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  • Marcos Cintra

Livro: A verdade sobre o Imposto Único (Capítulo 3)


Capítulo 3

Reforma tributária e o Imposto Único

Introdução

A publicação do artigo de minha autoria intitulado “Por uma revolução tributária”, na Folha de São Paulo, em janeiro de 1990, significou uma descontinuidade nos debates sobre reforma tributária. O texto introduziu no Brasil o Imposto Único sobre Transações, idéia de natureza revolucionária, e que deu início a uma polêmica que empolgou a opinião pública, e oxigenou o debate técnico sobre o assunto.

No artigo, dizia que o quadro econômico exigia uma ampla reforma tributária, o que ainda continua sendo verdadeiro. Porém, citava a constatação de um problema envolvendo a estrutura de impostos no Brasil e o vício que as discussões carregavam. Expus que geralmente a reforma tributária era tratada de forma restrita, apenas como um programa para recuperar a carga tributária líquida do setor público federal. Providências como o combate à sonegação, a tributação de ganhos de capital, a redução de incentivos e subsídios, e a criação de um orçamento de renúncia fiscal, eram freqüentemente avaliadas como meios para aumentar a arrecadação do governo e, portanto, como formas de equacionar a questão do déficit público e reduzir as pressões inflacionárias resultantes dos constantes desequilíbrios orçamentários.

Aspectos relacionados à eficiência dos mecanismos tributários, sua eqüidade, seus custos, seu padrão de incidência, e outras importantes perguntas acabavam relegadas a segundo plano. Isto porque as discussões assumiam sempre que a tributação era um mal necessário e que comportava poucas possibilidades de inovação. Ademais, aceitava-se pacificamente os postulados e hipóteses simplificadores e altamente estilizados assumidos pela teoria econômica neoclássica, dos quais resultavam modelos eficientes do ponto de vista distributivo e alocativo, sem qualquer julgamento crítico acerca do realismo de tais hipóteses.

Há onze anos atrás já falava da complexidade da estrutura de impostos no Brasil. As inúmeras formas de tributação (impostos sobre a renda, sobre o valor adicionado, sobre o patrimônio, além de taxas de serviços, contribuições parafiscais, adicionais sobre tarifas, etc) tornam absolutamente impossível qualquer conclusão confiável acerca das características do sistema brasileiro. Não há como saber se é ou não regressivo; quais seus impactos alocativos; qual sua eficiência.

Defendia no texto sobre o Imposto Único uma ampla reforma tributária que abrangesse todas essas questões. Porém, num contexto onde o formulador de política econômica não ficasse retrito às instituições e práticas fiscais existentes.

A idéia do Imposto Único polarizou o debate sobre a reforma tributária em duas vertentes principais. Os adeptos de um sistema desburocratizado tiveram no Imposto Único uma fundamentação importante para os debates, enquanto os defensores de um estrutura baseada em impostos declaratórios passaram a desferir críticas violentas ao projeto.

Roberto Campos publicou em 1992 no jornal O Estado de S.Paulo um artigo intitulado “Exógenos e papirófilos” , onde expõe, em seu formidável estilo, pontos importantes que diferenciam bem as duas correntes detectadas a partir da intensificação das discussões.

Roberto Campos traduziu com perfeição a existência dessas duas correntes de pensamento fiscal-tributário, que passaram a debater de modo acalorado os rumos para a construção de um novo sistema de impostos para o país. Para sintetizar esses dois grupos de discussão, Roberto Campos denominou-os de “exógenos” e “papirófilos” para qualificar, respectivamente, os que defendem uma estrutura simples e imune à sonegação, e os que professam a manutenção de um sistema complexo e burocratizado.

Os primeiros rejeitam os impostos de tipo declaratório. São os impostos clássicos, que obrigam o contribuinte a fazer declarações e o Fisco, a fazer avaliações. O custo do papelório é enorme, a avaliação envolve subjetividade e a tentação de sonegar é irresistível.

Roberto Campos afirma que os papirófilos, “esquecidos de que vivem na idade eletrônica, adoram a burocracia documental. São as declarações de renda, do patrimônio, as notas fiscais da produção ou consumo, os recibos de prestação de serviços, as contribuições sobre a folha de pagamento. Há um “delirium tremens” burocrático. Só num ano – 1990 – foram baixados 1.062 instrumentos fiscais – leis -, decretos, portaria, pareceres normativos -, à razão de 4,6 instrumentos por dia útil! Exigem-se 33 livros de escrituração, dos oito contábeis, seis societários, nove fiscais, três trabalhistas, além de 24 declarações tributárias. Há 25 de obrigações básicas trabalhistas e previdenciárias!”

Pode-se suspeitar que hoje, onze anos depois, o quadro de complexidade burocrática deve ter-se agravado.

Campos estima que, “em 1990, o custo de arrecadação dos quatro níveis do Fisco - federal, estadual, municipal, e previdenciário – foi de US$ 3 bilhões, ou seja, 3% do PIB. Para as empresas, o custo da obediência foi ainda maior. Pelo menos um terço dos custos administrativos, ou seja, algo em torno de 5% do PIB, foi representado pelas despesas burocráticas e judiciais envolvidas no pagamento dos impostos”.

O grupo dos que defendem o sistema não-declaratório, os chamados “exógenos” são apontados por Roberto Campos como aqueles que “propõem que os diferentes fatos geradores - renda, consumo, produção e utilização de mão-de-obra – sejam substituídos por um único imposto sobre transações financeiras, através do sistema bancário. Esse imposto seria exógeno, automático e insonegável. Exógeno, porque não dependeria de declaração do contribuinte. Automático, por ser cobrado pelas simples utilização do serviço bancário. Insonegável, porque numa economia moderna não se pode prescindir dos bancos, que são supermercados financeiros que oferecem variados serviços. Isso é verdadeiro, particularmente no Brasil, onde é mínimo o uso da moeda manual”, para se proteger contra o roubo praticado Campos, de “duas personagens: o microladrão da esquina, que trabalha “part time”, e o macroladrão, o governo, que rouba “full time” através do imposto da inflação”.

Segundo Roberto Campos, “há diferenças de pensamento, quer entre os “exógenos”, quer entre os “papirófilos”. Os “exógenos radicais” querem o imposto sobre transações financeiras como o único imposto de fins arrecadatórios (sobreviveriam apenas impostos de regulação econômica, como o de importação). Os moderados admitiriam, além do imposto sobre transações financeiras, a tributação de seis produtos especiais (energia, combustíveis, comunicações, veículos, bebidas e tabaco), cuja coleta é feita na fonte por um limitado número de agentes produtores, independentemente de ”declaração” do contribuinte.

Também entre os “papirófilos” existem os “dietéticos”, que querem emagrecer as figuras tributárias de quinze para cinco (proposta Ives Gandra), e os “enxudiosos”(como na proposta da Comissão Executiva da Reforma Fiscal) que criariam – “horresco referens” – duas novas figuras tributárias: o imposto sobre ativos das empresas e o imposto seletivo sobre produtos especiais. A desvantagem comum a todos os projetos “papirófilos” é que preservam, em maior ou menor grau, as corruptas burocracias do

Fisco e o inferno documental do contribuinte.”

Para Roberto Campos, só valeria a pena um modelo fiscal que apresentasse quatro características e eliminasse cinco efeitos. As características desejáveis seriam:

1. -um fator gerador suficientemente abrangente para elidir a barreira entre a economia informal (que não paga), a economia estatal (que paga pouco), e as vítimas ”fiscais” (que são assalariados com carteira assinada e as empresas do setor formal);

2. -alíquotas baixas para converter a sonegação de uma esperteza numa safadeza (no caso do imposto único sobre transações financeiras, o teto de tolerância parece ser de 2% ou 3% dos dois lados – o devedor e o credor);

3. -arrecadação automática, e não artesanal; e,

4. -repasse instantâneo aos beneficiários – União, Estados, municípios e Previdência Social.

Os cincos efeitos a ser evitados seriam:

1. -o efeito PF – pagamento por fora (achaques fiscais e sonegação nos serviços de profissionais liberais, por exemplo):

2. -efeito PC , isto é, a corrupção na intermediação de verbas;

3. -o efeito “Tanzi”, isto é, a corrosão inflacionária da receita entre coleta e a disponibilidade;

4. -o efeito “papiro”, isto é, a proliferação de documentos e livros de arrecadação; e,

5. -o feito “toga”, isto é, o entupimento do Poder Judiciário por querelas fiscais.

Para finalizar, Roberto Campos critica a preocupação de nossos fiscalistas com o risco da perda de receita nas propostas “exógenas”. Medo este que ele classifica como ridícula, uma vez que no atual sistema o vazamento é de 40% a 50% da capacidade extrativa, em resultado da sonegação, enquanto que no imposto sobre transações financeiras, com alíquota baixa, tanto a tentação de sonegação como o custo de arrecadação seriam apenas uma fração da atual.

Imposto Único sobre Transações (IUT)

A idéia do imposto único é secular. Surgiu no século XVIII com os fisiocratas, que defendiam a taxação da terra como única fonte de extração de receita para o governo. O Canadá e os Estados Unidos vêm debatendo a instituição de impostos sobre as operações bancárias. Em vários países, dentre eles na Argentina, na Colômbia e na Austrália, tributos sobre transações financeiras têm sido aplicados. A França discutiu um Imposto Único no pós-guerra.

A questão que sempre norteou a intenção de se criar um sistema simples de tributação foi a busca de uma base tributável ampla o bastante a ponto de gerar receita suficiente para o poder público.

A transação financeira como base de incidência tributária surgiu com a supremacia da moeda escritural sobre a moeda manual, e com a intensa informatização das operações bancárias. A convergência entre a busca da unicidade tributária e a solidificação de um sistema baseado na moeda escritural eletrônica deu origem à proposta do Imposto Único no Brasil.

A principal razão de seu ressurgimento no Brasil advém de razões históricas. Ainda que o Imposto Único tenha uma longa e respeitável tradição na evolução do pensamento econômico, ele nunca pode se materializar, pois em nenhuma circunstância história uma sociedade reuniu as duas condições básicas para sua efetiva operacionalização. A primeira é a existência de um sistema bancário altamente informatizado, com um sistema nacional de compensação de cheques e documentos. A segunda, é a predispoisção cultural da sociedade de não usar moeda manual, substituindo-a pelas mais variadas formas de moeda escritural.

Apenas o Brasil preenche plenamente esses dois quesitos. Possui um dos sistemas bancários mais desenvolvidos e informatizados em todo o mundo, com padrões tecnológicos superiores aos encontrados em países desenvolvidos, como os EUA ou a UE. Em realidade, o “Brasil é referência mundial na tecnolgia bancária”. Além disso, o Brasil é uma das economias mais desmonetizadas do mundo, e que culturalmente, já absorveu a inevitável substituição da moeda metálica manual pela moeda escritural, principalmente pela moeda eletrônica.86

O impacto gerado pela proposta do Imposto Único deflagrou em todo o país um grande movimento em prol de mudanças na estrutura de impostos. A corrente favorável a um sistema de tributos não-declaratórios abraçou o projeto do Imposto Único, enquanto defensores dos impostos declaratórios passaram a desqualificá-lo, enfatizando que a cumulatividade seria uma característica indesejável desse sistema, deixando a questão da sonegação e a evasão de impostos num segundo plano.

O imposto único, um conceito de longa tradição na história do pensamento econômico, traz inúmeras vantagens de ordem tributária. A fiscalização torna-se mais simples; os critérios de taxação ficam mais transparentes; os custos por parte do poder público, e também os custos do setor privado vinculados às exigências tributárias, tornamse mais leves. A simplificação do processo fiscal é evidente quando toda a arrecadação se concentra em um único tributo, incidente sobre uma única base.

Não há estimativas confiáveis sobre os custos de fiscalização e de arrecadação fiscal no Brasil.

Nos Estados Unidos os custos de arrecadação do fisco federal chegam a 0,5% da receita; no caso do imposto de renda pessoal o custo de conformidade dos contribuintes individuais foi estimado em 7% da receita; os custos administrativos tributários dos estados norte-americanos foi estimado em 1,13% das receitas; os custos de conformidade em relação aos impostos sobre vendas foi estimado em 3,93% das receitas. O custo da administração fiscal na França foi de 3% a 4% da arrecadação, ou 1,5% do PIB em 1986, não estando incluídos os custos de conformidade privados. Os dados relativos a pesquisas realizadas em outros países, e relatados na Conferência da International Fiscal Association do Rio de Janeiro em 1988 acham-se na tabela abaixo.


TABELA 13

Custos tributários de conformidade e administrativos como porcentagem do PIB

No Brasil os custos operacionais tributários devem ser bem maiores, não apenas pela ineficiência da máquina arrecadadora, mas também pela multiplicidade de obrigações fiscais a que estão sujeitas as pessoas físicas e jurídicas.

Somando-se ao custo da arrecadação os custos da escrituração tributária a que estão sujeitos os agentes privados no Brasil, não será exagero afirmar que podem chegar a 20% das receitas tributárias. É um peso morto, que se traduz apenas em gastos sem qualquer contribuição ao aumento da produção e do bem-estar social.

São dois os pontos fundamentais da proposta do Imposto Único. Em primeiro lugar, a existência de apenas um imposto. Todos os demais seriam extintos, com exceção feita aos impostos extra-fiscais, como no caso das tarifas aduaneiras e outros tributos nãoarrecadatórios, utilizados como instrumentos de intervenção na atividade econômica. Não haveria mais Imposto de Renda sobre a pessoa física ou sobre a jurídica; não haveria tributação sobre a circulação, como o ICMS e o ISS; os salários não sofreriam retenção de qualquer tipo, seja como antecipação de Imposto de Renda, seja para custeio de Previdência Social; não haveria mais necessidade de escrituração fiscal ou tributária nas empresas; não haveria mais nenhuma forma de declaração para impostos de renda, de serviço, de circulação ou de qualquer outro tipo; não haveria mais necessidade de manutenção das múltiplas estruturas de fiscalização hoje existentes.

A segunda característica fundamental desta proposta se prende à transferência da base do imposto único exclusivamente para as transações bancárias, em substituição à multiplicidade de bases de tributação hoje existentes. Assim, toda vez que qualquer agente econômico efetuar um pagamento através do sistema bancário haverá a incidência de imposto cobrado sobre o valor da transação. O tributo será dividido em partes iguais e cobrado do emitente e do beneficiado. Vale lembrar que o imposto não incidirá sobre transações nos mercados financeiro e de capitais.

Com relação ao Imposto Único é interessante apontar as declarações do Secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, em depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da CPMF em 8 de maio de 2002.

É notória a simpatia do Secretário com a CPMF. Diz ele que “minha presença aqui é tão-somente para fazer um registro rápido que a CPMF tem sido um instrumento extremamente valioso do ponto de vista arrecadatório, exatamente em virtude de conseguir produzir receita pública a baixo custo, com extrema eficiência, e além disso, servir, sobretudo, como instrumento auxiliar para os trabalhos de fiscalização.”

Não obstante, indagado sobre o Imposto Único afirmou que ainda que fosse inteiramente favorável que a CPMF se converta em um imposto permanente, “reconheço, entretanto, que se vai demais ao pote, se essas alíquotas crescem, nós podemos começar a induzir procedimentos cada vez mais sofisticados, mais elaborados de sonegação. A minha experiência diz que subiu a alíquota, ficou bastante forte a pressão fiscal, o contribuinte vai encontrar algum jeito de livrar-se daquilo, e geralmente pela via da sonegação. Segundo ponto, e o deputado Marcos Cintra sabe disso, não creio que o imposto único seja a melhor solução do sistema tributário. Temos um elenco grande de alternativas e possibilidades. Fique certo V. Exa. Que toda vez que montamos um sistema tributário centrado num único ponto, o contribuinte vai tentar fugir daquilo, ele vai tentar descobrir uma maneira de burlar. Então, nós temos sempre que ter alguma coisa que dizer, se não açcançarmos por essa via, alcançamos por outra via. E foi assim a história dos tributos no mundo inteiro, foi assim que desenvolveram as teorias tributárias. Mas acho que, hoje, a CPMF tem direito a uma importância capital, a um lugar de destaque na teoria tributária, especialmente na tributação dos países com fraca tradição tributária, como é o caso do Brasil.”

Ainda que o Secretário Everardo Maciel defenda a permanência de um imposto sobre transações financeiras no Brasil, o temor de eventual evasão o impede de apoiar o Imposto Único. Como se vê, a sua crítica se resume à sua robustez arrecadatória, que, no entanto, é a maior vantagem desse tributo não-declaratório sobre os tributos convencionais. Este fato concede virtual certeza de que o apoio do secretário ao Imposto Único certamente virá com a crescente constatação de que os IMFs minimizam a evasão, e com as providências administrativas e de regulamentação que minimizam as possibilidades de sonegação, caso a implementação deste novo modelo tributário siga as recomendações que acompanham o projeto.

Em contraposição, vale apontar opinião oposta que afirma que as críticas ao Imposto Único partiam “de pequenos pormenores, facilmente contornáveis, para bombardear a mais brilhante idéia, ouso dizer, que já surgiu em matéria triobutária nos tempos modernos, na era do capitalismo financeiro, não pelo fato de ser único, mas acima de tudo, pelas características do tributo, praticamente infenso à sonegação. E aí residia o temor à sua criação.”

Alíquotas, arrecadação, e sonegação

As vantagens do Imposto Único são inúmeras.

Haverá enorme simplificação e redução de custos na arrecadação de tributos. A vantagem não se restringe apenas à redução da máquina governamental, mas também aos custos das empresas que hoje dedicam pelo menos cerca de 10% de seu pessoal administrativo para fazer frente às exigências de escrituração fiscal.

Como estimado acima, a redução nos custos da máquina arrecadadora do governo e do pessoal administrativo do setor produtivo poderá chegar a 20% da arrecadação fiscal bruta do país, de cerca de 35% do PIB. Isso implica dizer que o impacto dessa proposta, em termos de liberação de recursos reais, seria da ordem de 7% do PIB. Esse montante equivale a mais que o dobro de recursos líquidos enviado ao exterior – pagamento de juros, de lucros e dividendos. São recursos que poderiam ser canalizados para investimentos produtivos, capazes de alavancar o crescimento econômico, em vez de serem absorvidos em atividades de consumo do governo e em custos administrativos privados.

O Imposto Único, tomando-se a experiência da CPMF como exemplo, acarretaria a virtual eliminação da sonegação, da corrupção fiscal e da economia informal, com custos administrativos ou de fiscalização pouco significativos. A arrecadação tributária seria efetuada automaticamente a cada lançamento de débito e de crédito no sistema bancário. A cada transação, a conta credora e a conta devedora seriam debitadas em um percentual fixo do valor da transação. Assim, a cada transação efetuada mediante cheques ou qualquer outro tipo de ordem de pagamento, o sistema automaticamente transferirá o produto de arrecadação à conta dos tesouros federal, estaduais e municipais, segundo critérios predefinidos.

Esse sistema torna impraticável qualquer tentativa de sonegação, pois bastaria uma fiscalização nos sistemas de compensação do setor bancário para que ela fosse totalmente eliminada.

O mais significativo nesta proposta é que a alíquota do imposto pode ser baixa. A experiência da CPMF mostrou que, apesar de todas as imunidades constitucionais existentes, e mesmo não havendo adequada fiscalização da Receita Federal nos sistemas de pagamentos bancários, a arrecadação foi significativa, e indica que uma alíquota de 3 % em cada lada da transação seria capaz de gerar R$ 350 bilhões. Vale dizer que este volume equivale a toda a arrecadação de tributos federais, estaduais, municipais e das contribuições ao INSS, juntos.

Importante reafirmar que estas estimativas de arrecadação baseiam-se na atual arrecadação da CPMF. Respeitando-se a regulamentação daquele tributo, inclusive as imunidades constitucionais e outras isenções tornadas necessárias pela convivência da CPMF com outros tributos convencionais, estimou-se a arrecadação do Imposto Único por meio de simples extrapolação linear.

Contudo,cabe lembrar que os estudos iniciais acerca do Imposto Único previam uma base de incidência universal, e portanto significativamente mais ampla do que a base de incidência da CPMF . Ademais, a precária fiscalização na arrecadação da CPMF junto às instituições bancárias, como visto anteriormente, responde por outra parcela da diferença entre a arrecadação estimada pelos primeiros estudos acerca do Imposto Único e a receita realizada pela CPMF. Os dados do artigo acima referido previam que com uma alíquota de 1% a arrecadação do Imposto Único seria de entre US$ 69 bilhões e US$ 89 bilhões anuais . Ao câmbio atual de R$2,40/US$, estes níveis de arrecadação permitiriam arrecadar entre 19,6% e 25,3% do PIB.

Vale esclarecer que nos primeiros anos da década de 90 quando os estudos foram elaborados, a carga tributária brasileira situava-se no patamar de 22% a 25% do PIB. Previa-se então a necessidade de arrecadar US$ 85 bilhões, que, conjuntamente com as receitas das taxas, de impostos com forte conteúdo de extra-fiscalidade (como as tarifas de importação) e das demais receitas não-tributárias dos três níveis de governo, seria o volume suficiente para manter os níveis vigentes de receitas públicas. A tabela abaixo reproduz os principais resultados obtidos naquelas projeções.


TABELA 14 

Volume de transações e estimativas de arrecadação do Imposto Único (R$ bilhões/ano) 

No período imediatamente após o lançamento da proposta do Imposto Único, e após a publicação do estudo com as primeiras avaliações de arrecadação, uma instituição bancária de grande porte passou a fornecer mensalmente ao autor o volume de lançamentos a débito e a crédito nas contas correntes de todos os seus clientes. A base dos lançamentos informados era a contabilidade da instituição bancária, e desta forma tornou-se possível a obtenção de informações que equivaliam aos de uma amostra significativamente grande da totalidade do sistema bancário brasileiro. Tais dados foram informados ao autor entre os meses de junho de 1990 e maio de 1996. Os valores informados a preços de Dezembro de 2000 acham-se no Anexo IV.

A tabela abaixo reproduz os dados anuais de transações bancárias naquela instituição e, com base em estimativa de sua participação no sistema bancário nacional, tornou-se possível estimar a arrecadação prevista com o IUT com alíquota de 1% nos débitos e 1% nos créditos bancários.


TABELA 15

Volume de transações e estimativas de arrecadação do Imposto Único

Base de dados: contabilidade mensal de instituição financeira

(R$ milhões/ano)

(dez/2000)*

O que se conclui a partir destas projeções é que, considerando-se a baixa alíquota marginal necessária para substituir a arrecadação dos impostos arrecadatórios convencionais, o incentivo à sonegação virtualmente desapareceria. Ela se tornaria impossível, a não ser que a transação fosse efetuada em moeda ou mediante escambo. Evidentemente, nesses dois casos o custo da sonegação seria maior que seu benefício, o que desincentivaria por completo qualquer tentativa de burla tributária. Além disso a regulamentação do Imposto Único deveria prever a obrigatoriedade de que transações acima de determinado valor transitassem pelo sistema bancário, sob pena de perda de validade jurídica.

Cabe lembrar ainda que, para evitar que as transações efetuadas em moeda fiquem isentas de tributação, todo saque, ou depósito, de numerário (moeda circulante) do sistema bancário poderia ser taxado de acordo com uma alíquota que em média reproduzisse o número de transações que se realizasse com essa mesma moeda até seu retorno ao sistema bancário. Para o caso norte-americano estimou-se que a alíquota necessária seria o dobro da alíquota geral. Com isso, se estaria eliminando a vantagem das transações em dinheiro.

Portanto, esse sistema de tributação eliminaria a sonegação - estimada em cerca de 30% a 40% da arrecadação – e implicaria significativa liberação de recursos reais. Haveria uma sensível redução nos custos de produção das empresas, no custo da máquina pública e nos preços, concomitantemente com a possibilidade de sensível redução na carga tributária. Certamente, alguns desses ganhos seriam do tipo once and for all, mas seriam suficientes para permitir um expressivo ajuste fiscal e uma sensível recuperação da capacidade de investimento do país.

A Eqüidade do Imposto Único

Uma questão sempre levantada diz respeito à progressividade da incidência desse tipo de tributação.

Tratando-se de um imposto cumulativo, os produtos que envolvem um maior número de transações na cadeia produtiva – cujos métodos de produção são mais roundabout- e os que agreguem menos valor adicionado em cada uma destas etapas, serão proporcionalmente mais taxados. Isso implica garantir ao sistema tributário uma desejada dose de progressividade, já que os wage-goods – produtos de cesta básica que compõe o perfil de demanda das classes de mais baixa renda – terão uma carga tributária relativamente menor do que os produtos mais sofisticados, pois em geral se caracterizam por serem produzidos em cadeias de produção mais curtas, passando por menos processamento, e com alta proporção de valor agregado em cada uma delas. Assim, estará garantida uma progressividade natural nesse sistema.

Outra característica interessante desta proposta é que a base de tributação deixa de ser a renda e a atividade produtiva, como é hoje, passando para as transações. Assim, passase a tributar menos as atividades vinculadas à geração de riqueza, e mais pesadamente aquelas que impliquem mera transferência de ativos, que hoje são notoriamente subtributadas, tais como as transações patrimoniais de bens físicos. Corrige-se, assim, o viés antiprodutivista na estrutura tributária brasileira.

Cabe acrescentar que a transações de caráter especulativo continuarão a existir – mesmo porque cumprem também um papel econômico - porém passarão a contribuir com a arrecadação pública.

Esta proposta tem, portanto, algumas características essenciais que devem ser enfatizadas: garante a arrecadação tributária; elimina a sonegação e a corrupção fiscal; aumenta a eficiência da arrecadação; libera recursos reais significativos no setor privado e no setor público; é um sistema abrangente e que evidencia uma natural progressividade.

Não obstante as críticas crescentes ao conceito da progressividade tributária, os IMF´s possuem uma insuspeita progressividade, senão do ponto de vista de cada transação individualmente, com certeza do ponto de vista do conjunto dos gastos das famílias.

Maria da Conceição Tavares efetuou simulações para avaliar a suposta regressividade de impostos sobre transações financeiras considerando sua incidência discriminada por faixas de renda.

Em seu artigo “Imposto sobre circulação financeira”, a autora afirma que “o argumento de que o imposto penalizaria basicamente a classe média não se justifica. Este é um imposto que penaliza, sobretudo as pessoas que fazem da circulação financeira de suas aplicações uma fonte extra e muitas vezes considerável de renda”. A autora prossegue afirmando que “as transações financeiras constituem uma das poucas bases potenciais de arrecadação futura na qual é possível ancorar o aumento da receita pública sem penalizar os setores produtivos e os segmentos sociais que, atualmente, mais contribuem com uma carga tributária globalmente baixa, mas socialmente injusta”.

As conclusões da simulação indicam que os segmentos de renda média mensal de 1,3 salário mínimo e metade dos que ganham quatro salários mínimos, que representam 70,6% das pessoas ativas com 10 anos e mais de idade e com rendimentos, não são atingidos diretamente pela tributação; dos 29,4% restantes, o peso da tributação recai fundamentalmente sobre os de renda mensal acima de 20 salários mínimos, com renda mensal média de 38,7 salários mínimos; neste último segmento recaem 63,5% da arrecadação, embora representem apenas 3,4% da população. Tavares conclui que “não só os setores de maiores rendimentos pagam relativamente mais impostos, como também pagam em uma proporção bastante superior às diferenças entre seu rendimento médio e os dos demais grupos”.

Conceição Tavares diz no texto que, sendo um dos vetores dinâmicos do processo de reestruturação e globalização da economia, as transações financeiras constituem uma das poucas bases potenciais de arrecadação futura na qual é possível ancorar o aumento da receita pública sem apenar os setores produtivos e segmentos sociais mais carentes. A autora trata da suposta regressividade do IPMF, depois CPMF. O texto parte de uma simulação que reproduz a hipotética distribuição da carga tributária entre os diversos segmentos sociais, tipificados a partir da sua participação na renda.

Os resultados apresentados no artigo cobrem uma base parcial de arrecadação, limitando-se às pessoas físicas, sobre as quais incidiria um imposto similar ao IPMF, mantida a alíquota de 0,25%. Isto, segundo a deputada, deve-se à dificuldade de simular transações entre empresas e instituições financeiras.

As conclusões do exercício rebatem argumentos de que o imposto sobre circulação financeira é injusto por ser regressivo. Suas conclusões são aqui reproduzidas na íntegra:

1 - Os segmentos de menores rendas, com rendimento médio mensal de 1,3 salários mínimos, e metade do grupo com rendimento médio de quatro salários mínimos - representam 70,6% da população-referência (pessoas com 10 anos e mais de idade, economicamente ativas e com rendimentos) -, que, se supõe, não utilizam o sistema bancário, não são atingidos pelo tributo.

2 - Dentro dos 29,4% restantes, que operam por meio do sistema bancário, o peso da tributação recai fundamentalmente sobre o segmento de maiores rendas (com rendimentos acima de 20 salários mínimos por mês e rendimento médio mensal de 38,7 salários mínimos).

Este último segmento, que representa escassos 3,4% da população-referência e menos de 12% do universo de pessoas com contas bancárias, e detém 29,2% da renda total, responderia por 63,5% da arrecadação da parcela do IPMF pago por pessoa física.

O grupo de rendimentos médios inferiores (entre 7,2 e 14,2 salários mínimos), que representa 62% do universo tributado e 18,2% da população-referência, contribui com 31,1% da arrecadação, enquanto sua participação na renda é de 38,6%.

Até mesmo o segmento médio-alto, com rendimento médio de 14,2 salários mínimos, tem uma participação na arrecadação inferior à sua importância na renda total. Ou seja, o argumento de que o imposto apenaria basicamente a classe média não se justifica. Este é um imposto que recai sobre as pessoas que fazem da circulação financeira de suas aplicações uma fonte extra e muitas vezes considerável de renda.

3 - As alíquotas médias efetivas que recaem sobre os membros de cada grupo são também progressivas, variando de 0,25% (se referida somente àquela parte do grupo de mais baixa renda, aquela que é tributada uma só vez, por exemplo, quando saca o seu salário) até 0,70% no grupo de rendimento médio mensal de 38,7 salários mínimos.

A progressividade das alíquotas está determinada pelos valores atribuídos aos coeficientes de circulação financeira. A hipótese central é que aos maiores níveis de renda correspondem maiores coeficientes de poupança, e que seja maior a proporção desta que provavelmente se destine a aplicações financeiras.

A parte da renda que se destina a essa finalidade se expressa no coeficiente de aplicações financeiras. Esta, por sua vez, está associada a um maior número e volume de transações, ou seja, uma maior rotatividade dos créditos e débitos financeiros. A relação entre o volume de transações realizadas durante o ano e a renda determina a magnitude do coeficiente de circulação financeira.

4 - Finalmente, o índice de progressividade, apresentado no exercício de simulação (que expressa a relação entre os diferenciais de tributação e de rendimentos médios entre os diversos grupos tributados), apresenta valores absolutos crescentes e maiores do que a unidade.

Isso indica que não só os setores de maiores rendimentos pagam relativamente mais impostos, como também pagam em uma proporção bastante superior às diferenças entre seu rendimento médio e os dos demais grupos.

A simulação de Conceição Tavares mostra na verdade que o imposto eletrônico é um tributo proporcional, ou ligeiramente progressivo. Onera mais quem dispõe de somas maiores de recursos.

Do ponto de vista das empresas (não contempladas no exercício), a autora cita que quanto maior o volume de saques, isto é, o seu coeficiente de circulação que corresponde ao volume e à taxa de rotação de seu capital líquido financeiro, tanto maior a participação do imposto sobre o volume de receita aplicada no sistema financeiro.

Quanto ao impacto do tributo sobre os preços, Tavares conclui que não deve ser significativo, e que não irá provocar (como não provocou) desintermediação financeira.

Resumindo, Conceição Tavares diz que o imposto eletrônico é desejável, uma vez que não gera distorções na estrutura produtiva e tributa proporcionalmente os contribuintes. Além disso, alcança o setor informal e minimiza a sonegação.

Em outras palavras, impostos sobre transações financeiras revelaram-se tributos razoavelmente progressivos em seus padrões de incidência, contrariando frontalmente os que o acusam de ser regressivo. O imposto pune mais pesadamente os "rentistas", sejam eles "formais" ou "informais". Maria da Conceição Tavares conclui afirmando que “a circulação financeira é uma base de futuro, já que, além de sua contínua expansão, permite controles eletrônicos e deverá permitir, portanto, uma menor sonegação do que os atuais impostos”.

Críticas e respostas ao Imposto Único

1 – Regressividade

Embora a estrutura do Imposto Único não seja adequada à exigência de eqüidade vertical, trata-se de um imposto suficientemente flexível para poder ser dotado de uma razoável progressividade, se assim for desejado, mediante isenção de operações de valor menor que determinado piso em determinado período, ou até mesmo mediante tabela de alíquotas diferenciadas por faixas de valores. Embora essa possibilidade não conte com nossa simpatia, é facilmente exeqüível.

Todas as pesquisas conhecidas sobre distribuição da carga tributária brasileira por segmentos de poder aquisitivo revelam o perfil extremamente regressivo de nosso sistema tributário. De nada adianta ter imposto de renda supostamente progressivo se ele só atinge rendimentos do trabalho assalariado das classes médias do segmento formal e não consegue alcançar outras manifestações da renda.

O Imposto Único, ao atingir inexoravelmente, pelo filtro das movimentações financeiras, todas as manifestações da renda, acaba sendo efetivamente mais eqüitativo e mais progressivo do que nosso tortuoso imposto de renda. Quanto ao imposto que se incorpora aos preços, simulações relatadas atestam que, sob condições de competição imperfeita, isto é, sob condições reais, o Imposto Único não é mais regressivo e induz menos distorções alocativas do que os sistemas usuais de tributação do consumo. Insistimos em desmentir o preconceito que imputa ao Imposto Único vícios regressivos os quais, na verdade, são moderados sob o Imposto Único e são efetivamente mais graves sob o sistema vigente.

2 – Cumulatividade

O Imposto Único é inegavelmente um imposto cumulativo, incidindo sucessivamente em cada etapa do processo econômico que se traduza numa movimentação financeira. Mas isso em nada o descredencia como bom imposto. Aqui é preciso advertir de que a exigência da não-cumulatividade é apenas um fetiche tolo. Não existe imposto perfeitamente não-cumulativo, a não ser na imaginação teórica descolada da realidade, ou no Diário Oficial.

Os impostos sobre valor adicionado seriam impraticáveis se não comportassem, como de fato comportam em todos os lugares do mundo em que são praticados, as mais diversas exceções e regimes especiais que lhes conferem graus apreciáveis de cumulatividade.

O Brasil tem uma parafernália de tributos cumulativos, dentre os quais, curiosamente, alguns são execrados (PIS-COFINS), outros tolerados (ISS, parte do ICMS e do IPI), outros ainda apreciados, como se não fossem igualmente cumulativos (IRPJ presumido, SIMPLES). O Imposto Único não é diferente deles sob esse aspecto, mas exibe as vantagens notáveis descritas acima, é simples, barato, suave etc.

Ademais, os conhecidos postulados da teoria do “second best” e as conclusões da moderna teoria da tributação ótima mostram que não se pode afirmar a priori que um imposto cumulativo seja menos eficiente que os não-cumulativos. O mais provável é que, para um dado valor de arrecadação, um imposto cumulativo com uma alíquota baixa seja preferível a um tributo sobre valor agregado com alíquota alta, como nos revelam as simulações apresentadas neste texto.

3 – Incentivo à verticalização

A presença do Imposto Único na composição dos preços finais varia obviamente na razão direta do número de etapas produtivas e inversamente ao valor adicionado em cada uma dessas etapas. Demonstra-se, no entanto, que essa característica opera menos intensamente no universo do Imposto Único do que no mundo dos tributos atualmente existentes.

O incentivo à verticalização é patente, mas é marginal, num sistema de Imposto Único a alíquotas suaves, menos do que com a pesada carga cumulativa hoje verificada. Basta verificar que apenas o Pis-Cofins têm hoje uma alíquota de 3,65% “por dentro”, que significa uma alíquota efetiva de 3,79%.

Cabe lembrar que o incentivo para a integração vertical da produção poderá acentuar-se caso a alíquota seja maior que as mensionadas acima. Mas, consideradas as baixas alíquotas marginais do sistema, dificilmente esse processo irá além do que seria previsível por razões estritamente ligadas a economias de escala e a outros tipos de externalidade. Cumpre lembrar que a verticalização além do que se justificaria em ambiente econômico neutro, implica custos, contra os quais a economia tributária teria de ser comparada

Também as distorções dos preços relativos provocada pelo Imposto Único revelamse, em simulações publicadas, inferiores à do sistema vigente Na verdade, o processo decisório pende a razões preponderantes de natureza tecnológica, como ganhos de especialização e de escala, em relação às quais o peso do Imposto Único é pouco significativo.

4 – Indução à importação

Os produtos importados seriam postos à disposição do consumidor em uma ou duas etapas, incorporando valor de Imposto Único menor do que aquele que sobrecarregaria os produtos nacionais. Cabe retrucar que, de um lado, em qualquer caso a carga final do Imposto Único seria bastante suave, de sorte a só influenciar na decisão em casos extremamente competitivos, e, de outro lado, quando necessário, o efeito pode ser contrabalançado por medidas de política aduaneira, inclusive mediante a imposição de impostos compensatórios na importação, previstos nos estatutos internacionais que regem o comércio mundial.

5 – Exportação de imposto

É certo que a desoneração na exportação é mais fácil no regime dos impostos sobre valor agregado, mas também é factível no regime do Imposto Único, embora mais trabalhoso. Teria de ser calculada mediante acompanhamento empírico das cadeias produtivas, ou com exploração de matrizes de insumo-produto, e operacionalizada mediante créditos de imposto, rebates, devoluções, ou subsídios equivalentes, não muito diferentes do que já se pratica hoje, como pode ser verificado em trabalho empírico de minha autoria .

6 – Embaraços à harmonização

Se a grande maioria dos países, inclusive dos nossos parceiros comerciais, com exceção do maior, os Estados Unidos, adotam o IVA, tendendo a rejeitar exonerações à exportação estranhas a seus próprios regimes, como subsídios explícitos, cabe estudar fórmulas de equivalência aceitáveis por todos, dentre as modalidades admitidas no contexto da regulação internacional do comércio.

É falso que o Imposto Único encerre um inerente viés anti-exportador. O que prejudica a exportação não é a existência do imposto; é o descuido em desonerá-lo na exportação.

Por outro lado, não procede a suposição de que o Imposto Único seria de tal maneira dissonante, em relação ao sistemas dos parceiros, a ponto de comprometer aproximações comerciais, e políticas de formação de blocos regionais. Como já vimos, o Imposto Único aparenta-se aos conhecidos tributos sobre faturamento que se encontram por toda parte, e sua estranheza é apenas aparente.

Por fim, é preciso convir que a obsessão pela harmonização, vista como homogeneização, é um pouco mitológica. Na realidade os sistemas tributários dos diversos países são profundamente heterogêneos por razões tradicionais, culturais, políticas, econômicas, geográficas, sem que isso impeça o comércio extramuros de expandir-se celeremente.

7 – Estímulo à desintermediação bancária

Já vimos que, a um nível suave de taxação, a economia de imposto obtida com a consumação de negócios à margem do sistema bancário não compensa o custo do armazenamento e transporte de numerário, a insegurança, riscos de falsidade, ilegalidade de transações em moeda estrangeira etc. A isso acrescentaremos medidas como a sobretaxação de saques e depósitos em dinheiro vivo e outras precauções dissuasivas, delineadas ao longo desse texto.

8 – Injustiça social

Pelo menos trinta milhões de pessoas, senão mais, ainda que participantes da força de trabalho ativa, não movimentam contas bancárias, porque não preenchem requisitos, são analfabetas, não têm fonte estável de renda, endereço fixo, propriedade, renda suficiente etc. Essas pessoas seriam prejudicadas pela sobretaxação ou outra qualquer medida apenadora das transações em dinheiro vivo.

A essa objeção contraargumentamos em duas linhas. Primeiro, é possível universalizar o acesso ao uso do dinheiro eletrônico mediante cartões de débito, ainda que a utilização de cheques sofra restrições. Segundo, o público em questão padece sob uma sobrecarga fiscal que diminuiria sob o regime do Imposto Único. Uma vez que têm alta propensão a consumir, são vítimas, no sistema atual, de uma altíssima carga indireta de tributos embutidos nos preços, que ficaria certamente menor quando o Imposto Único tivesse substituído os atuais tributos sobre o consumo.

9 – Peso tributário nos preços ao consumidor

No sistema atual de tributação do consumo, sujeito a sonegação exuberante, a parte substancial do preço que os consumidores pagam e que corresponde nominalmente a tributos, não se transforma em tributo efetivamente arrecadado pelo Tesouro, mas sim, em grande parte, é apropriada por sonegadores. Com a substituição integral dos atuais tributos pelo Imposto Único desaparece a sonegação e a carga real do tributo, embutida no preço, pulveriza-se e se suaviza. Espera-se, com isso, um efeito deprimidor do nível de preços, o que beneficiará, antes de tudo, os segmentos mais desfavorecidos da população, que gastam tudo o que ganham em consumo.

10 – Esvaziamento da política fiscal

É certo que o sistema proposto implica o abandono do instrumento fiscal de intervenção econômica, de sorte que as políticas de preços, de rendas, políticas conjunturais e anti-cíclicas, dependerão em maior grau da utilização de instrumentos não-fiscais, monetários, creditícios, de regulação das relações de consumo e do poder econômico, e das políticas de subsídios diretos, que são mais transparentes, mais sujeitas do controle social, do que os obscuros benefícios tributários.

11 – Rigidez prejudicial à tomada de medidas emergenciais

A perda do instrumento fiscal não imobiliza a política econômica, apenas a faz menos tortuosa. Cabe aos formuladores adaptarem-se a um novo paradigma de política econômica, agora desprovido da cunha tributária para intervir na renda, no consumo e no investimento.

Mas não pretendemos abolir o instrumento tributário na política aduaneira e na regulação dos mercados financeiros. Em alguns países, os impostos sobre o comércio exterior chamam-se de direitos aduaneiros, e a administração aduaneira é separada da administração dos impostos internos. Não será abolida a taxação do comércio exterior.

Quanto ao constrangimento à ação governamental que representa o condicionamento do aumento de alíquotas de tributos à atuação do Congresso, trata-se de proteção necessária ao cidadão-contribuinte, elemento básico da civilização democrática. Isso não exclui nem prejudica atuações urgentes ou emergenciais. Ou, se prejudica, será por razões de natureza política, alheias à modelagem tributária, que é o estrito objeto da reforma proposta.

12 – Base tributária parcial avantaja os proprietários

O Imposto Único unifica as bases Renda-Consumo, mas deixa escapar a base Propriedade. Os proprietários escapariam com maior facilidade ao imposto do que aqueles cujas poupanças se concentram no mercado financeiro, ou os que não têm poupança. E também escapariam ao imposto evitando movimentações financeiras, praticando permutas.

Retrucamos que, primeiro, o universo das permutas, ou do escambo, é limitado e difícil de operar. E que é possível se coibir plenamente este comportamento mediante medidas de regulação. Segundo, que a tributação da propriedade é declinante no mundo inteiro. Terceiro, não desconhecemos que ela é muito menor no Brasil do que as médias internacionais, isto porque é uma modalidade tributária custosa, pouco produtiva e difícil de administrar.

É fato que as instâncias tributantes, no Brasil, sempre tiveram aversão à tributação da propriedade. Não é escopo do Imposto Único mudar esse quadro. Mas podemos manter as competências tributárias incidentes sobre a base-propriedade, e o ente político que achar favorável sua relação custo-benefício não estará impedido de praticá-las. Acreditamos que, assim fazendo, isto é, mantendo virtualmente competências tributárias aptas a serem atualizadas, podemos também suplantar a objeção federativa, de longe a mais delicada.

13 – Vulneração do princípio federativo

A substituição dos tributos de competência municipal e estadual pelo Imposto Único levanta inevitavelmente questionamentos sobre o critério pétreo do princípio federativo, erigido por nossa Constituição como requisito de admissibilidade de emendas constitucionais. É que o Imposto Único não poderia funcionar sobre bases geográficas, sob pena de privilegiar as praças dotadas de alta concentração bancária. Isso exclui a possibilidade de entregar o Imposto Único às competências dos entes federados subnacionais.

O Imposto Único só pode ser federal e sua repartição deve dar-se segundo critérios predominantemente políticos. Na vertente gradativa de nossa proposta, com a substituição operando, no inicio, apenas na área federal, o problema ficaria reportado para o momento posterior, em que o conjunto dos Estados e Municípios manifestasse interesse pela substituição. Mas numa vertente de substituição imediata, não haveria como fugir a este problema de natureza jurídico-institucional cujo deslinde, em última instância, desborda do alcance dos reformadores, podendo deflagrar o chamamento à mais alta Corte jurisdicional do País.

Há muitos modelos de federalismo, com graus maiores ou menores de autonomia dos entes políticos descentralizados. De um ponto de vista estritamente financeiro, parecenos que uma garantia constitucional de repartição de receitas, entre os vários entes federados, segundo uma matriz proporcional indisputável, seria suficiente para assegurar a institucionalidade federativa. No entanto, não podemos ignorar que, segundo uma respeitável corrente de juristas, o modelo federativo brasileiro seria inseparável de uma autonomia tributária relativa dos entes federados, implicando competências tributárias próprias, envolvendo o poder de manipular as variáveis que compõem seus tributos próprios e sua administração.

Isso posto, não temos a veleidade de querer pisotear a institucionalidade jurídicopolítica ancorada em nossa tradição histórica. Por isso que, na dúvida, preferimos a via gradativa e a substituição por etapas, iniciando exclusivamente na esfera federal e adiando o enfrentamento da dificuldade federativa . A solução que oferecemos, e que nos parece sensata, consiste em abstermo-nos de suprimir competências tributárias estaduais e municipais. A previsão constitucional dessas competências permanecerá intocada. Os governantes e os legisladores regionais e locais, atendendo aos reclamos das respectivas populações, é que decidirão se querem usar essas competências, ou se preferem abster-se de usá-las, deixá-las repousar na virtualidade, aderindo ao modelo federal do Imposto Único.

Nesse caso, a renúncia voluntária ao uso de uma competência que não desaparece, que pode ser reativada a qualquer momento, isso tudo comandado pela vontade do povo democraticamente apurada, parece-nos que seria perfeitamente legítima e não poderia, nem remotamente, ser inquinada de medida tendente a abolir a forma federativa de Estado. Com esse modelo, construído segundo os mais elevados cuidados para com os princípios institucionais que constituem as cláusulas pétreas de nosso sistema constitucional, parecenos possível estender a ampliar a revolução tributária que propomos, sem o mais leve resquício de ofensa à nossa tradição federativa.

Reforma tributária: as desvantagens do conservadorismo.

A Comissão Especial de Reforma Tributária da Câmara dos Deputados vem desenvolvendo seus trabalhos desde 1995. O relator daquela Comissão, o deputado Mussa Demes, já apresentou quatro versões de seu parecer. Três delas não foram sequer apreciadas na Comissão por ausência de apoio parlamentar. A última, datada de novembro de 1999, foi votada e aprovada por 35 votos a favor e um contrário, o meu. Tal maioria em sua aprovação, contudo, não significou consenso técnico ou político ao projeto.

O projeto aprovado na Comissão de Reforma Tributária incorporou a visão ortodoxa composta de três característcias básicas: a) a unificação dos impostos sobre circulação (ICMS, IPI, e ISS); b) a eliminação das contribuições sociais cumulativas; e c) a criação de uma IVA abrangente, capaz de fundir os impostos e contribuições eliminados, mantendo a arrecadação constante.

Esta visão ignorou dois aspectos fundamentais em uma reforma tributária digna desse nome, e cometeu um equívoco fatal. As omissões foram: a) não reformar o imposto de renda das pessoas físícas e jurídicas;e b) não desonerar a folha de pagamentos das empresas. O erro foi o de tornar excessivamente elevada a alíquota do novo IVA abrangente, estimulando a evasão.

Uma verdadeira reforma tributária deve propor soluções para vários problemas fundamentais. Deve ser capaz de arrecadar, para que o governo possa atender a demanda por serviços públicos; deve ser neutra e buscar eficiência alocativa, para minimizar as distorções causadas por impostos nas decisões dos agentes econômicos; deve ser simples e pouco dispendiosa, para minimizar o chamado "peso morto" tributário; e deve ser justa, respeitando os padrões vigentes de equidade social.

Além disso, como lembrado por Everado Maciel, Secretário da Receita Federal em palestra proferida no dia 7 de agosto de 2001 na sede da Federação das Indústrias de Brasília, “não existe um sistema tributário que seja bom e adequado para qualquer país do mundo.Na modelagem do sistema tributário não se pode deixar de ter em conta a realidade política, a tradição cultural, o estágio de desenvolvimento econômico e social de determinado país. Não existe modelo que se possa transportar de um país para outro pura e simplesmente.”

As várias propostas apresentadas na Comissão de Reforma Tributária buscam atender a esses critérios. Os projetos em discussão possuem vantagens e desvantagens, avançam em alguns aspectos, e retrocedem em outros. Há, contudo, dois problemas preliminares, que se não forem devidamente atendidos, farão de qualquer reforma tributária um mero "aperfeiçoamento do obsoleto", parafraseando Roberto Campos.

O primeiro, é melhorar o padrão de incidência dos impostos no Brasil. Sabidamente, a brutal elevação da carga tributária do patamar médio de 23% nos anos 70 e 80, para os quase 35% atuais ocorreu concomitantemente com o estreitamento da base de incidência dos impostos.

O crescimento da sonegação, da evasão, e a fuga para a economia informal, geraram um sistema que sobrecarrega a economia formal, asfixia as empresas organizadas e prejudica o assalariado com carteira assinada. Como nos ensinou Mário Henrique Simonsen, “imposto justo é o que se consegue cobrar”. Contrariu sensu, o pior imposto é aquele que pode ser sonegado.

Um segundo problema é o custo elevado do atual sistema tributário. A sociedade arca com pesados encargos para atender as exigências fiscais, tanto para a manutenção da gigantesca máquina arrecadatória da União, da Previdência, dos 27 Estados e dos quase seis mil Municípios, como para suportar os custos operacionais dos poderes legislativo e judiciário que devem ser imputados à tarefa de legislar e julgar os milhões de processos de ordem tributária que entopem a justiça brasileira. A isto ainda deve se somar os custos administrativos das empresas vinculados diretamente às exigências burocráticas do sistema.

A Comissão Especial de Reforma Tributária foi palco de discussões sobre duas concepções acerca da construção de um novo modelo tributário para o Brasil.

De um lado, a visão ortodoxa, esposada no texto do relator da Comissão de Reforma Tributária, deputado Mussa Demes. De outro, inspirada nas propostas do Imposto Único, discutiu-se uma concepção atrevida e inovadora, a Proposta Alternativa , de minha autoria, que reuniu a contribuição de vários deputados e ex-deputados, como Luís Roberto Ponte, Francisco Horta, Alberto Mourão, Edinho Araújo, e Ronaldo Vasconcellos, e que abriu maior espaço para os chamados impostos não-declaratórios, cuja principal característica é serem arrecadados de maneira automática, informatizada, eliminando a evasão, e a sonegação. São tributos de baixíssimo custo de arrecadação, desburocratizados, e consequentemente, imunes à corrupção.

O relatório aprovado na Comissão Especial de Reforma Tributária manteve a estrutura tributária convencional, ainda que tenha proposto importantes avanços em ítens como a defesa do contribuinte, o combate à guerra fiscal, e a racionalização da complexa legislação do ICMS. Por outro lado, rejeitou integralmente a contribuição que os chamados impostos não-declaratórios poderiam trazer ao aperfeiçoamento do sistema tributário brasileiro. Nesse sentido, a Proposta Alternativa serviu de contraponto ao texto do relator, na medida em que introduziu dois importantes tributos não-declaratórios (o IMF, Imposto sobre Movimentações Financeiras, e o Imposto Seletivo), em substituição a vários outros tributos.

Importante notar que, tanto a proposta de Mussa Demes quanto a Proposta Alternativa, apresentaram diagnósticos muito semelhantes, e buscavam eliminar as contribuições sociais sobre faturamento (PIS, Cofins, CSSL e CPMF), e acabar com a multiplicidade de impostos sobre circulação (IPI, ICMS e ISS).

A grande diferença entre elas, no entanto, é que o Deputado Mussa Demes encarregou o IVA nacional e declaratório, de ser o imposto básico do sistema brasileiro, ao passo que na Proposta Alternativa, tal função seria exercida pelos dois tributos nãodeclaratórios: o IMF e o Seletivo.

A Proposta Alternativa tem as seguintes características:

1. Assepsia tributária: elimina o IPI, o ICMS, e o imposto de renda das empresas, tributos de grande complexidade burocrática, altos índices de evasão, e elevados custos operacionais; elimina ainda várias contribuições sociais, altamente poluidoras do sistema tributário atual, ou seja, PIS, Cofins, CSSL, e CPMF;

2. Imposto de Renda apenas para grandes rendimentos: o Imposto de Renda Pessoa Física passa a isentar os rendimentos de até 20 salários mínimos mensais, o que exclui desta forma de tributação mais de 90% da população brasileira;

3. Desoneração dos resultados da produção: com a eliminação do IRPJ, o lucro das empresas, se reinvestido, não sofre tributação, estimulando a produção e o emprego; o lucro distribuído, contudo, é alcançado no imposto de renda das pessoas físicas dos quotistas e acionistas das empresas; continua existindo tributação de renda na fonte sobre todos os rendimentos financeiros e de capital;

4. Impostos não-declaratórios: os tributos declaratórios eliminados na Proposta Alternativa são substituídos por dois impostos não-declaratórios, o imposto seletivo e o imposto sobre movimentação financeira, ambos insonegáveis e com arrecadação simples e pouco dispendiosa.

5. Desoneração da folha de salários das empresas: seguindo proposta anterior de Ives Gandra da Silva Martins, a contribuição patronal ao INSS é eliminada, sendo substituída por contribuição sobre movimentação financeira.

Cumpre notar que não procedem os temores acerca: a) da cumulatividade do IMF (já que a alíquota do mesmo será baixa e ele substituirá vários outros tributos, como o ICMS e as contribuições patronais ao INSS); b) das dificuldades de desoneração das exportações ( que é possível mediante o uso de pauta de rebates preparados com o auxílio de matrizes insumo-produto do IBGE, prática aceita e recomendada pela OMC); c) do impacto da cumulatividade nos mercados financeiros (já que, na Proposta Alternativa, a movimentação nos mercados financeiro e de capitais estará isenta do IMF), e d) de eventual desintermediação bancária (pois a proposta prevê a proibição de endossos e de emissão de cheques ao portador, além de exigência de trânsito de valores e de obrigações pelo sistema bancário brasileiro, sob risco de perda de legitimidade da transação).

Vê-se, portanto que a Proposta Alternativa, além de buscar atender aos reclamos tradicionais da eficiência e equidade, avança significativamente em três aspectos essenciais no redesenho do sistema tributário atual: simplicidade, insonegabilidade, e baixo custo, público e privado. Ademais, amplia o universo de contribuintes, alcançando a economia informal e os sonegadores.

A Proposta Alternativa ainda realça os direitos e garantias dos contribuintes. Haverá exigência de anualidade e antecipação mínima de seis meses para alterações tributárias, e restrições à cobrança de empréstimos compulsórios. Novos impostos e aumento de alíquotas exigirão prévio referendo popular, e fica proibido legislar sobre tributos por medida provisória. Ainda se estabelecem tetos e pisos legais para as alíquotas dos tributos existentes, contendo, assim, a escalada do apetite fiscalista do governo.

Finalmente, cumpre apontar que o impacto do IMF na carga tributária setorial e nos preços finais ao consumidor foi calculado partir de simulações efetuadas com o uso de matriz insumo-produto do IBGE. Pelas simulações, vê-se que o IMF, com alíquota de 1,35% nos débitos e nos créditos bancários arrecada mais e com menor impacto nos preços ao consumidor final do que um tributo tipo ICMS.

A proposta aprovada na Comissão Especial de Reforma Tributária se pautou pelo caminho inverso ao que seria desejável. Criaram-se novos impostos, aumentaram-se alíquotas, sobretaxaram-se ítens de grande peso na formação de custos de produção e remendaram-se, insuficientemente, alguns pontos da estrutura de gastos públicos.

Esse mesmo relatório foi logo em seguida alterado pela própria Comissão, que, ao término de seus trabalhos, encaminhou ao deputado Michel Temer, presidente da Câmara dos Deputados, um rascunho de uma “emenda aglutinativa”, propondo ser este, e não o relatório oficial, o texto a ser encaminhado ao plenário da Câmara.

Cumpre explicar que o relatório de número quatro foi aprovado depois de um processo traumático de discussões nas quais o PFL, partido do próprio relator, insurgiu-se contra a proposta, chegando a impedir sua leitura na data marcada pela Comissão. Chegouse a um acordo no sentido de aprová-lo no dia seguinte, apesar das profundas divergências que foram suscitadas, tendo sido proposto que as correções seriam feitas na própria Comissão por votação de destaques, e posteriormente em plenário da Câmara dos Deputados.

Mas, como seria de esperar, esta ação acabou por desfigurar ainda mais o projeto original, tornando-o inaceitável pelo governo e por vários setores da economia brasileira. Daí o surgimento de um outro projeto, porém igualmente inadequado, a “emenda aglutinativa”.

A proposta aprovada oficialmente pela Comissão é conservadora, e ainda agrava os defeitos do sistema atual . Para substituir o IPI, o atual imposto estadual de circulação (o ICMS), e as contribuições sociais, esta proposta cria um IVA convencional, declaratório e burocratizado, um ICMS piorado. Contudo, para gerar a mesma arrecadação, a alíquota total sobre o valor agregado precisará ser excessivamente elevada. O setor de serviços, por exemplo, terá sua carga tributária dobrada. A evasão e a sonegação serão estimuladas.

O projeto ainda contém falhas técnicas gritantes, como a introdução do método do “barquinho” na arrecadação do IVA, que, no comércio interestadual, acarretará a geração de saldos credores sistêmicos, e certamente ilíquidos, contra o governo. E comete a mais arrematada insensatez ao criar novos impostos, como o Imposto de Vendas a Varejo, o IVV, um presente de grego para os Municípios que perderão o ISS, e transferirão para os Estados e para a União a base tributária que mais cresce na economia moderna, os serviços.

Cumpre lembrar a unânime condenação por parte dos mais renomados tributaristas mundiais acerca da introdução deste tipo de imposto em países como o Brasil. “In the case of Brazil, high administrative costs mean that retail sales are not a good base for subnacional governments. The retais sales tax is an example of administrative costs ruling out a theoretically attractive alternative. The retail sales tax has been successfully used to finance both state and local governments in developed countries. The preponderance of small retail outlets with rudimentary record-keeping would make the RST very costly to administer in Brazil”. 102

A emenda aglutinativa encaminhada como “sugestão” ao presidente da Câmara dos Deputados, busca ser uma proposta consensual e negociada com os Estados e com a União, ainda que não haja comprovação de que tenha logrado tal desiderato. Trata-se de uma redação alternativa dos mesmos princípios contidos no projeto oficial.

Na tentativa de incorporar sugestões isoladas para angariar apoios, o novo projeto perde coerência conceitual. Revela um detalhismo pouco usual em textos constitucionais. Chega a ser exótico que, para remeter a arrecadação do novo IVA ao Estado de destino, se proponha um texto constitucional que admite escolha entre alternativas excludentes, como a da utilização da técnica do “barquinho”, ou da criação de um fundo de compensação, ou de quaisquer “outros procedimentos”.

Culminando o que poderia ser classificado como uma anti-reforma, a proposta “informal” admite a criação de treze novas espécies tributárias, todas declaratórias, tecnocráticas, e altamente sonegáveis, compensadas parcialmente com a extinção de apenas quatro.

O resumo da ópera é o seguinte: a Comissão revelou-se incapaz de produzir um projeto razoável de reforma tributária. Apenas produziu dois projetos inviáveis.

Publicações, Brasília, 2000; o voto em separado do deputado Marcos Cintra, contrário ao parecer do Deputado Mussa Demes, acha-se disponível também no site www.marcoscintra.org.

102Edwards, John, H.Y, “On the economic design of a Federation: the consensus among economists”, McLure Jr.,Charles, E., “The Brazilian Tax Assignment Problem:Ends, Means, and Constraints”, e Bird Richard M., “Aspects of Federal Finance: A Comparative Perspective”, in Delfim Netto, A., organizador, A Reforma Fiscal no Brasil: Subsídios do Simpósio Internacional sobre Reforma Fiscal, Fipe/PMSP, São Paulo, 1993, p.20, pp.45-69, e p.91.

O principal obstáculo no caminho da reforma tributária é a inadequação das propostas apresentadas pela Comissão Especial de Reforma Tributária. Segundo o professor Ives Gandra da Silva Martins, o sistema tributário atual é ruim, mas poderia ficar muito pior com essa proposta.

Não há como evitar a impressão de que o governo não deseja alterar em profundidade o atual sistema tributário. O ministro Antonio Kandir disse, em 1997, que a reforma tributária não era prioridade. Surpreendentemente, o ministro Pedro Malan afirmou que só no “próximo milênio” o Brasil teria um novo sistema. Confirma-se, assim, a enorme distância entre o que o governo pensa e o que a sociedade deseja.

A arrecadação pública nunca foi tão elevada. Ao sufocar a produção e aumentar a extração de impostos dos que ainda conseguem gerar renda (assalariados na economia formal), o governo ameaça matar a galinha dos ovos de ouro.

A proposta de reforma tributária defendida pelo governo104 não altera em profundidade a atual estrutura. O país continuará a ter um sistema tributário ineficiente, corrupto, injusto e altamente indutor de evasão, sonegação e expansão acelerada da economia informal. Mudam apenas as formas operacionais de arrecadação e as atribuições e competências dos entes federados.

As grandes novidades são duas: a unificação de IPI, ICMS e ISS no Imposto sobre Valor Agregado, administrado pela União, e a criação de um imposto unifásico de varejo, de responsabilidade de Estados e municípios (o IVV). Quanto a este último, pretende-se um imposto como o dos EUA. O comerciante varejista o adicionaria ao preço anunciado de produtos ou serviços. Estados cobrariam esse tributo sobre produtos; municípios, sobre serviços.

Há vantagens nessa proposta? Não.

Impostos sobre valor agregado são de difícil administração em sistemas federativos. O Brasil é um dos poucos países que possuem um IVA estadual, o que explica sua enorme complexidade e seu descontrole administrativo. Nesse sentido, sua federalização implicaria sensível melhoria operacional.

Mas a mudança acarretaria enorme centralização, já que o atual ICMS é a mais importante fonte de receita dos Estados. O IVA seria arrecadado pelo governo federal e partilhado com Estados e municípios _que perderiam autonomia financeira e teriam receitas próprias sensivelmente reduzidas, com a exacerbação dos condicionantes políticos na transferência dos recursos. Em compensação, ganhariam o IVV.

Esse imposto exige uma ética tributária que não existe em nosso país. É evidente mimetismo cultural pretender arrecadar impostos cobrados em cada ponto de venda. A evasão seria brutal e os custos administrativos, enormes, até pela necessidade de novos e pesados sistemas de fiscalização. Cumpre lembrar que 90% da receita do atual ICMS de São Paulo são provenientes de mil empresas. Para arrecadar metade do mesmo valor, haveria necessidade de fiscalizar nada menos que 300 mil varejistas espalhados por todo o Estado.

Em resumo, a nova proposta é centralizadora, burocrática e altamente indutora à evasão. No caso de São Paulo, o governo do Estado estima queda de 51% em sua arrecadação tributária.

Em editorial o jornal "O Estado de S.Paulo'' mostra que o governo ainda ousa, despudoradamente, propor a criação de tributo sobre os combustíveis. Fala-se no "imposto verde" e na cobrança de ICMS sobre o uso dos recursos hídricos em São Paulo. Não surpreende tanto descontentamento dos contribuintes.

Ademais, vários especialistas vêm apontando a excessiva carga tributária no Brasil. O peso dos impostos já equivale ao de países como EUA e Japão. Nos últimos anos, ameaça chegar a 35%, patamar sem paralelo nas economias em desenvolvimento. Isso resulta em perda de competitividade, desestímulo à atividade econômica e estímulo à sonegação.

A evasão fiscal, incluindo a sonegação e a economia informal, cresce assustadoramente. A Receita admite que cada real arrecadado pelo setor público tem igual contrapartida sonegada. Isso implica dizer que a carga tributária teórica no Brasil seria de mais de 60% do PIB. Não espanta que a evasão aumente, não por perversão do contribuinte, mas por puro espírito de defesa.

As autoridades econômicas mostram-se inertes. Por um lado, fazem desastradas reformas na estrutura tributária existente. São remendos que criam mais problemas do que soluções, a exemplo da Lei Kandir e da crescente guerra fiscal entre os Estados. Por outro, fazem mudanças pontuais a todo momento, de forma descoordenada, agravando a complexidade e a inconsistência do atual modelo, que já é uma incompreensível colcha de retalhos.

Continuar por esse caminho resultará em dois fatos indesejáveis: ditadura e opressão da burocracia pública e da fiscalização sobre a economia formal; expansão acelerada da economia informal. Quem pagar impostos pagará demais; outros, em escala crescente, pagarão cada vez menos, ou até nada.

A profunda centralização que adviria da implantação da proposta do governo pode ser avaliada sob outro prisma. Unificar ICMS, IPI e ISS implicaria um IVA com alíquotas elevadas, para evitar perda de arrecadação e poder garantir a Estados e municípios transferências que compensem a perda daqueles tributos, os maiores geradores de recursos em cada nível de governo.

Os três impostos juntos arrecadam hoje 10,5% do PIB, ou 34% da carga tributária bruta brasileira. O ICMS representa 7,4% do PIB. Supondo que a base de incidência do novo IVA seja de cerca de 20% mais ampla que a do ICMS, a alíquota do novo tributo poderá atingir 21%, para evitar perdas.

Se hoje, com alíquotas de 17%, a evasão e a sonegação já são elevadas, é evidente que o prêmio a elas aumentará na proporção direta da elevação da alíquota nominal do IVA. A proposta do governo, portanto, deverá exacerbar os maiores problemas operacionais do sistema tributário: evasão, sonegação e fuga para a economia informal.

A frustração da não-reforma, e a satanização das contribuições cumulativas

Frustrado o esforço pela reforma tributária abrangente, os defensores do conservadorismo tributário centraram seus esforços na eliminação das contribuições sociais cumulativas .

As contribuições sociais no Brasil são de três tipos. O primeiro, incide sobre salários, arrecadado pela Previdência Social, e onera os assalariados e os empregadores. Esta é a mais perversa de todas as contribuições sociais, pois ao encarecer a mão-de –obra desestimula a abertura de novos postos de trabalho, induz à adoção de técnicas de produção capital-intensivas, e estimula o mercado informal de trabalho. O segundo tipo de contribuição social incide sobre faturamento, como o PIS e a Cofins, cuja eliminação vem sendo ferozmente defendida pelos segmentos empresariais , o mesmo ocorrendo com o terceiro tipo, a contribuição sobre movimentação financeira, a CPMF, igualmente combatida pelos segmentos empresariais, por ser em cascata.

As razões pelas quais a eliminação do PIS, da Cofins e da CPMF vem sendo defendida pelas lideranças empresariais brasileiras já foram devidamente discutidas, e rebatidas acima. Viu-se que se trata de equívoco combatê-las meramente por serem cumulativas.

Pode-se, contudo, admitir que o PIS e a Cofins sejam extintas por serem contribuições cujos fatos geradores são declaratórios, (a emissão de notas fiscais), e portanto sujeitas à evasão.

Interessante observar que o fato gerador das contribuições sobre faturamento é aproximadamente igual ao fato gerador da CPMF.108 O faturamento das empresas aproxima-se do conceito de Valor Bruto da Produção. O PIS-Cofins guarda enorme semelhança com impostos sobre lançamento bancário, como a CPMF. Só que cobrada de forma declaratória, com base no faturamento reconhecido pelas empresas. Mas, embora com alíquota 9,6 vezes mais alta (3,65:0,38), arrecada apenas 2,5 vezes a receita da CPMF. Mesmo admitindo-se para o PIS-Cofins uma base de incidência 50% menor, a comparação mostra que a evasão das contribuições declaratórias sobre faturamento é assombrosa.109

Constatação semelhante foi verificada em estudo elaborado pelo IBRE/FGV para a Fiesp. Simulando o impacto da CPMF e do Pis-Cofins nos vários setores da economia com base nas Contas Nacionais do IBGE, os autores do estudo notam que “ao passo que o impacto mensurado para a CPMF apresentou valores na faixa de 10% do impacto mensurado para o Pis/Pasep e Cofins, em 2000 a arrecadação total da CPMF atingiu cerca de 30% da arrecadação total do Pis/Pasep e Cofins” 110. A origem desta discrepância, evidentemente, é a maior insonegabilidade da base não-declaratória da CPMF, comparativamente à base declaratória do Pis-Cofins.

Nesse sentido, a proposta de substituição do Pis, da Confins,e da CPMF por uma contribuição não-cumulativa mostra-se totalmente desaconselhável. Segundo os estudos efetuados pelo IPEA, a eliminação das contribuições cumulativas exigiria um imposto nãocumulativo declaratório com alíquota de cerca de 10%, ou de 11,5% no caso de não se desejar aumentar a carga desses impostos no setor financeiro. Portanto, a mera emissão de uma nota fiscal implicará uma carga tributária sobre o valor agregado naquela operação de

das estapas de produção que caracteriza o fenômeno da cumulatividade. Se assim fosse, o IVA seria igualmente cumulativo! Da mesma forma é equivocada a insinuação de que, diferentemente dos tributos cumulativos, os IVA não impactariam os preços finais das mercadorias. A não incidência tributária nos preços finais ocorreria apenas no caso de funções de demanda totalmente inelásticas, o que não foi explicitado pelos autores. Finalmente, não merece comentários a afirmação de que os tributos poderiam “criar pressões inflacionárias adicionais” (p.103). No mesmo tema, Everardo Maciel declarou “ouço muitas pessoas dizerem “precisamos tirar a cumulatividade das contribuições sociais para desonerar a produção”. Isso é falso já que aumenta a tributação sobre sobre a produção....As contribuições sociais incidem sobre dois tipos de receitas, as operacionais e as não-operacionais. Se adoto um sistema de valor agregado do tipo ICMS, ela só incide sobre as receitas operacionais”.Vide Maciel, E. “Reforma Tributária e Federalismo no Brasil”, palestra proferida em 7 de agosto de 2001 na Federação das Indústrias de Brasília. A transcrição da palestra acha-se disponível em www.marcoscintra.org.

108 Para um detalhamento dessa semelhança vide Albuquerque, Marcos Cintra, C, de “Resposta a algumas críticas ao imposto único”, in Albuquerque, Marcos Cintra C. de , Tributação no Brasil e o Imposto Único, Makron Books, São Paulo, 1994, p.112.

109 Vide Albuquerque, Marcos Cintra C. de “Os vícios e as virtudes do IPMF”, Folha de S.Paulo, 10/02/1994.

110 Vide “Impostos em cascata:obstáculo para a competitividade do Brasil” Referências Fiesp nº 1, Fiesp/FGV, 2001. p.21

aproximadamente 37% (17% de ICMS, 10% de IPI, 10% da Contribuição nãocumulativa).

Para garantir a mesma arrecadação atual das contribuições cumulativas, as simulações prevêem aumentos nos impostos compensatórios sobre as importações, aumentando o custo da produção nacional. Neste cenário, não será preciso muita imaginação para antever que haverá forte estímulo à sonegação, o que acarretará sucessivas rodadas de elevação de alíquotas da contribuição não-cumulativa, levando ao agravamento da crise do sistema tributário nacional.

De fato, o Secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, em depoimento na Comissão Especial da Tributação Cumulativa na Câmara dos Deputados em 2 de abril de 2002 declarou que a mudança de sistemas de base cumulativa para o de valor agregado trazem três preocupações à tona:

1. a possibilidade de a mudança se operar à custa do aumento da sonegação de impostos, já que os sistemas mais complexos são mais suscetíveis às mais variadas formas de evasão;

2. como conseqüência da primeira observação, pode haver repercussão da mudança em termos de resultados fiscais;

3. impacto nos preços relativos da economia, já que alguns contribuintes terão aumento de carga tributária, e outros, redução.

Mas o que de fato chama a atenção, é a insistência na eliminação das contribuições sobre faturamento e sobre a movimentação bancária, vis a vis a tolerância com a excessiva tributação sobre a folha de salários. Em realidade, um dos pontos fundamentais em qualquer projeto de reforma tributária é a desoneração da folha de salários das empresas .

O Brasil tributa em excesso os rendimentos do trabalho. Por isso a massa salarial aumenta pouco e o salário médio é insuficiente para sustentar incrementos na taxa de crescimento da produção. A causa desse descompasso entre baixos salários e alta carga de impostos está na estrutura do sistema tributário brasileiro.

Incapaz de controlar a sonegação nos tributos declaratórios incidentes sobre a produção, o governo busca uma fonte alternativa fácil de ser tributada e faz pesar sobre o trabalhador com carteira assinada uma carga de impostos acima da que se observa em outros países. O imposto incidente sobre os salários no mercado formal de trabalho é um dos mais elevados do mundo. Sobre um salário equivalente a US$ 840, no Brasil, incide imposto de renda com uma alíquota nominal de 27,5%. Nos EUA, por exemplo, esse mesmo salário é tributado em 15%.

A alíquota do FGTS, de 8,5%, tornou-se uma contribuição parafiscal e pouco se diferencia de outros impostos sobre o trabalho. E, além disso, as contribuições ao INSS adicionam cerca de 35% à carga tributária incidente sobre a folha de salários. Não surpreende, portanto, que apenas metade da força de trabalho no Brasil tenha carteira assinada e que o famigerado custo-Brasil tenha se transformado numa espiral ascendente de ineficiência e de perda de competitividade da produção nacional.

A proposta de desonerar a folha de pagamentos das empresas mediante a eliminação das contribuições patronais ao INSS poderá servir de importante estímulo para ampliar a regularização do trabalho informal e para estimular a abertura de novos empregos. Mas a principal vantagem é que a eliminação da cunha tributária do INSS de cerca de 20% permitiria a elevação dos salários reais, sem pressões sobre custos e preços. O incremento no mercado consumidor estimularia a demanda agregada e os investimentos, e contribuiria eficazmente para a sustentação da taxa de crescimento do PIB.

Desonerar a folha de pagamentos, aumentar salários, reduzir a sonegação de impostos, gerar empregos, diminuir o custo-Brasil e baixar preços. Parece impossível, mas não é.

Na Câmara dos Deputados há um Projeto de Emenda à Constituição cujo objetivo é a desoneração da folha de salários das empresas mediante a eliminação da contribuição patronal ao INSS e sua substituição por uma contribuição social sobre a movimentação financeira.

Segundo dados do IBGE, 95% da oferta de novos postos de trabalho ocorridos ao longo do ano de 2000 foram preenchidos por trabalhadores sem carteira assinada. Este fato torna-se corriqueiro a cada dia que passa, com danosas consequências no bem-estar dos assalariados e de seus familiares, além de implicar insuportável sobrecarga no sistema previdenciário e de seguridade social brasileiros.

Ademais, a desoneração da folha de salários das empresas mediante a eliminação da contribuição patronal ao INSS será instrumento de correção da flagrante injustiça que se comete contra o setor prestador de serviços, caso sua carga tributária seja aumentada, como proposto no projeto da Comissão Especial de Reforma Tributária.

Sabidamente, a folha de salários nos setores prestadores de serviços varia de 40% a 70% de seu faturamento. Neste caso, a contribuição patronal ao INSS de 20% a 22% sobre a folha equivale a encargos que variam de 8% a 15,4% sobre o valor do faturamento dessas empresas.

Essas peculiaridades dos setores prestadores de serviços impõem, portanto, a necessidade de medidas corretivas, capazes de aliviar a carga tributária das atividades altamente intensivas na utilização de mão-de-obra.

A substituição das contribuições patronais ao INSS pelo Imposto Social, incidente sobre transações financeiras com alíquota de 0,6% nos débitos e créditos bancários, como propõe a PEC 256/00, seria capaz de gerar volumes equivalentes aos recursos arrecadados pelo INSS incidentes sobre folha de pagamentos. Cumpre dizer que se trata apenas de uma substituição de fontes, que em nada alteraria a destinação dos recursos recebidos, inclusive os relativos ao salário-educação e ao chamado Sistema S.

Cumpre dizer que a alíquotas propostas para o Imposto Social tornaria necessário desonerar as operações financeiras nos mercados financeiros e de capitais, especialmente os valores transacionados nas Bolsas de Valores. Haveria ainda a necessidade de estabelecer formas de garantir que transações acima de limites a serem definidos por lei, apenas teriam validade legal se transitarem pelo sistema bancário do país. Garante-se, dessa forma, que a base imponível do Imposto Social mantenha o mesmo potencial de arrecadação que as estimativas geradas através de projeções lineares, tomando-se por base a atual arrecadação da CPMF.

Os principais benefícios do Imposto Social e da eliminação da contribuição patronal sobre folha de salários ao INSS seriam:

1. Desonerar a folha de pagamentos das empresas, barateando os custos de produção e a carga tributária, principalmente nos setores terceários, altamente intensivos em mão-de-obra;

2. Estimular a demanda por trabalho; o trabalho assalariado seria estimulado, reduzindo-se a tendência exagerada de terceirização motivado por altos encargos trabalhistas;

3. Combater o desemprego; hoje o desemprego e o sub-emprego atingem cerca de 20% da população economicamente ativa nas principais regiões metropolitanas do país;

4. Estimular a formalização das relações trabalhistas; a crescente proporção do trabalho informal e sem carteira assinada compromete a qualidades das relações trabalhistas em nosso país; as garantias previdenciárias seriam estendidas a todos os trabalhadores, pois não haveria mais estímulo à contratação de trabalho ilegal e informal;

5. Permitir a redução dos custos tributários incidentes sobre o trabalho; a redução dos encargos abriria espaço para a redução dos custos de produção e para o controle da inflação;

6. Aumentar a competitividade dos produtos brasileiros frente a seus concorrentes externos, mediante a eliminação da contribuição patronal ao INSS (redução de custos de produção), e também mediante a substituição de um tributo nãodesonerável nas exportações( a contribuição patronal ao INSS) por um tributo

que permite desoneração (o Imposto Social); as exportações seriam favorecidas, e os produtos nacionais encontrariam condições mais justas de concorrência com a produção importada.

A redução dos encargos trabalhistas poderia abrir espaço para aumentos salariais

em todos os setores; seria particularmente importante, e possível, que os salários fossem aumentados pelo menos na exata proporção da alíquota do Imposto Social incidente sobre a movimentação financeira dos assalariados, de forma a não onerar o trabalhador com a criação do Imposto Social.

A evolução do debate, e algumas simulações à guisa de conclusão

Após mais de doze anos de polêmica, o debate entre os defensores e os opositores ao modelo tributário do Imposto Único parece ter chegado a algumas conclusões importantes.

Como pudemos demonstrar ao longo deste texto, algumas das críticas mostraram-se desprovidas de razão, e outras foram amplamente contextadas pelos fatos. Destacamos dentre elas o temor dos que previam a remonetização da economia, a fuga dos depositantes do sistema bancário, a verticalização do processo produtivo, a impossibilidade de métodos de desoneração tributária, e o aprofundamento da iniqüidade. Ao mesmo tempo, algumas das características dos impostos sobre movimentação financeira, como a sua insonegabilidade, tornaram-se amplamente reconhecidos até mesmo pelos adversários de primeira hora.

Delfim Netto reflete estas conclusões em artigo onde avalia o estudo da Receita Federal surgido em defesa da CPMF . Após um breve resumo do que chamou de “filosofia fazendária do governo”, o articulista afirma ter “uma certa simpatia com essa posição, apesar de achá-la muito nihilista”. Mas apesar desta concessão, formula logo em seguida uma crítica aos impostos cumulativos como a CPMF, sendo este tema, provavelmente, o derradeiro item da polêmica que ainda não foi devidamente rebatido pelos defensores dos IMF´s.

“Esta discussão elide o verdadeiro problema, que é saber qual o papel da política fiscal no processo de desenvolvimento econômico”, para prosseguir afirmando que “a eficiência produtiva da economia de mercado é tão maior quanto menores forem as distorções introduzidas nos preços relativos determinados pelo livre funcionamento da oferta e da procura. ...é conhecido que a tributação em “cascata” introduz distorções maiores do que sobre o valor agregado”.

Neste sentido, é importante se tentar avaliar o impacto dos modelos tributários alternativos (cumulativos versus IVA´S) na formação dos preços relativos da economia.

Nos primeiros trabalhos sobre o Imposto Único tentou-se avaliar o impacto dos impostos cumulativos na formação dos preços na economia. Como pode ser visto no Anexo IV, foram utilizadas as matrizes de relações interindustriais do IBGE e suas atualizações, tendo-se chegado à conclusão que, por exigirem alíquotas nominais sensivelmente mais baixas do que os IVA´s, e consequentemente, por desestimularem a sonegação, os IMF´s impactariam com menor intensidade os preços na economia em comparação com a situação limite de ausência de tributação.

A cumulatividade, ou o efeito “cascata” levou erroneamente alguns críticos a acreditarem que as cadeias de produção longas poderiam potencializar imesuradamente o impacto altista nos custos de produção. As simulações efetuadas então mostraram o equívoco daquelas afirmações. Por exemplo, os estudos sobre a Proposta Alternativa mostraram que os preços setorais de um IMF com alíquota de 2,7% nos débitos e créditos bancários impactariam os preços da economia em percentuais variáveis entre 4,1.% e 11,1.%, comparativamente a uma situação de ausência de impostos; já um IVA como o ICMS, com alíquota de 17% causaria impacto maior nos custos de produção de forma a fazer com que a carga tributária desse impostos se situasse entre 20,4% e31,4% do preço final. Outros trabalhos mencionados acima utilizaram a mesma metodologia, chegando a conclusões semelhantes.

Mas apesar do impacto absoluto na formação de preços ser menor no caso dos IMF´S relativamente aos IVA´s, ainda perdura a dúvida acerca do impacto nos preços relativos, como mencionado por Delfim Netto.

As simulações, descritas no Anexo IV tentam medir este efeito.

Sabidamente, todos os impostos introduzem distorções nos preços relativos. Contudo, passou-se a creditar que o efeito cumulativo dos IMF poderia causar alterações mais intensas. Acreditava-se que os IVA´s seriam menos distorcivos já que a carga tributária na composição final dos preços teoricamente poderia ser controlada pelo formulador da política econômica. O que esses argumentos deixaram de considerar é que a evasão é um fato marcante da realidade tributária brasileira, e que os IVS´s estimulam a sonegação a partir de suas altas alíquotas.

Não obstante, a conclusão acerca da superioridade dos IVA´s relativamente aos tributos cumulativos seria seria parcialmente verdadeira se duas condições fossem satisfeitas. A primeira, é a ausência de sonegação, e a segunda, a existência de alíquotas uniformes por todos os setores e produtos. Como sabidamente nenhuma dessas duas hipóteses é verdadeira, a conclusão de que os IVA´s introduzem menos distorções do que os IMF´s não pode ser feita a priori.

Ademais, os impactos nos preços relativos dependem não apenas do tipo de tributo, mas também da intensidade de seu uso, ou seja de suas respectivas alíquotas. Como, para um dado nível de receita, os IMF´s necessitam alíquotas significativamente mais baixas do que os IVA´s percebe-se imediatamente a fragilidade das afirmações de que os tributos cumulativos necessariamente introduzem distorções mais fortes nos preços relativos.

A presença de alíquotas diferenciadas e a existência de sonegação significativamente mais elevada nos IVA´s fazem com que os impactos nos preços da economia sejam tão não-controláveis, aleatórios, e não-intencionais, quanto no caso de IMF´s.

Possivelmente as distorções geradas pelos IVA´s sejam até mais fortes do que nos IMF´s já que a sonegação é fenômeno intensamente volátil, mutável, imprevisível, e camuflado. Nos IMF´s a variabilidade de seus impactos nos custos de produção setoriais decorrem de alterações nas funções de produção, que ocorrem apenas no médio e no longo prazo. Isto faz com que os IMF´s, mesmo tendo padrões de incidência não-intencionais e não-controláveis, possuam mais estabilidade do que os IVA´s. A sonegação é geralmente instávelmesmo a curtíssimo prazo, tornando os efeitos alocativos dos IVA´s ainda mais mutáveis e imprevisíveis do que nos IMF´s.

As simulações apresentadas a seguir tentarão mostrar que

1. supondo-se sonegação zero, os IMF´s, por terem alíquotas mais baixas, implicarão menores distorções nos preços relativos do que os IVA´s; e

2. com a possibilidade de maiores taxas de sonegação no uso de IVA´s, a incidências desses tributos na formação de preços torna-se ainda mais distorciva, superando em muito as distorções causadas pelos IMF´s.

Trata-se de um exercício de estática comparativa, onde os modelos tributários do IMF (cumulativo) e do IVA (valor agregado) serão comparados com uma situação heurística de ausência de tributação, que supostamente deveria ser o preço de equilíbrio competitivo. Nesse sentido, quanto mais os preços setoriais se distanciarem dos preços livres de tributos (que no modelo foram igualados à unidade) maior o impacto distorcivo que demonstram ter na formação das cargas tributárias setoriais.

A seguir, para cada hipótese de simulação, será montada a matriz dos preços relativos setoriais, e a distância de cada preço relativo do valor unitário estará medindo a distorção causada pelo respectivo modelo tributário no preço relativo daquele determinado par de setores. A medida de distorção global é dada pelo desvio padrão dos preços relativos da matriz em relação à unidade, como pode ser visto no Anexo IV.

A Simulação nº 1, cujos resultados estão na tabela 16, compara o impacto nos preços relativos de um IMF sendo usado como um Imposto Único, relativamente com um modelo tributário convencional composto por tributos sobre a renda, propriedade, folha de pagamentos, comércio externo e consumo. A simulação incorpora apenas os tributos indiretos, não incluindo na necessidade de arrecadação simulada a receita gerada pelos os tributos lançados sobre o patrimônio (IPTU, IPVA, ITR, etc), pelo Imposto de Renda, pelos impostos sobre o comércio externo, e pelos demais tributos com características de extrafiscalidade. Nesse sentido, a simulação é fortemente viesada contra o tributo cumulativo, pois a alíquota prevista de 3,5% irá gerar maior arrecadação (26,7% do PIB) do que os tributos convencionais incluídos na simulação (14,7% do PIB).


Vê-se que os desvios nos preços relativos no caso do IMF (Imposto Único) foi de 5,38%, ao passo que no caso do modelo convencional, atingiu 8%. Comprova-se assim a inveracidade da afirmação de que necessariamente os tributos cumulativos geram maiores distorções nos preços relativos. Não se pode afirmar a priori que isto ocorra, ou deixe de ocorrer. Contudo, pode-se afirmar que nas circunstâncias da economia brasileira a crítica não se revelou verdadeira.

A simulação nº 2, cujos resultados estão na tabela 17, faz a correção para tornar mais rigorosa a comparação. A alíquota do IMF foi reduzida para 1,92% para tornar a arrecadação comparável com a dos tributos convencionais incluídos na simulação (14,7% do PIB). Neste caso, os tributos convencionais são o ICMS, o IPI, o ISS, e as contribições patronais ao INSS. O efeito da redução da alíquota do IMF de 3,5% para 1,92% fez o desvio dos preços relativos cair de 5,38% para 3,41%, enquanto que no modelo convencional o desvio permaneceu no patamar de 8%.121 Percebe-se, portanto, que os desvios nos preços relativos causados pela aplicação de um imposto cumulativo foi menos da metade do desvio observado no modelo convencional, comprovando assim o equívoco das afirmações em contrário feitas a priori.


TABELA 16 

Impacto do IUT e do sistema tradicional nos preços relativos setoriais

Simulação 1


TABELA 17

Impacto do IUT e do sistema tradicional nos preços relativos setoriais

Simulação 2


Outra interessante variante das simulações realizadas diz respeito à alternativa freqüentemente lembrada de eliminação das contribuições sociais cumulativas, mantendo-

se intactos os demais componentes do atual modelo tributário. . O resultado está na tabela 18.

A eliminação da CPMF, da Cofins, do Pis-Pasep tornariam necessária a elevação das alíquotas dos tributos indiretos atuais em 52% relativamente ao seu nível atual. Por si só esta elevação seria inviável, pois seria fonte de forte estímulo á evasão tributária. Mas supondo-se que isto não ocorra, o que é altamente improvável, os desvios nos preços relativos se elevariam dos 8% verificados na simulação 1 para 8,98%, agravando ainda mais as fortes distorções nos preços relativos da economia. O desvio nos preços relativos causado pelo IMF permaneceria o mesmo, 5,38%, ou seja 40% mais baixo do que no caso da eliminação das contribuições sociais. Isto demonstra que a proposta recentemente veiculada pelo IPEA precisa ser analisada com mais cuidado antes de ser adotada.

A introdução da sonegação e seu impacto nas distorções dos preços relativos é interessante caminho para pesquisa futura. A hipótese é que a sonegação, introduz fortes elementos de instabilidade, volatilidade, e aleatoriedade nos preços relativos de uma economia.

A simulação 4, na tabela 19, usou os mesmo parâmetros da simulação 1, mas com a introdução do elemento “sonegação”. Para tanto foram utilizados as alíquotas dos impostos constantes na simulação 1 ajustadas pelas estimativas sobre o peso do setor formal nas estatísticas do Valor da Produção do IBGE. Com isso as alíquotas efetivas foram alteradas relativamente às alíquotas formais de cada setor. Por exemplo, enquanto que na indústria do açúcar 100% do setor atua na formalidade, na agricultura 93,1% estão na informalidade. Usando-se estas informações para os 42 setores usados nas simulações, fezse os ajustamentos equivalentes nas alíquotas tributárias setoriais, com exceção da alíquota do IMF (Imposto Único) por ser insonegável mesmo para as expresas que atuam na informalidade. A expectativa era de que, logicamente, o desvio nos preços relativos do modelo do IMF manter-se-ia constante, pois não houve alteração de alíquota Mas esperavase, pelas razões mencionadas acima, que o desvio do modelo convencional fosse mais alto do que o 8% verificado na simulação 1.

TABELA 18

Impacto do IUT e do sistema tradicional nos preços relativos setoriais

Simulação 3


TABELA 19

Impacto do IUT e do sistema tradicional nos preços relativos setoriais

Simulação 4


Na medida em que se admite a existência da sonegação, estimulada pelas altas alíquotas dos tributos convencionais, a queda nas alíquotas efetivas implicará perda de arrecadação. Para fazer a correção, as alíquotas nominais dos tributos convencionais foram aumentadas numa proporção dada pela relação entre a soma das alíquotas nominais e a soma das alíquotas efetivas. A expectativa era de que com essa correção se estivesse fazendo a compensação dos efeitos da sonegação na arrecadação tributária pelo aumento das alíquotas nominais.

De fato, é isto que ocorre. Quanto mais aumenta a sonegação, mais se aumentam as alíquotas para compensara queda da arrecadação. Nesse sentido, introduzem-se modificações na distribuição das alíquotas e nos padrões de incidência tributária causadas pela sonegação, mas preserva-se a arrecadação mediante a elevação do nível das alíquotas. Em outras palavras, este mecanismo faz os bons contribuintes pagarem pelos maus.

Feita esta correção verificou-se que o desvio nos preços relativos do modelo convencional com sonegação ficou praticamente o mesmo que o encontrado no modelo 1. Em outras palavras, não se confirmou a hipótese de que a sonegação implicaria maiores desvios nos preços relativos, ainda que do ponto de vista de equidade tivesse havido uma clara deterioração entre as duas situações.

Há algumas explicações para o fenômeno, que deixo como pontos para o aprofundamento de futuras pesquisas.

Em primeiro lugar, os índices de informalidade calculados pelo IBGE parecem subdimensionar o problema, situando-se em patamares excessivamente conservadores. Por exemplo, o IBGE calculou que a formalidade na industria de material plástico é de 99,2%, de 99,8% na industria de produtos químicos, 100% na siderurgia e na metalurgia de não-ferrosos, e de 91,3 % na fabricação de calçados e de artigos de couro e peles, etc. Parecem ser índices excessivamente elevados de formalização.

Em segundo lugar, as simulações comprovam um fato que já pudemos observar anteriormente. As distorções nos preços relativos dependem de dois fatores: da variação absoluta das alíquotas, e de sua dispersão ou variabilidade. Ao introduzirmos a sonegação em nosso modelo de simulação através de uma queda nas alíquotas efetivas dos impostos, se está automaticamente reduzindo o desvio nos preços relativos. Nesse sentido, ocorreu o esperado, já que antes da correção no nível das alíquotas, o desvio do modelo convencional caiu de 8% para 7,8%. Em outras palavras, o efeito redutor dos desvios provenientes da queda nas alíquotas foi mais intenso do que o efeito amplificador dos desvios causados pela correção across the board das alíquotas nominais. De fato, após a compensação, o desvio dos preços relativos subiu para 7,90%, mas ficou abaixo dos 8% verificados no caso de ausência de sonegação.

Em terceiro lugar, há uma outra explicação estritamente numérica. Para se fazer a compensação das alíquotas para neutralizar a queda de arrecadação causada pela sonegação, utilizou-se como indicador o fato de que a soma das alíquotas efetivas foi apenas 10% mais baixa do que a soma das alíquotas nominais. Ou seja, as alíquotas nominais foram aumentadas em 10% across the board. Cumpre dizer que, por falta de informações não foi possível fazer a ponderação dessa queda pela importância relativa de cada setor na economia brasileira, como seria correto. Trata-se de limitação metodológica séria, e que deverá no futuro ser corrigida. Assim, a correção necessária poderia ter sido maior do que a realizada, mas não há informações que comprovem, ou desmintam, esta possibilidade, dado o caráter aleatório dos padrões de sonegação tributária.

Uma quarta explicação é de caráter conceitual. Como já afirmamos antes, o teorema do “second best” nos ensinou que na ausência de condições competitivas perfeitas, as distorções podem se compensar, de tal forma que a presença de duas fontes de distorções podem gerar uma situação mais próxima da eficiência competitiva do que a presença de apenas um elemento de distorção. Nesse sentido, não há como saber a priori se uma dada situação é mais, ou menos, eficiente do que outra. Apenas uma análise empírica será capaz de gerar respostas adequadas.

O que pode estar ocorrendo na simulação 4 é exatamente este fenômeno, ou seja, as distorções causadas pelos índices de sonegação utilizados no modelo podem ter gerado compensações cruzadas de tal forma a reduzir, ao invés de aumentar, as distorções nos preços relativos da economia.

Este resultado pode estar confirmando a inadequação das afirmações peremptórias e incondicionais feitas por vários críticos e estudiosos da cumulatividade acerca de seus efeitos distorcivos nos preços relativos da economia.

Com estas observações esperamos estar avançando no entendimento da derradeira questão ainda pendente no debate sobre o Imposto Único: a de que não se pode afirmar a priori se a cumulatividade, ou o valor adicionado, introduz maiores distorções nos preços relativos de uma economia.

Os projetos em tramitação no Congresso Nacional

Há em tramitação no Congresso Nacional projetos que incorporam a visão inovadora dos impostos não-declaratórios, e que facilitam e viabilizam a sua implantação.

Nesse sentido, vale ressaltar dois projetos que apresentei, e que já se encontram tramitando no Congresso Nacional. O PL 4722/01 desonera as exportações brasileiras do PIS/Pasep, da Cofins e da CPMF e o PLC 190/01 que onera as importações com base nesses mesmos tributos, impondo isonomia entre a produção doméstica e a importada, sendo que ambos os projetos propõem a utilização da matriz insumo-produto como mecanismo de cálculo do impacto sobre os setores produtivos.

Há no Congresso Nacional outros projetos que merecem destaques e deveriam ser discutidos como uma alternativa para a complexidade do sistema vigente e às propostas que defendem mudanças apenas marginais que mantém essa situação inibidora de investimentos e geração de renda e emprego.

Um deles é a Emenda 47/99 de minha autoria, apresentada à Comissão Especial de Reforma Tributária que institui o Imposto Único de forma gradual, mediante compensação com outros tributos, e extingue vários outros tributos ineficientes e complexos. Há ainda, a PEC 183/99, a Proposta Alternativa, que cria o IMF e os impostos seletivos, e a 256/00, que apresentei juntamente com outros deputados, criando o Imposto Social para substituir a Contribuição Patronal ao INSS.

Finalmente cabe destacar a PEC 474/01, de minha autoria e outros, que institui o Imposto Único Federal, e que incorpora o conhecimento e a experiência adquiridos ao longo de anos de observação e de estudos em prol da implantação do Imposto Único no país.

A frustração foi geral ao se perceber que a proposta de reforma apresentada na Comissão especial de Reforma Tributária foi apenas uma tímida e convencional tentativa de correção de alguns problemas pontuais no sistema tributário brasileiro. Mas não foi capaz de empolgar a opinião pública, e nem de avançar na urgente necessidade de simplificação e de universalização do sistema de arrecadação de impostos no Brasil.

O movimento pelo Imposto Único Federal – IUF – busca saldar esta dívida do governo com a sociedade brasileira. Visa implantar no Brasil uma nova e revolucionária sistemática tributária.

Primeiramente, busca-se sua implementação apenas a nível federal. A proposta prevê inicialmente a substituição de diversos tributos arrecadatórios de competência da União por apenas um imposto que incidirá sobre as transações bancárias.

Num segundo momento a proposta prevê a realização de plebiscitos em todo o país para que os Estados e municípios interessados possam optar pela adesão a essa inovadora formatação tributária.

O IUF representa um sistema fiscal-tributário inovador e revolucionário que irá proporcionar uma extrema simplificação na estrutura de impostos no Brasil. Sua implementação acarretará acentuada queda nos custos de arrecadação de impostos para o poder público e para os agentes privados. A sonegação, a evasão e a corrupção serão reduzidas significativamente, tornando o sistema mais justo e mais eficiente.

A idéia do IUF é simples: sobre as transações efetuadas no sistema bancário incidirá uma alíquota de 1,7% sobre cada débito ou crédito.

Os tributos arrecadatórios federais serão todos extintos (IRPF, o IRPJ, a CSLL, o IPI, a Cofins, a CPMF, as contribuições previdenciárias ao INSS, o IOF, o ITR, e as retenções na fonte de qualquer espécie). Permanecerão apenas o IUF, os impostos de natureza extrafiscal (instrumento de regulação de política econômica, como os impostos sobre comércio exterior) e as taxas pela prestação de serviços.

A partilha da receita entre os níveis de governo não sofrerá alteração de critérios, e a distribuição ocorrerá de modo automático, através de softwares desenvolvidos especificamente para esse fim.

No mercado financeiro e de capitais a tributação seria diferida, evitando-se a tributação sobre o giro financeiro. O montante do principal das aplicações será imune ao IUF enquanto permanecer no circuito financeiro.

O IUF irá redistribuir a carga tributária com maior justiça social, aliviando a excessiva incidência sobre os assalariados, sobre a classe média e sobre as empresas organizadas, que hoje arcam com uma abusiva carga de impostos no Brasil.

A meta do IUF é garantir a mesma arrecadação atual, ou seja, cerca de R$ 183 bilhões na esfera federal. A questão que se coloca então é: qual é o nível de tributação do IUF que seria adequado para substituir os atuais tributos? Simulações mostram que um alíquota de 1,7% no débito e 1,7% no crédito de cada lançamento bancário seria suficiente para gerar uma receita igual aos tributos a serem eliminados.

O cálculo da alíquota final do IUF é mostrado abaixo, tomando-se por base a arrecadação tributária de 2000, e em especial a da CPMF.

TABELA 20

Arrecadação federal e Substituição pelo IUF (2000)

Cabe lembrar que a proposta do IUF é eliminar todos os tributos arrecadatórios.

Esses impostos representam mais de 70% da atual arrecadação federal. Obrigações extrafiscais como o FGTS, o Pis/Pasep, tributos sobre o comércio exterior, a seguridade do servidor público e a contribuição social do empregado, permanecerão inalterados.

São várias as vantagens do IUF, dentre as quais se destacam :

1. Redução da carga tributária individual;

2. Simplificação do atual sistema tributário;

3. Redução dos custos da União, da Previdência, dos Estados e dos municípios, com o enxugamento de suas máquinas arrecadadoras (fiscais), e também das empresas com a inexigibilidade de escrituração fiscal, ações judiciais, e dispensa de atividades de planejamento e assessoria tributária;

4. Maior produtividade e lucro das empresas ;

5. Aumentos de salários reais e nominais;

6. Redução do “custo Brasil”;

7. Universalidade – ninguém sonegaria, nem estaria isento do imposto;

8. Transparência e impessoalidade;

9. Equidade – tributo insonegável e proporcional aos ganhos de cada cidadão; e

10. Fim da corrupção.

As críticas ao IUF, e as respostas a elas, podem ser resumidas como segue.

Cumulatividade (“efeito cascata”)

Os críticos da proposta afirmam que o chamado “efeito cascata” representa um grave defeito do Imposto Único Federal (IUF), e que a cumulatividade deve ser completamente abolida. Na verdade,

a) A carga tributária do IUF atingiria um máximo de 14,88% (gerando arrecadação de R$ 183 bilhões), ao passo que apenas com o IPI e INSS, a carga de impostos chega a 29,67% do preço final (arrecadando apenas R$ 53 bilhões, menos de um terço do IUF); em outras palavras, o IUF arrecada mais, tributando menos;

b) O IUF implica variância de carga tributária por produto sensivelmente inferior ao IVA, o que invalida o mito de que tributos cumulativos introduzem variações nos preços relativos mais intensas do que os IVA´s, sendo, portanto necessariamente ruins e indesejáveis;

c) As alíquotas diferenciadas do IVA, como ocorre na prática a partir das escandalosas práticas de evasão e sonegação, implicam variância ainda maior de carga tributária setorial, distorcendo mais fortemente os preços relativos na economia do que ocorreria com o IUF.

Regressividade e injustiça social

O atual sistema tributário é extremamente injusto. Os assalariados são taxados pesadamente. Como vimos acima, dados de 1998 mostram que 53,5% da carga tributária daquele ano incidiram direta ou indiretamente sobre os rendimentos do trabalho. Por outro lado, no mesmo ano os salários representaram 26,8% do PIB nacional. Ou seja, a tributação sobre os rendimentos do trabalho foi o dobro do que se poderia considerar proporcional à sua participação na Renda Nacional.

Enquanto o salário é altamente onerado, o setor financeiro é um setor privilegiado no país, quando se trata de pagar imposto. Do total de Imposto sobre a Renda em 1998 a tributação sobre o trabalho respondeu por 32%, enquanto as instituições financeiras contribuíram apenas com 4%.

As pessoas de baixa renda que não possuem conta em banco não serão atingidas diretamente pelo IUF. Além disso, sabe-se que o governo poderá se utilizar de subsídios, caso deseje privilegiar um setor considerado prioritário.

Viés antifederal

A proposta do IUF é justamente a de fortalecer a Federação, ao estimular repasses automáticos para Estados e municípios. Na atual proposta do IUF, estados e municípios não perderiam sua atual competência tributária.

Desintermediação financeira (uso de moeda manual e fuga dos cheques)

O IUF não estimula a monetização da economia, pois o custo de transação com moeda manual é superior à economia de impostos obtida. É mais seguro, e muito mais barato, continuar a utilizar os bancos do que carregar e fazer pagamentos com papel-moeda. Para evitar que isto aconteça, haverá uma sobretaxa para desestimular saques.

Oneração da produção

Na verdade, o IUF ocasionará uma redução de custos para o consumidor, pois o produtor se sentirá incentivado a reduzir os preços ao perceber que seus custos tributários caíram.

Exportação de Impostos

O IUF poupará o produtor de uma série de arrecadações e contribuições que ele sofre hoje, como PIS, Confins, IR, INSS etc., permitindo uma maior eficiência do parque industrial brasileiro e uma maior competitividade de nossos produtos. Além disso, propõese a total desoneração das exportações mediante cálculo de rebates fiscais calculados com o uso de matrizes insumo-produto da FIBGE.

Impactos do IUF na economia

• No mercado de trabalho, o IUF estimularia a abertura de novas vagas e a contratação de mão-de-obra, pois a folha de salários das empresas seria desonerada

• No mercado consumidor o IUF acarretaria queda nos preços em função da redução na carga tributária (parte do “custo-Brasil”) incidente sobre o preço final do produto; além disso, a desoneração dos salários acarretaria aumento de poder de compra dos trabalhadores;

• Nas empresas o IUF reduziria custos de produção, que estimulariam as vendas, e aumentariam os investimentos na geração de maior capacidade produtiva;

• No governo, o IUF estimularia a mudança da ênfase da fiscalização tributária (que se tornaria desnecessária para os contribuintes), para o monitoramento das ações de fiscalização sobre o próprio setor público, onde se originam os grandes escândalos, ineficiência, e focos de corrupção.

Vale lembrar que o IUF, embora sendo um imposto em cascata, causaria menos

distorções nos preços finais dos bens do que um imposto tipo IVA, como o IPI.

A análise do impacto nos preços de 42 setores da economia brasileira mostrou sensível redução de carga tributária e, conseqüentemente, de preços finais dos produtos, como pode ser observado na tabela abaixo.

A implantação do IUF implicará enorme economia de recursos hoje gastos nas despesas administrativas das empresas. Também haverá redução da economia informal, e diminuição sensível dos custos de fiscalização e arrecadação na máquina estatal.

Cumpre apontar, como visto acima, que a carga tributária do IUF nos preços dos produtos atingiria um máximo de 14,88%, ao passo que apenas a incidência do IPI e do INSS acarretaria um impacto de até 29,67% na formação dos preços ao consumidor. Esta comparação fica ainda mais dramática quando se verifica que o IUF, de menor impacto na formação dos preços finais, arrecadaria 16,8% do PIB, ao passo que os outros tributos nesta camparação, impactam os preços finais mais fortemente, e arrecadam apenas 5% do PIB.

Em resumo, o IUF poderá ser a base para amplo acordo nacional. Não é tarefa fácil acomodar os interesses dos principais grupos sociais envolvidos em uma reforma tributária, como os trabalhadores, os empresários e o governo. Cada grupo visualiza a oportunidade de ampliar seus espaços econômicos, configurando um conflito de interesses impossível de ser superado por uma reforma tributária convencional.

TABELA 21

CARGA TRIBUTÁRIA ATUAL x CARGA TRIBUTÁRIA COM IUF

(Tributos Federais)


O IUF, ao permitir ganhos a todas as partes envolvidas - setor público, assalariados e empresários - cria condições para o início de um diálogo que já tarda no país.


Para o setor público, o IUF permite redução de custos, desburocratização, modernização administrativa, recuperação de receitas. Facilita, enfim, o necessário ajuste fiscal. Para os trabalhadores abre-se espaço para a recomposição salarial mediante a incorporação aos salários, ainda que parcial, das contribuições previdenciárias e das retenções na fonte. E para o empresariado, permite redução de custos, aumento de mercados e recomposição de margens.Apenas os sonegadores e a economia informal sairão perdendo, o que será um ato de Justiça, ainda que tardia.

Críticas e respostas ao Imposto Único Federal

A proposta do Imposto Único Federal deu início a uma nova rodada de discussões sobre o tema. Com a criação da Comissão Especial do Imposto Único Federal em maio de 2002 na Câmara dos Deputados reabriu-se a polêmica.

Com o intuito de tipificar o debate sobre o Imposto Único Federal são apresentadas respostas a críticas fictícias sobre o projeto. Para melhor ilustrar o assunto, as críticas são efetuadas por um hipotético burocrata público, digamos um Secretário de Fazenda, a quem as respostas são dirigidas. A característica retórica do diálogo, contudo, não deve encobrir o fato de que os debates reais freqüentemente seguem as mesmas linhas de motivação e de raciocínio exemplificadas neste hipotético debate.

1) “A reforma tributária do IUF é singela e consiste em recuperar a idéia do imposto único. Não tão único, pois admite ainda a permanência dos impostos sobre importação, exportação, terra, renda, além de tributos seletivos sobre determinados produtos.”

A afirmação não procede. O Secretário deve estar se referindo à “Proposta Alternativa” de reforma tributária, apresentada por ocasião dos debates na Comissão Especial de Reforma Tributária, ocasião em que, de fato, apresentei proposta intermediária entre o Imposto Único e a proposta convencional que acabou sendo adotada pela referida Comissão. Naquela proposta se admitia impostos sobre terra, renda e seletivos, além do imposto sobre movimentação financeira.

O IUF não admite tributos sobre terra, renda, ou sobre circulação, tais como os seletivos. Admite-se apenas a permanência de tributos com finalidades extra-fiscais, como os sobre comércio exterior.

Em outras palavras, como sempre afirmado anteriormente, a proposta do Imposto Único garante unicidade tributária referente aos tributos essencialmente fiscais, ou seja, será o único imposto “arrecadatório”, ainda que se admita a permanência dos tributos regulatórios, bem como das demais espécies tributárias, como taxas, empréstimos compulsórios, contribuições de intervenção no domínio econômico e outros que não possam ser considerados impostos com características essencialmente fiscais.

Mantém-se, pois, a essência da proposta original do Imposto Único.

2) “A versão nova do imposto único tributa a movimentação do dinheiro, abstraindo dos fatos econômicos, no lado real da economia (produção, consumo, investimento, especulação financeira, etc). É como se retornássemos ao tempo do mercantilismo e do cameralismo quando confundia-se a riqueza com sua expressão monetária”.

Data vênia, a afirmação é improcedente, tanto do ponto de vista histórico, quando sob o prisma conceitual.

A proposta do imposto único não confunde riqueza com fluxo monetário. Pelo contrário, sempre foi dito que o Imposto Único não tributa a riqueza, mas apenas os fluxos de renda que compõe o processo de acumulação de riqueza.

Nesse sentido, o Imposto Único evita a bi-tributação, esta sim constitucionalmente vedada, mas que ocorre rotineiramente nos sistemas tributários convencionais que tributam o fluxo (a renda) e depois o estoque (a riqueza). Não há, pois, confusão alguma; pelo contrário, buscou-se uma clara linha demarcatória entre um e outro conceito, no sentido de evitá-la, como aparentemente não cuidou de fazer o missivista.

Cumpre afirmar ainda que a evolução dos sistemas tributários modernos passou a utilizar crescentemente a expressão monetária de um fato econômico como “proxy” para o mesmo fato. Não se tributa a posse de um veículo, mas sim o seu valor de mercado, ou seja, a sua expressão monetária; não se tributa os tijolos e o cimento de um imóvel, mas sim o seu reflexo monetário, da mesma forma que numa transação imobiliária se utiliza como base de cálculo o valor da transação, e não a troca de propriedade em si.

Ainda que o fato econômico concreto já tenha sido utilizado como base imponível tributária, casos em que a tributação incide sobre um ato real, trata-se de técnica de exação ultrapassada, a exemplo, da incidência tributária sobre número de janelas ou de chaminés, como ocorreu na Europa medieval, ou das derramas portuguesas praticadas durante o ciclo do ouro no Brasil.

Assim sendo, o uso da movimentação monetária como base tributária é comum, moderna, e já vem sendo largamente utilizada, a exemplo, entre outros, do IOF, do Simples, do imposto de renda sobre lucro presumido, e dos regimes especiais do próprio ICMS que tomam o faturamento como base de cálculo.

3) “A adoção do imposto único em nada beneficia os Estados. Pelo contrário, a perda da competência tributária para instituir impostos próprios agride o princípio federativo, na medida que diminui a autonomia dos entes federados e os deixa à mercê da União”.

De fato, o princípio federativo é cláusula pétrea da Carta Magna, e não pode ser alterado pelo exercício dos poderes constitucionais derivados.

Trata-se, contudo, de non-sequitur imaginar que o imposto único signifique diminuição de autonomia dos entes federados.

Pelo contrário, falta de autonomia ocorre quando se oferece aos entes federados uma “autonomia” que eles não têm condições de exercer, como ocorre com grande parte dos Estados e com a maioria dos municípios que dependem quase que exclusivamente de repasses federais para garantir sua sobrevivência econômica. Curiosamente, não se ouvem vozes defendendo a corrosão do princípio federativo nesses casos. Pelo contrário, a Constituição de 1988 acentuou a dependência de Estados e Municípios frente à União.

No caso do Imposto Único garante-se verdadeira autonomia, ou seja, a certeza do recebimento de recursos desvinculados de qualquer condicionante. Cumpre dizer que no projeto do Imposto Único passa a existir a unificação dos métodos de arrecadação, arrecadação unificada, e que a fixação das alíquotas deixará claro as alíquotas da União, dos Estados e dos Municípios, e que o produto da arrecadação das parcelas componentes do Imposto Único serão imediata e automaticamente transferidas aos cofres da União, dos Estados e dos municípios, sem qualquer trânsito pelos órgãos arrecadadores do governo central.

Em realidade, o que se propõe com o Imposto Único não significaria maior ingerência na autonomia tributária dos entes federados do na proposta de centralização da legislação do ICMS, atualmente defendida por grande número do governadores. Neste modelo, os Estados abrem mão de parte de sua autonomia pela garantia de arrecadação mais eficiente e mais segura do que ocorreria se não existisse esta coordenação de métodos e de procedimentos, e que o Secretário da Fazenda Antônio Carlos Vieira elogia em sua carta quando se refere a ela como “lei uniformizadora do imposto em todo o país”.

Como se vê, o Imposto Único não inova, e é de estranhar que a ameaça ao princípio federativo seja vinculada à proposta do Imposto Único, e em frontal contradição com a evolução do sistema tributário brasileiro, que o Secretário não contesta.

Finalmente, cumpre afirmar que esta crítica é vazia de conteúdo no caso em tela, já que o IUF pretende aplicar os princípios do imposto único apenas no âmbito do governo central, não se alterando as competências tributárias de Estados e municípios.

4) O missivista tece, a seguir, uma série de considerações sobre impostos sobre valor adicionado, IVA´s, em especial sobre o ICMS, que merecem reparos, ainda que tais observações não estejam diretamente vinculadas a suas críticas ao imposto único. Afirma que os Estados Unidos estão “estudando a adoção de um imposto plurifásico nãocumulativo” para substituir o “sales tax”.

Esta informação é surpreendente, e mereceria comprovação mais detalhada, pois sabidamente IVA´s são tributos pouco apropriados para serem utilizados em países com organização política federativa, e os EUA sabem disso sobejamente. Aliás, a experiência brasileira comprova cabalmente as dificuldades encontradas com IVA´s em federações políticas. Daí, a necessidade de “lei uniformizadora”, para evitar as constantes “guerras fiscais” entre os entes federados que, infelizmente não têm sido evitadas nem pelo Confaz, nem pela necessidade legal de convênios, nem pela obrigatoriedade de consenso em decisões colegiadas.

Claramente, o Secretário briga com os fatos ao defender a adequação dos IVA´s em países com organização federativa, e causa surpresa a informação de que nos Estados Unidos se discute o assunto com a seriedade que o Secretário afirma estar havendo.

Cumpre apontar ainda que o ICMS possui forte cumulatividade em sua aplicação no Brasil. Quando se rompe a cadeia de débitos e créditos, o ICMS passa a ser cumulativo, como ocorre freqüentemente, por exemplo em setores que não podem se creditar do ICMS incluído na compra de insumos. Isto ocorre de forma gritante no caso das micro-empresas e do setor agrícola.

Da mesma forma, mais da metade do PIB brasileiro é tributado pelo ICMS implicitamente de forma cumulativa, como ocorre no setor de serviços em geral, que além de não poderem se creditar do ICMS embutido na compra de seus insumos, ainda sofrem tributação pelo ISS, este último explicitamente cumulativo.

Como se vê a cumulatividade é fenômeno comum, aceito, e até necessário, dada a nossa realidade econômica.

5) “Qualquer medida que venha a enfraquecer o estado, como é o caso da proposta do imposto único, é prejudicial às empresas. Mesmo a concepção liberal de Estado mínimo, supõe um Estado forte”.

A seqüência de observações feitas na missiva do Secretário sobre o tema do papel do Estado e sua relação com o imposto único beira o ridículo. As ilações são descabidas, gratuitas, e sem qualquer vinculação com o projeto do IUF.

O IUF é apenas método de arrecadação, e per se em nada aumenta, diminui, ou limita o desempenho das funções do Estado. A calibragem nas alíquotas é que definirá o tamanho e o papel que se deseja atribuir ao setor público, e não o método de exação. Qualquer tributo, seja ele cumulativo ou sobre valor agregado, sobre fluxo ou sobre estoques, feitos por autodeclaração ou por lançamento, poderá sustentar um Estado grande ou pequeno, Estado mínimo ou Estado grande, forte ou fraco.

6) “Quanto à inserção do Brasil na economia mundial, independentemente de participação na ALCA - é de questionar a sobrevida das empresas brasileiras na ALCA -, o imposto único sobre movimentações financeiras é incompatível com a tributação praticada pelas demais economias. O imposto sobre movimentação financeira é um imposto cumulativo e de incidência aleatória, uma vez que os fatos econômicos são abstraídos. Assim, não há como comparar as cargas tributárias contidas no preço das mercadorias e serviços. A eliminação da carga tributária contida na mercadoria exportada é fácil de ser efetivada porque esta carga é conhecida. Assim, o tributo pode ser devolvido ao exportador em dinheiro (como adotado na União Européia), autorizando a transferência do crédito fiscal correspondente para outros contribuintes ou admitindo a compensação dos impostos pagos sobre as mercadorias exportadas com outros tributos (como adotamos no Brasil). No caso do imposto sobre movimentação financeira, ter-se-ia de estimar o imposto contido nos bens e serviços exportados, o que é bastante precário, dado o caráter aleatório da tributação”.

À parte a falta de clareza dos conceitos emitidos, esta longa observação merece uma curta resposta.

O uso da “matriz insumo-produto”, já computada pelo IBGE e amplamente recomendadas pelo ONU na elaboração dos sistemas nacionais de contabilidade social, resolve de pronto a dúvida levantada pelo missivista. O grau de confiabilidade dos números, e consequentemente a precisão da desoneração fiscal das exportações, depende exclusivamente do desejo do governo, que poderá arbitrar o número de setores que comporão a referida matriz.

Não há, portanto, nenhuma razão técnica que impeça a total desoneração das exportações, bem como a tributação correspondente nas importações, atendendo-se assim plenamente o princípio da tributação no destino dos produtos comercializáveis.

Além do mais, vale apontar que os impostos declaratórios, como os IVA´s, dão margem e até induzem práticas de “planejamento tributário” que freqüentemente desembocam na evasão e nas mais variadas formas de sonegação fiscal. Nesse sentido, na prática o sistema tributário atual não guarda correspondência com a carga tributária formal, desejada pelo legislador. Pelo contrário, o sistema convencional torna-se mais “aleatório” ex post do que a tributação com um tributo cumulativo, já que este último terá alíquotas nominais muito mais baixas ( por definição, dada uma arrecadação desejada) e será insonegável (por força de sua automaticidade na cobrança).

As mesmas observações feitas acima aplicam-se aos comentários feitos pelo Deputado Delfim Netto, e citadas pelo Secretário da Fazenda: “A CPMF é um imposto inconveniente do ponto de vista da alocação dos recursos da economia, porque distorce os preços relativos...”.

Considerando-se o fato de que, comparativamente aos impostos não-declaratórios como o imposto único, os impostos convencionais estimulam maior sonegação e necessitam alíquotas mais altas para atingir uma meta de arrecadação, torna-se impossível concluir que o imposto sobre movimentação financeira introduz maiores distorções alocativas do que os tributos convencionais.

7) “O cruzamento dos dados da CPMF com os do Imposto de Renda tem se revelado um valioso auxiliar da Receita Federal na identificação de receitas sonegadas à tributação. Mesmo sob este aspecto, a alíquota deve ser mantida baixa para não distorcer o mercado financeiro com o encarecimento das operações financeiras.”

Neste aspecto, há total concordância com as críticas à CPMF. Contudo, tais observações não se estendem ao Imposto Único Federal, já que o projeto prevê explicitamente a não incidência nos mercados financeiros e de capitais, o que pode ter passado desapercebido ao missivista.

8) “ O imposto único sobre a movimentação financeira, por ser cumulativo e aleatório é incompatível com os princípios da isonomia tributária e a da capacidade contributiva. A carga tributária que oneraria bens e serviços dependeria do número de pagamentos feitos em relação ao bem ou serviço, sem levar em conta a capacidade contributiva. ....Os proponentes desse projeto de reforma pretendem sacrificar princípios basilares do direito tributário, prestigiados por todos os povos, em nome da simplificação, erigida em valor absoluto.”

Primeiro a questão da capacidade contributiva.

Este conceito é desejável sob qualquer ponto de vista. Não é aceitável, contudo, a insinuação do missivista de que o imposto único a desrespeita mais do que o atual sistema tributário brasileiro.

A questão da aferição da capacidade contributiva é uma velha e difícil questão de ser resolvida. Depende,sobretudo, de definições deste conceito. Até mesmo o Imposto de Renda, que é a base tributária que mais guarda similitude com qualquer definição de capacidade contributiva é permanentemente contestada a partir de diferentes visões do que devam ser as isenções e deduções autorizadas pelos agentes arrecadadores.

Pergunta-se se a tributação sobre propriedade, como o IPTU respeita rigorosamente a capacidade contributiva do proprietário. Evidentemente não. Nada garante que a propriedade aufira renda, e que a capacidade contributiva guarde absoluta proporcionalidade com o valor venal do imóvel. A mesma pergunta torna-se ainda mais difícil de ser respondida quando aplicada a um IVA, como o ICMS, já que o imposto independe da renda do consumidor final.

Nenhuma das bases tributárias atualmente em uso guardam correlação, nem mesmo próxima, com a capacidade contributiva dos contribuintes, o que faz deste conceito um desiderato, nunca uma exigência prática passível de estrito cumprimento.

Nesse sentido, a movimentação financeira de um contribuinte ainda parece ser a melhor proxy de sua real capacidade contributiva, razão pela qual é possível se defender o imposto único como a melhor alternativa disponível para se tentar atingir a justiça fiscal .

Quanto ao impacto quantitativo da cumulatividade tributária, vale dizer que a afirmação do missivista acerca do “número de pagamentos” vinculados a uma determinada mercadoria é destituída de qualquer lógica econômica.

Todo e qualquer produto encerra em sua produção e comercialização um número infinito de transações, ou de pagamentos. O que define a carga tributária de um determinado bem ou serviço não é a extensão da cadeia produtiva (sempre infinita, como vimos), mas sim a relação entre valor agregado e insumos intermediários em cada etapa do processo econômico.

Finalmente, deve ser registrada a superficial compreensão acerca da proposta do imposto único encerrada nos comentários do Secretário da Fazenda.

Ainda que a simplificação e o enxugamento do sistema tributário nacional seja um desejo de toda a sociedade, a proposta do imposto único encontra sua principal justificativa na busca da universalização da incidência tributária.

A eliminação da iniqüidade, da injustiça e da discriminação que o atual padrão arrecadatório impõe a segmentos da sociedade brasileira é a principal meta dos defensores do imposto único. Não se trata, em absoluto, de mera simplificação, ainda que este seja um objetivo importante a ser atingido, mas sim de um paradigma tributário que implicará um padrão universal de incidência tributária.

Imposto justo é o que se consegue cobrar, nos ensinou Mário Henrique Simonsen, e o imposto único é o mais insonegável, o mais justo, e o mais simples e barato de ser arrecadado. Além disso, é uma alternativa automática de arrecadação, o que torna desnecessária a presença e a intermediação da burocracia governamental, minimizando a ocorrência da corrupção e dos altos custos de funcionamento da máquina pública.

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