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Marcos Cintra

Mario Henrique Simonsen e o Imposto Único


Em um recente artigo publicado na revista Exame (18/3/92), Mário Henrique Simonsen tece inúmeros comentários acerca do Imposto Único sobre Transações (IUT). O autor mostra sua desconfiança em relação a soluções simples como o IUT e critica os argumentos a favor e contra o imposto. Não obstante, reconhece a validade da proposta e acaba sugerindo sua implementação experimental.


Questões elementares ou complexas devem ser enfrentadas com propostas tão simples quanto possíveis, desde que eficazes. Se o grau de complexidade das soluções fosse pré-requisito de eficácia, como sugere o ex-ministro, ainda não teríamos conhecido a penicilina e os alquimistas de há muito teriam descoberto a transformação do ferro em ouro. Em outras palavras, não há correlação entre complexidade e eficácia.


Tomemos o caso do IUT. Trata-se de um imposto simples, mas de perturbadora robustez. Não se trata de "remédios da moda" nem do "fetiche das fórmulas simples para resolver problemas complexos", como quer Simonsen, mas sim de um novo conceito tributário em discussão há mais de dois anos e que encontra respaldo crescente junto à sociedade brasileira.


Os defensores do IUT acham-se convencidos de seus méritos e batalham por sua aceitação. Contudo, encontram fortes resistências entre aqueles que temem estar vislumbrando um novo paradigma tributário, capaz de contrariar os investimentos intelectuais e profissionais acumulados.


Em artigo publicado no ano passado na revista Exame (26/6/91), Mário Henrique Simonsen apresentou um notável "agnóstico sobre os defeitos do atual sistema tributário brasileiro". A leitura do artigo indicava que o autor estava prestes a ultrapassar a barreira do dogmatismo convencional. Questionou o mito da progressividade, concordou com os proponentes do IUT no sentido de que a redistribuição de renda pode ser mais eficaz se implementada pelo lado dos gastos públicos do que pelo da arrecadação fiscal, insurgiu-se contra "preciosismos técnicos que não se têm como fiscalizar", defendeu a simplicidade e o potencial de arrecadação como pré-requisitos para a equidade tributária.


Mas não deu o passo final. Não foi além de um "face lift" ao propor apenas mudanças cosméticas que não alteram a espinha dorsal do sistema tributário nacional.


Mas agora, em sua crítica ao IUT, Simonsen faz o caminho inverso. Critica a proposta, seus defensores e opositores, e acaba sugerindo sua implementação, ainda que parcial e tentativa. Ao condicionar sua integral aplicação à verificação de seu potencial arrecadador, implicitamente parece aceitar as premissas conceituais básicas do IUT e o fato de que no cômputo final o saldo do IUT pode ser positivo.


Simonsen afirma que a argumentação a favor e contra o IUT agride o bom senso. No entanto, os que acompanham o debate mais de perto sabem que ele está centrado inteiramente nos critérios clássicos de avaliação tributária: economicidade, eficiência e equidade. Pelas características do IUT, se adicionou o critério da robustez.


Em realidade o IUT permite concretizar o antiquíssimo conceito da unicidade tributária. Paul Hugon atribuiu o insucesso das propostas de implementação do Imposto Único à inexistência de uma base tributária suficientemente ampla para permitir a existência de apenas um tributo, com alíquotas que não sejam escorchantes ou confiscatórias. Da mesma forma, J. Grosclaude e R. Herzog ("Revue Française de Finances Publiques", n°29, 1990) organizam toda a discussão de seu artigo "O mito do Imposto Único" em torno dos vários fatos geradores tentados no passado. E concluem indagando se "o novo mito no final do século 20 não é o de unificar os sistemas fiscais, ao menos na Europa, em torno de dois impostos básicos, o Imposto sobre Valor Agregado (imposto dominante da atualidade) e o Imposto de Renda, reproduzindo o mito da unicidade do século precedente?"


A proposta de um novo fato gerador - o lançamento bancário - trata, portanto, da questão essencial ao tema da unicidade tributária, contrariando frontalmente a tentativa de Simonsen de minimizar a questão. Passa-lhe desapercebido que este é ponto essencial da temática em apreço, pois objetiva destruir o mito de que o Imposto Único é um mito.


O IUT é uma "turnover tax", como existiu na Alemanha até meados da década de 60. A essência do tributo é a mesma. Mas a forma de arrecadação lhe traz contemporaneidade. Tributam-se as transações econômicas através de seus correspondentes lançamentos bancários, garantindo automaticidade, superando os sistemas de lançamento (como o IPTU ou o IPVA) e o de auto-apuração e auto-recolhimento com auditoria (como o IR, ICMS, IPI e vários outros). Eliminam-se a burocracia e o papelório.


Cumpre observar que essa nova sistemática de arrecadação só se tornou viável a partir da modernização e informatização do sistema bancário brasileiro. E ainda pela quase total substituição da moeda manual - uma relíquia bárbara, no dizer de Keynes - pela moeda escritural.


Essas duas características permitem concretizar o mito do Imposto Único acalentado há séculos, mas frustrado pelas dificuldades de identificação de formas viáveis de operacionalização. Não é a nova base de incidência em si que justifica o IUT, mas sim o fato de ele permitir a unicidade tributária, ainda que de forma cumulativa. E de permitir ainda eliminar a sonegação, a economia informal e a corrupção. Um saldo razoável para uma sociedade marcada pela fragilidade tributária, como de resto ocorre na maioria dos países em desenvolvimento.


É evidente que a expansão do sistema bancário brasileiro se deve à inflação, como apontou Simonsen. Imaginar, contudo, que a ausência de tributação teve papel relevante nesse processo seria enganoso. Pode não ter havido a imposição de impostos nas transações bancárias, mas sempre existiram custos. Taxas bancárias, exposição ao fisco, corrosão inflacionária dos saldos em conta corrente são ônus tão reais quanto tributos. Nem por isso os bancos deixaram de se expandir celeremente em todo o mundo, mesmo naqueles países onde a inflação é baixa.


Trata-se, antes de mais nada, de uma inexorável caminhada da humanidade rumo à perda de espaço da moeda manual em favor da preponderância da moeda escritural, da moeda eletrônica, das transações concretizadas por impulsos eletrônicos e por lançamentos em contas gráficas.


A técnica de cobrança garante. O Brasil se encontra em estágio avançado de informatização bancária e de desmonetização, à frente da maioria dos países. O IUT exige que esses dois pré-requisitos sejam atendidos, o que o torna viável hoje em poucas economias do mundo.


Curiosamente, os Estados Unidos não satisfazem o primeiro e o Japão não satisfaz o segundo. Esta observação, por sinal, responde às indagações acerca da inexistência ou do fracasso desse tipo de imposto em outros países. Mas certamente a expansão bancária e a desmonetização das economias modernas são processos globais e inexoráveis, o que tornará essa técnica de arrecadação comum em todo o mundo nas próximas décadas.


Mário Henrique Simonsen aponta o amadorismo dos cálculos sobre o IUT. Mais uma vez ele demonstra não haver se debruçado sobre o problema a ponto de sentir a pulsação do debate. O conceito de transação bancária, por exemplo, não é medido nem computado pela Receita Federal, pelo Banco Central, pelo IBGE ou por qualquer instituto de pesquisa. É um dado novo e não existem séries históricas. A única fonte, portanto, são os registros bancários, onde foram buscados os números apresentados. Se existirem outras fontes mais "profissionais", por favor, apontem-nas. O mesmo problema surge no cômputo dos custos operacionais, sociais e privados do atual sistema tributário e na avaliação do impacto do IUT nos preços relativos.


Mas, mesmo assim, cabe indagar se toda proposta para discussão tem necessariamente de estar acompanhada de pretensiosas justificativas acadêmicas, de arrogantes modelos quantitativos e de cansativas regurgitações intelectuais.


O ineditismo da proposta exige um esforço contínuo de pesquisa. Isto, contudo, não deve evitar que se busquem estimativas como as que vêm sendo apresentadas. As sugestões serão bem-vindas, sem falar na esperança de que o próprio governo aloque seus recursos de análise e pesquisa - como o IPEA - na busca de maior profundidade no conhecimento dos impactos do IUT - pedido, aliás, feito reiteradamente às autoridades, mas por elas sempre ignorado. Ou então, que surjam provas sobre os erros das estimativas apresentadas.


O debate prossegue e a participação de Mário Henrique Simonsen o enriquece. Cumpre dizer, contudo, que apesar de sua evidente contrariedade, ele reconhece que um teste com o IUT seria apropriado. Propõe que seja implantado em substituição a alguns impostos atualmente existentes. Não concordo, mas essa é uma outra discussão.


 
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