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Marcos Cintra

Por que não se consegue cortar gastos

Em 17/02/2015, o jornal Folha de S.Paulo publicou o artigo "A qualidade do ajuste fiscal", no qual tratei das dificuldades de cortar gastos no Brasil. Naquela ocasião, propus como alternativa a adoção do orçamento base-zero. A proposta despertou interesse imediato no PMDB, que anunciou que a incorporaria como diretriz do partido.


O processo orçamentário brasileiro atual é incremental. Nesse sistema, as propostas para exercícios futuros baseiam-se nos projetos e programas em execução no exercício em curso. Na prática, assume-se que os gastos e ações em andamento são justificáveis pelo simples fato de já existirem. Os responsáveis pela elaboração, aprovação e execução dos orçamentos públicos têm margem apenas para decisões marginais de acréscimos ou reduções desses programas. Isso resulta em orçamentos rígidos, inflexíveis e com inúmeras vinculações obrigatórias.


Atualmente, programas, ações e atividades uma vez incluídos no orçamento público raramente passam por avaliações periódicas que justifiquem sua continuidade ou eliminação. Tornam-se permanentes, frequentemente transformando-se em programas e instituições obsoletos, sem aderência às necessidades reais da sociedade. Eles sobrevivem por inércia, sem objetivos claros a serem alcançados, mas continuam a consumir recursos públicos.


Os orçamentos de "base zero" invertem essa lógica e têm a grande qualidade de começar a cada ano com uma página orçamentária em branco. Isso quebra a rigidez que ocorre no sistema atual. A manutenção de programas e atividades preexistentes, sua exclusão ou alteração, bem como a criação de novas ações e gastos, requerem avaliações rigorosas e criteriosas anualmente que justifiquem sua inclusão, extinção ou mudança.


Portanto, o orçamento base-zero exige que cada projeto, seja novo ou em execução, passe por uma rigorosa avaliação custo-benefício antes de ser incluído na peça orçamentária para o ano seguinte. Se os gestores públicos brasileiros analisassem criteriosamente os orçamentos nos três níveis de governo, certamente chegariam à conclusão de que há inúmeros dispêndios, programas e ações injustificáveis, que persistem por inércia sem que sejam questionados em termos de sua eficácia e eficiência. Se fossem avaliados a fundo, segundo critérios de análise social de projetos, muitos deles seriam eliminados ou redimensionados, e suas dotações seriam direcionadas, total ou parcialmente, para promover o equilíbrio fiscal, custear outras despesas ou reduzir a dívida pública.


Sob a ótica do orçamento base-zero, programas como os do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), cujo orçamento para 2016 supera R$ 75 bilhões, jamais seriam continuados sem avaliações periódicas de sua eficácia. Benefícios fiscais de R$ 35 bilhões, concedidos este ano para as empresas em áreas classificadas como de desenvolvimento regional, teriam que ser testados comprovadamente para justificar se deveriam ser mantidos ou alterados. Recursos demandados em áreas como a saúde pública não teriam que ser obtidos com aumentos de impostos, como ocorre atualmente, se os programas de governo fossem avaliados do ponto de vista do interesse social.


O orçamento base-zero é uma inovação que imporia a racionalidade que falta na gestão das contas públicas no Brasil. Sua adoção seria um importante complemento à Lei de Responsabilidade Fiscal, tornando a política fiscal mais flexível e eficaz.


 

Marcos Cintra é doutor em Economia pela Universidade Harvard (EUA) e professor titular de Economia na FGV (Fundação Getulio Vargas). Foi deputado federal (1999-2003) e autor do projeto do Imposto Único. Atualmente, é Subsecretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo.



Publicado no Jornal A Gazeta Regional - Caçapava: 22/01/2016

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