26 de julho de 2021
“Se você não sabe aonde quer ir, qualquer caminho serve”.
O sistema tributário está submetido a um ambiente, e a entropia reflete a perda de energia de um sistema. O mais recente capítulo de entropia no sistema tributário brasileiro deu-se recentemente com a inesperada e surpreendente proposta de alteração do Imposto de Renda anunciada pelo governo.
Duas forças iniciais a puseram em marcha: atender às promessas eleitorais do Presidente Bolsonaro para corrigir a tabela do imposto de renda das pessoas físicas, e satisfazer à reiterada intenção do Ministro Paulo Guedes de tributar dividendos.
Durante sua longa gestação, contudo, a proposta foi recebendo adendos e penduricalhos aparentemente inocentes, mas que se avolumaram a ponto de parecerem estar atendendo a uma histórica lista de desejos da Receita Federal do Brasil. Grande parte deles diz respeito à tributação corporativa, sem conexão direta com objetivos iniciais da proposta, alguns já tentados sem sucesso no passado. Como resultado, e em desafio ao saudoso Roberto Campos quando afirmou que “o respeito ao criador de riqueza é o começo da solução da pobreza”, a proposta do governo acumulou desde detalhes burocráticos de menor importância até alterações substanciais na tributação corporativa, cujas consequências nos setores financeiro e produtivo brasileiros são tão imprevisíveis quanto ameaçadoras.
O que era para ser uma simples correção de tabela virou um emaranhado de novas regras abrangendo a tributação em seus mais recônditos aspectos, com impacto na estrutura societária das empresas, seus regimes de apuração de resultados, seu relacionamento interno e externo com investidores e acima de tudo seus desconhecidos efeitos macroeconômicos abrangendo o mercado de consumo, de capitais financeiro e produtivo.
Lewis Carroll perguntaria, qual o objetivo da proposta? Onde se quer chegar?
Pela leitura do texto qualquer palpite seria possível, pois mexe e remexe impensadamente nas entranhas e na estrutura do mais consolidado, simples e eficiente tributo brasileiro, o Imposto de Renda.
Ademais, o impacto das mudanças propostas apenas poderia ser responsavelmente avaliado e calibrado em um contesto abrangendo o conjunto de tributos componentes do sistema tributário. Isoladamente, o PL 2337/21 não é uma reforma, mas sim, uma incursão fiscal aventureira e inoportuna em tempos de profunda crise pandêmica.
Do ponto de vista econômico o divórcio entre o discurso da exposição de motivos e o que poderá resultar do projeto é assustador. O power point distribuído pela Receita Federal afirma buscar simplificação, redução dos conflitos, melhoria no ambiente de negócios, eficiência e equidade.
Simplificação? Obrigar pequenas empresas a terem escrituração comercial e outras tantas igualmente despreparadas a adotarem obrigatoriamente o regime do lucro real? Chega-se às raias do sadismo fiscal.
Melhorar o ambiente de negócios? Redução de conflitos? Não é difícil imaginar a explosão dos custos de conformidade e o crescimento exponencial do contencioso, ambos já dramaticamente dimensionados. Até a famigerada distribuição disfarçada de lucros , uma usina de contencioso equiparável em gravidade aos conflitos ligados aos créditos físicos dos IVA´s, voltará a assombrar empresas e auditores fiscais, que aliás já se prepararam antecipadamente revendo a notória legislação do DDL.
Eficiência? Introduzindo fortes elementos de não-neutralidade alocativa ao estimular artificialmente as empresas a não distribuírem resultados e a se endividarem com a tributação dos dividendos e a vedação da dedutibilidade dos juros sobre capital próprio?
Equidade? Há ganhos quando se oferece à população mais pobre isenção de valor inexpressivo de IRPF em troca da redução pela metade do desconto padrão a ser sentida com maior impacto na camada imediatamente acima? Não estará o pobre financiando o miserável, como nos alertou o Presidente?
Tributar os “super ricos”, que deveriam “ter vergonha de não pagar impostos?” Ao tentar aumentar a tributação sobre a distribuição de dividendos aos super ricos, aliás já tributados em 34%, o projeto alcança todas as classes de renda, como, por exemplo, a modesta viúva acionista do Itaú ou que acreditou no governo e converteu seus saldos do FGTS em ações da Petrobrás.
Tributação é coisa séria, a comportar a criação de um grupo independente de especialistas incumbidos de propor uma Reforma Tributária que encaminhe a economia brasileira para onde todos nós desejamos que ela vá.
§ Marcos Cintra é economista e ex Secretário da Receita Federal.
§ Kiyoshi Harada é jurista e Presidente do Instituo Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário – IBEDAFT.