Publicado no Caderno: FGV Projetos - Parcerias Público-privadas no Brasil - Janeiro de 2014.
Marcos Cintra
Vice-presidente da Fundação Getulio Vargas
Bacharel em economia pela Universidade de Harvard, nos EUA, Marcos Cintra possui mestrados em planejamento regional e em economia, e doutorado em economia, todos pela mesma universidade. É vice-presidente da Fundação Getulio Vargas desde 1997, e professor-titular da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (EAESP/FGV).
Resumo:
Ainda que tenham potencial para assumir um papel importante no financiamento público, as Parcerias Público-Privadas (PPPs) enfrentam diversas dificuldades para se consolidar no Brasil. Neste artigo, Marcos Cintra descreve obstáculos que interferem no desenvolvimento de PPPs no país, como a burocracia governamental, a inflexibilidade da legislação e a instabilidade inflacionária. Além disso, o vice-presidente da FGV avalia os ganhos que poderiam ser obtidos por conta de um cenário alternativo, no qual esses contratos cumprissem o seu potencial de contribuição para financiar a expansão e a manutenção da infraestrutura social e produtiva e para a melhoria na gestão pública.
Os serviços públicos, diante dos orçamentos restritivos no Brasil, encontram-se em um estágio caracterizado por uma enorme demanda por investimentos em infraestrutura. Não há mais espaço para impor uma carga tributária maior ao contribuinte, e a margem para expansão do endividamento é pequena. Portanto, a questão que se coloca é: como equacionar esse cenário angustiante? Como o país pode eliminar os gargalos que impedem a economia de crescer, e de que forma a crise social pode ser minimizada diante da carência de recursos públicos para investimentos?
Mais do que qualquer debate envolvendo aspectos ideológicos, a solução para essa questão passa pelo surgimento de um novo padrão de relacionamento entre os poderes público e privado. A saída é a implementação de parcerias entre os governos e as empresas.
No que diz respeito ao setor privado, as evidências apontam não apenas para a capacidade técnica, administrativa e gerencial de incorporar o setor na produção de bens e serviços a cargo do Estado, mas também para a existência de liquidez e capacidade produtiva ociosa em busca de realização. Essas características podem ser canalizadas para financiar investimentos sob responsabilidade dos governos.
Do lado do setor público, desenvolver formas cooperativas de atuação com a iniciativa privada é a saída para realizar os investimentos necessários. Essa interação apresenta um enorme potencial para implementar projetos voltados à qualificação dos serviços prestados pelo Estado e para prover equipamentos sociais e infraestrutura produtiva.
A convergência de interesses legítimos dos setores governamental e privado é necessária para que o Brasil consiga realizar os investimentos requeridos para a qualificação dos serviços públicos e a expansão e manutenção da infraestrutura. Nesse sentido, é válida a tese do economista Vilfredo Pareto, segundo a qual as transações entre dois agentes econômicos ocorrem quando ambos satisfazem seus interesses. Essa ideia precisa ser difundida e deve orientar as ações relacionadas ao desenvolvimento socioeconômico no país.
O grande desafio que se apresenta ao Brasil é a criação de um ambiente que estimule e facilite a celebração de parcerias entre os agentes público e privado. Nesse contexto, surgem as Parcerias Público-Privadas (PPPs). Esse instrumento, originado na Inglaterra da era Thatcher e relativamente novo no Brasil (criado em 2004), possui potencial para desempenhar um papel importante no cenário do investimento público.
No entanto, para que as PPPs cumpram esse papel, é preciso superar alguns entraves que se apresentam como obstáculos à sua expansão e consolidação. Dentre esses entraves, destacam-se a tradição jurídica, a instabilidade de preços, a fragilidade financeira do setor público, a desconfiança mútua entre o público e o privado, a desconstrução da imagem da política e dos políticos, a concentração excessiva, a fragmentação do processo político, a tributação desestimuladora, leis rígidas e pouco adaptativas, e a visão assistencialista do Estado provedor.
Refletir seriamente sobre essas questões é fundamental para superar os obstáculos que impedem o desenvolvimento eficiente das PPPs e, consequentemente, para atender às enormes carências de investimentos em infraestrutura física e social do país. A Fundação Getulio Vargas desempenha um papel crucial como organismo de pensamento e reflexão sobre esses temas, contribuindo para promover o diálogo entre o setor público e a sociedade e impulsionar o sucesso das PPPs.