruturais que as recentes administrações se elegeram e iniciaram suas gestões; infelizmente, não se mostraram capazes de satisfazer as expectativas de mudanças que elas mesmas alimentaram na sociedade.


Quando isto ocorre, a sociedade pode reagir de, pelo menos, três maneiras: pacto contra o governo, guerra e acordo. Nos três casos, a sociedade toma a iniciativa de resolver seus problemas, deixando o governo e instituições de lado, numa atitude que implica riscos crescentes de profundo esgarçamento institucional.


O pacto contra o governo pode ser visto, com clareza, na questão da reforma tributária. Sem mais condições de suportar os ônus da estrutura tributária formal, a sociedade partiu, abertamente, para a sonegação, a evasão e a economia informal. A desintegração do sistema aprofunda-se a cada momento em que o governo se mostra incapaz de liderar uma ampla reforma tributária, explicitamente reclamada pela sociedade, como, por exemplo, quando ela se mostra favorável à adoção do imposto único.


A reação conflituosa é ilustrada pelas invasões de terras. O problema agrava-se quando o governo, passivamente, aceita a violação do direito de propriedade e deixa que a ela se articulem resistências, patrocinando a escalada de violência.


A reação negociada pode ser vista nos entendimentos da última semana entre sindicatos de metalúrgicos e sindicatos ligados à Fiesp, dos quais surgiu um acordo em que as partes, conscientemente, ignoram a lei, abrindo caminho para uma sociedade desprovida de parâmetros de referência legal. O acordo atesta, de forma inequívoca, que o país vem perdendo governabilidade.


Esses três exemplos concretos de ousadas ações da sociedade mostram que o País já percorre uma trilha perigosa, em que a ação dos canais de representação política, materializada na apatia do governo, falham na institucionalização das demandas sociais, cedendo lugar a sérios riscos de rompimento do arcabouço institucional. Só não percebe quem não quer.

 

CRESCIMENTOFOBIA

O Brasil está sofrendo de uma doença mais grave que a da vaca louca - uma anorexia nervosa causada pela síndrome do pânico antiinflacionário. O sintoma é o crescimento econômico anêmico.


Há dois modismos sobre o baixo crescimento econômico mundial. O primeiro é atribuir o crescente desemprego e o baixo crescimento às políticas econômicas neoliberais.


Segundo alguns críticos, a globalização, os capitais especulativos e a concorrência dos baixos salários em países do Terceiro Mundo são as explicações para a crise atual. Outros atribuem o desemprego a causas estruturais mais profundas, como a revolução da informática, destruindo empregos mais rapidamente do que criando.


Segundo essa visão, pela primeira vez na história uma revolução tecnológica não será capaz de criar um novo ciclo de crescimento sustentado.


Contudo, um estudo da Unctad mostra que a causa da estagnação e do desemprego está no temor exagerado de que o crescimento econômico possa reacender as pressões inflacionárias.

O resultado são políticas econômicas excessivamente conservadoras, que desestimulam a expansão da demanda e dos investimentos.


O Brasil começa a viver os mesmos sintomas. O governo pratica uma política que inviabiliza a expansão do em- prego e dos investimentos.


Diante do fracasso das reformas estruturais, só resta ao governo impedir que a economia cresça, usando juros elevados, valorização cambial e exportação de emprego via abertura punitiva à concorrência externa.


Não é à toa que, no primeiro trimestre de 96, o Brasil cresceu como rabo, para baixo, em quase 2%.


O QUE TRAVA AS REFORMAS

Por que o atual governo federal, eleito brandindo a bandeira das grandes reformas constitucionais, não consegue romper o impasse em que elas se encontram e caminhar no rumo das mudanças? A resposta está no sistema de representação política no Brasil, que obriga o político a ampliar benefícios, sem jamais o induzir a cortá-los, a limitá-los, ou, na melhor das hipóteses, a deixá-los como estão.


Conceitos como isonomia e justiça social, juntamente com uma forma de representação política difusa, forçam o homem público comum a atender a interesses paroquiais, familiares e, até mesmo, pessoais de seus supostos eleitores, ainda que receando que o interesse público esteja sendo prejudicado. O risco de represália eleitoral, contudo, é baixo, pois a representação difusa não permite responsabilizar o parlamentar pelos danos causados aos grupos de interesse por acaso prejudicados.


O que distingue o político comum do estadista é que o primeiro cede às circunstâncias impostas à sua sobrevivência política, enquanto o estadista a elas resiste e coloca o interesse coletivo acima de tudo. Só que o primeiro consegue reeleger-se, ao passo que o segundo, quando muito, chega a ser citado nos livros de história como homem público bem intencionado, sério e respeitado, mas como político menor, derrotado nas urnas, incapaz de transformar projetos em realidade.


Não é o momento de apontar soluções: outros saberão fazê-lo. Contudo, a simples consciência desta situação já constitui passo fundamental na busca de saídas para grandes impasses no país. Este sistema de representação, povoado por políticos comuns, explica o embaraço defrontado pelas reformas, e porque os "lobbies" contrários, mesmo minoritários, acabam sensibilizando o Parlamento.


O Plano Real vai sucumbir se o ajuste fiscal não for feito. As reformas tributária, previdenciária e administrativa não decolam do papel.


Os grupos de interesses contrariados pelas reformas, como é legítimo em uma democracia representativa, mobilizam-se e resistem. Tudo bem, o que é inaceitável é os políticos cederem a pressões localizadas.


A lógica eleitoral por trás do cenário em que se desenvolve a atuação política está travando as reformas e poderá inviabilizá-las, juntamente com o Plano Real e o futuro do país.

 

IMPOSTO UNICO: IGNORAR ATÉ QUANDO?

Quer a burocracia pública e os políticos queiram ou não, a proposta do Imposto Único, que lancei à discussão pública em 1990, vai-se firmando como uma alternativa viável para o País.

O projeto prevê a eliminação de todos os impostos arrecadatórios (Imposto de Renda, ICMS, IPI, IOF; ISS, contribuições ao INSS e muitos outros) e a criação de um único tributo sobre movimentação financeira cobrado em cada lançamento nas contas bancárias.


O governo vem fazendo testes para avaliar a viabilidade do Imposto Único. Criou a CPMF; após o relativo sucesso do antigo IPME Implantou o Simples, o imposto único para micro e pequenas empresas. Em ambos os casos, os resultados vêm-se mostrando altamente satisfatórios.


A CPMF respondeu a duas criticas importantes ao Imposto Único. Comprovou que um imposto sobre movimentações bancárias é um tributo produtivo, de baixo custo de arrecadação, insonegável e mais justo, qualidades que vêm sendo reconhecidas por economistas de diferentes posições ideológicas, como Roberto Campos e Maria da Conceição Tavares.


A arrecadação está superando as previsões, podendo chegar a R$ 6 bilhões em 1997. Trata-se de um imposto que não traumatiza o setor produtivo e os agentes econômicos, mas que se mostra capaz de gerar quase 40% de toda a arrecadação do IPI, cerca de três vezes a do IRPF, 60% da do IRPJ, 30% da do Cofins (cuja alíquota é dez vezes mais alta que a da CPMF) e aproximadamente os mesmos valores do PIS-PASEP (cuja alíquota é cerca de três vezes mais alta) e da CSLI.


Também ficou demonstrado que as pessoas não abandonaram as contas bancárias em favor da moeda manual. Na realidade, os dados confirmam a crescente e irreversível desmonetização da economia brasileira, já que o volume de papel-moeda em poder do público vem caindo, sendo hoje menos de 3% do PIB, mesmo com CPMF e com moeda estável.


Uma segunda linha de ação do governo na direção do Imposto Único foi a criação do Simples, o imposto único para as micro e pequenas empresas. Cerca de 1 milhão e meio de produtores aderiram ao sistema. A criação de um imposto único para esse segmento certamente abrirá caminho para que outros setores da economia reivindiquem igual tratamento.


Nesse sentido, torna-se cada dia mais evidente que uma reforma tributária nos moldes do Imposto Único não é mais uma esperança para o Brasil... é uma exigência. Há consenso quanto à inviabilidade absoluta do atual sistema tributário nacional.


No "Fórum das Reformas: A Nação Tem Pressa", patrocinado pela Fiesp, ficou clara a preocupação com a sonegação e a evasão fiscal, facilitadas pelas falhas do sistema vigente. Aliás, para uma idéia da magnitude desse problema, é esclarecedor o artigo "Cobrança da dívida ativa: remédio que mata", de Ricardo Lodi Ribeiro, presidente do Sindicato dos Procuradores da Fazenda Nacional (Gazeta Mercantil, 24/6/97). O texto realça o caráter incobrável da maioria dos débitos fiscais.


Recente pesquisa realizada pela Fiesp junto a mais de mil empresas paulistas, publicada na Revista da Indústria de 17 de fevereiro de 1997, mostrou que o setor produtivo nacional se acha obstruído por fatores como encargos sociais excessivos (73% das empresas concordaram) e carga tributária elevada (61 %). Entre as razões apresentadas pela Fiesp para explicar a atual crise e o esgotamento da capacidade de crescimento da economia, 96% dos entrevistados disseram em uníssono que "o atual sistema tributário brasileiro é totalmente inadequado..."


A falência do sistema vigente não é fruto dos problemas mencionados, apenas. Há que falar do emaranhado legal, dos altos custos de pesadas e complexas estruturas burocráticas exigidas por impostos declaratórios, da rigidez de alíquotas, da baixa eficácia arrecadatória e das largas brechas legais e operacionais, incentivadoras da sonegação e evasão.


Fala-se das virtudes do Simples, cita-se a eficácia arrecadadora da CPMF; mas nunca é citada a proposta original do Imposto Único, da qual são variantes desvirtuadoras.


A reforma do sistema tributário baseada no Imposto Único não deve ser feita por aproximações acanhadas ou improvisações, como o Simples, o IPMF ou a CPMF A reforma fiscal nele preconizada tem de radical a simplificação da unicidade tributária. No mais, é, também, inteiramente desejável - democrático, universal e de alíquota baixa e flexível; de baixo custo de arrecadação e administração, portanto mais produtivo, além de não ser declaratório e, logo, insonegável, infenso à corrupção, como, aliás, o IPMF; antes, e a CPMF; agora, vêm comprovando ser, indiscutivelmente. Redutor do "custo Brasil", é mortal à guerra fiscal entre estados e municípios.


Por tudo isso, não se compreende que a proposta do Imposto Único não seja considerada, objetivamente, pelas, entidades de classe, pelo Congresso Nacional ou pelo governo, sabidamente vulnerável no seu flanco fiscal. A não ser que a desordem tributária, mal grado seus custos, seja, no íntimo, desejada pelo governo, empresários e políticos, por prestar-se a toda sorte de manipulação. É muito lamentável se esse for o motivo para o Imposto Único ser, convenientemente, ignorado.

 

O IMPOSTO ÚNICO PODE PÔR FIM À SONEGAÇÃO

O jornal O Estado de São Paulo publicou, no dia 19, o artigo “Problemas que o Imposto Único pode trazer”, de Itamar Zonaro. Inicialmente, o autor revela preconceito em relação à minha proposta de um único imposto, que só se justifica pelo interesse corporativo que os consultores tributários, como ele, não conseguem disfarçar quando abordam o tema da reforma tributária. Afinal, sua grossa clientela só existe enquanto continuar vítima das armadilhas que o sistema atual coloca no caminho da vida fiscal do cidadão.


Ao afirmar que somente ao caótico e cruel ambiente fiscal que impera no País se deve a difusão do Imposto Único, Zonaro fica na nebulosa e contraditória posição de quem, por interesse, ataca e, ao mesmo tempo, defende uma situação tributária anômala. Ataca-a porque ela cria a oportunidade para que surjam idéias novas, criativas e, sobretudo, sérias; e defende-a porque propostas novas, criativas e, sobretudo, sérias, podem pôr fIm à fonte de seu sustento.


No mais, fica no lugar comum da monótona repetição de argumentos já amplamente utilizados, e tecnicamente respondidos, sem trazer nada de novo ao debate, numa postura típica de quem não conhece a proposta do Imposto Único, a literatura técnica que lhe dá respaldo e todo o intenso debate que suscitou.


O primeiro equívoco contido naquele texto foi a afirmação de que o Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira (IPMF) foi uma criação dos defensores do Imposto Único, quando, em realidade, foi o primeiro e inescrupuloso desvirtuamento que ele sofreu, perpetrado pelos oportunistas de plantão no governo, que perceberam nele uma fonte eficaz de recursos para engordar suas receitas.


Mas não há como negar que foi uma experiência bem-sucedida, apesar de ser um plágio deformado da idéia- mãe. Tanto que, freqüentemente, se cogita sua volta, como solução pronta e certa para tapar os buracos orçamentários do governo.


Mas vamos às considerações do autor sobre pontos que pinçou de diversos artigos publicados sobre o tema, provando que não se preocupou em conhecer a pro- posta básica que gerou o debate. A primeira diz respeito à universalidade do Imposto Único, que condena por tratar igualmente situações desiguais. De fato, igualdade não quer dizer justiça. Só que o Imposto Único é proporcional e não progressivo. A alíquota é uma só. Mas quem movimentar mais recursos no sistema financeiro pagará mais. Então, não há como negar que está inteiramente resguardado o princípio de que pessoas desiguais devem ter trata- mento desigual.


Depois, afirma que o caráter universal acabaria por gravar bens e serviços consumidos pelas classes de baixa renda, punindo-as. Ora, este é um argumento sobre o óbvio. Pois todo mundo sabe que os impostos indiretos incidentes sobre bens e serviços básicos, como o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) , etc., sempre penalizaram as classes menos favorecidas; Não é privilégio do Imposto Único.


Outra pinçada diz que os trabalhos de fiscalização e controle, reféns de instituições financeiras com milhares de agências processando, diariamente, milhões de operações, dominariam o sistema que adotasse a unicidade tributária. Esta é a mais cabal confissão de ignorância. Não mais apenas do que seja o Imposto Único, mas dos recursos da informática que, velozmente, vai permeando todo tipo de atividade em nível mundial. No Brasil, em particular, seu grande avanço deu-se no sistema bancário, um dos mais informatizados do mundo. A fiscalização, assim, ficaria reduzida à auditoria do programa rodado nos Centros de Processamento de Dados do sistema financeiro. O principal foco de atenção dos fiscais seria direcionado para o uso dos recursos recolhidos pelos três planos de governo em que a fiscalização, mais necessária, poderia tornar-se mais intensa.


Quanto ao fim da corrupção, com a extinção da sonegação de impostos e do suborno de agentes fiscais, .ficou provado pela experiência do IPMF que o Imposto Único é impossível de ser sonegado. É uma evidência concreta, que só pode ser ignorada por conveniência ou usada como capa a falsos argumentos. De outro lado, o fim dos impostos declaratórios - grande fonte de manipulação para sonegação e evasão fiscal - em nada impedirá a verificação de aumento de patrimônio de origem duvidosa. Este, bem como o combate a operações de lavagem de dinheiro sujo (quem pode afIrmar que elas não existem na estrutura atual?), é trabalho para a polícia. Só que, com o advento do Imposto Único, um Estado com uma estrutura mais enxuta e ágil poderia dispor de uma força policial bem preparada, aparelhada e remunerada para a realização desse trabalho. Depois, não se pode confundir a atividade de fiscalização tributária com a atividade policial.


As previsões catastróficas de Zonaro, inferno fiscal e problemas semelhantes, só podem ser fruto da desinformação sobre recursos técnicos, como simulações matemáticas sobre potencial de arrecadação, a colocação em prática, de forma experimental, do Imposto Único, antes da extinção do malfadado sistema tributário atual - tudo explicado, exaustivamente, na proposta original consolidada, inclusive em resposta às críticas contidas nos artigos que ele diz ter analisado.


O consultor-articulista defende "uma reforma abrangente que reduza o número de impostos, simplifique o sistema e reduza a carga tributária, promovendo a justiça fiscal, aumentando a base de contribuição e eliminando a sonegação com o aperfeiçoamento do sistema de arrecadação e fiscalização". Tudo genericamente, sem uma proposta concreta. O Imposto Único poderá fazer tudo isto. É uma proposta concreta. Mas tem a desvantagem de deixar desempregada uma legião de consultores tributários e outros segmentos, fora e dentro dos governos, que vivem às custas das mazelas que o atual sistema tributário impõe ao contribuinte.

 

LIBEROFOBIA

O liberalismo foi responsável por algumas das maiores conquistas políticas e econômicas na História da humanidade. Após o advento do moderno capitalismo, observaram-se progressos materiais jamais vistos anteriormente. Foi notável a velocidade com que as sociedades se tornaram mais justas, mais livres, com maior mobilidade econômico-social e menos desiguais em termos de distribuição de renda.


A democracia foi fortalecida por meio da separação entre Estado e Igreja, do direito universal ao voto, da igualdade perante a lei, do Estado de Direito e da busca de igualdade de oportunidades mediante a garantia de acesso universal e gratuito à educação, serviços de saúde e direitos previdenciários básicos a doentes e idosos.


Não obstante esta impressionante performance, o liberalismo sofre hoje uma bateria de críticas. Um exemplo dessa intolerância intelectual pode ser visto no manual da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) , "Justiça e Paz se abraçarão". Trata-se do documento básico da atual Campanha da Fraternidade.


A aproximação das eleições municipais e o progressivo açambarcamento do processo político-eleitoral pelo poder econômico tornam a campanha oportuna. Foi esta a mensagem que, como presidente do Partido Liberal em São Paulo, transmiti ao cardeal d. Paulo Evaristo Arns, em reunião com todas as demais lideranças da Câmara Municipal de São Paulo.


Na ocasião, foi-nos afiançado que a campanha seria totalmente apartidária. A leitura do manual da campanha, no entanto, desmente as intenções aparentes.


Segundo o manual da CNBB, "o modelo neoliberal tem até mesmo mostrado fragilidade e dependência em relação ao comportamento do grande capital especulativo. (...) Sendo um modelo excludente, entra frontalmente em choque com os princípios e valores da ética social cristã. Longe de levar a uma sociedade solidária, gera conflitos e desigualdades antifraternas".. Este trecho resume o preconceito, a desinformação e o total desconhecimento acerca dos postulados básicos do liberalismo. O moderno liberalismo defendido pelo Partido Liberal tem postura diferente.


"Prioriza as reformas estruturais destinadas a promover uma redistribuição da riqueza e da renda, a fim de fortalecer o mercado doméstico, e, desse modo, as políticas de emprego e de rendas, os investimentos em educação e saúde, o combate à exclusão social, a fim de criar as bases para um crescimento econômico sustentado nacionalmente."


Este parágrafo poderia ter sido extraído do programa do PL. No entanto, trata-se do modelo econômico defendido pela CNBB, na página 68 do manual, transcrito "ipsis litteris". É evidente a confusão ideológica do documento.


Diz ainda que a globalização visa "unificar todos os mercados do mundo sob a articulação das multinacionais", quando na realidade o que a abertura externa deseja é fomentar a concorrência aberta e sem fronteiras, exatamente para libertar produtores e consumidores do autoritarismo de monopólios (domésticos ou internacionais) e de governos pantagruélicos.


O manual afirma que o modelo "neocapitalista admite a exclusão como princípio de funcionamento", e, "sendo excludente, entra frontalmente em choque com os valores e princípios da ética social cristã”. A atual crise de desemprego e o crescimento da miséria no Brasil e no mundo não estão correlacionados com a prática de políticas liberais, mas sim com opções de política econômica que pouco têm a ver com questões ideológicas.


O Brasil e o mundo estão sendo contaminados por um tipo de anorexia nervosa causada pela síndrome do pânico antiinflacionário. O crescente desemprego e o baixo crescimento estão sendo atribuídos às políticas econômicas neoliberais.


Contudo, outras vertentes intelectuais antischumpeterianas atribuem o desemprego a causas estruturais mais profundas, como a revolução da informática que estaria destruindo empregos mais rapidamente do que se mostra capaz de criá-los.


Recente estudo da Unctad mostra que a causa da estagnação e do desemprego está no temor exagerado de que o crescimento econômico possa reacender as temidas pressões inflacionárias. O resultado são políticas econômicas excessivamente conservadoras, que desestimulam a expansão da demanda e dos investimentos.


O Brasil começa a viver este ciclo. Diante do fracasso das reformas estruturais (que poderiam dar sustentação permanente ao Real), só resta ao governo impedir que a economia cresça.


Em outras palavras, é a ausência das reformas defendidas pelos liberais que vem causando as crises que a CNBB deseja atribuir aos modelos neocapitalistas. É a inapetência dos sociais-democratas e a resistência dos socialistas que vêm causando as crises que a CNBB deseja atribuir aos liberais e à globalização da economia.

 

REFORMAR, MAS NÃO ASSIM

Já é quase consenso - apenas o governo ainda se recusa a admitir - que acabou a lua-de-mel do Plano Real.


Chegou a hora da verdade.


Os benefícios da estabilização da moeda já foram realizados. Houve, de fato, aumento no poder aquisitivo da população de mais baixa renda. Os capitais externos afluíram copiosamente em busca de alta remuneração. A patriótica agricultura trouxe sua generosa contribuição às mesas das famílias mais carentes. O desafio, agora, é evitar que toda esta felicidade seja revertida numa imensa tragédia de frustração e decepção.


No centro deste cenário colocam-se as reformas estruturais. Serão elas necessárias para consolidar os ganhos e as vantagens do Plano Real ou são elas apenas palavras de ordem brandidas principalmente por grupos de oposição ao governo?


A discussão tem deixado a opinião pública desorientada. O governo defendeu inicialmente a urgência das reformas. Mas, apesar da retórica, pouco avançou. O presidente mostra-se titubeante e débil quando se trata de quebrar privilégios incrustados na teia de interesses corporativistas, tornando inoperante qualquer tentativa sé- ria de reforma política, previdenciária e tributária.


Foi com o objetivo de avaliar a importância das reformas que a Fiesp encomendou estudo para calcular quanto custa para o País a não realização das reformas tributária, da Previdência e administrativa. Os resultados são dramáticos. A inoperância do governo está custando à sociedade brasileira deixar de crescer 3,7% do PIB por ano.


A importância da pesquisa está centrada sobretudo no fato de chamar a atenção para a importância das reformas. Mas, tecnicamente, o trabalho é de extrema singeleza. Chega a ser quase ingênuo.


Um dos itens no estudo refere-se aos impactos da não realização da reforma tributária. O estudo está calcado em premissas altamente questionáveis, algumas delas até totalmente equivocadas.


Em primeiro lugar, o estudo confunde reforma do sistema tributário - uma necessidade essencial, qualquer que seja o nível de gastos orçados - com um juízo de valores: o de que a carga tributária é alta, e precisa ser reduzida de 30% do PIB para 22,5% do PIB. Não houve qualquer esforço para justificar esta redução.


Nesse sentido, não é de estranhar que tenha havido um impacto positivo nos níveis de gastos e de produção privados. Mas o curioso é que não foi projetado o impacto macroeconômico da redução dos gastos públicos no PIB nem os impactos da redução da carga tributária na oferta de serviços públicos.


O modelo tributário da Fiesp reduz as alíquotas dos impostos indiretos em 30%, linearmente, e aumenta significativamente (dobra) a base de incidência do Imposto de Renda.


Mais uma vez, a avaliação dos impactos dessas mudanças é apenas parcial. A desoneração das exportações e a queda nos preços de bens mais de consumo interno têm seus efeitos expansionistas enfatizados. Mas não se avalia o impacto negativo que o aumento do Imposto de Renda poderia ter nos fluxos de capitais. A experiência das economias mais avançadas tem apontado a inconveniência da alta tributação de rendas.


Outra meta do estudo é a cobrança do imposto sobre o patrimônio, de notória ineficácia arrecadatória. Espera-se arrecadar com este tributo 1,5% do PIB, uma elevadíssima taxa de extração.


Mas a principal limitação do modelo proposto pela Fiesp é a transformação dos impostos indiretos - inclusive os VATs - por impostos sobre consumo cobrados na ponta do varejo. Trata-se de uma temeridade que chega a comprometer uma das metas mais importantes de um novo modelo tributário, qual seja, o combate à sonegação e à evasão.


Em nosso país a ética tributária acha-se em frangalhos. A transformação dos impostos sobre valor agregado em tributos unifásicos cobrados em cada ponto de varejo acarretará grande estímulo à evasão, que só poderia ser contida com a instalação de mecanismos de fiscalização e controle tributários de dimensões mastodônticas, o que, mais uma vez, iria contrariar o objetivo inicial de simplificar e desburocratizar a estrutura de impostos no Brasil.


Em realidade, no que tange ao capítulo tributário, o estudo da Fiesp chama a atenção para um problema de grandes dimensões - os custos da ausência das reformas -, mas em nada ajuda no sentido de instalar no País um sistema tributário capaz de sanar as mazelas que o trabalho soube tão bem identificar.

 

A TEORIA DO CAOS NA ECONOMIA

A teoria do caos, analisada em recente publicação do Instituto Liberal - "Caos, Administração e Economia: As Implicações do Pensamento Não-Linear", de D. Parker e R. Stacey (128 páginas) -, está causando uma revolução no pensamento econômico. Seus postulados básicos, que se aplicam também às ciências naturais, dizem que o mundo não se caracteriza pela ordem, mas sim pelo caos. O desequilíbrio é a norma, não a exceção.


Isso não significa a inexistência de relações causais, mas sim que elas são altamente complexas para poder ser tratadas por meio de relações lineares como as que são utilizadas em economia. Em sistemas não-lineares, não-aditivos, e altamente dependentes das condições iniciais, a teoria do caos ensina-nos que pequenos distúrbios podem causar grandes perturbações. Além disso, a não-linearidade implica que uma dada causa ou ação pode ter mais de um efeito ou resultado, diferentemente das relações lineares em que cada causa tem um, e apenas um, efeito.


Em outras palavras, vivemos em um mundo caracterizado pela desordem dentro da ordem. Por exemplo, não conseguiremos jamais prever com exatidão as condições meteorológicas de uma dada semana de janeiro na cidade de São Paulo, que sempre mostrará um comportamento imprevisível e caótico. Porém, podemos ter certeza de que jamais cairá neve.

Em sistemas caóticos, pequenas e imprevisíveis mudanças nas "condições iniciais" podem causar grandes perturbações. Uma borboleta batendo asas em Tóquio pode causar um furacão em Nova York, sem que ninguém seja capaz de traçar o caminho de volta do furacão até a borboleta japonesa.


Se os sistemas humanos pertencem ao tipo caracterizado pela teoria do caos, torna-se evidente a impossibilidade do planejamento a longo prazo. Raramente as previsões econômicas logram sucesso, ainda que elaboradas com a ajuda de complexos sistemas de centenas de equações simultâneas. O sonho da programação econômica socialista, bem como o hiperativismo macroeconômico que caracterizou a era keynesiana, igualmente encontram sérios obstáculos e enormes contra-indicações. Em realidade, uma dada política econômica pode ter um resultado inesperado e, não raro, até mesmo contrário ao inicialmente planejado. É só nos lembrarmos da contribuição de Milton Friedman ao estudo das causas da crise de 29 - quando apontou que a crise resultou de erros na política monetária norte-americana - para verificar o enorme risco implícito na adoção de políticas macroeconômicas para definir os rumos da economia. Outro exemplo dramático vem do sistema tributário brasileiro. Trata-se de sistema altamente complexo, burocratizado, ainda que possa ser caracterizado como capaz de maximizar as qualidades desejadas de eficiência e eqüidade. Contudo, para que o processo de maximização seja efetivado, há que se considerar as condições iniciais do sistema. Neste ponto o sistema entra em colapso.


Erros e desvios, mesmo que minúsculos, nas especificações do sistema, como a evasão, a sonegação e os custos de arrecadação, propagam-se e ampliam-se, podendo levar a resultados totalmente divergentes daqueles inicialmente esperados. Daí a grande atratividade de propostas como a do Imposto Único, que dependem menos das condições iniciais, da especificação do sistema e do planejamento tributário burocrático, e muito mais da capacidade auto-organizativa da sociedade e da liberdade das instituições econômicas.


A evolução do pensamento econômico tem se baseado na premissa de um processo de realimentação negativa expressa por meio de equações lineares e defasagens simples. Assim, os mercados movem-se suave e rapidamente em direção a um equilíbrio, e lá permanecem até que ocorra algum distúrbio. Mas, em realidade, a realimentação econômica pode ser positiva e não-linear, causando considerável instabilidade.


Mas se a economia é regida por regras caóticas como estas, não cairemos no total imobilismo ou fatalismo? Há algo a ser feito para buscar-se o crescimento econômico e a estabilidade de preços?


Certamente que sim. O dinamismo das relações econômicas e sua constante evolução fazem com que a capacidade de adaptação a novas circunstâncias, a criatividade e as inovações sejam mais importantes do que a busca da ordem, do equilíbrio e da estabilidade. A regulamentação, o planejamento e a rigidez institucional não são respostas adequadas a sistemas caóticos. Nestas circunstâncias, a excessiva intervenção estatal, o monopólio e a tributação elevada reduzem a capacidade de adaptação e de auto-regulação dos agentes econômicos.


O que vale, portanto, é a adaptação espontânea a novas e imprevisíveis circunstâncias, que surgem a todo momento. O futuro será determinado não pelo voluntarismo dos planejadores, mas pela evolução das instituições. A política correta é o fomento da liberdade de mercado e políticas que preservem a agilidade institucional para mudanças. O livre mercado, como sistema criativo e auto-organizado, mostra-se mais adequado para responder aos desafios emergentes do que à rigidez dos sistemas planejados.


É por isso que, mais do que nunca, o liberalismo se coloca como a alternativa adequada para a definição das normas de política econômica. E se torna cada vez mais atual o discurso da escola austríaca, com sua visão institucionalista, hoje resgatada por economistas modernos como Coase, Buchanan e North.


A teoria do caos não questiona a teoria econômica convencional. “O que ela questiona é a idéia de que essas relações podem ser quantificadas com exatidão suficiente para permitir a previsão de um resultado preciso. A incapacidade de entender a diferença entre compreensão ou explicação, de um lado, e previsão, do outro, está por trás de deficiências no ensino de economia hoje em dia. Ela também ajuda a explicar o fracasso dos governos em suas tentativas de amortecer os ciclos econômicos por meio de sintonia fina.”Outro corolário importante da teoria do caos é seu questionamento dos fundamentos da escola das expectativas racionais. “A teoria aceita a informação imperfeita, mas o caos sugere que as pessoas não possuem um modelo coe- rente do mundo, e, na presença da verdadeira incerteza, as expectativas serão divergentes.” Onde existe o caos, os agentes econômicos não podem aprender com precisão, e não pode haver antevisão perfeita.


Conclui-se também que "o Estado não tem o conhecimento necessário para adotar as medidas (macro-econômicas) corretas. Na medida em que é extremamente baixa a probabilidade de se alcançar um estado final desejado em um mundo caótico, é difícil enxergar como o governo poderia especificar uma política para atingir esse objetivo, a não ser por acaso". Vê-se, portanto, por que a intervenção estatal, em vez de amortecer os ciclos econômicos, pode agravá-los.


A teoria do caos na economia deixa-nos muitas recomendações importantes. Entre elas a de que diferentemente da economia neoclássica, o caos reforça a rejeição de um futuro conhecível e critica a previsão macroeconômica, o planejamento estatal e a administração da demanda. Mostra que a política econômica deve ter por alvo os meios, e não os fins, como maneira de criar condições para o surgimento de instituições capazes de evolução auto-organizada e que permitam aos agentes econômicos se adaptarem tão rápida e suavemente possível às mudanças econômicas imprevisíveis. Torna-se essencial um sistema econômico que premie a flexibilidade e a inovação.


O caos mostra-nos que uma economia competitiva, que encoraje a mudança e a criatividade, é mais capaz de enfrentar um futuro caótico e desconhecido.

 

REFORMA AGRÁRIA BOLORENTA

É curioso como, historicamente, algumas idéias vivem verdadeiros ciclos de produto. Surgem, desaparecem e, novamente, voltam. Tornam-se moda, para em seguida ser esquecidas. Depois voltam a ser apresentadas como projetos novos, modernos e imprescindíveis para o desenvolvimento econômico e social do País. O caso mais evidente, hoje, é a reforma agrária.


A questão fundiária foi transformada em tábua de salvação de partidos políticos que perderam suas mensagens e que sofrem sérios riscos de cair no esquecimento eleitoral.


Organizado através de movimentos formalmente sem filiação política, o projeto vem angariando indevida atenção, principalmente através de uma irresponsável política de invasões de propriedades.


Ao invés de reagir na mesma medida das violências institucionais cometidas pelos agressores, o governo tem sido incompreensivelmente tolerante. Demonstrando fraqueza e tibieza de convicções, a administração pública acaba fomentando a visibilidade deste movimento, cuja clandestinidade, ao invés de ser combatida, é louvada por políticos, pela mídia engajada e pelos eternos inocentes úteis, sempre presentes em momentos como este.

A reforma agrária tomou-se bordão político eficiente. Mas, como projeto econômico e social, está totalmente superado.


Em primeiro lugar, é difícil imaginar que o setor agrícola brasileiro, diferentemente do que ocorre em todo o mundo, venha a ter maior grau de absorção populacional. Pelo contrário, a tecnologia moderna continuará a deslocar contingentes populacionais para as cidades. A questão do emprego é essencialmente uma questão urbana. Colocá-la no âmbito do setor agrícola é cortina de fumaça, com o objetivo de desviar a opinião pública.


Em segundo lugar, o modelo clássico de reformas agrárias (desapropriações e posterior distribuição de lotes aos destituídos) são políticas produtivas e redistributivas totalmente equivocadas no atual momento histórico. Existem instrumentos mais eficientes e mais baratos para se obter tanto um quanto o outro objetivo, com os quais, aliás, todos concordamos. Ainda precisa ser comprovado que as massas urbanas estejam dispostas a pagar preços mais altos por seus alimentos e matérias-primas industriais em nome de projetos de reforma agrária que, historicamente, têm mostrado no Brasil resultados concretos difusos e pouco convincentes.


A reforma agrária é proposta anacrônica e bolorenta se deseja estimular a agricultura a produzir mais com custos mais baixos (e assim distribuir renda), aumentar a intensidade do uso do trabalho, fomentar a maior eficiência com o estímulo à agricultura familiar e atenuar os problemas de balança de pagamentos.


Antes, há que se retornar aos princípios fundamentais do Estatuto da Terra, nunca implementado em nosso País. A leitura daquele texto, publicado em 1964, deixa claro que eram previstas várias formas de estímulo ao setor agrícola, tais como a colonização (não implementada) , a assistência técnica (hoje quase inexistente), políticas de desenvolvimento rural (nunca detalhadas) e, principalmente, a taxação progressiva da terra (desvirtuada como instrumento de política fundiária no Brasil). Erroneamente, contudo, foi o assistencialismo que prevaleceu. A desapropriação, como método possessório, e a distribuição, como mecanismo alocativo de recursos de produção, acabaram sendo transformadas nos elementos focais dos projetos de reforma agrária atuais.


Mas há uma chama de racionalidade em vista. Trata-se do projeto do Banco Mundial para encontrar uma solução de mercado para o problema fundiário brasileiro. Financiamentos fundiários, um BNH para o pequeno agricultor.


Basta recuperar a experiência de colonização do norte do Paraná para se verificar que é por aí.

 

IMPOSTO ÚNICO PARA AS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS

O sistema de pagamento unificado de impostos e contribuições pelas micro e pequenas empresas, instituído pela Medida Provisória 1.526 de 5/11/96, representa um passo inicial importante para facilitar o recolhimento de impostos. Mas apresenta falhas sérias, certamente produzidas pelo viés cultural de nossa burocracia fiscal, que limita o potencial simplificador do projeto.


De fato, ao incidir sobre a receita bruta, o imposto único da micro e pequena empresa não a exime de manter um segmento administrativo de guarda de documentos, escrituração contábil voltada a registros demonstrativos do valor da receita probante do porte que a enquadre como beneficiária do sistema. As restrições  à opção pelo sistema, praticamente, deixam de fora o setor serviços.


O estabelecimento de estrutura de alíquotas crescentes torna o sistema complexo, pouco transparente e de administração ainda cara para as empresas e o governo. De outro lado, a dependência de adesão de Estados e municípios através de convênios firmados com a União retarda a efetividade operacional do sistema e, portanto, a coleta dos benefícios dele esperados.


São traços de natureza política e burocrática que marcam a iniciativa do imposto único das micro e pequenas empresas, que seriam eliminados se o projeto tivesse incorporado duas importantes características da minha proposta original do Imposto Único - ser não-declaratório e incidente sobre as transações financeiras dessas empresas. Assim, ser-lhe-iam assegurados simplicidade, baixo custo e eficácia arrecadatória. Pois as despesas daquele segmento administrativo-burocrático seriam extremamente reduzidas, o controle da arrecadação seria grandemente facilitado pelos recursos da informática e a impossibilidade de sonegar tornaria a receita do sistema uma certeza.


Não obstante, não há como negar que o projeto do governo representa um grande avanço e deixa este autor da proposta do Imposto Único pessoalmente satisfeito por constatar que sua idéia vem ganhando espaço, vencendo insistências e preconceitos. Mesmo que o governo não tenha se preocupado em consultá-lo, nem aos parlamentares e tributaristas que de- fendem a adoção de um único imposto para toda a economia, ou variantes dele, como Roberto Campos, Flávio Rocha, Luís Roberto Ponte, Ives Gandra Martins, etc., o que poderia ter evitado ou minimizado as falhas apontadas.


Em todo caso, resta a esperança de que tais lacunas sejam eliminadas e a proposta aperfeiçoada, quando for apresentada pelo Congresso Nacional.


PROER: RALO DE MILHÕES

É espantosa a rapidez com que o governo desembolsa somas astronômicas, a pretexto de salvar a credibilidade do sistema financeiro. Não há números precisos. Mas fala-se em cerca de R$ 15 bilhões o total envolvido nos casos Econômico, Nacional e Banespa.


Essa presteza dá a impressão de que as autoridades estão apavoradas diante de um buraco cujo tamanho desconhecem, denotando descontrole da situação. Não se tem notícia, no mundo, de uma operação dessas. Por muito menos, cerca de US$ 1 bilhão, a Inglaterra deixou quebrar o Barings.


O que surpreende, ainda, é a alegação falaciosa do governo de que nas operações de salvamento ao amparo do Proer ele não está gastando sequer um tostão, porquanto os recursos vêm do compulsório bancário.


Ora, qualquer dinheiro que entra, impositivamente, nos cofres do governo configura um imposto. O compulsório é instrumento de política monetária que tem um custo suportado pelo contribuinte.


Seria a mesma coisa se o governo resolvesse usar contribuições sociais para financiar jatinhos executivos para os empresários, dizendo que tais recursos foram, original- mente, também supridos por eles, e que esse desvio não implicaria qualquer sacrifício para a sociedade em saúde, educação...


A CPI dos bancos, ao que parece, não está morta. Pesquisas mostram que a sociedade quer a apuração dos fatos e a punição dos culpados. Então, está na hora de o governo abandonar sua postura hesitante, defensiva, e deixar que venham as explicações. O que não pode é a sociedade ficar, mais uma vez, com a sensação de estar sendo enganada.

 

IMPOSTO UNICO - IGNORÂNCIA POR CONVENIÊNCIA?

A controvérsia própria das discussões acerca da matéria pode ser uma das causas determinantes do engavetamento da proposta tributária. As raízes das divergências são alimentadas pela defesa cega de interesses estabelecidos; por enfoques conservadores, calcados em teorização ultrapassada; pelo exibicionismo intelectual e pela falta de objetividade, produzida por considerações inteiramente desligadas da realidade, que hoje reclama e comporta transformação radical do falido sistema tributário nacional.


O "Fórum das Reformas: A Nação Tem Pressa", patrocinado pela FIESP constitui-se no mais recente foco de discordância, devido às estimativas no estudo: "Quanto custa Para o País a Não-Realização das Reformas Tributária, da Previdência e Administrativa", da FIPE. O estopim foi a pro- posta de ampliação da base de incidência do Imposto de Renda, contida no estudo. As opiniões de consultores consideram utópico o aumento da base do IR, devido à grande margem existente para a sonegação; passam pela necessidade de um regime duradouro, baseado na flexibilidade para flutuação de alíquotas, permitida pela redução do número de impostos; a redução das alíquotas do IR, com instituição simultânea de imposto sobre consumo de bens e serviços; ampliação da base de incidência sobre o IR e a diminuição dos impostos indiretos; as dificuldades de atingir o percentual adequado do imposto sobre a renda, causada por sua centralização pela União. A convergência manifestou-se na redução do número de impostos e alíquotas, como forma de combater a sonegação. A unicidade tributária foi defendida como exemplo do Simples, unificador de impostos e redutor da carga fiscal para micro e pequenas empresas, ao qual já seria grande a adesão, aumentando o número de contribuintes, diminuindo a informalidade.


Dessas opiniões, ficou clara a preocupação com a sonegação e a evasão fiscal, facilitadas pelas falhas do sistema vigente. Aliás, para uma idéia da magnitude dos danos dessas práticas para as finanças públicas, é esclarecedor o artigo "Cobrança da dívida ativa: remédio que mata", de Ricardo 1odi Ribeiro, presidente do Sindicato dos Procuradores da Fazenda Nacional (Gazeta Mercantil, 24/6/97).


Embora com o intuito de combater a proposta de securitização da dívida ativa, o texto realça o caráter incobrável da maioria dos débitos ficais, porque a cobrança judicial dá tempo para que os devedores se desfaçam de todo o seu patrimônio, frustrando sua execução. Destaca, ainda, os obstáculos na cobrança judicial dos débitos fiscais, conseqüência das brechas da legislação, proporcionando ao sonegador-devedor toda sorte de artifícios para protelar ao máximo o pagamento de suas dívidas e, no extremo, deixar de quitá-las, com o desaparecimento fraudulento de seus bens.


Curiosa, em toda a manifestação de natureza tributada, é a ausência de proposta de profunda alteração da estrutura atual, consubstanciada numa verdadeira reforma do sistema, capaz de eliminar, em definitivo, os vícios acima apontados. Fala-se das virtudes do Simples, cita-se a eficácia arrecadadora da CPMF (cuja vigência já se cogita prorrogar), mas nunca é citada a proposta original do Imposto Único, da qual são variantes desvirtuadoras, mas que servem às conveniências políticas e fiscais do governo.


A falência do sistema vigente não é fruto apenas dos problemas mencionados. Há que falar do emaranhado legal, dos altos custos de pesadas e complexas estruturas burocráticas exigidas por impostos declaratórios, da rigidez de alíquotas, da baixa eficácia arrecadatória e das largas brechas legais e operacionais, incentivadoras da sonegação e evasão. Somente quem nunca viu a espessura dos volumes dos códigos tributários, não vivenciou caros aparatos - físicos e de pessoal - inteiramente voltados ao planejamento tributário (leia-se sonegação legal), incrustados nos setores administrativos das empresas, não enfrentou a interferência bisbilhoteira e o achaque de fiscais tributários dos três níveis do governo nas suas dependências, a fomentar a corrupção, poderia ignorar os graves defeitos causadores do fracasso do sistema tributário, que se busca perpetuar com abordagens superficiais que deixam intocada a "exploração da complexidade", feliz expressão do deputado Roberto Campos.


Nunca será demais repetir que, com o Imposto Único Sobre Transações, a redução do número de impostos será absoluta; a flexibilidade de alíquota será total, para calibrar a receita, segundo o nível de dispêndio orçado. Falar do risco do federalismo, representado pela centralização tributária, não passa de exibir um escrúpulo desmoralizado pelas práticas cotidianas do governo federal. Com a adoção do Imposto Único, a distribuição da receita será feita, automática, instantânea e diretamente, pelos programas dos computadores, dispensando a freqüente, dispendiosa e humilhante presença de governadores e prefeitos em Brasília, para negociar a liberação da parcela de recursos de seus Estados e municípios, num atentado explícito à organização federativa do Estado.


A reforma do sistema tributário, baseada no Imposto Único, não deve ser feita por aproximações acanhadas ou desvirtuadoras, tipo Simples, IPMF ou CPMF A reforma fiscal nele preconizada tem de radical a simplificação da unicidade tributária. No mais, é também, inteiramente desejável - democrático, universal e de alíquota baixa flexível; de baixo custo de arrecadação e administração, portanto mais produtivo; além de não ser declaratório e, logo, insonegável, infenso à corrupção, como, aliás o IPMF, antes, e a CPMF, agora, vêm comprovando ser, indiscutivelmente. Redutor do "custo Brasil", é mortal à guerra fiscal entre Estados e municípios.


Por tudo isto, não se compreende que a proposta do Imposto Único não seja debatida, nem considerada objetivamente pelas entidades de classe, pelo Congresso Nacional em suas comissões, nem pelo governo, sabidamente vulnerável no seu flanco fiscal. A não ser que a desordem tributária, malgrado seus custos, seja, no íntimo, desejada pelo governo, empresários e políticos, por prestar-se a toda sorte de manipulação tributária, assim como a desordem inflacionária, em passado recente, para perenizar perdas sociais crescentes e irrecuperáveis. Seria lamentável se este fosse o motivo para o Imposto Único ser, convenientemente, ignorado.


O EMBRIÃO DO IMPOSTO ÚNICO

O lançamento do imposto único, em artigo na Folha em 14/1/1990, foi uma guinada radical nos rumos da questão tributária no Brasil.


Pela primeira vez foi feita uma crítica ampla e sistemática às estruturas tributárias clássicas, que, por refletirem modelos teóricos, não incorporavam fatos da realidade, como a sonegação e os altos custos de arrecadação.


Em outras palavras, percebeu-se que as vicissitudes do mundo concreto podem sobrepujar largamente as vantagens técnicas do mundo ideal.


A discussão do imposto único ao longo da primeira metade da década trouxe nova esperança aos contribuintes, ao acenar com alternativas tributárias viáveis, capazes de substituir com vantagens os modelos tributários tradicionais.


O imposto único possui duas características fundamentais: 1) a unicidade (e, conseqüentemente, a desburocratização, a simplicidade e a redução dos custos de arrecadação) e 2) a técnica de arrecadação informatizada, ou seja, o uso das transações bancárias como base impositiva (e, conseqüentemente, a universalidade e a automaticidade arrecadatórias).


Com o passar do tempo, experiências importantes foram realizadas. A vigência do Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira (IPMF), ao longo de 1995, comprovou a eficiência de um novo tipo de imposto, não-declaratório, que se mostrou insonegável, de baixo custo e robusto, apesar da precariedade institucional que o caracterizou.


A criação do novo sistema tributário para as micro e pequenas empresas é oportunidade para testar as vantagens da unicidade tributária. A aplicação da medida provisória 1.526, de 5/11/96, aprovada anteontem no Congresso Nacional, fecha o círculo experimental das características do imposto único e permitirá prever que, brevemente, se poderá implantar no pais o imposto único em toda a sua plenitude.


Lamentavelmente, o governo federal acerta no atacado, mas merece críticas no varejo.


Em primeiro lugar, há que lamentar a arrogância de seu comportamento. Em nenhum momento os economistas e homens públicos que se dedicaram incansavelmente à estruturação do projeto do imposto único e suas variantes foram chamados para colaborar nos estudos para a elaboração da MP 1.526.


O resultado dessa omissão não foi sem prejuízos à coerência do novo sistema.


O teor da MP 1.526 padece de vícios antigos. A estrutura de alíquotas é altamente complexa e até mesmo contraditória. Por exemplo, a adesão de uma pequena empresa que recolha o ICMS e não esteja sujeita ao ISS implicará receita de 2,5% do faturamento para o Estado correspondente. Mas será de apenas 2%, caso a empresa também recolha o ISS.


As regras de funcionamento do novo imposto são complexas e burocratizadas. Estados e municípios que adiram ao sistema terão de delegar toda a administração e arrecadação do imposto ao governo central, o que ameaça o sistema federalista.


Mas o principal defeito do novo imposto é ser declaratório.


Cumpre notar que, do ponto de vista teórico, a incidência sobre faturamento é praticamente idêntica à incidência sobre movimentação bancária. Nesse sentido, a experiência do IPMF recomendaria fazer o imposto único incidir sobre a movimentação bancária. As vantagens seriam múltiplas.


Em primeiro lugar, sendo não-declaratório, o imposto sobre transações bancárias implicaria maior automaticidade e custos de arrecadação privados e públicos praticamente nulos.


Em segundo lugar, o imposto sobre movimentação bancária, devidamente regulamentado, é insonegável e, portanto, verdadeiramente universal. Com isso, a alíquota necessária para arrecadar um mesmo volume de recursos poderia ser mais baixa. Nossas estimativas indicam que alíquota única de 2% geraria a mesma arrecadação que as alíquotas entre 5% e 10% previstas na MP.


Com certeza, alíquotas entre 5% e 10% são poderosos estímulos à sonegação, se o imposto for calculado sobre faturamento declarado. Em outras palavras, a esperada redução na informalidade de micro e pequenas empresas poderá não ocorrer, já que o prêmio ao sonegador (até 10%) é elevado. Ademais, a fuga da tributação bancária é praticamente impossível, principalmente se as salvaguardas previstas no projeto do imposto único forem adotadas no caso das micro e pequenas empresas.


Cumpre assinalar que o projeto do imposto único reúne importantes postulados incorporados à moderna teoria do desenvolvimento econômico, com a constatação de que a economia não se ajusta aos princípios neoclássicos de otimização; os mercados, sua organização e suas informações são imperfeitos; e os impostos devem ser instituídos com o fim precípuo de arrecadar recursos e não para, ao mesmo tempo, estabelecer a eqüidade e promover a redistribuição de renda e o crescimento econômico.


Mas, enquanto as condições para a implantação do imposto único não estão maduras, o governo dá um grande passo na busca de maior racionalidade e justiça tributária em nosso país. Mesmo sendo um imposto declaratório e, portanto, complexo e sujeito à sonegação generalizada, a MP 1.526 é um inequívoco avanço, comparativamente ao atual quadro tributário enfrentado pelas micro e pequenas empresas.

 

A DITADURA DAS MINORIAS

O governo federal, eleito em primeiro turno brandindo as bandeiras das grandes reformas constitucionais, não consegue concretizar as propostas que defendeu na campanha eleitoral. As reformas tributária, previdenciária e administrativa não saem do papel. O Plano Real corre sérios riscos se o ajuste fiscal não for realizado.


Uma das razões que explicam o estancamento das reformas é a mobilização dos grupos de interesses contrariados, o que é legítimo em democracias representativas. Mas o curioso é que os "lobbies" contrários são minoritários. Mesmo assim, conseguem influenciar a decisão dos representantes da maioria, inviabilizando soluções para os grandes problemas nacionais.

A reforma tributária é caso exemplar. Pesquisa publicada pelo O Estado de S. Paulo em 2/10/95 revelou que 70% dos empresários pesquisados apoiam o Imposto Único no Brasil. No entanto, o "lobby" dos sonegadores e da burocracia ligada à estrutura de arrecadação, fiscalização e cobrança de impostos, é contra a proposta, e consegue impor seu ponto de vista. A sociedade é a favor, mas os deputados preferem apoiar os burocratas públicos e os sonegadores. Uma evidente dissociação entre representantes e representados.


Mas por que isto acontece? Como pode o político abandonar causas que a maioria deseja apoiar? Como funciona nosso sistema de representação popular?


A forma de escolha dos representantes do povo no parlamento é difusa e distancia o político de seu eleitor. Em geral, o homem público é induzido a atender a interesses paroquiais, familiares, e até mesmo pessoais de seus supostos eleitores, mesmo suspeitando que o interesse coletivo não esteja sendo promovido.


O político espera sempre somar apoio de futuros eleitores e qualquer novo grupo de correligionários, por menor que seja, é sofregamente disputado. Como não existe uma forte vinculação entre eleitor e eleito, o político sente-se descompromissado com grupos organizados. O resultado é que qualquer pleito de algumas dezenas de eleitores consegue sensibilizar os políticos, transformando-os em defensores de seus interesses localizados.


O sistema político brasileiro impele o homem público a estender e ampliar benefícios, e a rejeitar propostas que encontrem oposição de grupos organizados. Não há qualquer estímulo para adoção de medidas de cunho limitativo, que em geral são tidas como anti-sociais e altamente impopulares, nem para apoiar propostas que favoreçam difusamente a população, se forem incisivamente rejeitadas por grupos organizados, mesmo que minoritários. O tema, portanto, para o político que deseja se eleger e reeleger, é sempre prometer, e se possível cumprir as promessas, desde que esteja sempre distribuindo privilégios, favores e benesses. O político não-populista que busca o interesse público e que, portanto, é forçado às vezes a cortar privilégios, reduzir favores, ou impor sacrifícios para determinados segmentos, ainda que favorecendo o bem estar social, pode ser punido com a evaporação de sua base eleitoral.


O voto em geral é disperso. Ter votos em todas as urnas apuradas é uma vantagem que os políticos buscam sempre, pois minimiza riscos de insatisfação do eleitor em relação às suas atividades públicas. Por outro lado, isto faz com que as metas e projetos dos parlamentares também sejam fragmentados, e muitas vezes até mesmo contraditórios. Já tivemos exemplos de parlamentares defenderem teses modernas, como o desengessamento da economia, por exemplo, e, ao mesmo tempo, posicionarem-se pela manutenção dos estatutos arcaicos e discriminatórios, como o dos portuários. Isto acontece porque acreditam que, com esta atitude, poderão estar captando algumas centenas de votos naquele segmento, sem que nenhum outro grupo organizado lhes exija satisfações.


Defender ambulantes e invasores de terras também rende votos, ainda que muitas vezes os interesses mais amplos da sociedade possam estar sendo prejudicados. Quem seria contra? Proprietários e comerciantes estabelecidos. Mas estes segmentos estão totalmente fragmentados em seus apoios eleitorais, e as eventuais perdas de votos representam uma pequena parcela do total.


Nosso sistema eleitoral faz com que os políticos bus- quem apoio em todos os grupos de interesse, o que os força a sempre tentar estender benefícios e vantagens. E se isto não for possível, ao menos manter os privilégios conquistados. Jamais cortar, excluir ou limitar.

A perspectiva de vinte ou trinta votos pode induzir um parlamentar a abraçar bandeiras que em tese jamais de- fenderia. Ou a ignorar bandeiras, como a do Imposto Único, que, no fundo, ele e a população em geral desejariam ver aprovadas.

 

CPMF, UM BOM IMPOSTO EM MÁ HORA

Se uma mentira repetida muitas vezes acaba virando verdade, já é hora de questionar muitas das alegações que vêm sendo feitas sobre a CPMF antes que se tornem universalmente aceitas como verdadeiras.


Acredito que em toda a discussão acerca das vantagens e defeitos da CPMF só exista uma posição aceita por quase todos: não é hora para aumentar a carga tributária em nosso país.

Como autor da proposta do imposto único, concordo que o antigo IPMF e sua cria, o CPMF; significam o estupro daquela idéia. Em vez de único imposto, acabou travestido em mais um encargo para sobrecarregar o insuportável ônus fiscal exigido da população.


A crítica é válida não apenas para a CPMF; mas também para a imposição de qualquer outro imposto que aumente a carga tributária, próxima de 33% do PIB. Essa taxa de extração é igual a de países desenvolvidos como o Japão e os EUA, absurdo apontado pelo conhecido tributarista do FMI, Vito Tanzi, por ocasião de sua recente visita ao Brasil.


Aí terminam as verdades acerca da CPMF. No mais, as críticas carecem de fundamentação.

Em artigo publicado em 14 de setembro na Folha, o presidente da FIESP, Carlos Eduardo Moreira Ferreira, dá continuidade à diatribe contra a CPMF.


Concordo com ele no tocante às partes inicial e final. Na primeira, menciona-se a falta de vontade do governo para fazer a reforma tributária. Apóio também o final, quando o autor clama por menos tributos, para estimular a justiça social e o incremento da produção. No restante do artigo, contudo, há equívocos e chavões que passo a discutir. São cinco críticas que vou refutar.


A primeira diz que a CPMF, por ser um tributo cumulativo, é um "imposto burro", Impostos em cascata não são necessariamente ruins. As recentes teorias da tributação ótima, juntamente com postulados da teoria do "second best", de safra mais antiga, já deveriam ter convencido os economistas de que nada se pode concluir “a priori”.


Um tributo em cascata com alíquotas baixas pode ser melhor, do ponto de vista alocativo, que tributos sobre valor agregado com alíquotas altas. E sabe-se muito bem que no Brasil foi gerado um círculo vicioso: o governo aumenta alíquotas para compensar a enorme evasão tributária. Isso, contudo, estimula ainda mais a evasão e suscita novas rodadas de aumentos de impostos.


A segunda crítica é factual. Afirma que a cumulatividade da CPMF; da Cofins e do PIS produz carga de impostos de 25% no preço final, em bens produzidos em oito etapas.


Trata-se de um equívoco numérico. O conceito de número finito de "etapas de produção" é destituído de sentido. O processo de produção é circular. O número de etapas é infinito para qualquer produto.


Mesmo assim, minhas simulações utilizando uma matriz de insumo-produto para 33 setores de produção, fornecida pelo IBGE, comprovam que a carga tributária é inferior a 9% em todos os setores da economia. Foi tomado por base o imposto único de 1 % em cada lançamento bancário. Gostaria de saber como se chegou a 25% de carga tributária com alíquota de 0,20%.


A terceira crítica refere-se ao efeito da CPMF no comércio exterior: dificuldades de desoneração das exportações, que acumulam CPMF ao longo do processo produtivo, e favorecimento dos importados, que só pagam uma vez.


Ora, para desonerar a exportação basta fazer rebates fiscais, como na devolução do ICMS cobrado nas fases intermediárias da produção de exportados. Por exemplo, no caso da exportação de tratores, a montadora recebe créditos de 5,2% por conta de ICMS antigo, além da isenção de exportador. Basta fazer o mesmo para a CPMF.


Quanto aos importados, a crítica não faz sentido. Busca-se atribuir à CPMF uma culpa que deveria ser dividida com todos os tributos incidentes sobre a produção interna.


Hoje, os importados são altamente favorecidos pela carga tributária geral sobre a produção doméstica. Basta um exemplo. Segundo a Abia (Associação Brasileira da Indústria de Alimentação), os alimentos industrializados internos sofrem em média carga tributária de 33% de seu valor. Os importados chegam aqui totalmente desonerados. Se a crítica for só essa, basta ajustar as alíquotas de importação para garantir a igualdade concorrencial que se deseja.


A quarta crítica é geral, não à CPMF Trata-se da tendência de elevar a alíquota dos impostos ao longo de sua vigência. Mas o curioso é que se busca culpar o imposto em si, como se ele tivesse vida própria e crescesse biologicamente ao longo do tempo! A crítica deveria ser dirigida aos governantes, que aumentam as alíquotas, e à própria sociedade, que aceita a situação.


Aliás, se houvesse imposto único, os olhos da sociedade estariam mais bem focados no controle social de sua única alíquota. Hoje, a babel tributária impede que efetivos mecanismos de controle sejam exercidos pela sociedade.


Por fim, o artigo afirma que a CPMF vai contra todos os modernos princípios da ciência tributária e contraria tudo o que fazem os outros países. A primeira parte da crítica é falsa e a segunda, irrelevante.


Políticos, economistas e tributaristas de boa estirpe no Brasil e no mundo apóiam impostos sobre transações financeiras e recomendam-nos em trabalhos e estudos. Entre os economistas, James Tobin (Prêmio Nobel), Rudiger Dornbusch, Roberto Campos, Ary Oswaldo Mattos Filho (presidente da Comissão de Reforma Tributária no começo dos anos 90). Entre os políticos, Flávio Rocha, Luiz Roberto Ponte (autor de emenda de grande popularidade no Congresso) e Luiz Carlos Hauly (autor de outra respeitada proposta).


Como defensores das qualidades desses tributos, menciono ainda recentes apoios de respeitados membros da esquerda, como Roberto Freire e Maria da Conceição Tavares. Para finalizar, não poderia deixar de citar as inteligências de Everardo Maciel e do ex-ministro Adib Jatene na defesa de tributos sobre movimentação financeira.


Não importa se outros países não se valem de impostos como a CPMF Afinal, por que deveríamos apenas copiá-los? Acredito que a CPMF seja um imposto moderno, produto da revolução da informática, e que sua crescente popularidade seja inevitável aqui e em outros países do mundo, por ser de baixo custo, insonegável e universal. Seria ainda mais se viesse em substituição aos carcomidos impostos clássicos.


Reafirmo que sempre combati a CPMF não por suas características intrínsecas, que são altamente positivas, mas sim pela forma como foi utilizada e por ser usada pelo governo apenas como mais um reforço para a já excessiva carga tributária brasileira.

 

 

A INVIABILIDADE DA NOVA PROPOSTA TRIBUTÁRIA

Por fim, o governo mexeu-se e apresentou, ainda que de forma preliminar e titubeante, uma segunda proposta "oficial" de reforma tributária. Trata-se de um modelo tributário que não altera a atual estrutura clássica de impostos brasileiros. Continuam existindo todos os atuais tributos, ainda que sejam eliminados alguns penduricalhos como o Cofins, os adicionais sobre o lucro, etc. Mas, grosso modo, o sistema tributário clássico, composto de impostos declaratórios sobre a renda, sobre a circulação, sobre o patrimônio, sobre o comércio exterior e sobre a folha de pagamento continua existindo, sem modificações essenciais. Mudam-se apenas as formas operacionais de arrecadação e as atribuições e competências dos entes federados.


A novidade é a criação, no âmbito das atribuições de Estados e municípios, de um imposto unifásico de varejo. Pretende-se um imposto como o cobrado nos Estados Unidos. O comerciante varejista adiciona o imposto ao preço anunciado de seus produtos ou serviços. Os Estados cobrariam este imposto sobre produtos e os municípios sobre serviços.


Como avaliar esta proposta?


Uma primeira característica a ser notada é a enorme centralização tributária decorrente deste sistema. O novo imposto sobre valor agregado, que passaria a ser administrado pela União, englobaria os atuais ICMS, IPI e ISS. Vale apontar que este novo tributo seria arrecadado pela União e partilhado com Estados e municípios. Haveria maior centralização tributária, e os condicionantes políticos se exacerba- riam na transferência dos recursos.


Por outro lado, haveria sensível melhoria na administração deste novo IVA, pois sabe-se que impostos sobre valor agregado encontram enormes dificuldades operacionais em sistemas federativos. O Brasil é um dos poucos países no mundo que possui um IVA estadual, o que responde pela enorme complexidade e descontrole administrativo que o caracteriza, embora ainda seja a fonte primordial de recursos dos Estados.


Estados e municípios passariam a cobrar o novo imposto de varejo.


Este novo tributo exige antes de mais nada uma ética tributária que não existe em nosso país. Trata-se de evidente mimetismo cultural pretender arrecadar impostos cobrados em cada ponta de varejo. A evasão seria brutal. Trata-se de um imposto utópico para o Brasil. Imaginem o que acontecerá quando, ao invés de se tributar a cerveja diretamente nos cinco ou seis grandes fabricantes, se passar a fazê-lo em cada balcão de bar ou em cada mesa de restaurante espalhados em todo o país. Os custos administrativos serão enormes, inclusive pela necessidade de novos e pesados sistemas de fiscalização.


Em resumo, a nova proposta é centralizadora, burocrática e altamente indutora à evasão. Percebe-se que foi apenas uma resposta bate-pronto às pressões e demonstrações de descontentamento da sociedade brasileira com nosso atual sistema tributário. E uma tentativa de neutralizar declarações e posturas infelizes de membros do governo sobre o tema.


De forma surpreendente, o ministro do Planejamento, Antônio Kandir, declarou recentemente que a reforma tributária não é prioridade. Igualmente lamentável foi a afirmação do ministro da Fazenda, Pedro Malan, dizendo que só no próximo milênio a sociedade brasileira teria um novo sistema de arrecadação de impostos. Confirma-se assim a enorme distância entre o que o governo pensa e o que deseja a sociedade.


Enquanto os agentes econômicos se organizam para forçar a administração a implementar uma ampla reforma tributária, as autoridades ignoram a questão. A mobilização da sociedade vai-se avolumando a cada dia. Rádios fazem campanhas permanentes contra os impostos abusivos; entidades patronais e de trabalhadores protestam contra a crescente carga tributária; setores de produção, como a agricultura, organizam seminários para discutir a questão dos impostos e propor alternativas, como o da Confederação Nacional da Agricultura no encontro de Brasília, no último dia 11 de setembro.


Há razões concretas para tanto descontentamento. Vito Tanzi, renomado especialista em finanças públicas do Fundo Monetário Internacional, alerta acerca da excessiva carga tributária brasileira. O peso dos impostos no Brasil já equivale ao de países mais avançados, como os Estados Unidos e Japão. Nos últimos anos, já superou 30% do PIB e ameaça chegar a 33% em 1997, um patamar sem paralelo nas demais economias em desenvolvimento. É doze pontos percentuais superior à do México, e dez pontos acima da Argentina e do Chile. Supera amplamente os tigres asiáticos. Tal situação resulta em perda de competitividade, em estímulo à sonegação e desestímulo à atividade econômica. Com a globalização da economia mundial e a crescente mobilidade do capital é fácil verificar que a trajetória brasileira aponta para o desastre.


A evasão fiscal, inclusive a sonegação e a economia informal, cresce assustadoramente. A Receita Federal admite que cada real arrecadado pelo setor público tem igual contrapartida sonegada. Isto implica dizer que a carga tributária teórica na economia brasileira seria de mais de 60% do PIB. Ou seja, se não houvesse qualquer forma de sonegação, a carga tributária brasileira seria superior a 60% do PIE. Não surpreende, portanto, que a evasão de impostos esteja aumentando. Não por perversão do contribuinte, mas por puro espírito de defesa.


Frente a esta realidade, as autoridades econômicas mostram-se inertes. Por um lado, realizam desastradas reformas na estrutura tributária existente. São remendos que acabam criando mais problemas do que soluções, a exemplo da Lei Kandir. Por outro, mudanças pontuais são realizadas a todo momento, de forma descoordenada, agravando a complexidade e as inconsistências do atual modelo tributário, que já é uma incompreensível colcha de retalhos. Continuar por este caminho resultará em dois fatos indesejáveis: a ditadura e opressão da burocracia pública e da fiscalização sobre a economia formal, e a expansão explosiva da economia informal. Quem pagar impostos pagará demais, ao passo que, em escala crescente, outros pagarão cada vez menos, ou até nada.

 

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