A possível reintrodução da CPMF reacende uma série de críticas infundadas contra esse tipo de tributação. Muitos aspectos foram levantados novamente por adversários desse tributo como se fosse a grande ameaça no processo de ajuste fiscal em discussão. Uma CPMF com alíquota de 0,2% ou 0,38% tem sido alvo de inúmeros ataques. No entanto, é importante observar outras medidas, como a possibilidade de uma nova alíquota de Imposto de Renda para os trabalhadores, em torno de 34%, e o aumento do IOF de 1,5% para 3% nos empréstimos para pessoas físicas.
É necessário enfatizar que o ajuste fiscal deveria ser alcançado principalmente por meio de cortes de despesas. No entanto, há pouco espaço nesse sentido, uma vez que o governo controla apenas 10% do que arrecada, sendo o restante relacionado a gastos exigidos por lei. Mesmo na parte de despesas que poderiam ser reduzidas, há resistência da sociedade contra essa prática. O que foi anunciado recentemente é uma medida paliativa que não resolve o problema a longo prazo e encontrará forte resistência em áreas como o funcionalismo público. Nesse contexto, a recriação da CPMF parece ser o remédio menos amargo e com menor efeito colateral.
É preferível que a CPMF tenha uma alíquota até superior à que está sendo proposta, para cobrir o déficit total do orçamento, em vez de deixá-la de lado e aumentar as alíquotas de outros impostos, que já são elevadas. A CPMF é o tributo que menos prejudica a sociedade. Os críticos têm estudos que possam mostrar o contrário? Um dos pontos mais repetidos pelos críticos é que a CPMF é injusta por ser regressiva, ou seja, penaliza mais os mais pobres. Isso é falso e foi analisado em alguns estudos que eles parecem ignorar.
Realizei uma simulação quando a CPMF estava em vigor para verificar a suposta regressividade. Utilizando quatro faixas mensais de renda familiar, concluí que essa crítica não é válida. Na faixa de rendimento mais baixa (R$ 454,69), a CPMF (direta e indireta) representava 1,64% da renda; na segunda faixa (R$ 1.215,33), 1,58%; na terceira faixa (R$ 2.450,05), 1,51%; e na quarta faixa (R$ 8.721,92), 1,41%. A ex-deputada federal Maria da Conceição Tavares também estudou a suposta regressividade da CPMF e concluiu que esse tipo de tributo incide principalmente sobre o segmento de maior renda. Segundo ela, o argumento de que o imposto penaliza principalmente os mais pobres é falso, pois suas pesquisas mostraram que as alíquotas médias efetivas são maiores para as camadas de renda mais alta.
Conclusões semelhantes foram publicadas por Nelson Leitão Paes e Mirta Noemi Sataka Bugarin no estudo "Parâmetros Tributários da Economia Brasileira", publicado na Revista de Estudos Econômicos - FEA-USP (out-dez/2006). Os autores constataram que a CPMF é o imposto mais equitativo do sistema tributário brasileiro, com um ônus de apenas 1,3% sobre o orçamento das famílias, sendo uniforme em todas as faixas de renda. O estudo também apontou que o ICMS, frequentemente elogiado pelos críticos da tributação sobre movimentação financeira, é um dos impostos mais prejudiciais.
Seria apropriado que os críticos da CPMF participassem desse debate e defendessem suas teses com base em avaliações técnicas. Não é adequado discutir uma questão tão essencial para o país com base em mitos e argumentos que não se sustentam.
Marcos Cintra é doutor em Economia pela Universidade Harvard (EUA) e professor titular de Economia na FGV (Fundação Getulio Vargas). Foi deputado federal (1999-2003) e autor do projeto do Imposto Único. É Subsecretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo.