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  • Marcos Cintra

Consenso de Berlim, uma alternativa imperfeita ao consenso de Washington

A Declaração de Berlim surge como uma tentativa de criar um consenso econômico e político, em resposta às crescentes desigualdades e descontentamentos que assolam as democracias liberais. Apresentada como uma alternativa ao Consenso de Washington, que dominou o pensamento econômico nas últimas décadas, a declaração propõe uma agenda de maior intervenção estatal, políticas industriais estratégicas e medidas para enfrentar as mudanças climáticas.


 Economistas de centro-esquerda, incluindo notórios prêmios Nobel, destacaram na Declaração suas preocupações sobre a confiança da sociedade na democracia e os desafios emergentes do crescimento populista. Eles defendem que as políticas econômicas liberais não têm atendido às expectativas populares, fomentando descontentamento e frustração social. No entanto, ao analisar mais profundamente, percebe-se que a Declaração apresenta diversas imprecisões e contradições, levantando questionamentos sobre a viabilidade das propostas apresentadas.


Em sua essência, a crítica ao Consenso de Washington envolve a percepção de que as políticas neoliberais promoveram desigualdade social e instabilidade econômica. Tais políticas, focadas na liberalização do comércio, privatização e rigor fiscal, foram implementadas amplamente desde a década de 1980, com a promessa de promover crescimento e desenvolvimento econômico. No entanto, os proponentes da Declaração de Berlim argumentam que, na prática, essas medidas resultaram em benefícios desproporcionais para os ricos, enquanto grande parte da população permaneceu marginalizada.


Apesar de abordar questões relevantes, a Declaração não escapa de críticas.


Como aponta o economista James K. Galbraith, a declaração diagnostica erroneamente as causas da desconfiança popular, atribuindo-as principalmente à globalização mal administrada e à autorregulação excessiva dos mercados. Essa análise ignora as mudanças estruturais mais profundas que ocorreram na economia global nas últimas décadas, bem como o papel dos próprios governos na condução de políticas que contribuíram para as desigualdades e inseguranças atuais.


Galbraith também critica as propostas de política industrial da declaração, descrevendo-as como um “sonho nostálgico” que parece mais enraizado em modelos econômicos do passado do que nas realidades atuais. A ênfase na inovação como solução para os problemas econômicos é vista como ingênua, uma vez que a inovação tende a beneficiar principalmente os inovadores e seus financiadores, muitas vezes à custa de empregos e da concentração de riqueza.


Além disso, a abordagem da declaração sobre as mudanças climáticas é considerada simplista, ignorando as complexidades da transição energética e seus impactos distributivos. A proposta de combinar precificação de carbono com incentivos e investimentos em infraestrutura não leva em conta adequadamente as realidades financeiras e as demandas energéticas envolvidas.


Um dos maiores desafios apresentados é sua aparente contradição. Enquanto crítica o neoliberalismo por sua concentração de poder econômico, ao propor maior intervenção estatal, a Declaração não considera suficientemente os problemas inerentes ao próprio funcionamento dos governos. Burocracia excessiva, corrupção e ineficiência são desafios conhecidos no setor público, e simplesmente acrescer o papel do Estado na economia não garante soluções práticas ou sustentáveis. 

O Estado é a grande ficção através da qual todos tentam viver às custas de todos. - Frédéric Bastiat

Ademais, a complexidade do mundo moderno não pode ser negligenciada. As economias globalizadas de hoje funcionam de maneira interconectada, e decisões políticas locais têm repercussões globais. A Declaração de Berlim, ao focar intensamente em críticas aos preceitos neoliberais, não oferece um caminho claro para lidar com a complexidade das interações econômicas internacionais. A crescente digitalização e a rápida evolução tecnológica desempenham papéis vitais na economia moderna, e qualquer proposta que subestime esses aspectos arrisca-se a ser inadequada ou ultrapassada.


Além das várias imprecisões e contradições mencionadas, a Declaração de Berlim falha em abordar um ponto crucial no atual cenário global: a questão da tributação internacional. Este tema é fundamental em uma sociedade globalizada e fonte de preocupações e incertezas. Empresas operam e geram lucros em múltiplos países, frequentemente explorando brechas fiscais para pagar menos impostos. A ausência de uma discussão sobre como regular e equilibrar os impostos internacionais representa uma omissão significativa, pois essa é uma das áreas que requer mais cooperação e coordenação entre os governos para garantir uma distribuição justa das receitas e evitar práticas fiscais prejudiciais que exacerbam profundas.

Portanto, ao analisar a Declaração de Berlim, deve-se considerar: 

  • As imprecisões e generalizações excessivas que podem simplificar problemas complexos.

  • As contradições entre a crítica ao neoliberalismo e a proposta de maior intervenção estatal sem abordar claramente os desafios internos de governança.

  • A falta de um plano detalhado para enfrentar interdependências econômicas globais e a transformação digital.


Sob esses aspectos, torna-se evidente que a Declaração de Berlim, apesar de seus pontos válidos, se apresenta como uma alternativa imperfeita ao Consenso de Washington. A solução para os dilemas atuais não está claramente delineada e pode não residir em uma simples oposição às políticas neoliberais, mas sim em uma abordagem mais holística e integrada, que leve em consideração as necessidades e demandas de um mundo em constante transformação.


Mais governo pode não ser a resposta, mas um governo melhor – mais eficiente, responsável e adaptativo – certamente faz parte da solução. O desafio é reinventar a governança para o século XXI, construindo um novo contrato social que restaure a confiança nas instituições democráticas e capacite os cidadãos como agentes de mudança. Somente então poderemos caminhar em direção a um futuro mais justo, sustentável e próspero para todos.


Mais governo pode não ser a resposta, mas um governo melhor – mais eficiente, responsável e adaptativo – certamente faz parte da solução. O desafio é reinventar a governança para o século XXI, construindo um novo contrato social que restaure a confiança nas instituições democráticas e capacite os cidadãos como agentes de mudança. Somente então poderemos caminhar em direção a um futuro mais justo, sustentável e próspero para todos.


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