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Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Por uma revolução tributária

Um dos temas mais discutidos no atual quadro econômico é a urgente necessidade de uma ampla reforma tributária. Porém, o problema é geralmente tratado de forma restrita, apenas como um programa que vise a recuperação da carga tributária líquida do setor público federal. Providências como o combate a sonegação, a tributação de ganhos de capital, a redução de incentivos e de subsídios e um orçamento de renúncia fiscal são freqüentemente avaliadas como meios para aumentar a arrecadação do governo e, portanto, como formas de equacionar a questão déficit público e das pressões inflacionárias que resultam dos constantes desequilíbrios orçamentários do governo. Dúvidas relacionadas à eficiência dos mecanismos tributários, sua eqüidade, seus custos, suas incidências e outras importantes perguntas são relegadas a segundo plano.


A ampla reforma tributária de que o país necessita implica discutir todas essas questões. Porém, dentro de um contexto no qual o formulador de política econômica não se ache restrito às instituições fiscais existentes.


O Brasil tem uma estrutura de impostos das mais complexas do mundo. São inúmeras as formas de tributação. Impostos sobre a renda, sobre o valor adicionado, sobre patrimônio, além de taxas de serviço, contribuições parafiscais, adicionais sobre tarifas…Enfim, uma parafernália de formas e meios de tributação que torna absolutamente impossível qualquer conclusão confiável acerca das características do sistema brasileiro. Não há como saber se é ou não regressivo; quais seus impactos alocativos; qual sua eficiência.


Uma reforma que mereça este nome exige uma detalhada discussão de dois importantes aspectos do problema: em primeiro lugar, a definição da base de tributação; em segundo lugar, a definição e as características do sistema.


A primeira pergunta é normalmente centrada nas vantagens e desvantagens da tributação sobre a renda Versus a tributação sobre o consumo. A Segunda se refere ao número de impostos a serem lançados, à forma de arrecadação , à incidência e as outras questões correlatas.


Nesse sentido, surge a proposta do Imposto Único sobre Transações, cujas as principais características são as seguintes:


Imposto Único sobre Transações

A sugestão contida neste artigo se refere à introdução no Brasil de um Imposto Único sobre Transações. Uma apresentação dessa idéia também pode ser encontrada em um trabalho de autoria de E. L. Feige, intulado Taxing All Transactions: The Automated Payment Transaction Tax System, apresentado recentemente em seminário realizado na Argentina.


O imposto único, um conceito de longa tradição na história do pensamento econômico, traz inúmeras vantagens de ordem tributária. A fiscalização torna-se mais simples; os critérios de taxação ficam mais transparentes; os custos por parte do poder público, e também os custos do setor privado vinculados às exigências tributárias, tornam-se mais leves. A simplificação do processo fiscal é evidente quando toda a arrecadação se concentra em um único tributo, incidente sobre um a única base.


Não há estimativas confiáveis sobre os custos de fiscalização e de arrecadação fiscal no Brasil. Porém, não seria exagero afirmar que devem chegar a 10% das receitas tributárias. Nos EUA os custos de arrecadação são de 7% da receita tributária do governo. No Brasil devem ser bem maiores, não apenas pela ineficiência da máquina arrecadadora, mas também pela multiplicidade de obrigações fiscais que estão sujeitas as pessoas físicas e jurídicas.


Somando-se ao custo da arrecadação os custos da escrituração tributária a que estão sujeitos os agentes privados no Brasil, não será exagero chegar a um total de 15% a 20% das receitas de impostos do país. É um peso morto, que se traduz apenas em gastos sem qualquer contribuição ao aumento da produção de do bem estar social.


Características do Imposto Único

Os ponto fundamentais desta proposta são dois.

Em primeiro lugar, a existência de apenas um imposto. Todos os demais seriam extintos, com possíveis exceções, como no caso das tarifas aduaneiras. Não haveria mais Imposto de Renda sobre a pessoa física ou sobre a jurídica; os salários não sofreriam retenção de qualquer tipo, seja como antecipação de imposto de Renda, seja para custeio de Previdência Social; não haveria mais necessidade de nenhuma escrituração fiscal ou tributária nas empresas; não haveria mais nenhuma forma de declaração para impostos de renda, de serviço, de circulação ou de qualquer outro tipo; não haveria mais necessidade de manutenção da múltiplas estruturas de fiscalização hoje existentes.


A segunda característica fundamental desta proposta se prende à transferência da base do imposto único exclusivamente para as transações monetárias, em substituição à multiplicidade de bases de tributação hoje existentes. Assim, toda vez que qualquer agente econômico efetuar um pagamento a outro haverá a incidência de imposto cobrado sobre o valor da transação. O tributo será dividido em partes iguais e cobrado do emitente e do beneficiado.


Vantagens do Imposto Único

As vantagens desta proposta são inúmeras.

Haverá enorme simplificação e redução de custos na arrecadação de tributos. A vantagem não se restringe apenas à redução da máquina governamental, mas também aos custos das empresas que hoje dedicam pelo menos cerca de 30% de seu pessoal administrativo para fazer frente às exigências de escrituração fiscal.


Como estimado acima, a redução nos custos da máquina arrecadadora do governo e do pessoal administrativo do setor produtivo poderá chegar a 20% da arrecadação fiscal bruta do país, de cerca de 22% do PIB. Isso implica dizer que o impacto dessa proposta, em termos de liberação de recursos reais, seria da ordem de 4.4% do PIB. Esse montante equivale à totalidade das remessas de recursos reais ao exterior – pagamento de juros, de lucros e dividendos – e significa uma vez e meia o impacto de uma moratória da dívida externa brasileira. São os recursos que poderiam ser canalizados para investimentos produtivos, capazes de alavancar o crescimento econômico, em vez de serem absorvidos em atividades de consumo do governo e em custos administrativos privados.


Esta proposta acarretaria a virtual eliminação da sonegação, da corrupção fiscal e da economia informal, sem custos administrativos ou de fiscalização. A arrecadação tributária seria efetuada automaticamente a cada lançamento de débito e de crédito no sistema bancário. A cada transação, a conta credora e a conta devedora seriam debitadas em um percentual fixo no valor da transação. Assim, a cada transação efetuada mediante cheques ou qualquer outro tipo de ordem de pagamento, o sistema automaticamente transferirá o produto de arrecadação à conta dos tesouros federal, estaduais e municipais, segundo critérios predefinidos.

Esse sistema torna impraticável qualquer tentativa de sonegação, pois bastaria uma fiscalização nos sistemas de compensação do setor bancário para que ela fosse totalmente eliminada.


O mais significativo nesta proposta é que a alíquota do imposto pode ser baixa. Para que o governo – em seus três níveis – arrecade cerca de 25% do PIB, e considerando-se o volume de transações efetuadas na economia, estimase que a alíquota do imposto sobre transações não seria superior a 2% – 1% pago pela parte credora e 1% pela parte devedora na transação.


Assim, considerando-se a baixa alíquota marginal, o incentivo à sonegação virtualmente desapareceria. Ademais, isso se tornaria impossível, a não ser que a transação fosse efetuada em moeda ou mediante escambo.


Evidentemente, nesses dois casos o custo da sonegação seria maior que seu benefício – apenas 1% da transação -, o que desincentivaria por completo qualquer tentativa de burla tributária.


Cabe lembrar ainda que, para evitar que as transações efetuadas em moeda fiquem isentas de tributação, todo saque, ou depósito, de numerário (moeda circulante) do sistema bancário poderia ser taxado de acordo com uma alíquota que em média reproduzisse o número de transações que se realizasse com essa mesma moeda até seu retorno ao sistema bancário.


Para o caso norte-americano estimou-se que a alíquota necessária seria o dobro da alíquota geral . Neste caso, seria de 4% no Brasil, cobrados quando da saída, e novamente quando da entrada, do numerário no sistema bancário. Com isso, se estaria eliminando a vantagem das transações em dinheiro.


Portanto, esse sistema de tributação eliminaria a sonegação – estimada em cerca de 30% a 40% da arrecadação – e implicaria uma liberação de recursos reais. Haveria uma sensível redução nos custos de produção e nas pressões inflacionárias, concomitantemente com a possibilidade de sensíveis aumentos na arrecadação tributária. Certamente será ganhos do tipo once and for all, mas que seriam suficientes para permitir um expressivo ajuste fiscal e uma sensível recuperação da capacidade de investimento do país.


A Eqüidade do Imposto Único

Resta abordar questões que dizem respeito à progressividade da incidência desse tipo de tributação.

Tratando-se de um imposto em cascata, os produtos que envolvem um maior número de transações na cadeia produtiva – cujos métodos de produção são mais round-about- serão proporcionalmente mais taxados. Isso implica garantir ao sistema tributário uma desejada dose de progressividade, já que os wage-goods – produtos de cesta básica que compõe o perfil de demanda das classes de mais baixa renda – terão uma carga tributária relativamente menor do que os produtos mais sofisticados. Assim, estará garantida a progressividade desse sistema.


Cabe lembrar que o incentivo para a integração vertical da produção poderá acentuar-se. Mas, consideradas as baixas alíquotas marginais do sistema, dificilmente esse processo irá além do que seria previsível por razões estritamente ligadas a economias de escala e a outros tipos de externalidade.


Outra característica interessante desta proposta é que a base de tributação deixa de ser a renda e a atividade produtiva, como é hoje, passando para as transações. Assim, passa-se a tributar não apenas as atividades vinculadas à geração de riqueza, mas também aquelas que impliquem mera transferência de ativos. Passa-se a taxar, portanto, todas as operações financeiras e de capital, que hoje são notoriamente subtributadas. Corrige-se, assim, o viés antiprodutivista na estrutura tributária brasileira.


Cabe acrescentar que a transações de caráter especulativo continuarão a existir – mesmo porque cumprem também um papel econômico – , porém passarão a contribuir para a arrecadação pública.

Esta proposta tem portanto algumas características essenciais que devem ser enfatizadas: garante a arrecadação tributária; elimina a sonegação e a corrupção fiscal; aumenta a eficiência da arrecadação; libera recursos reais significativos no setor privado e no setor público; é um sistema abrangente e progressivo.





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