Hoje, trago a quinta parte da série de cinco artigos publicados na Orbis News discutindo a crise previdenciária brasileira que se avizinha. No artigo de 2/2/2024 mostrei a dramática crise da seguridade brasileira; no artigo de 9/2/2024 considero algumas alternativas de solução, inclusive o uso de um tributo sobre movimentação financeira em substituição aos atuais mecanismos de financiamento; no artigo de 19/2/2024 avalio os benefícios da solução proposta; e no artigo de 3/3/2024 reitero os vários aspectos positivos da contribuição previdenciária proposta, e rebato as críticas que lhe têm sido endereçadas.
Neste último artigo, avalio quantitativamente o impacto da solução proposta, utilizando para tanto um modelo de equilíbrio geral. Considerando,
a-) a gravidade da situação e seu potencial para causar uma crise profunda em nossa economia,
b-) a necessidade de reformulação do mecanismo de financiamento do sistema de previdenciário,
c-) a inviabilidade de sanar o déficit previdenciário recorrendo aos tributos convencionais, e
d-) a demanda premente para atenuar o impacto negativo da reforma tributária sobre o setor de serviços mediante a desoneração da folha de pagamentos as empresas.
Vamos explorar o impacto esperado da troca dos atuais mecanismos de financiamento – que se baseiam na folha de pagamento, e no faturamento e lucro das empresas – por um imposto incidente na movimentação financeira. Esse modelo tributário, já testado durante o Plano Real entre 1994 e 2007, demonstrou suas vantagens no cenário brasileiro, como já abordado com mais profundidade nos artigos anteriores desta série.
Tudo mudou no mundo digital, e não se deve imaginar que os impostos convencionais e ortodoxos gerados na era do papel, dos livros contábeis, das barreiras físicas de transporte e comunicação, e do isolacionismo econômico serão capazes de evitar a generalizada evasão tributária e suas dramáticas consequências, que se aprofundarão na esteira do conservadorismo tributário atual. Num país com deficiências de controles, justiça lenta e ineficiente, fiscalização tributária frágil e desprestigiada, e cultura sonegatória enraizada, é fácil perceber a razão da oposição frontal à abrangência universal de um tributo sobre movimentação financeira por parte dos que se evadem do cumprimento de suas obrigações tributárias: é sempre mais fácil “pagar” tributos sobre o lucro e sobre o valor adicionado, pois embora tenham alíquotas altas, são facilmente manipuláveis.
Após mais de dezessete anos de polêmica, o debate entre os defensores e os opositores ao modelo tributário do IMF (imposto sobre movimentação financeira) parece ter levado a algumas conclusões importantes; algumas das críticas mostraram-se desprovidas de razão, e outras foram contestadas pelos fatos.
Mas apesar de tudo, perdura e se avolumou ultimamente a forte objeção à tributação da movimentação financeira centrada na cumulatividade daquele tributo. Alega-se que a cumulatividade potencializa a carga tributária efetiva dos bens finais, gerando ineficiências alocativas causadas pelas distorções gerada nos preços relativos da economia.
Neste sentido, é importante testar empiricamente o impacto de modelos tributários alternativos (movimentação financeira versus folha de salários) na formação dos preços da economia.
Em trabalhos anteriores citados nesta série foram utilizadas as matrizes de relações interindustriais do IBGE e suas atualizações, chegando-se à conclusão de que, por exigirem alíquotas nominais sensivelmente mais baixas do que os IVAs, e consequentemente, por desestimularem a sonegação, os IMFs impactariam com menor intensidade os preços na economia em comparação com a situação limite de ausência de tributação. A cumulatividade, ou o efeito “cascata”, levou erroneamente alguns críticos a acreditarem que as cadeias de produção “longas” poderiam potencializar o impacto altista nos custos de produção. As simulações efetuadas então mostraram o equívoco daquelas afirmações. Sabidamente, e apesar do impacto na formação de preços finais ser menor no caso dos IMFs relativamente aos IVAs, ainda perdura a dúvida acerca da alteração nos preços relativos causados pela cumulatividade.
A conclusão acerca da superioridade dos IVAs relativamente aos tributos cumulativos como o IMF seria parcialmente verdadeira se duas condições fossem satisfeitas. A primeira é a ausência de sonegação; e a segunda, a existência de alíquotas uniformes por todos os setores e produtos. Como sabidamente nenhuma dessas duas hipóteses é verdadeira, a conclusão de que os IVAs introduzem menos distorções do que os IMFs não pode ser feita apriori. Ademais, os impactos nos preços relativos dependem não apenas do tipo de tributo, mas também da intensidade de seu uso, ou seja, de suas respectivas alíquotas. Como para um dado nível de receita os IMFs necessitam de alíquotas significativamente mais baixas do que os IVAs, percebe-se imediatamente a fragilidade das afirmações de que os tributos cumulativos necessariamente introduzem distorções mais fortes nos preços relativos.
A seguir, tentarei demonstrar que o impacto de um tributo sobre movimentação financeira em substituição aos encargos sociais patronais e laborais sobre a folha de salários permite uma significativa redução de carga tributária sobre a produção (pelo seu efeito antievasão). E ainda comprova que o IMF é uma base de incidência robusta e crescente para o financiamento da previdência, contrariamente à base salarial que vem sendo fragilizada pelo trabalho independente e pelas novas forma de contratos de trabalho da moderna economia digital.
A simulação cujos resultados estão na tabela abaixo compara o impacto nos preços relativos da economia de um IMF sendo usado como a fonte de financiamento do INSS, substituindo a alíquota básica de 20% da contribuição patronal sobre folha de salários, comparativamente a um modelo tributário convencional.
A alíquota total estimada necessária para a substituição plena da fonte patronal de financiamento do INSS é de 0,75%, sendo dividida entre os débitos e créditos de qualquer pagamento.
Outro resultado importante é a redução significativa da carga tributária setorial resultante da alteração nas fontes de financiamento do INSS. Enquanto que no caso convencional o peso das contribuições sociais no preço setorial variava entre 3,85% (serviços domésticos) e 9,07% (intermediação financeira, seguros e previdência complementar) do preço final, no caso do IMF a variação caiu significativamente para entre 1,49% (serviços de vigilância) e 2,93% (óleo combustível) . Confirma-se assim que a alteração proposta abrirá amplo espaço para a redução de preços, e consequentemente para a ampliação dos salários reais e das margens de contribuição das empresas, como pode ser verificado no referido estudo.
A tabela abaixo demonstra agregadamente por setores que a desoneração da folha de salários com o uso de um tributo sobre movimentação financeira não apenas garante mais estabilidade às receitas previdenciárias (por estar vinculada à movimentação financeira e não à folha de salários) como ainda reduz o peso dos encargos previdenciários para todos os setores da economia, reduzindo a carga previdenciária setorial de entre 53,7% (agricultura) e 80,95 (intermediação financeira).
Com estas observações, esperamos estar avançando no entendimento da derradeira questão ainda pendente no debate sobre o IMF: a de que não se pode afirmar apriori se a cumulatividade, ou o valor adicionado, introduz maiores distorções nos preços relativos de uma economia. No caso concreto da economia brasileira, o IMF não apenas implica menor carga tributária setorial como ainda introduz menos distorções nos preços relativos, do que resulta a conclusão de ser um tributo mais eficiente do que a atual incidência sobre folha de pagamentos das empresas. Destarte, o IMF deve ser considerado como uma alternativa viável para desmontar a bomba de efeito retardado da Previdência brasileira.