Saber se o governo deve ou não iniciar um processo de descongelamento pode ser uma falsa questão. As afirmações das autoridades indicam que o estrito controle ainda perdura e que será mantido indefinidamente. Contudo, os preços não estão congelados de fato. A maior prova é que a inflação não é zero e mostra sinais de estabilização em níveis entre 1% e 1,5% ao mês.
Os preços de vários setores têm sofrido ajustes, captados nos índices de custo de vida. Por outro lado, persistem pressões inflacionárias que não são registradas nas pesquisas, a exemplo de cobranças de ágios e alterações nos pesos, medidas e qualidades; práticas que se tornam cada vez mais generalizadas. A própria Sunab vem ajustando suas tabelas com o objetivo de corrigir algumas das mais flagrantes distorções introduzidas com a decretação do congelamento. Neste processo, alguns setores tiveram seus preços aumentados e outros, reduzidos.
Os preços públicos são, talvez, os que mais rigidamente têm aderido ao congelamento. Mesmo assim, já começam a surgir propostas de empréstimos compulsórios e outros tipos de soluções, que, na realidade, serão nada mais que reajustes com nova roupagem.
Feitas essas observações, percebe-se que a verdadeira questão não se acha na escolha entre iniciar ou não um processo de descongelamento: acha-se na escolha entre uma política clara e aberta de liberalização dos preços e a continuação, ainda que dissimulada, da atual política de tolerância nos reajustes inevitáveis.
Está claro que as pressões contra a manutenção da política de congelamento crescem aceleradamente. Elas virão ainda mais fortalecidas a partir da escalada de reivindicações salariais deflagradas pelas lideranças sindicais. Com preços congelados, a renda do capital terá de ceder lugar aos salários, intensificando um processo que já vem ocorrendo desde o ano passado.
Se o fluxo de produção ainda não se caracterizou o plano de reformas, foi interrompido, isto se deve em parte ao ocorrido com dois segmentos da economia, que foram perdedores líquidos com as reformas do Plano Cruzado. São eles, o setor financeiro e o governo, cujas perdas foram em parte transferidas às atividades produtivas privadas. Este equilíbrio, contudo, ameaça ser rompido, não somente pelas distorções introduzidas pelo próprio congelamento, mas também por eventuais elevações dos salários reais.
Nestas circunstâncias, o que fazer? Liberar preços? Certamente que não. Isto poderá comprometer o clima psicológico favorável à continuidade do Plano Cruzado. Neste aspecto, chegou-se a um ponto sem possibilidades de retorno.
Por outro lado, as perspectivas de rígida contenção de preços também são irrealistas. Doravante, só resta ao governo administrá-los, tentando evitar na medida do possível que se reinicie uma trajetória galopante de elevações. A melhor forma de realizar esta delicada operação é pela flexibilização de preços (para cima e para baixo, pois há setores com margens de lucros negativas e outras positivas, excessivamente elevadas), iniciando-se com os mercados mais competitivos. Quanto mais alto o grau de concentração da produção, maiores devem ser os esforços do governo para controlar as margens de lucro.
O Plano Cruzado reduziu dramaticamente o patamar inflacionário pela eliminação dos mecanismos de indexação da economia e obteve também sucesso no rebaixamento das expectativas inflacionárias. Contudo, pouco se fez para eliminar o conflito distributivo latente nos países em desenvolvimento. Este tipo de inflação persistirá na economia brasileira, e seu controle é mais complexo e muito mais doloroso do que os efeitos das reformas institucionais que caracterizam o plano de reformas.
A pergunta da Folha: Você acha que o governo deve iniciar uma política de descongelamento de preços?
MARCOS C. CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 40 anos, doutor em Economia pela Universidade de Harvard (EUA), professor da Fundação Getúlio Vargas e consultor econômico desta Folha.