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Marcos Cintra

O IVA requentado

No último dia 6 de março, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva atendeu quatro reivindicações de um total de 14 demandas apresentadas pelos governadores e pediu, em troca, apoio no Congresso para a aprovação de uma reforma tributária requentada, que contemplaria a criação de dois Impostos sobre Valor Agregado (IVA) - um federal e outro estadual - , que seriam cobrados no destino, e não mais na origem, como é feito atualmente.


A regulamentação dos IVAs seria nacional, mas os estados poderiam definir alíquotas próprias e haveria um sistema de compensações no qual seriam trocados débitos e créditos em impostos. Em âmbito estadual, o ICMS seria mantido por um período de transição, antes de ser substituído pelo IVA estadual. Nas operações interestaduais, as alíquotas seriam reduzidas gradualmente de forma a levar a cobrança para o estado de destino da mercadoria. Os benefícios fiscais seriam extintos juntamente com o ICMS e poderiam ser absorvidos pelo IVA estadual.


Em linhas gerais, a criação dos dois IVAs, como foi apresentada, pode aumentar a receita dos estados sem que se aumentem impostos, por conta do fim dos incentivos fiscais, e vai combater a guerra fiscal, em função da unificação da legislação e sua concentração no âmbito federal. No entanto, não irá eliminar a principal distorção do sistema tributário nacional, que é a sonegação.


O mais importante efeito da adoção dos IVAs será a eventual simplificação de um sistema caótico. No âmbito estadual, por exemplo, o ICMS conta hoje com 27 legislações e uma infinidade de alíquotas nominais e efetivas. Já nos tributos federais, há o caso do PIS/Cofins, que compreende duas formas de cobrança, cuja legislação virou um pandemônio incompreensível e sem qualquer racionalidade.


Portanto, em termos de simplificação, a unificação da legislação do ICMS, que depois viraria IVA estadual, e a possível incorporação do PIS/Cofins no IVA federal seriam medidas bem-vindas. Contudo, o grande erro na proposta dos IVAs é que o sistema continuaria sendo declaratório e exigiria uma alíquota elevada para garantir a arrecadação esperada. Será como jogar lenha na fogueira da sonegação.


Além disso, é sempre oportuno lembrar a experiência internacional. O IVA vem sendo colocado na alça de tiro dos reformadores europeus. A unificação dos mercados naquele continente desencadeou uma série de fraudes fiscais que comprometem a eficácia do modelo. A proposta apresentada pelo comissário europeu de Assuntos Fiscais, László Kovács, para enfrentar o problema é a cobrança do IVA no país de origem em substituição à incidência no consumo, justamente o contrário do que está sendo proposto no Brasil.


Em suma, a proposta dos IVAs promove certo grau de simplificação e combate a guerra fiscal, mas não resolve o grave problema da complexidade e da sonegação de impostos. O sistema de compensações proposto não eliminará essas distorções. A estrutura tributária continuará vulnerável a fraudes e seu custo permanecerá elevado, tanto para os contribuintes como para o poder público.


 

Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque é doutor em Economia pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas.

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