Neste final de semana, fomos privilegiados com a publicação de artigos que analisam a desordem orçamentária do nosso país. Em sua essência, essas análises focam nas vinculações e indexações orçamentárias e seus impactos fiscais. Tais artigos foram escritos por alguns dos economistas mais respeitados na mídia impressa: Celso Ming (publicado no Estadão em 12/5/2024), Samuel Pessoa e Marcos Lisboa (publicados na Folha de S. Paulo também em 12/5/2024).
Samuel Pessoa aponta que quando o Congresso decide sobre despesas sem indicar fontes de financiamento, surgem problemas a longo prazo. Essas decisões feitas isoladamente se acumulam e criam inconsistências estruturais. Para resolver isso, aumentar a arrecadação, causar inflação ou não pagar as dívidas seriam soluções possíveis.
No entanto, a alternativa mais evidente, que seria elevar a arrecadação, não se mostra eficaz. Isso ocorre porque, com cada aumento de receita, as vinculações que imperam no orçamento nacional (como saúde, educação e transferências intergovernamentais) provocam um incremento automático e compulsório das despesas, comprometendo assim o ajuste fiscal almejado.
As vinculações orçamentárias que amarram parte dos recursos para áreas específicas como educação, saúde e previdência, são uma faca de dois gumes no processo de elaboração do orçamento público. Elas restringem a necessária flexibilidade orçamentária, limitando as opções disponíveis e condicionando seus impactos à conjuntura no momento de sua execução, que pode não coincidir com a do momento de sua criação. É necessário repensar essas amarras para valorizar e aperfeiçoar o processo de construção do orçamento, privilegiando escolhas anuais que hoje se encontram engessadas. Regras de médio e longo prazo, estabelecidas por diretrizes orçamentárias e planos plurianuais, deveriam servir como guias, permitindo que as escolhas anuais sejam livres e responsabilidade exclusiva do poder legislativo, consultando-se o executivo apenas para a execução. As vinculações orçamentárias deveriam ser eliminadas, e não meramente alteradas, como sugerem muitos economistas que identificam problemas mas propõem poucas soluções estruturais.
Marcos Lisboa nos alerta sobre uma questão ainda mais grave: a impossibilidade de reduzir os gastos obrigatórios, como salários, educação, saúde, INSS, bolsas e transferências para Estados e Municípios. Isso se deve ao nosso arcabouço legal extremamente rígido, que impede cortes significativos nas despesas públicas. Dessa forma, a única saída viável acaba sendo o corte acelerado das despesas discricionárias, especialmente os investimentos públicos. Atualmente, esses investimentos são praticamente inexistentes e tendem a zero. Essa inconsistência estrutural se configura como uma verdadeira armadilha.
Outro exemplo do impacto negativo das vinculações e indexações orçamentárias é a vinculação do valor dos benefícios previdenciários, como pensões e aposentadorias, ao salário-mínimo. Este último é alvo de uma política de indexação e valorização real, o que agrava ainda mais a situação.
Além disso, Celso Ming reitera o que venho insistentemente apontando em alguns de meus artigos recentes publicados na OrbisNews, na mídia social e no meu site www.marcoscintra.org.
Razões técnicas como novas formas de contratos de trabalho, a prevalência crescente do trabalho independente e as alterações demográficas recentes, poderão fazer com que em trinta anos o número de beneficiários da previdência social brasileira supere o de contribuintes.
A previdência está falida e seus déficits crescentes, previstos em R$ 363 bilhões em 2024 e em mais de R$ 1 trilhão dentro de 20 anos, agravam desesperadoramente as previsões econômicas para o Brasil no futuro próximo. Os custos da previdência para suportar os aposentados, ampliados por inúmeros benefícios oferecidos pelo Congresso sem cobertura atuarial, tendem a tornar insuportável a carga tributária.
sobre o custo do trabalho, levando as empresas a substituírem mão de obra assalariada, diminuindo ainda mais o número de contribuintes.
Considerando as circunstâncias atuais e a incapacidade do país de resolver esses graves problemas institucionais, será necessário, embora doloroso, cancelar ou reduzir fortemente alguns direitos adquiridos. A vinculação do salário-mínimo ao valor dos benefícios previdenciários precisará ser rompida. A estabilidade dos valores reais das aposentadorias está implícita no contrato social brasileiro, mas não há compromisso de valorização real desses valores como ocorre com a vinculação ao salário-mínimo.
Não vamos discutir aqui as medidas corretivas necessárias para evitar o desastre. Reduzir benefícios ou aumentar a arrecadação dos atuais contribuintes não será fácil, política nem socialmente. Mas é hora de pensar na eliminação de alguns fatores que causam essas distorções. Vinculações orçamentárias, indexações e gastos obrigatórios são exemplos de decisões permanentes que comprometem os orçamentos anuais, conforme apontado por Pessoa, Lisboa e Ming.
Além disso, essas vinculações estimulam a má aplicação dos recursos, pois a obrigatoriedade de liberação reduz o custo de oportunidade dessas verbas a zero, incentivando a ineficiência. Setores de saúde e educação, que recebem grandes fatias das receitas (15% e 18% respectivamente), têm apresentado resultados pobres ao longo dos anos.
Vinculações representam a negação de um processo orçamentário saudável, que depende das circunstâncias específicas no momento de sua elaboração e execução. Elas engessam as escolhas e causam um grave descompasso entre o que se deseja nos momentos de decisão e o que efetivamente existe no momento da execução.