Ives Gandra da Silva Martins
Folha de S. Paulo, 11/3/90
Pela primeira vez não escrevo um artigo para a Folha. Narro um fato e tiro uma conclusão.
Quando um cidadão que ganha salário mínimo no país adquire um eletrodoméstico qualquer, poderá estar pagando, no preço daquele produto, os seguintes tributos embutidos, tanto naquela operação (custo da sua produção, circulação e venda), quanto nas operações anteriores relativas a todos os insumos diretos e indiretos que foram necessários à sua produção, assim como nas incidências sobre as pessoas jurídicas e físicas vinculadas à empresa, direta ou indiretamente, a saber:
1) Imposto de Renda;
2) Imposto sobre Produtos Industrializados;
3) Imposto de Importação;
4) Imposto sobre Propriedade Territorial Rural;
5) Imposto sobre Operações Financeiras;
6) Imposto de Exportação para o exterior de produtos nacionais ou nacionalizados;
7) Imposto sobre Grandes Fortunas;
8) Imposto sobre Transmissão "causa mortis" e doação de bens ou direitos;
9) operações relativas à circulação interestadual e intermunicipal e de comunicação;
10) propriedade de veículos automotores;
11) adicional ao Imposto de Renda incidente sobre lucros, ganhos e rendimentos de capital; 12) Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana;
13) Imposto sobre Transmissão Intervivos; a qualquer título por ato oneroso, de bens imóveis por natureza ou cessão física e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos à sua aquisição;
14) Imposto sobre Vendas a Varejo de combustíveis líquidos e gasosos exceto óleo diesel;
15) Imposto sobre Serviços de qualquer natureza;
16) salário educação;
17) Sesc/Senac - Sesi/ Senai;
18) Incra;
19) FGTS;
20) contribuição previdenciária;
21) Finsocial;
22) PIS;
23) Pasep;
24) contribuição social;
25) selo-pedágio;
26) adicional ao frete para renovação da Marinha Mercante;
27) taxas IAAIBC-CVM;
28) taxas portuárias;
29) taxas da organização e regulamentação do mercado da borracha;
30) taxa de serviços cadastrais;
31) taxa de classificação, inspeção e fiscalização de competência do Ministério da Agricultura, relativas a produtos animais, vegetais ou do consumo;
32) taxa de fiscalização dos produtos controlados pelo Ministério do Exército;
33) taxas diversas;
34) contribuições sindicais;
35) taxa de fiscalização e serviços diversos;
36) taxa de vistoria de veículos de transportes coletivos intermunicipais;
37) taxa de apreensão de animais em rodovias estaduais;
38) taxa de vistoria em painéis e anúncios;
39) custas e emolumentos que constituem renda do Estado - Judiciais;
40) custas e emolumentos extrajudiciais;
41) taxa de contribuição ao Fundo de Assistência Judiciária - Extrajudiciais;
42) taxas de contribuições à Carteira de Previdência dos Advogados - Mandado Judicial;
43) taxas de serviços de trânsito;
44) taxa de assistência aos médicos;
45) taxas de emolumentos da Junta Comercial, Registro do Comércio e Afins;
46) taxas pelo exercício do poder de polícia;
47) taxa de licença pela localização, funcionamento e instalação de atividades comerciais, industriais, profissionais e prestação de serviços e similares;
48) taxa de licença para tráfego de veículos;
49) taxa de licença para estacionamento de veículos;
50) taxa de licença para publicidade;
51) taxa de licença para escavações e retirada de materiais do subsolo;
52) taxa de licença para construções, arruamentos e loteamentos;
53) taxa de licença para elevadores, monta-cargas e escadas rolantes;
54) taxa pela prestação de serviços;
55) taxas de limpeza pública;
56) taxa de conservação de vias e logradouros públicos;
57) taxa de pavimentação e de serviços preparatórios de pavimentação;
58) taxa de sinistro.
Não obstante possa causar espécie que no preço de um produto eletrodoméstico possam estar embutidos alguns dos tributos acima arrolados (como, por exemplo impostos sobre grandes fortunas (futuro), sobre a propriedade territorial rural, sobre exportação para produtos não-industrializados, se o grupo tiver várias atividades, taxas diversas, contribuições etc.), a verdade é que, ainda que indiretamente, toda a carga tributária acaba por ser repassada para o preço das mercadorias.
Assim, exemplificativamente, a contribuição devida ao IAA pela usina repercute no preço do álcool utilizado como combustível nos veículos da indústria fabricante do eletrodoméstico, combustível esse que, por sua vez, é considerado nos custos que compõem o preço do produto final adquirido pelo cidadão do exemplo acima.
Para a administração de cada um destes tributos, a União, os Estados e os municípios são obrigados a manter fiscalizações especializadas e estruturas, muitas vezes mais onerosas que a própria arrecadação que objetivam. E as empresas, a manter escrituração particularizada com onerosa equipe de especialistas (inclusive tributaristas), cujo custo é também repassado para o preço final.
O inacreditável elenco de tributos gera uma receita bruta, para as entidades federativas, correspondente a mais de 25% do PIB em 1989 e mais de 50% do produto privado bruto, de tal forma que cada brasileiro, que não participa dos governos, trabalha mais de 6 meses por ano para pagar tributos diretos e indiretos e menos de 6 meses para se sustentar.
Por esta razão, todos os especialistas estrangeiros, quando se debruçam sobre o sistema nacional, consideram-no irracional e ineficiente.
É ele apenas defendido por políticos e burocratas, que se acostumaram a viver à custa de uma Federação deformada e graças a esta irracionalidade.
Ora, se o imposto único de Marcos Cintra levar aos cofres da Federação o mesmo nível de receita, com um custo operacional para o fisco e para os contribuintes incomensuravelmente menor, não há porque não adotá-lo, visto que todos ganhariam e o dinheiro que sobraria pela redução dos encargos diversos poderia ser aplicado de forma produtiva e não improdutiva, corno ocorre com os governos de todas as esferas.
O importante a realçar é que o contribuinte não trabalha para pagar tributos, mas para gerar desenvolvimento, e o tributo é apenas a sua contribuição condominial para manter o Estado, que lhe deve servir, funcionando.
O contribuinte não deve ser punido porque é eficiente, nem cada fato econômico deve ser examinado primeiro à luz do que pode levar de recursos para o fisco e só depois à luz de corno pode ser útil à sociedade. Ao contrário, a sociedade deve sempre buscar viver em um "Estado Mínimo", capaz de não a perturbar, já que o Estado é um mal necessário, rujas dimensões devem ser reduzidas à sua estrutura indispensável para servir à sociedade e não para se servir da sociedade.
Se o imposto único de Marcos Cintra carrear para as burras estatais, como participação de sua receita pelas entidades federativas, o mesmo nível de rendas que o tresloucado elenco atual, o que se deve fazer é pressionar o Congresso para, em emenda constitucional, adotá-lo.
E este argumento - que é, aliás, ó maior argumento a favor da tese inteligente de Marcos Cintra, a qual já recebeu o apoio do único homem que debelou a inflação neste país (Roberto Campos) - até agora não foi rebatido por nenhum daqueles que lhe são contrários, por profissão de fé no atual esclerosado sistema.
Até prova em contrário, continuo favorável ao Marcos e contrário a todos aqueles que defendem a manutenção do mais ilógico, irracional absurdo e ineficiente sistema tributário dos países civilizados, embora, corno tributarista, tivesse razões de sobra para não querer sua modificação.