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Marcos Cintra

Livro: O Brasil e a Alca (parte 9/9)

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Painel 3 - Avaliação geral

MARCO MACIEL – Desejo, antes de mais nada, declarar abertos os trabalhos da sétima e última sessão, que tem por objetivo oferecer uma avaliação geral do seminário, mostrando as perspectivas para o MERCOSUL e as posições nas negociações da área de livre-comércio, com a União Européia, e de um acordo, quatro mais um, com os Estados Unidos da América e as posições do MERCOSUL na OMC.

Passaremos a ouvir os expositores, que terão, como as senhoras e os senhores sabem, quinze minutos cada.

Após as apresentações, passaremos ao debatedores, que terão sete minutos cada. Ao final, ouviremos as considerações dos demais debatedores.

Para ganhar tempo, passo, de plano, a palavra ao primeiro expositor, o Embaixador José Alfredo Graça Lima, que disporá de quinze minutos.

JOSÉ ALFREDO GRAÇA LIMA – Muito obrigado, Sr. Vice-Presidente Marco Maciel.

Quero cumprimentar, em primeiro lugar, meus colegas de mesa e inclusive aproveitar para fazer uma retificação, pedida até pelo Deputado Marcos Cintra, no sentido de que a primeira expositora Diana Tussie não pôde estar presente. Uma das expositoras será a professora Vera Thorstensen, que está conosco, além do Dr. Peter Hakim, do Interamerican Dialogue, e o Embaixador Méntor Villagómez Merino. Como um dos debatedores teremos o Deputado Delfim Netto, e como relator, o Ministro Fernando Paulo de Melo Barreto.

A presença do jornalista Luiz Nassif enriquece este painel e certamente dá a ele uma dimensão especial, após todas essas importantes discussões ao longo desses últimos dois dias.

Sou particularmente grato à Câmara dos Deputados, na pessoa do Presidente Aécio Neves e dos demais deputados que colaboraram para que esse seminário pudesse ser o sucesso que tem sido, e que certamente será, com uma avaliação final. Sou grato especialmente aos deputados Marcos Cintra, Germano Rigotto, Aloizio Mercadante, Antonio Kandir, entre outros que colaboraram ativamente na preparação e na realização do seminário “O Brasil e a ALCA”.

No que me diz respeito, também, gostaria de dizer que o Ministro Celso Lafer e o Secretário-Geral do Itamaraty, Embaixador Luiz Felipe de Seixas Corrêa, me honram desde 1998 com a incumbência de representar o Brasil no Comitê de Negociações Comerciais da ALCA, que é o órgão executivo desse processo lançado em 1994, ativado em 1998 e que, hoje, é conduzido através de nove grupos de negociação comercial, três comitês – agora quatro comitês –, dos quais um me cabe honrosamente a presidência. De modo que meu envolvimento pessoal nesse processo já vem de longa data. Tenho certeza de que não o concluirei, mas espero deixar para meus sucessores um legado, uma experiência que certamente poderá auxiliar. Espero que cheguemos a bom termo no final dessas negociações previstas, como se sabe, para janeiro de 2005.

Isto posto, para concluir a parte introdutória, não queria deixar de mencionar importante contribuição, na forma de apoio, que deu à realização desse seminário o IPRI (Instituto de

Pesquisa de Relações Internacionais) e o seu diretor, da FUNAG, do Itamaraty, Conselheiro Henrique Cardin.

Teria outros agradecimentos a fazer, mas preciso falar sobre a matéria que diz respeito à avaliação geral desse processo de conformação de uma Área de Livre-Comércio para as Américas. Vou controlar meu tempo em função de todo meu prefácio. A Área de Livre-Comércio das Américas inicia-se, conforme eu disse, com uma idéia, uma noção lançada em 1994, e ela é até um pouco tardia com relação ao que diz respeito a uma resposta que a América Latina em geral sempre procurou obter por parte do seu maior parceiro comercial. Não podemos nos esquecer que outras iniciativas no passado não deram resultado. Embora a idéia de conformação desse processo ter partido justamente desse grande parceiro, em dezembro de 1994, era um expectativa real e legítima dos países latino-americanos de que pudesse ocorrer o fortalecimento das relações comerciais entre outros países do Hemisfério por meio de algum tipo de iniciativa como essa.

É verdade que, tendo o Brasil sido um dos primeiros signatários, uma das primeiras partes contratantes do GATT, em 1947, ele nunca tinha participado de nenhum acordo de livre-comércio, nem havia tido qualquer desafio ao multilateralismo ao longo dos cinqüenta anos em que se desenvolveu esse sistema multilateral. Ao longo desse período que se consolidou e cristalizou, foi justamente a aplicação da cláusula mais favorecida, o princípio da não-discriminação, que veio derrubar aquela antiga concepção de que acordos bilaterais ou plurilaterais pudessem significar uma expansão do comércio com vantagens para todos.

Superada a crise dos anos trinta e com o engajamento dos principais líderes, não propriamente do comércio internacional, mas da economia internacional, a partir de 1947, acordos de livre-comércio só vão tentar preencher lacunas que se abrem nesse desdobramento.

Essa é a intenção, por exemplo, da criação da União Européia, dez anos depois, com o Tratado de Roma. E essa vai ser, ao longo do tempo, também a motivação por trás dos acordos chamados de última geração, como é o caso do NAFTA, como será o caso do MERCOSUL, como poderá ser o caso de uma Área de Livre-Comércio para as Américas, que não será certamente uma mera expansão do NAFTA, como também não será, por bem ou por mal, uma expansão do MERCOSUL. Mas, de toda maneira, visa ou visará a complementação do sistema multilateral do comércio, que, embora tenha feito enormes progressos ao longo dos últimos cinqüenta anos, ainda tem algumas lacunas, algumas assimetrias e comporta algum tipo de discriminação.

Esse tipo de deficiência é que estamos tentando sanar praticamente desde a conclusão da

Rodada Uruguai, com o uso da cláusula de continuidade, por exemplo, para a agricultura. São as chamadas negociações mandatárias. Também tínhamos obrigação de retomar a negociação sobre serviços, e a União Européia veio com essa idéia aceitável, afinal, de expandir a agenda, de modo que se pudesse – e esse é um firme propósito da parte brasileira – antecipar resultados significativos na agricultura. O Brasil se tornou, ao longo desse anos, quase uma potência agrícola, um exportador eficiente de uma gama de produtos que justamente enfrentam determinadas barreiras comerciais, barreiras tarifárias e não-tarifárias, nos pólos mais dinâmicos da economia, no mercado norte-americano, na União Européia e em outros mercados também.

Esse é nosso objetivo, essa é nossa agenda positiva, fortalecer o sistema multilateral de comércio, através das negociações que possam ser realizadas, não apenas no âmbito da OMC, mas também através de acordos regionais. O MERCOSUL até tem uma dimensão maior do que essa e certamente também a ALCA. Não fazemos discriminação sobre onde negociar aquilo que nos interessa. Terá que ser onde houver o foro apropriado para isso. É preciso tratar a ALCA mais como uma opção, que é sem dúvida alguma desejável à luz dos direitos de acesso e dos interesses brasileiros que estão em jogo. Certamente a agricultura é uma delas, a reforma de certas normas, como, por exemplo, o antidumping, que vão no sentido do seu reforço e não no sentido do seu enfraquecimento. Muitas delas têm sido aplicadas em um âmbito multilateral de uma maneira abusiva, e isso é prejudicial às nossas exportações, é prejudicial ao comércio em geral e tem que ser, de alguma forma, corrigido.

Outro objetivo óbvio de uma ALCA bem-sucedida, que interessa, afinal de contas, ao Brasil, é lograr um equilíbrio entre a parte de acesso – o que, para nós, é fundamental, e nesse sentido temos que ser também muito mais propensos à abertura do que no caso de uma negociação de âmbito multilateral – não só a produtos agrícolas, mas também a produtos industriais. Não podemos nos esquecer, por exemplo, de que alguns produtos industriais dos quais somos exportadores eficientes sofrem o ônus de tarifas altas, de picos tarifários ou de escalada tarifária de uma forma tal que interessa ao Brasil se lançar também de peito aberto, nessas negociações. Os riscos possíveis – e sempre se fala em ALCA ou em qualquer outro processo negociador como comportando oportunidades e riscos –, na verdade, são para os setores ineficientes, os setores que, de qualquer maneira, terão oportunidade de realizar seu ajustamento ao longo do tempo. Não podemos esquecer que nunca haverá, na conformação de uma área de livre-comércio, um choque de liberalização. Ninguém vai abrir integralmente ou inteiramente do dia para a noite. Estamos falando aqui em planos tarifários por um período de dez anos, comportando até, no final, algumas exceções, algumas exclusões que se demonstrem como sendo necessárias para proteger determinados setores que podem ser hipersensíveis ou que se demonstrem hipersensíveis e, no limite, também, a própria economia.

Falando em economia, é para a economia que o negociador tem que se voltar, é para a economia que a política tem que se voltar, é pensando de uma maneira mais abrangente, porque a economia eficiente gerará maior justiça na distribuição da riqueza, implicará numa melhor distribuição entre nós. E esse é o verdadeiro interesse que temos através dessa negociação. É claro que todas essas questões podem ser iniciadas dentro do próprio âmbito nacional, mas por razões políticas. Não se deve ignorar que a ALCA tem um cunho muito ideológico na sua discussão. A política, às vezes, interfere nesse plano. Certamente, algumas distorções, algumas visões não vão a esse encontro. Mas o que o negociador precisa – e deixem-me por um segundo falar sobre o papel do negociador – do apoio da sociedade, do consenso que possa vir a se formar, para ele não cair no isolamento, na solidão daquele que, mesmo como país, está representando interesses contrários aos próprios objetivos que se estão buscando. Os objetivos são certamente esses, combate ao protecionismo, onde quer que ele se encontre, e combate também aos subsídios. O caso dos subsídios agrícolas é quase uma questão ética, moral – ao contrário, naturalmente – que os países desenvolvidos ainda estão a dever aos países em desenvolvimento. A envoltura não é certamente uma questão norte-sul, mas nesse sentido afeta países em desenvolvimento porque afeta o desenvolvimento das suas sociedades, as condições de vida do agricultor. E não é razoável, não é justo o agricultor brasileiro pagar a conta dos subsídios que a União Européia ou os Estados Unidos, por exemplo, dão aos seus próprios agricultores.

Estou derivando um pouco neste momento. Acho que está na hora de concluir. Espero que depois, se o Presidente estiver de acordo, haja maior dinamização neste painel para possibilitar o período de perguntas e respostas.

Quero concluir dizendo aos diferentes setores da sociedade brasileira aqui representados que um dos frutos mais importantes desse seminário será a presença desses setores, do setor privado, da indústria, da agricultura, da academia. É claro que estamos realizando a discussão na Casa do povo, no Congresso Nacional, na Câmara dos Deputados. A transformação importante é a inter-relação, a exposição mútua entre aqueles que podem executar e estão executando um bom trabalho utilizando os insumos que a sociedade lhes dá. De modo que se a sociedade puder gerar um consenso, um acordo para vir em apoio à negociação, será muito bom. A negociação não se dirige apenas à ALCA, mas também às tentativas com a União Européia, ao fortalecimento do sistema multilateral do comércio. Isso tudo, na verdade, é uma coisa só, porque o interesse nacional é o mesmo. Trabalharemos, como disse, em diferentes arenas, mas com os mesmos propósitos. E se pudermos gerar esse consenso e fortalecer esse apoio à negociação, vai ser muito bom.

Sou um negociador feliz porque tenho oportunidade de estar em contato muito intenso com colegas de outros Ministérios, com os próprios representantes de organizações não-governamentais, com sindicatos trabalhistas, sem falar do próprio empresariado. Então, busco um pouco mais, busco o consenso e o apoio, porque é isso que vai dar razão à negociação e convencer, com respaldo, meus interlocutores, o dos meus colegas e o dos negociadores em geral da legitimidade do nossos pleitos e da possibilidade real e presente de alcançá-los.

Muito obrigado.

MARCO MACIEL – Concedo a palavra ao Sr. Peter Hakim.

PETER HAKIM – Sr. Vice-Presidente da República, muito obrigado. Sei que V. Exa.

vai estar com os outros em Washington em poucas semanas. Vai ser um grande prazer recebê-los em um diálogo interamericano.

Antes de começar minha exposição, agradeço à Câmara dos Deputados o convite para participar deste seminário, que vai ser muito importante para o Hemisfério. É uma iniciativa criativa e muito importante.

Vou fazer força para falar em português. Um dos grandes desafios da minha vida, há trinta anos, foi aprender a falar português. Não tenho muita chance de usá-lo em Washington. Então, vou aproveitar para usá-lo aqui.

Há trinta anos recordo que o Ministro da Fazendo era Delfim Netto. E é uma grande honra participar com ele do mesmo painel. A única coisa que peço ao Presidente da Mesa é para me dar dois minutos extras para usar o português, porque vou falar um pouco mais lentamente.

Pediram que falasse sobre a política dos Estados Unidos, sobre várias iniciativas comerciais importantes para o Brasil. Entre elas estão as discussões sobre negociações do MERCOSUL nos Estados Unidos, sobre a Organização Mundial do Comércio e obviamente sobre a ALCA. Encontrei um grande problema. Os Estados Unidos ainda não têm política sobre essas importantes negociações. Posso dizer algo sobre a política da administração Bush, por exemplo. É muito fácil o que eles querem. Mas falar sobre a política da administração Bush está muito longe de falar sobre a política dos Estados Unidos. O fato é que o congresso tem um papel central na política comercial. Até onde o congresso fala sobre essa matéria, não há política alguma. Quando falo de congresso, isso implica em uma série de outros grupos importantes: os grupos sindicais, os grupos empresariais, as ONGs, as forças políticas locais também.

O ponto que quero deixar claro é simples. Não existe ninguém que faça a política comercial dos Estados Unidos, não existe uma estratégia central. A política comercial dos Estados Unidos é resultado dos conflitos político-econômicos entre vários grupos. A política comercial sabe quando encontra uma maneira de reconciliar esses conflitos. Isso não tem que ser, e poucas vezes é coerente, consistente ou racional. Se não existe capacidade de reconciliar conflitos entre os grupos, não há política.

Neste momento, o único debate em Washington é sobre o fast track. Não há discussão sobre ALCA, OMC. Simplesmente tudo está concentrado no fast track. Vocês já sabem, depois de falar dois dias da ALCA, o que é fast track. Não vou explicar agora. Mas quero dizer por que é importante o fast track. No fundo é simples. O fast track é uma entrega de poder. O congresso entrega um poder ao Presidente, à administração, ao Executivo. Qual é esse poder? O congresso diz que não vai emendar nenhum tratado negociado pelo Presidente. Entrega o poder de emendar. Diz que não vai fazê-lo. Mas vocês sabem também que uma vez que se entrega um poder geralmente se quer algo de volta. E o que quer o congresso de volta? O que eles fazem é dar uma lista de instruções para o Presidente, para a administração negociar. E essas instruções indicam os objetivos, os princípios do negócio. É como uma agenda para negociar um marco, uma moldura. Mas ela não determina os detalhes, como os bancos do Rio, para guiar as negociações. E essas instruções vão ser de muito interesse para o Brasil, porque tratam de direitos laborais, meio ambiente, subsídios agrícolas, antidumping.

Obviamente, a legislação brasileira é completamente distinta, não tem fast track, mas não seria mal este congresso pensar em formar sua própria agenda. Quais os conflitos que deve desfazer para chegar a certo tipo de agenda de negociação, a exemplo do que faz o Congresso dos Estados Unidos? Um bom debate, pelo menos.

A pergunta é óbvia: quem vai determinar o conteúdo do fast track ao Congresso? Quem vai determinar que deve ser, realmente, aprovado em primeiro lugar. Notei várias aspectos importantes que vão determinar isso. Talvez o mais simples seja o equilíbrio entre republicanos e democratas no Congresso dos Estados Unidos. Os democratas, geralmente, querem instruções mais precisas, querem ser mais restritivos sobre o Poder Executivo. Não é surpresa, neste momento, que os democratas que fazem oposição ao Presidente dos Estados Unidos queiram dar instruções muito mais claras e determinantes. Os republicanos são mais inclinados ao fast track chamado limpo, ou seja, o que transfere ao Presidente a capacidade de negociar sem muitas restrições.

Na verdade, não se trata pura e simplesmente da relação entre republicanos e democratas. Se fosse assim, o fast track já teria sido aprovado pela Câmara, onde são feitos os debates mais importantes e onde há maioria republicana. Mais importante é a natureza do distrito eleitoral dos congressistas.

Nas últimas três ou quatro semanas falei com, mais ou menos, vinte congressistas norte-americanos sobre ALCA e fast track. E todos, quando perguntados se vão votar pelo prosseguimento ou não das negociações, respondem dando detalhes sobre os seus distritos.

Vou citar vários exemplos interessantes: um congressista republicano extremamente conservador sempre foi a favor do livre-comércio, mas disse que vai votar contrariamente ao fast track. Por quê? É de Indiana, distrito onde há fábricas de aço e sindicatos muito importantes. Se votar a favor do fast track, simplesmente não vai ganhar as eleições.

Outro republicano, que está na Câmara há vinte anos e tem posição muito importante agora, sempre votou a favor do comércio livre, do NAFTA e do fast track de Clinton. É de um distrito que fabrica produtos têxteis e no qual há alto grau de desemprego. Disse que, se a economia dos Estados Unidos não melhorar rapidamente, não vai votar a favor do fast track.

Falei com um democrata progressista muito amigo dos sindicatos. Disse que vai votar a favor do fast track de qualquer maneira porque o Aeroporto Kennedy está localizado no seu distrito eleitoral e gera muitos empregos, tendo em vista o grande volume de importação e de exportação.

Então, temos de conhecer detalhadamente o distrito de cada congressista que votará sim. Isso é muito importante para definir a votação e o conteúdo do fast track. Em segundo lugar, está a força do Presidente norte-americano. Que investimento vai fazer para a promoção do fast track? Quanto capital político vai gastar? A prioridade ao fast track depende do calendário, do programa e da agenda do Presidente Bush.

Neste momento, o Presidente George Bush tem mais poder do que nunca. Tem aprovação de 90%. O que quiser pode conseguir. No entanto, há mais coisas em sua mesa agora do que jamais houve e que devem ser selecionadas. Depende de muitos fatores a seleção do fast track como prioridade.

Vou mencionar outros três pontos e, depois, terminar com algumas sugestões. Em relação à economia norte-americana, esta é a pior época para a votação do fast track. Chega de ser muito conservador e protecionista quando a economia está mal. Os Estados Unidos querem proteger o que possuem; têm medo do futuro incerto. Então, se melhorar a economia, vai ser mais fácil aprovar o fast track.

Vai ser talvez uma surpresa a economia mexicana. Por quê? Porque, no início, o NAFTA tinha má reputação nos Estados Unidos, era muito impopular. E o resto do Hemisfério, quando pensa em ALCA, imagina ser a extensão do NAFTA. Se ele é um fracasso, por que o povo americano vai querer estendê-lo? Quando a economia mexicana está bem, quando está importando dos americanos – e lembro que o México é nosso segundo sócio comercial –, quando há muita atividade econômica no país, é mais fácil proceder a outros tratados comerciais.

É muito importante a economia brasileira porque nela se mira o resto da América Latina, fora o México. Ela pode ser atrativa para os Estados Unidos no que diz respeito ao comércio. O MERCOSUL abrange 70% ou mais da economia da América do Sul. Se o Brasil tem economia estancada, será bem menos atrativo do que se tivesse economia dinâmica.

Se as três economias – México, Estados Unidos e Brasil – estivessem numa situação dinâmica, crescendo rapidamente, seria muito mais fácil aprovar o fast track. Superado o problema do NAFTA, retornará a atração pelo Brasil e muito menos protecionismo haverá nos Estados Unidos.

Tenho duas conclusões: dados os vários fatores de que falei, ou seja, falta de estratégia final, falta de consenso central, multiplicidade de atores e de fatores nas decisões do comércio, o Brasil tem mais espaço para negociar e influenciar negociadores e Congresso dos Estados Unidos. Nesse sentido, não é recomendável fixar objetivos abstratos, mas metas possíveis e prováveis. Tem de saber onde pode conseguir resultados e não negociar somente princípios.

As negociações não são feitas somente entre os negociadores. Há muitos atores no sistema. Devem trabalhar negociadores, diplomatas, políticos, empresários brasileiros, que podem negociar com o Congresso, com os empresários e com os Governadores dos Estados Unidos. É uma campanha que deve ser feita antes de se chegar à mesa de negociações, sem o que é impossível obter bons resultados.

Muito obrigado, Sr. Vice-Presidente da República, Marco Maciel.

MARCO MACIEL – Tenho a satisfação de conceder a palavra ao Embaixador Méntor Villagómez Merino para a sua exposição.

MÉNTOR VILLAGÓMEZ MERINO (Exposição em espanhol.) – Muito obrigado, Sr. Coordenador. Quero aproveitar a oportunidade para agradecer também à Câmara dos Deputados e a seu presidente, Deputado Aécio Neves, assim como ao Deputado Marcos Cintra, coordenador deste evento, pelo convite que me foi feito, o qual tive a oportunidade de poder repartir com os senhores, com o Sr. Vice-Presidente e demais autoridades.

Creio, esta é uma das melhores formas de expressar o conteúdo do princípio que tem o processo de criação da Área de Livre-Comércio, que é precisamente a participação da sociedade civil. Então, estou muito contente de me encontrar aqui com todos os senhores.

Meu país, o Equador, assumiu a presidência do comitê de negociação comercial da

ALCA, do processo de inovação, até 7 de abril, até o término da reunião ministerial de Buenos Aires. Ao assumir a presidência, tenho a obrigação de ter uma dupla participação neste processo. Uma seria como Presidente do Comitê de Negociações Comerciais, que, sendo o organismo executivo do processo, deve executar sua função para o cumprimento dos objetivos estabelecidos e chegar, então, a cumprir o que foi acordado pelos trinta e quatro países que estão negociando a ALCA.

Como presidentes, somos, então, impulsionadores desse processo. Precisamos ter um equilíbrio adequado de como caminha o mesmo nos diferentes grupos de negociação. Mais do que isso, mais do que presidentes desse processo, gostaríamos de ser também coordenadores da posição dos trinta e quatro países que participam na ALCA, para que todos eventualmente possam fazer com que sua voz seja escutada de forma clara, que todos tenham uma participação eqüitativa; do contrário – já escutamos isso ao longo dos dois dias deste seminário realizado em Brasília –, não será um bom acordo, e não sendo um bom acordo, não chegará a ser constituída a ALCA como tal ou, se for assinado, talvez o acordo não seja ratificado pelos Parlamentos, que são a expressão soberana dos povos.

Como país membro, seria outro papel, parte das negociações, as responsabilidades do meu país são outras. Como todo Estado que faz parte do processo, a responsabilidade principal é velar pelos interesses comerciais do Equador. É isso que precisamos fazer. Participamos do processo da ALCA, participamos do processo de integração da comunidade andina e o fazemos com uma só voz, como exemplo do estado avançado de integração que adquiriu essa sub-região, à qual pertencemos com muito entusiasmo.

Por essa razão, vemos também com grande interesse o andamento das negociações da comunidade andina com o MERCOSUL para tratar de consolidar, no prazo mais breve possível, uma posição muito mais estruturada e firme que nos permita melhor competir com os países do norte.

Dito isso, quero fazer algumas reflexões de caráter geral com relação à validade da abertura e da liberalização dos mercados, tanto dentro do processo da ALCA como dentro das negociações da Organização Mundial do Comércio. Na verdade, quero fazer uma avaliação da recente experiência que tivemos na região latino-americana com a perspectiva de um país pequeno, como o Equador, por exemplo, que está tentando mudar a sua estratégia tradicional de desenvolvimento.

O Equador efetivamente está colocando em prática um esquema de maior abertura e liberalização, que, entretanto, não deveria significar o abandono de uma adequada vigilância estatal sobre as condições de funcionamento dos mercados e da concorrência.

A recente experiência nos demonstrou que um lugar comum das novas relações econômicas internacionais e de todas as possibilidades para o desenvolvimento futuro é uma maior integração das economias em desenvolvimento com os mercados internacionais. A liberalização dos mercados ofereceu possibilidades de crescimento para os países – falo de novos investimentos e transferência de tecnologia –, o que dinamizou as economias nacionais, sobretudo pelo seu estímulo em termos de novas exportações. Mas está bastante claro que a coerência e a consistência na aplicação das políticas de regulação macroeconômica, que são, por sua vez, os determinantes essenciais do desempenho econômico, são absolutamente importantes.

Os países que mais exportam são aqueles que mais crescem. Exemplos estão em algumas nações da Ásia e aqui, na América Latina, o Chile é outro exemplo que confirma isso.

A América Latina – precisamos reconhecer isso –, pelo menos até o final dos anos oitenta, era uma das zonas mais voláteis do mundo. A taxa de câmbio, a inflação e o investimento propiciavam a formação de expectativas um pouco distorcidas por parte dos agentes em um marco de modelos que incentivaram políticas anticompetitivas. A falta de estabilidade nos mercados cambiais, especialmente em regimes movidos por interesses particulares, produziram uma falta de confiança nas políticas públicas, o que produziu, ao mesmo tempo, conseqüências negativas para a sociedade e para suas perspectivas de mudança.

Foram privilegiados unicamente alguns setores, tendo em vista as opções dos consumidores e a melhor utilização dos recursos, até que foi empreendida, finalmente, na difícil tarefa de mudança, uma opção que resgatava a importância dos mercados para a estabilidade macroeconômica e a modernização, tudo isso dentro do conceito dessa nova economia, onde vimos um progresso inusitado das telecomunicações, da tecnologia, da informação e também uma análise macroeconômica do crescimento e uma análise microeconômica da concorrência.

Com a nova economia, vimos um mercado mais transparente, com um intercâmbio sem fricção, ou seja, o mercado puro da teoria econômica. Então, abria-se uma superposição dos mercados às hierarquias. O comércio e as empresas seriam, conseqüentemente, afetados, e isso poderia mudar a esfera real e financeira. Não obstante, a liberalização dos mercados – e isso foi dito aqui várias vezes – não supõe, de nenhuma forma, o jogo livre da oferta e demanda.

Temos várias condições, sobretudo na área da abertura comercial, que deveriam ser consideradas dentro desse marco multilateral ou regional ampliado.

De qualquer forma, a abertura apareceu com maior força na América Latina durante os anos noventa. No final da década de noventa, foi confirmado que a consistência na aplicação de um modelo menos intervencionista, apoiado pela regulação do mercado aberto para o exterior, permitia modular as tendências, o que não foi possível com o modelo anterior.

Talvez o que foi mostrado seja um pouco simplista quando falamos da realidade latino-americana, mas essa década demonstrou que os países que se integraram a esse contexto são aqueles que enfrentaram com maior facilidade os desajustes conjunturais.

A maior integração e o livre-comércio serão definitivamente, nos próximos anos, as variáveis que determinarão as tendências para o desenvolvimento e mudarão drasticamente a estrutura do mercado comum. Os regimes com uma maior abertura são, em termos de bem-estar, superiores aos regimes comerciais restritos e protecionistas.

Entretanto, há condições que têm que ser levadas em consideração: a consistência e a credibilidade das políticas públicas e limites definidos para a administração do Estado, assim como a atitude que revelam as firmas nacionais, atores claros nesse novo ambiente.

Por outro lado, em relação ao que aconteceu nos últimos anos, é muito verdadeira a informação de que, sem condições macroeconômicas corretas, essa tentativa de abertura poderá fracassar.

Então, a aplicação de restrições ao livre-comércio e o incremento da proteção estiveram associados aos resultados de uma macroeconomia deficiente. São aplicados a economias caracterizadas por déficit fiscal insustentável, com alto endividamento e falta de ajuste na conta corrente, o que aumenta as tensões inflacionarias.

Isso não quer dizer que, diante desses desequilíbrios internos, os países deverão favorecer o isolamento. Na prática, se definirmos com claridade os objetivos de curto e longo prazos e tivermos uma consistência para operar a política econômica, a abertura pode oferecer benefícios progressivos. E isso, ao longo do tempo, poderá ser alcançado plenamente.

A globalização é um processo complexo que varia ao longo do tempo, que afeta vários setores da produção de um país e pode mudar os entornos nacionais de diferentes maneiras. O denominado triângulo da perfeita compatibilidade, ou seja, taxa de câmbio estável, fluxos normais de capitais e políticas monetárias autônomas, é uma ficção. E a crescente competição entre empresas e agentes econômicos é, hoje em dia, o denominador comum.

Diante dessa nova realidade internacional e das disparidades constatadas, fechar essa lacuna com os países mais desenvolvidos requer não somente políticas macroeconômicas de aberturas adequadas, mas também políticas de desenvolvimento produtivo, para incluir políticas horizontais que apóiem a competitividade sistêmica do ambiente – infra-estrutura, mercados de fatores, promoção, etc. –, além de políticas microeconômicas que modifiquem diretamente as operações das empresas, principalmente a utilização de melhores tecnologias.

Então, uma maior competitividade depende do desempenho macroeconômico. Mas isso é apenas parte da problemática. A contribuição da parte microeconômica também é fundamental, como também é fundamental uma atitude de abertura dos grandes países diante do atraso relativo da maioria.

O conceito de globalização, que, em geral, está inscrito nessa análise das tendências do comércio, deve ser mais preciso. Então, diante dessas simplificações, porque ele é entendido como um processo de integração dos sistemas produtivos, comerciais, financeiros e de informação, precisamos redefinir esse conceito em uma escala internacional, considerando os laços entre a economia e o poder de outros Estados e das empresas multinacionais. É o sistema anterior juntamente com esse sistema internacional de relações produtivas, através dos fluxos monetários e de investimento em espaços ampliados.

Agora, vou resumir um pouco devido à restrição do tempo. Por favor, Sr. Presidente, avise-me se eu estiver passando do tempo.

Um tema fundamental que eu gostaria de comentar com os senhores é que, nas negociações do processo de construção da ALCA, do livre-comércio nas Américas, um fator absolutamente importante que precisa ser definido é aquele que se refere à necessidade da existência de um regime de tratamento especial e preferencial para os países menos desenvolvidos.

O livre-comércio é um instrumento para o desenvolvimento, e temos que adotar as normas que apóiem a sua vigência hemisférica no marco da eqüidade possível e também de uma estabilidade e transparência. Estamos falando de um processo de negociação de que participam trinta e quatro economias com diferentes níveis de desenvolvimento e, inclusive, tamanho. Então, as disparidades – isso já foi mencionado neste seminário – são enormes. E sempre, desde o começo do processo, em 1994, no encontro de Miami, falamos que é preciso haver um tratamento especial e preferencial para atender os diferentes graus de desenvolvimento das economias. Mas somente na última reunião do Comitê de Negociações Comerciais, nos dias 26 e 28 de setembro, na cidade de Manágua, na Nicarágua, somente nessa ocasião conseguirmos concretizar o que até agora tinha sido tratado somente como um slogan, quase um slogan de promoção.

Então, mantínhamos essa tese repetidamente, mas somente na Nicarágua conseguimos concretizar esse tratamento especial diferenciado, que teve sete pautas de comportamento, aprovadas na ocasião, e todos os núcleos de negociação deverão ter isso presente daqui por diante.

Isso não completa o panorama das aspirações que nós, os países menores, temos dentro desse processo. Mas é pelo menos o primeiro passo, e vamos continuar aperfeiçoando isso para o futuro.

Outro ponto importante também aprovado na reunião de Manágua é que, em conjunto com o processo de negociação da ALCA e paralelamente deve existir um programa de cooperação hemisférica. Essa foi uma proposta apresentada pelo meu país na reunião do Comitê de Negociações, em janeiro, ratificada posteriormente pelo Conselheiro do Equador na reunião ministerial de Buenos Aires e na reunião de Québec.

O Presidente do Equador repetiu uma vez mais que se queremos que os eventuais benefícios derivados do processo da ALCA sejam aproveitados de uma forma similar por todos os países, é necessária a existência desse programa de cooperação hemisférica.

O programa já foi aprovado como uma necessidade, mas ainda não foi determinado o seu conteúdo. Essa será nossa próxima luta.

Para terminar, gostaria de fazer duas reflexões com relação ao processo de negociações. A globalização está associada ao livre-comércio, às novas tecnologias, aos fluxos de capitais e ao investimento, mas isso não reflete o essencial. O mundo moderno está vinculado por intermédio da troca de idéias, da troca de informações e de aspirações de todas as nações, e a visão de conjunto, que mencionei anteriormente, envolveria a consideração das aspirações de todos os atores desse novo esquema internacional.

Os países em desenvolvimento têm um papel de primeira linha nessas mudanças para o futuro. A liberalização do comércio é um meio para alcançar altos e transcendentes objetivos em um mundo que, infelizmente, relativizou grande parte dos valores tradicionais.

Obrigado, Sr. Presidente.

MARCO MACIEL – Concedo a palavra à Sra. Vera Thorstensen.

VERA THORSTENSEN – Obrigada, Sr. Coordenador. Parabenizo a Câmara dos Deputados pela iniciativa de promover este evento, do qual participo na qualidade de acadêmica, de professora. Serei muito direta, didática e franca.

O trabalho que me foi solicitado refere-se à avaliação final deste seminário. Tenho acompanhado as exposições e os debates desde as primeiras horas de ontem até o momento. A primeira impressão é complexa. Os expositores do governo mostraram o que está acontecendo na negociação da ALCA; os convidados estrangeiros mostraram os problemas e alguns dados favoráveis; e todos os Deputados e sindicalistas fizeram avaliações extremamente negativas. Disseram que qualquer integração do Brasil com a ALCA implica desemprego e quebra de empresas, acusando o governo de incompetente por fazer valer os seus interesses.

A meu ver, essa impressão está bastante longe da verdade. E por que ela foi transmitida ao Plenário? Na minha avaliação, falta muita informação sobre a inserção do Brasil no comércio internacional. A idéia de que os Estados Unidos são vilões e de que a Comunidade Européia é boazinha também precisa ser discutida. Os dois querem criar zona de livre-comércio com o Brasil e com o MERCOSUL. E são negociadores.

Talvez o que esteja provocando má impressão em relação a este seminário seja o fato de que se enfocou apenas um dos fóruns de negociação do Brasil. Na minha avaliação, Deputado Marcos Cintra, os próximos seminários não devem avaliar apenas um acordo de integração, mas todos os grandes fóruns em que o Brasil está negociando.

Digo isso porque, no momento em que nós analisarmos as propostas e o posicionamento do Brasil no MERCOSUL e em cada um dos fóruns, vamos verificar que há ganhos e perdas. E só nesse cenário é que ficam claros os interesses do Brasil: o que vai ganhar e o que vai perder.

Analisar somente a ALCA poderá trazer problemas. E este seminário mostrou claramente que há desinformação e que o enfoque está sendo malfeito.

Vamos à avaliação horizontal das três grandes negociações internacionais do Brasil. Esclareço, inicialmente, que são mais de dez negociações. Estou enfocando apenas as negociações do Brasil com a ALCA, a OMC – essa é fundamental porque nova rodada está prestes a acontecer – e a Comunidade Européia.

É interessante o quadro de referências. Se é verdade que o Brasil está negociando com a OMC, perante os seus 142 membros e os dois novos integrantes – China e Taipé chinesa –, não é o que ocorre na ALCA e na Comunidade Européia, com os quais negocia na qualidade de representante do MERCOSUL. E o mais interessante é que, na ALCA, os negociadores do Norte querem a dissolução do MERCOSUL, e a Comunidade Européia, muito pelo contrário, quer fortalecê-lo cada vez mais.

Na análise horizontal dos grandes temas de negociação, citamos o chamado acesso a mercados, que inclui tarifas, cotas e procedimentos aduaneiros. Portanto, ganhamos num aspecto e perdemos noutro. É importante, por isso, a negociação global de todos os acordos.

A experiência indica que, a cada rodada, as tarifas chamadas consolidadas, os tetos, diminuem de 30% a 35%. O que acontece na negociação regional? Por exemplo, na ALCA ou no MERCOSUL? As tarifas devem ser reduzidas em 100%. Quando se fala de acesso a mercados, de um lado ganhamos menos, do lado regional ganhamos muito mais. Temos que abrir muitos mais nossos mercados.

Quando passamos para o segundo pacote de negociação, as chamadas regras do comércio internacional, o que descobrimos? Tanto os Estados Unidos quanto a Comunidade Européia estão demostrando falta de flexibilidade porque preferem negociar regras na OMC ou em fórum multilateral. Por quê? Fica difícil negociar com o Brasil, por exemplo, o regulamento de dumping ou os subsídios às exportações sem a participação de outros parceiros importantes, ou seja, Comunidade Européia e Japão.

Repito: se na área de acesso a mercados ganhamos menos na OMC e mais nos acordos regionais, no que se refere às regras do comércio internacional o quadro está invertido:

precisamos cada vez mais da OMC, para que as regras sejam definidas como nós queremos.

O terceiro grande pacote da negociação engloba os chamados “novos temas”. Trata-se de investimentos, concorrência e cláusulas ambientais e trabalhistas, discutidas hoje pela manhã.

Nesse caso, acontece o inverso. O que os grandes parceiros – Comunidade Européia e Estados Unidos – estão tentando fazer? Discutir sistemas na OMC, mas enfrentam grandes dificuldades. Resolveram, então, forçar a negociação regional. Portanto, nós vamos dizer que sentimos muito e que o nosso limite é multilateral: OMC e nada mais do que OMC.

Em resumo – não vou entrar em detalhes –, dependendo do fórum de negociação, ganhamos mais ou ganhamos menos. E precisamos dos três fóruns de negociação para fazer o balanço de ganhos e de perdas. É a minha avaliação geral da inserção do Brasil, ou seja, nunca isoladamente, sempre num quadro geral.

Concluindo, é preciso levar em consideração a importância das negociações do Brasil com a ALCA e do MERCOSUL com a Comunidade Européia, que representam simplesmente 75% das exportações e importações brasileiras.

Outro ponto importante é o papel da OMC nesse contexto, não só porque vai permitir o nivelamento de ganhos e de perdas, mas também porque vai definir o quadro de referência das negociações.

E fico bastante preocupada quando leio nos jornais, com bastante freqüência, afirmações do tipo: “A OMC é um clube de ricos. Está na hora de o Brasil se desvincular dela”; “O tribunal da OMC só faz o Brasil perder os casos porque os países ricos mandam”.

Tais afirmações são, no mínimo, levianas. O que acontece no mundo real? As pessoas que as fazem, a meu ver, não têm qualificação para analisar o comércio internacional, mas se consideram especialistas no assunto apesar de nunca terem sido convidadas a expor suas idéias em painéis da OMC. Dizem ainda: “O Brasil está perdendo 80% dos casos”. Colegas meus economistas alegam que o país deve sair da OMC, que é um clube de ricos, porque está perdendo os painéis.

Fiz levantamento sobre o assunto e obtive os seguintes dados: desde 1995, o Brasil participa de vinte e um casos, dos quais é demandante em catorze. E, atenção: em dez deles, briga com países desenvolvidos; em quatro, briga com países em desenvolvimento. O país está sendo questionado em cinco casos por países desenvolvidos e em dois por países em desenvolvimento. Já foram encerrados treze casos. Em onze deles, ou seja, em 85% dos casos os resultados foram altamente positivos para o Brasil.

Nos casos em que não conseguimos ganhar totalmente, obtivemos razoável sucesso. Eles são conhecidos e nos permitiram ganhos substanciais, a exemplo das questões envolvendo a EMBRAER e os frangos. Nesta última, conseguimos que a Comunidade Européia mudasse a administração de cotas.

A afirmação de que o Brasil está perdendo muitos casos é irresponsável. E a tese de que deve sair da OMC porque é um clube de ricos também não tem o menor fundamento.

Gostaria também de quebrar alguns mitos que ouvi nesta sala ontem e hoje. Muitos afirmaram que os Estados Unidos são vilões e que a Comunidade Européia é boa parceira. Nada contra. Quanto mais acordos regionais o Brasil firmar, melhor.

Falou-se muito que, se o Brasil não quiser, não existe ALCA. E, realmente, o país tem o direito de não querer participar dela. Se não quiser, os Estados Unidos deixarão de fazer acordos bilaterais com os outros países da América Latina, considerando o interesse que eles têm em negociar com os norte-americanos? O Brasil pode sobreviver exportando para os Estados Unidos com restrições antidumping, enquanto os outros países da América do Sul exportam sem restrição alguma? Neste momento em que exportar passou a ser atividade vital para o país, é possível adotar essa atitude isolacionista?

Em relação à Comunidade Européia, é claro que oferece excelente mercado e grandes vantagens, mas também está interessada no nosso mercado. Só que a sua prioridade é comerciar com a Europa Central e a do Leste. Pergunto: a Comunidade Européia fará algum acordo com o Brasil se a ALCA não existir? As suas exportações para o MERCOSUL representam vinte bilhões de dólares. Se os Estados Unidos, por exemplo, começarem a exportar sem tarifas, vão dominar mercado que antes era da Comunidade Européia.

Então tenho duas perguntas: existirá a ALCA sem o Brasil? A Comunidade assinará o acordo se não existir a ALCA? São perguntas que temos que debater.

Outro problema também é achar que os Estados Unidos são os culpados de todos os nossos grandes dilemas, dos nossos problemas. De novo, nenhum acordo regional vai resolver os problemas internos do Brasil. Os acordos regionais realmente facilitam o comércio, proporcionam aumento da competitividade, e esses são aspectos importantes para o país. Agora, os acordos, na verdade, forçam a que as reformas internas se façam, não tenho a menor dúvida. A reforma tributária, sobre o que tanto se falou ontem, as reformas de infra-estrutura e outras vão ter que ser forçosamente realizadas, porque realmente é impossível fazer a integração sem essas reformas.

Outro mito que escutei ontem e hoje é que o Brasil deveria ficar isolado, sozinho, fechar fronteiras e tentar reerguer sua economia sozinho. Como digo, senhores, o mundo hoje está retalhado por 250 acordos regionais. Pergunto: como o Brasil pode ficar sozinho, isolado, sem fazer acordos regionais?

Ontem a imagem que me passou pela cabeça foi a de que uma possibilidade seria recortar o mapa do Brasil – não sei se leram o livro Jangada de Pedra, do Saramago – levá-lo pelo Oceano Atlântico para o Oceano Índico, provavelmente, e fazer acordo com Índia, Paquistão e, por que não, com o Afeganistão, o que em outras palavras foi o que se sugeriu ontem nesta sala. Simplesmente somos americanos, pertencemos ao Continente Americano.

Outro argumento que escutei muito e que é melhor de novo desmistificar foi o de que os acordos internacionais acabam com a soberania do país. Como tenho escutado esse argumento há bastante tempo, fui às fontes, desde os problemas da soberania dos príncipes até chegar ao momento atual, e cheguei à conclusão de que se está fazendo grande confusão entre dois conceitos que são subjacentes ao conceito de soberania, que são: o da independência de um país em fazer ou não o acordo e o de autonomia para fazer política econômica.

Senhores, temos o Banco Mundial, o FMI e uma série de tratados internacionais que nos impedem de fazer aquilo que queremos. Então, sinto muito. Pertencemos ao mundo, e o mundo está cada vez mais definindo regras. Quer dizer, já perdemos a autonomia para fazer o que queremos há muito tempo.

Em síntese, volto a dizer, o problema é de enfoque. Não se pode discutir a ALCA sozinha. Temos que discutir o Brasil frente a todas essas grandes negociações da OMC, da ALCA e da Comunidade Européia, num total de dez.

A grande sensação que temos é a de que o Brasil é incompetente para se fazer ouvir, para fazer boas negociações e para colocar na mesa os seus interesses. Não tenho a menor dúvida de que os outros parceiros querem o nosso mercado, e é com o poder deste mercado que vamos à mesa de negociação dizer: sem tais e tais pontos não teremos acordo. O importante é perder o medo de país pequeno ou pobre, que já não somos mais, para sermos os grandes negociadores do mercado internacional. Foi isso o que faltou nas palestras de ontem e de hoje.

Muito obrigado.

MARCO MACIEL – Concedo a palavra ao primeiro debatedor, o Deputado Federal Delfim Netto.

DELFIM NETTO – Sr. Coordenador, Srs. Membros da Mesa, minhas senhoras e meus senhores, estou um pouco intimidado, porque vou ter que usar sete minutos para tentar resumir sessenta minutos de excelentes palestras, todas elas muito boas e esclarecedoras. Fico feliz por ter sido salvo, porque esta é a primeira vez que compareço ao seminário, de forma que fui poupado das coisas que a professora relatou. Ela tem toda razão. É preciso que enquadremos as negociações de forma absolutamente geral.

Gostaria de começar, na verdade, do mais geral para o menos geral. O Embaixador Merino abordou uma questão fundamental, sobre como o Parlamento e a sociedade civil participam dessas negociações, de que forma isso acontece. No caso brasileiro – e agora me referindo a quem sabe das coisas e conhece o Brasil cuidadosamente –, o fast track já foi concedido na Constituição para o Presidente. Aqui a coisa é muito mais rápida, o que, na verdade, colocou a sociedade fora do processo. Podemos supor até que o governo represente a sociedade. É uma coisa duvidosa. Mas de qualquer forma é possível se aceitar essa proposta.

Quero apontar as diferenças de visão. O Embaixador se referiu ao famoso triângulo formado pela combinação de política de câmbio fixo, independência de política monetária e liberdade de movimento de capitais como um triângulo de concorrência perfeita, de compatibilidade. Eu o conheço como triângulo maldito. E não só eu, mas também todas as pessoas que sofreram os efeitos da acumulação dessas políticas – e o Brasil foi, particularmente, vítima delas até há bem pouco tempo – reconhecem que esses modelos de política precisam ser relativizados.

É evidente que a liberdade de comércio é muito importante e também que os economistas contrabandeiam como ciência econômica boa parte do que falam. E nisso a professora tem alguma razão. O máximo que os economistas podem provar, realmente, é que algum comércio é melhor do que nenhum comércio, e chega, terminou, não há mais nenhum outro teorema a demonstrar.

O Embaixador levantou uma questão importantíssima sobre a hipótese de que, quando todos estão dispostos a abrir simetricamente seus mercados, quando todos participam deste espírito de aventura, certamente o nível de qualidade da vida no mundo deve se elevar, o nível de distribuição de capitais deve melhorar, mas é uma visão quase romântica.

O que me pareceu muito interessante também foi a exposição do Sr. Peter, que falou sobre duas ou três questões absolutamente fundamentais, e eu, que conheço sua franqueza há trinta anos, fiquei na maior alegria ao ver como ele abordou essas questões. É uma fato que difere, que distingue o Brasil dos Estados Unidos.

Vejam o que ele disse: “Não estamos concedendo fast track para o Presidente” – e eu disse que aqui já foi concedido, por definição –, “porque é preciso ouvir os distritos; é preciso ouvir o que as pessoas pensam; é preciso proteger o eleitor”. Ele levantou a questão de que a reforma política é uma das coisas mais fundamentais nesse processo. Eu não estava achando que ele tinha razão, mas agora já quase fui convencido. No Brasil não há defesa exatamente porque não há representação distrital. Então, fica uma coisa geral.

Eu me lembro de que quando estávamos discutindo a modernização dos portos, o que era uma necessidade absoluta, não havia ninguém contra, mas ninguém votava a favor. E eu fui analisar por quê. Um homem aqui, um homem brilhante, o ex-Governador Mário Covas, eleito por Santos, no porto, tinha a obrigação de defender os seus constituintes. Nós, que éramos eleitos no Planalto, tínhamos a obrigação de combatê-lo, porque queríamos exportar; ele queria dar os benefícios para o porto. A única forma de conciliar esses interesses é através da eleição distrital. Por que todos os deputados paulistas não tinham a coragem de votar contra? Porque cada um tinha trezentos votos em Santos e imaginava o seguinte: “Se eu votar para modernizar o Porto de Santos, perderei aqueles trezentos votos que recebi no porto”. Isso demonstra que é realmente preciso compatibilizar essa estrutura de representação com o que está acontecendo no mundo, para que o país manifeste seus verdadeiros interesses.

Isso me remete, finalmente, para a magnífica exposição do Embaixador Graça Lima. Fundamentalmente, não se pensou nessa evolução de forma permanente. Quem pensou de fato o que vai ser o Brasil daqui a vinte e cinco ou trinta anos, depois de nos integrarmos a esse processo? Um país que tem mercado interno grande, que tem possibilidade de ter papel importante no comércio internacional e que precisa pensar seu futuro, não pode simplesmente entregar esse futuro ao que os economistas imaginam ser o melhor. Quem tem de decidir isso é realmente a sociedade, e ela só pode fazê-lo, como disse a professora, com informação.

É preciso implementar essa idéia do Presidente Aécio Neves de trazer a sociedade civil para dentro do Congresso Nacional e abordar os temas abertamente. Vamos discutir esse problema, porque dele vai depender a solução do Brasil nos próximos vinte e cinco ou trinta anos, ou muito mais. Essas coisas não têm volta. Depois que começam, têm o seu curso próprio. É realmente uma mudança importante no papel do Congresso Nacional.

Uma outra coisa que me parece faltou na exposição foi a agenda interna. Podemos entrar num processo como esse, da forma em que estamos? Somos um país que ficou quatro anos e meio com o câmbio sobrevalorizado; que continua com a maior taxa de juros real do mundo; que não tem crédito; que destruiu seu sistema financeiro; que costumava ter 70% de crédito em relação ao PIB e tem 30% hoje; que destruiu seu mercado de capitais, com um imposto inteiramente absurdo, como a CPMF, e transferiu esse mercado para os Estados Unidos; e que não tem financiamento de longo prazo. Pergunto: como este país vai fazer seu desenvolvimento? É preciso realmente que, junto com esses fatos importantíssimos apresentados nesta mesa, pensemos a agenda interna. E agora não é porque quero bajular o Vice-Presidente da República, mas vou incluir na minha agenda a reforma política.

Muito obrigado.

MARCO MACIEL – Concedo a palavra ao próximo debatedor, o jornalista Luiz

Nassif.

LUIZ NASSIF – Sr. Coordenador, Vice-Presidente Marco Maciel, em nome de quem saúdo os demais, gostaria de agradecer o convite a mim formulado e parabenizar o Presidente da Câmara, Deputado Aécio Neves, e o Deputado Marcos Cintra, porque tirar o tema ALCA dos gabinetes fechados e trazê-lo a lume é o ponto central da definição de um novo modelo de pensamento nacional.

No Brasil, avançamos na modernização em alguns pontos, mas há um para o qual até hoje não se conseguiu criar uma cultura adequada, qual seja o de um planejamento estratégico que considere o país como uma realidade complexa e pegue todos os agentes que participam de determinadas decisões para juntá-los na mesma mesa e discutir o chamado interesse nacional.

É uma barbaridade o que existe de gente falando sobre interesse nacional. O sujeito da PUC diz: “Quem é a favor de política industrial é contra o interesse nacional”. O da FIESP diz: “Quem é contra a política industrial é contra o interesse nacional”. Na verdade, há falta de visão clara de futuro dentro de um planejamento estratégico que defina o que é o Brasil, para onde vai e qual o papel de cada agente.

Temos uma dificuldade enorme de tratar de temas complexos. Isso é uma fraqueza, talvez um dos pesos principais do subdesenvolvimento brasileiro e uma das explicações maiores para o nosso subdesenvolvimento.

O que se tem em qualquer tema complexo que demanda muitas pontas? Tem-se, de um lado, alienação da maior parte dos interessados, inclusive daqueles que são diretamente envolvidos pela história, e, de outro, uma visão especialista muito parcial de pessoas que se outorgam o conhecimento um pouco mais amplo do processo e acham que sabem representar os interesses daqueles que são afetados na ponta. Com essa questão de departamento estanque, cada departamento querendo discutir um lado da questão, não se consegue formular diagnósticos mais complexos e ser objetivo.

O Dr. Peter chocou-me profundamente, porque, em um local como este, traz um conjunto de observações de bom senso e de pragmatismo que espanta nas discussões que temos em geral sobre temas complexos. Ele pegou uma realidade em que há pessoas e interesses e define o que é, digamos, um congresso americano. Isso demanda da nossa parte um conjunto de estratégias amplas para atacar em várias frentes, mas esse hábito não temos. Não temos o pragmatismo da busca de resultados, não temos o pragmatismo de discutir caso a caso e não temos a paciência da minúcia. Então, isso torna o país como um todo vítima de um conceitualismo vazio e de fórmulas mágicas.

Acreditamos que o câmbio pode resolver a situação nacional, como foi no primeiro governo Fernando Henrique Cardoso. Achamos que, se conseguirmos o equilíbrio fiscal, tudo estará salvo. Ou seja, em todos esses pontos se cria um quê de mágica vazia que acaba substituindo o planejamento, a construção e a consolidação de processos estratégicos para avançar nessas áreas mais complexas.

Quer dizer, quando se fala, por exemplo, em ALCA, o que temos? Do lado do Itamaraty, que são os negociadores, o pessoal que está na linha de frente, temos um profundo desconhecimento sobre o que ocorre no mundo real. Do lado do empresários, uma profunda alienação em relação às negociações que interferem diretamente neles. Do lado dos trabalhadores, também uma visão conspiratória de tudo o que está acontecendo. Então significa que todos estão errados?

Lembro-me de uma história que me contaram certa feita sobre um advogado no Rio, Bulhões Pedreira, que tratava de questões familiares. Em frente ao escritório desse advogado havia o escritório de outro advogado, Edmundo da Luz Pinto, um bon vivant famoso no Rio. As famílias iam brigar no escritório de Bulhões Pedreira e, depois, vinham se consolar no de Edmundo da Luz Pinto. Um dia, dois grupos familiares se dirigiram ao Dr. Edmundo e disseram: “Dr. Edmundo, queremos que o senhor diga quem tem razão”. Um lado foi lá e explicou o que estava acontecendo; depois o outro foi e também explicou o que estava acontecendo. Ele disse: “Meus filhos, todos têm razão, é o mundo que está errado”.

No fundo o que acontece nesses processos é que o processo está errado. Não se pode ter um processo de negociação em que há negociadores que não conhecem todos os aspectos ligados à realidade das empresas. Por outro lado, não podem as entidades empresariais não participar desse processo. Então, como não se tem, digamos, essa difusão da informação e o chamamento para que todos participem do processo, via de regra no país parte-se para a teoria conspiratória. Essa teoria conspiratória é típica de quem não consegue entender o processo. Ela pega desde os chamados defensores do fechamento da economia até os chamados neoliberais. Tudo vira conspiratório. Como não conheço o mercado, tudo o que vem do mercado é ruim. Como não conheço formas de coordenação de políticas de governo, toda política de governo é estatizante. Então, com isso, ficamos em um primarismo que impede o avanço de qualquer ação objetiva na busca de resultados.

Essa rodada de negociações da ALCA está entrando na agenda dos jornais, está entrando na agenda da opinião pública. Temos já um seminário grande em São Paulo dessa vez. O que deve vir daqui para a frente, não apenas em relação ás negociações comerciais, mas também em relação à forma de gestão de governo, é a conscientização de que o Brasil é um país muito complexo para ser conduzido por meia dúzia de pessoas.

A nossa diplomacia teve um papel muito relevante como ponta-de-lança da modernização brasileira durante um século. Não estou condenando a diplomacia, estou condenando um processo em que só a diplomacia opine. Por conta, às vezes, dessa posição especialista, no sentido de se dizer: “Eu sou um especialista, logo, sei o que é bom, e quem acha que não é bom é ignorante, porque não participou das reuniões de que participei”. Não se pode ter essa visão. Por outro lado, empresários e trabalhadores não podem ter a posição de que como não são informados sobre o que está acontecendo, também não se inteiram dos fatos e consideram que toda a forma de abertura é perniciosa. A lição que fica é a seguinte: dentro de um país sofisticado como o nosso, as ações têm que ser horizontais, incorporando os diversos agentes. Isso passa por um trabalho político dos mais relevantes.

Quem faz essa coordenação? Se o Itamaraty estiver fechado aqui, as entidades empresariais não se moverem lá e os trabalhadores não se moverem para estudar, nada acontecerá de novo. É preciso haver uma ação política de coordenação – talvez essa ação tenha que partir do Poder Executivo – para a formação de fóruns institucionalizados onde se comece a discutir mais do que o conceitual, o genérico, os princípios.

Como disse, com sua rude franqueza, o Dr. Peter, não podemos tratar só de conceitos; é preciso lidarmos com coisas objetivas. Cada item da pauta de negociação tem pontos objetivos a serem negociados, e, nessas questões, é preciso haver clareza sobre o que é interesse de cada setor e o que é o interesse brasileiro. Esta, portanto, é uma questão muito complexa para ser tratada apenas como conceitual, dizendo que somos a favor da abertura e da defesa disto ou daquilo.

Uma visão mais complexa de país talvez seja o último ponto que está faltando para conseguirmos dar um salto de modernização. Nós não conseguimos avançar em quase nenhuma frente complexa, como as reformas tributária e política, porque com relação a todo tema complexo age-se da seguinte forma: “Isto não é comigo. Isso dá trabalho”.

Por isso, nós nos contentamos sempre com soluções mágicas, achando que uma pessoa, uma política cambial ou um superávit fiscal resolve os nossos problemas. No entanto, nosso país tem uma realidade muito mais complexa do que meras formulações conceituais, que são importantes para a definição de alguns valores, mas não são ferramentas para ação efetiva nem de política comercial nem de política econômica.

Muito obrigado.

MARCO MACIEL – Exmo. Sr. Deputado Federal Aécio Neves, Presidente da Câmara dos Deputados, a quem saúdo, e, por seu intermédio, a todos os parlamentares aqui presentes ou representados; senhoras e senhores integrantes da Mesa; representante do Ministério das Relações Exteriores, que colaborou com a execução desta iniciativa do Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Aécio Neves; senhores participantes do encontro; representantes de instituições governamentais e não-governamentais; representantes da imprensa; senhoras e senhores, desejo fazer algumas rápidas considerações, antes de passar a palavra ao Deputado Tancredo Neves, ou melhor, Aécio Neves, que encerrará este evento.

Chamar V. Exa. de Tancredo Neves, Deputado Aécio Neves, é uma boa lembrança do seu avô, por meio de quem eu o conheci, diga-se de passagem, no século passado, na década de oitenta, quando V. Exa. era recém-nascido.

Antes de passar a palavra ao Deputado Aécio Neves, que encerrará este evento, como disse, farei brevíssimas considerações sobre este encontro e sobre alguns temas que certamente circundam a questão relativa à ALCA.

Em primeiro lugar, elogio a iniciativa da Câmara dos Deputados. Ao Deputado Aécio Neves e aos que coordenaram este encontro, entre os quais enumero os deputados Marcos Cintra e Vilmar Rocha, desejamos dizer o quanto apreciamos o fato de a Câmara dos Deputados ter realizado encontro com tão elevado alcance e de resultados tão positivos, como pude depreender das exposições que ouvi e da participação dos debatedores.

Eu tenho sempre presente que, entre as muitas definições de democracia, uma boa é aquela que diz que a democracia começa no reino das consciências. Isso é fundamental para que nós nos possamos habilitar a um debate sobre questão tão complexa como esta relativa à ALCA.

Esta é uma questão que tem, naturalmente, que permear a consciência de cada um e, mais do que isso, que se converter, depois, numa grande reflexão de toda a sociedade, como se está fazendo, mesmo porque somente quando se raciocinar conjuntamente, como disse certa feita o profeta Isaías, poderemos ter uma visão que seja o sentimento da sociedade e, portanto, o sentimento do próprio governo. Daí por que considero muito importante que estejamos aqui a refletir sobre este tema, criando condições não somente para se estabelecer um debate interno adequado, como também para suprir o governo – leia-se: Poderes Legislativo e Executivo, especialmente – de instrumentos para que bem possa conduzir o tratamento da questão.

Devo também dizer que estamos vivendo tempos de mundialização da economia, tempos irreversíveis. Nesse propósito, gostaria de lembrar a palavra de um ex-Secretário-Geral de um partido comunista italiano que, certa feita, referindo-se à Itália, disse: “Ou nos globalizamos ou seremos globalizados”. Com isso, ele queria dizer, com bastante acerto, a meu ver, que o processo de integração é irreversível. E esse processo, decorre, na minha opinião – posso estar equivocado –, de um grande desenvolvimento científico e tecnológico, sobretudo nas tecnologias do conhecimento e, de modo especial, nas tecnologias da informação.

Considero também positivo o fato de ocorrer esse processo de integração. Espero que globalização venha de fato a rimar com integração; ou seja, que a globalização seja de fato um instrumento que permita adequadamente maior integração da sociedade internacional. Mas que essa integração ocorra de forma correta, como tem preconizado e insistido o Presidente Fernando Henrique Cardoso, não de forma assimétrica; que ela venha a propiciar nesse campo, portanto, uma adequada inserção de todos os países e povos na viabilização de uma comunidade internacional mais eqüitativamente desenvolvida; que ela seja capaz, portanto, de assegurar a todos os povos e a todas as pessoas condições de plena realização. Isso, certamente, é algo que não pode deixar de ser uma de nossas aspirações, porque integra o universo de nossos valores.

O fato de consideramos a globalização algo positivo, graças à crescente integração que

– espero – promova entre os povos e nações, não nos pode deixar indiferentes a uma proposta como a da criação da ALCA. Pelo contrário, devemos vê-la como um fato importante, mesmo porque a integração hemisférica é, não podemos deixar de reconhecer, um fato positivo. É lógico que precisamos analisar em que condições essa integração se dará.

É um fato positivo sob o ponto de vista econômico, porque, como sabemos, mais de 50% das nossas exportações se destinam aos mercados americanos. Vou usar deliberadamente o termo no plural para que não se confunda que seja necessariamente para os Estados Unidos.

Refiro-me aos mercados americanos. Mais de 70% das nossas exportações de manufaturados, aquelas de maior valor agregado, também se destinam aos mercados americanos.

Portanto, em tese, a criação da ALCA é um fato que não pode deixar de ser festejado como positivo, evidentemente. Devemos então concorrer para que essa instituição brote e se desenvolva, desde que da maneira correta.

Por isso, penso ser certa a posição do governo brasileiro, quando, desde o primeiro momento, em 1994, resolveu participar das negociações, cujo marco inicial, mencionado há pouco pelo Embaixador Graça Lima, foi a Reunião de Miami, em 1994, para a qual o Brasil se dirigiu, representado por dois Presidentes: o então Presidente Itamar Franco e o Presidente eleito Fernando Henrique Cardoso. A partir daí, o Brasil vem tendo – e acho importante que isso continue a acontecer – papel importante nesse esforço de integração hemisférica, do Alasca à Terra do Fogo. Devemos, no entanto, ter mais do que convicção, devemos ter certeza de que não serão negociações fáceis. Mas isso não nos deve, todavia, afastar de uma posição negociadora.

A propósito, caberia lembrar uma frase de Kennedy num discurso feito como Presidente dos Estados Unidos, quando disse que nunca devemos negociar por medo, mas nunca devemos ter medo de negociar. A negociação está aí e não devemos ter medo de negociar. E é isso o que o Brasil está fazendo, de modo especial através de sua chancelaria, do Itamaraty, que é uma casa competente, temos que reconhecer. Não devemos ter medo de negociar. É lógico, como disse o Presidente Fernando Henrique Cardoso, na última reunião ocorrida no Canadá, que o fato de negociar não quer dizer que devamos concordar com a integração a qualquer preço. Pelo contrário, devemos concordar com o que realmente possa significar maior intercâmbio entre as nações, entre os trinta e quatro parceiros que constituiriam ou constituirão a ALCA.

Nesse sentido, complementou muito bem, certa feita, o Embaixador Celso Lafer – vou citá-lo a partir de uma anotação que fiz aqui –, quando disse que a ALCA será o resultado do processo negociador que dela decorrer. Com isso ele quis dizer – e é óbvio – que, naturalmente, a ALCA será também aquilo que desejarmos.

É lógico que devemos ter também consciência de que essas negociações serão difíceis, mas, por outro lado, para isso temos algum tempo. O fato de o Presidente dos Estados Unidos – posso estar equivocado – conseguir o fast track, o TPA, como eles estão chamando agora, ou Trade Promotion, não quer dizer que necessariamente vão-se alterar esses prazos já estabelecidos. Pelo contrário, os prazos estabelecidos, que se encerram em 2005, dão ao país e aos demais parceiros tempo adequado para as negociações.

O Trade Promotion é algo que, portanto, pode interessar aos Estados Unidos, simplificará o processo negociador e pode até simplificar o processo no Brasil, na medida em que as regras serão mais claramente conhecidas, mas não quer dizer que o cronograma seja alterado. E o cronograma foi, de alguma forma, importante vitória brasileira operada na última reunião de Chefes de Estado realizada no Canadá, a que me reportei há pouco.

E esse prazo até 2005 dá condições, inclusive, para que continuemos a fazer nossos ajustes internos, porque o Brasil avançou muito nos últimos anos, graças à estabilidade política, de que a Constituição de 1988 é um bom exemplo; graças à estabilidade econômica, de que o Plano Real é outro bom exemplo; graças também aos avanços que estamos conseguindo no campo da superação das iniqüidades sociais, investindo mais em educação e em saúde, nas chamadas questões prioritárias básicas; graças ainda aos esforços que estamos fazendo de integração regional, de que o MERCOSUL é um bom exemplo.

Vou até mais além, numa observação de caráter estritamente pessoal – não reflito aqui uma posição do governo, tampouco uma posição necessariamente do Itamaraty –, e digo que considero que esse é um sonho possível. O Hino Nacional fala em Brasil de um sonho intenso. Tenho esse sonho intenso – também tenho esse direito. Acho que é um sonho possível que possamos admitir que o MERCOSUL venha a se converter numa união aduaneira ou, quem sabe, como aconteceu com a Europa, num mercado comum da América do Sul, isto é, que não sejam apenas os países do Cone Sul, esses quatro mais dois – Uruguai, Paraguai, Brasil e Argentina, e agora os dois associados, Bolívia e Chile –, mas que se converta, quem sabe, num período mais dilatado de tempo, é certo – a União Européia consumiu quase cinqüenta anos para chegar ao estágio a que chegou –, num mercado comum dos países da América do Sul.

Sob esse aspecto, gostaria de lembrar acontecimento muito importante, ainda que a imprensa não tenha dado muito destaque, que foi a reunião realizada por sugestão do Presidente Fernando Henrique Cardoso, em 31 de agosto e 1o de setembro do ano passado, no Itamaraty. Ali se reuniram, pela primeira vez na nossa história, todos os Presidentes de República e chefes de governo – no caso dos países em que se pratica o parlamentarismo – dos países da América do Sul. É surpreendente que tenha sido a primeira reunião com esse porte ocorrida em toda a nossa história, o que significa dizer duas coisas. Primeiro, que o Brasil dava pouca importância para os vizinhos, ignorando talvez um pouco sua circunstância geográfica. Somos um país que tem vizinhança praticamente com todos os países da América do Sul, salvo o Equador e o Chile, como é sabido, mas poucas relações tínhamos com esses países. Enfim, as fronteiras eram limites, não eram pontos de passagem. Agora começamos a desenvolver parcerias e começamos a nos aproximar dos nossos vizinhos, com os quais nos damos bem, em todos os campos, salvo no futebol, é lógico. Não temos conflitos, nem abertos nem latentes, com eles em nenhum campo. Então, por que não explorar também, quem sabe, essa transformação do MERCOSUL num grande eixo de negociações dentro da América do Sul? Para isso, é necessário que avancemos no que estamos fazendo, é bom lembrar, para a integração dos países da América do Sul.

Hoje já temos integração física com vários países, como Argentina, Uruguai e Paraguai, não somente através de estradas, já se cogitando até de hidrovias. Inauguramos agora a

BR-174, uma estrada que nos ligará com a BV-8, em Santa Elena de Uairen, na Venezuela. Quer dizer, já é possível hoje ir de automóvel daqui para a Venezuela. Lógico que é um pouco longe, mas é totalmente possível. Pessoas que residem no setentrião brasileiro, mais ao norte, já estão saindo, às vezes, para passar o fim-de-semana nas Ilhas Margarita, por exemplo. Então, isso é uma coisa muito diferente do que acontecia há tempos.

Tive um conterrâneo que foi nomeado Embaixador do Brasil na Venezuela, Oliveira Lima, um grande diplomata e também um grande escritor. Após nomeado, Oliveira Lima passou quatro meses para chegar a um porto inglês. Foi de navio – obviamente isso faz muito tempo –, passou quatro meses para chegar a esse porto inglês e, depois, mais quatro meses para, saindo desse porto inglês, chegar a Caracas e, então, enviar uma carta ao Itamaraty dizendo que tinha assumido o posto. Quase dez meses para que chegasse a Caracas. Talvez se tivesse ido a cavalo tivesse chegado mais cedo. Mas o fato é que isso prova que não havia mecanismo de integração entre nossos vizinhos. Quer dizer, somos um país que tem dez países vizinhos – e poucos países têm tantos Estados lindeiros quanto o Brasil –, assim mesmo essa circunstância regional não era totalmente considerada. O fato é que agora estamos avançando com essa integração.

Acho que, ao lado dos esforços que estamos fazendo pela implantação da ALCA, não podemos descurar também de outros esforços que estamos fazendo e que são bem-sucedidos, em que pesem as dificuldades. É bom lembrar que a União Européia foi criada no início da década de cinqüenta e somente agora, a partir de 1o de janeiro do próximo ano, definirá uma moeda comum. Onze dos quinze membros, se não estou equivocado, vão, a partir de 1o de janeiro, ter uma moeda comum. Então, em que pesem os esforços que estamos fazendo para a ALCA, que são válidos, para a integração hemisférica, não devemos descurar dessa integração sub-regional, dessa integração meridional do Brasil com os países da América do Sul. Considero isso muito importante.

Devo, já que aqui foram feitas algumas sugestões, fazer também uma. Mais uma vez, felicito o Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Aécio Neves, pela realização deste encontro, mas acho que a Câmara dos Deputados poderia cogitar também fazer algo semelhante no que diz respeito à questão do MERCOSUL, vendo-o dilatado, envolvendo todos os países da América do Sul. Essa seria, a meu ver, uma iniciativa muito boa, porque o processo de integração tem outra variável não menos importante, que é a cultural. Tudo o que se passa no campo da cultura se passa no campo dos valores, e, portanto, são conquistas perenes, definitivas.

O comércio é algo que sempre se marca pelo interesse, e os interesses geralmente são precários. Aquilo que se passa no território dos valores, que é o território da cultura, é o permanente.

Com os países da América do Sul nós já temos um intercâmbio decorrente do fato de quase falarmos a mesma língua, o portunhol ou o espanhês, como queiram. De alguma maneira estamos integrados nesse processo e temos, portanto, com a maioria daqueles países ou, certamente, com todos eles bastante identidade.

Por isso, sugiro que exploremos também esse campo, porque quanto mais debatermos o assunto, melhor.

Ademais, eu tenho presente que, cada vez mais, o Congresso Nacional cumprirá – temos que reconhecer que já o faz – papel que não é apenas de mero Poder Legislativo, por mais importante que seja legislar.

De certa feita, Pontes de Miranda, famoso constitucionalista e também privatista – porque deixou notável tratado de Direito privado, ainda hoje não esquecido –, disse que quem faz a lei é o mestre da vida social. Fazer a lei é muito importante. Eu fui Congressista durante muito tempo, fui, numa Legislatura, deputado estadual, e sei o quanto é importante e difícil fazer a lei.

Mas é bom lembrar que os Parlamentos hoje não têm apenas o papel de fazer a lei, por mais importante que isso seja. O Congresso Nacional, hoje, tem muitas outras atribuições além dessa.

O Presidente dos Estados Unidos ao tempo da Primeira Guerra Mundial, Woodrow Wilson, foi autor da chamada Mensagem dos Quatorze Pontos e foi muito criticado, porque utilizava os incipientes meios aéreos de que se dispunha na época – ainda não havia uma aviação muito desenvolvida – para jogar panfletos defendendo os catorze pontos. Depois alguém lhe disse: “Olha, Cristo conformou-se com dez. Como você quer impor quatorze pontos nesse processo de negociação?”

Woodrow Wilson escreveu um livro, ou melhor, um opúsculo, sobre o papel do Congresso. Ele disse nesse livro, escrito acho que em 1930, algo que eu considero muito importante: “Tão importante quanto legislar é fiscalizar e fazer com que a instituição parlamentar seja um fórum dos grandes debates.”

O Congresso Nacional, portanto, tem pelo menos uma tríplice função. No caso brasileiro, ele precisa, cada vez mais, de algo que já está fazendo: exercitar também a função de acompanhar não somente as questões internas, mas as externas, porque, graças ao atual processo de integração e de globalização, essas questões exigirão esforços não somente do Poder Executivo.

Fala-se muito na chamada diplomacia presidencial, que decorre de um grande esforço que o Presidente da República tem que fazer no campo internacional. Aí eu faço uma referência ao grande esforço do Presidente Fernando Henrique Cardoso nesse território. S. Exa. consome grande parte do seu dia com tratativas externas, e isso ocorre, em parte, porque hoje o papel do Brasil no mundo já é maior. Graças às mudanças que fez, entre elas as reformas que permitiram modernizá-lo, o país, hoje, tem maior presença no cenário internacional.

Eu vou abrir um parêntese para lembrar que o conflito entre Peru e Equador foi resolvido por meio de negociação brasileira, que teve à frente o Presidente Fernando Henrique Cardoso e o Itamaraty. O acordo de paz entre esses dois países chama-se Acordo de Brasília, o que significa que já temos maior presença no campo externo. Isso, no passado, seria algo impensável. Então, além da chamada diplomacia presidencial, que hoje se pratica no mundo todo, inclusive no Brasil, é fundamental também que o Congresso dê a sua contribuição, inclusive na formulação de linhas básicas da política externa. E, por isso, eu gostaria de dizer o quanto considero importante que a Câmara dos Deputados, sob os auspícios da administração Aécio Neves, prossiga nesse campo, trabalhando para que nós possamos continuar avançando.

Por fim, eu gostaria de mencionar, já que fui chamado à colação pelo Ministro e Deputado Delfim Netto, que considero muito importante o fato que, nesse processo de aggiornamento que o Brasil vive, de modernização institucional, que nos preocupemos, como esta tem sido uma preocupação do Presidente Aécio Neves, com as chamadas reformas políticas. Eu diria que elas são muito importantes, na medida em que podem melhorar aquilo que hoje se chama governabilidade. Ou seja, melhorar o posicionamento das instituições. Dar ao País regras claras e estáveis, criar condições para que tenhamos partidos que sejam a expressão de um programa, não necessariamente de uma ideologia. De Gasperi, de certa feita, disse que um democrata tem idéias, não necessariamente ideologias. Os partidos podem ser ideológicos, mas não necessariamente terão que ser ideológicos. Aliás, a Constituição brasileira exige que os partidos tenham um programa. Então, reformas políticas, para que possamos ter um bom sistema eleitoral, aqui lembrado, e um bom sistema partidário, porque isso ajuda a fazer com que o processo democrático se materialize e, mais, para que possamos avançar também na modernização do sistema de governo que praticamos. Numa boa definição do sistema federativo nos convertemos em Federação com a Constituição de 1891, com a Proclamação da República e a Constituição de 1891 foi institucionalizada a República, mas é bom lembrar que, até hoje, a Federação é mais uma emanação legal do que uma realidade fática.

E, por fim, precisamos avançar também naquilo que poderíamos chamar de valores republicanos. Enfim, valores republicanos que, muitas vezes, estão erodidos, e é fundamental, portanto, republicanizar – se assim posso dizer – a República.

Daí por que vou concluir minhas palavras cumprimentando o Presidente Aécio Neves, os membros da Câmara dos Deputados, os organizadores, os expositores – aí incluindo o Itamaraty, que emprestou sua colaboração – e fazendo votos para que a Casa continue nesse rumo e também na expectativa de que, obviamente, dessas negociações possamos contribuir para um mundo mais integrado não apenas do ponto de vista econômico, mas sob todos os aspectos. E que possamos assegurar, no Brasil, a todos e a cada um cada vez mais expectativas de que possamos construir uma nação que seja capaz de garantir a todos pão, justiça e liberdade.

Muito obrigado.

Passo a palavra ao nobre Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Aécio Neves.

AÉCIO NEVES – Caríssimo amigo e Vice-Presidente da República, Sr. Marco Maciel, que traz com a presença um fecho de ouro para esta primeira iniciativa da Câmara dos Deputados, na verdade com o objetivo de inserir a sociedade brasileira na discussão.

Agradeço-lhe, em primeiro lugar, a presença e também, se me permite, a homenagem que V. Exa. faz, mesmo que inconsciente, ao Presidente Tancredo Neves, seu amigo e que, há cerca de vinte anos, já dizia da necessidade de o Brasil se preparar para o enfrentamento de competição cada vez mais acirrada com outras economias não apenas do continente, mas do mundo. Portanto, agradeço-lhe especialmente a presença.

Quero também, neste instante, agradecer àqueles que participaram do último painel: o Embaixador José Alfredo Graça Lima; o caro Dr. Peter Hakim, que tive oportunidade de conhecer no início da semana e já aprender um pouco; o Embaixador Méntor Villagómez Merino; meu caríssimo Ministro Delfim Netto, um dos inspiradores deste fórum e, ao lado do Deputado Marcos Cintra, um dos responsáveis pela organização.

Se de nada valessem as discussões que aqui se travaram, só a conversão pública do Ministro Delfim Netto à tese da reforma política já valeria o esforço, dada a liderança que S. Exa. tem na Casa e no seu partido, que certamente nos ajudará a conduzir discussões, acredito, absolutamente fundamentais para a estabilidade do país.

Cara Dra. Vera Thorstensen, agradeço-lhe a presença e a brilhante participação. E, por fim, agradeço ao meu caríssimo Sr. Luiz Nassif, por quem já tenho, há longo tempo, enorme admiração e que é, certamente, um dos mais talentosos e preparados jornalistas do Brasil, e cuja presença aqui, certamente, dá uma dimensão muito especial ao evento. E agradeço mais especialmente a cada uma das senhoras e dos senhores que, ao longo desses dois dias, conosco estiveram, palestrantes, debatedores, como o Deputado Luis Carlos Heinze, também organizador deste evento, ou aqueles que aqui vieram para conhecer um pouco mais da questão da ALCA.

Meu caro Vice-Presidente Marco Maciel, sem antecipar discussões que ocorrerão daqui por diante, porque estamos, na verdade, encerrando um ciclo e iniciando efetivamente os debates sobre a questão, eu diria que é um fato concreto e inquestionável: a partir desses dois dias, o Congresso Nacional, em particular a Câmara dos Deputados, abdica de posição que lhe parecia reservada de espectador desse processo de negociações e, por fim, de ratificador de acordos feitos sem sua participação.

A partir deste instante, o fato concreto que temos é o Congresso Nacional com a enorme determinação de representar a sociedade brasileira. E não tenho dúvidas de que, no Congresso Nacional, está a sociedade com a sua complexidade, suas contradições. Portanto e por isso mesmo, é aqui que o debate ocorrerá de forma mais rica e mais densa.

A partir deste instante e com a anuência e a colaboração do Itamaraty, absolutamente fundamental para este evento, o Congresso Nacional se insere na discussão. Não encerraremos os debates. Ao contrário, estou determinando a criação – e anuncio-a neste instante – de grupo de trabalho composto por parlamentares. A partir daí, com outros convidados, discutiremos internamente, ligados diretamente à Presidência da Câmara dos Deputados, que terá a responsabilidade de gerir aquilo que aqui foi discutido no primeiro instante – todos os documentos dos dois dias de debates serão impressos e publicados. Teremos o cuidado de fazer com que cheguem às universidades, aos setores do empresariado, à sociedade civil em todas as suas manifestações, porque queremos fazer com que uma discussão tida por alguns como eminentemente técnica e, por isso mesmo, assistida a distância, se popularize. Não acredito que exista algo que traga conseqüências tão decisivas para a vida do país, não conheço outra agenda, pelo menos no horizonte visível, que possa trazer tantas conseqüências para a vida do país como a da integração continental.

Portanto, quero dividir as homenagens que, ao longo desses dois dias, fazem o Vice-Presidente Marco Maciel e outros debatedores a este Presidente. Quero dividi-las com a instituição, a Câmara dos Deputados.

Essa deverá ser uma agenda prioritária para nós daqui por diante. Já temos um novo encontro marcado. E, certamente, a idéia é que outros, sucessivamente, ocorram, para que, cada vez mais, compreendamos de maneira clara os benefícios de uma eventual integração e também as dificuldades que teremos de enfrentar, para que a integração, quando e se houver, atenda aos interesses nacionais.

Estaremos realizando, entre abril e maio do ano que vem, um grande fórum continental parlamentar. Pretendemos contar com a presença do Vice-Presidente da República, Marco Maciel, e dos Presidentes de todos os Parlamentos das Américas, inclusive de Cuba. Vamos tentar trazer os representantes dos trinta e cinco países, para que possam, de forma muito clara, discutir interesses, mostrando com a mesma transparência o time, as etapas que cada um deles precisará superar para a eventualidade da integração. A partir daí, certamente outras discussões ocorrerão.

Eu quero apenas deixar claro que a Câmara dos Deputados continuará permanentemente com a porta aberta, eu diria com a porta escancarada, para que a discussão cada vez mais ocupe os espaços físicos desta Casa, sobretudo a mente, a alma e a inteligência de tantos que aqui, no dia-a-dia, trabalham em benefício do País.

No momento em que encerrarei este seminário, fica o meu agradecimento pessoal a todos os que dele participaram. Faço mais um convite. Se me permitem, mais do que isso, faço uma convocação para que continuem como atentos participantes, dando a esta Casa, a Casa do povo brasileiro, o privilégio de fazer o que deve fazer e influenciar, de forma definitiva, decisões que terão conseqüências tão fortes e tão profundas na vida de cada um de nós.

Muito obrigado.

A Câmara dos Deputados, tenho absoluta certeza, cumpre o seu papel. Até a próxima.

Está encerrado o seminário.


Relator

Fernando Paulo de Melo Barreto

O terceiro painel do segundo dia do Seminário “O Brasil e a ALCA” realizou-se, conforme previsto, no dia 24 de outubro de 2001, no auditório da Câmara dos Deputados, em Brasília, e contou com a presença do Sr. Vice-Presidente da República, Dr. Marco Maciel

(coordenador do evento), e participação do Subsecretário-Geral de Assuntos de Integração, Econômicos e de Comércio Exterior do Ministério das Relações Exteriores, Embaixador José

Alfredo Graça Lima; Sr. Peter Hakim, Diretor do Interamerican Dialogue, sediado em Washington, D.C.; Embaixador Méntor Villagómez Merino, Presidente do Comitê de Negociações Comerciais (CNC) da ALCA; Sra. Vera Thorstensen, professora universitária e

Consultora da Missão Permanente do Brasil em Genebra para temas econômicos e comerciais; Sr. Aécio Neves, Presidente da Câmara do Deputados; Sr. Delfim Netto, Deputado Federal pelo PPB; e Sr. Luiz Nassif, jornalista do jornal Folha de S. Paulo. O evento permitiu o intercâmbio de pontos de vista a respeito dos desafios e perspectivas do MERCOSUL em geral, e do Brasil em particular, nas negociações comerciais ora em curso na ALCA e, de forma complementar, na Organização Mundial do Comércio (OMC), no Acordo Birregional MERCOSUL-União Européia para o estabelecimento de uma área de livre-comércio e nas reuniões em formato “4+1” com os Estados Unidos da América.

2. O Embaixador José Alfredo Graça Lima, primeiro expositor do evento, iniciou suaapresentação ressaltando que o lançamento da Área de Livre-Comércio das Américas, ALCA, em 1994, representou uma oportuna resposta dos Estados Unidos ao desejo dos países latino-americanos de fortalecer as relações econômicas e comerciais com seu maior parceiro no Hemisfério. A ALCA seria, então, um fenômeno a ser compreendido como a mais recente expressão de uma série de acordos regionais de livre-comércio ou de integração dos quais a União Européia, o MERCOSUL e o NAFTA seriam outros exemplos. Esses acordos de livre-comércio ou de integração teriam o propósito de preencher lacunas e corrigir as assimetrias identificáveis no sistema multilateral consubstanciado originalmente pelo Acordo

Geral sobre Tarifas e Comércio de 1947, hoje incorporado aos acordos da Organização Mundial do Comércio (OMC), no contexto de tentativa de superação da crise econômica generalizada dos anos trinta por meio de um maior intercâmbio comercial.

3. No entendimento do Embaixador Graça Lima, a ALCA representa para o Brasil umaopção a ser exercida à luz do desejo de fortalecer o sistema multilateral de comércio por meio de uma agenda positiva de negociações. Essa agenda inclui temas relevantes para o País como agricultura, antidumping e acesso a mercados. Em agricultura, por exemplo, o país gostaria de ver eliminadas as barreiras comerciais de natureza tarifária e não-tarifária que incidem sobre os produtos exportados para os Estados Unidos. Em antidumping, seria necessário reformar algumas das normas de aplicação atualmente existentes e que possibilitam o abuso na utilização desse instrumento, em detrimento do livre-comércio e do bem estar dos consumidores nacionais. No que se refere a acesso a mercados, o objetivo do Brasil é o de eliminar distorções como os picos tarifários e as escaladas tarifárias, que dificultam a entrada de produtos industriais nacionais no mercado externo. A fim de rebater as críticas daqueles setores internos que temem o choque que poderia advir de uma abertura excessivamente rápida do mercado brasileiro à concorrência externa, o Embaixador Graça Lima ressaltou que em uma área de livre-comércio como a ALCA o processo de liberalização ocorrerá de forma gradual, sem prejuízo de eventuais exceções a serem negociadas para proteger setores sensíveis da economia doméstica. Os setores internos que forem ineficientes em comparação a seus competidores externos gozarão, assim, de um período de tempo razoável para poderem se adaptar às novas realidades do comércio internacional.

4. O Embaixador Graça Lima salientou que todo o debate que ora se desenvolve nasociedade brasileira sobre a ALCA é fortemente influenciado por fatores de natureza política e ideológica, como não poderia deixar de ser. Esses fatores muitas vezes prejudicam, entretanto, a formação por parte do público em geral de opiniões claras sobre o que é a ALCA e quais os objetivos que o país busca em sua formação, criando o risco de que o negociador brasileiro se encontre distante justamente daqueles interesses sociais que mais deveria defender. Torna-se necessário, assim, esclarecer junto à opinião pública a idéia de que a ALCA deverá ser um instrumento de promoção de maior eficiência econômica e, como conseqüência, maior justiça na distribuição da riqueza em nível hemisférico. Não deixa de estar presente nessa discussão até mesmo um componente de natureza ética e moral, identificável no fato de que o agricultor brasileiro está hoje obrigado a pagar a conta dos subsídios que a União Européia ou os Estados Unidos fornecem a seus trabalhadores no setor agrícola, em função das barreiras existentes à exportação de nossos produtos, que são mais competitivos.

5. Ao concluir sua exposição, o Embaixador Graça Lima louvou a realização doseminário, que tornou possível maior envolvimento do setor privado brasileiro, da academia e da opinião pública em geral nas negociações da ALCA. Esse envolvimento é fundamental a fim de que os negociadores brasileiros estejam em sintonia com os anseios sociais sobre os objetivos finais a serem alcançados, e a fim de obter o necessário respaldo para transmitir a seus interlocutores a firmeza das posições trazidas para a mesa de negociação.

6. O segundo expositor do evento, Sr. Peter Hakim, Diretor do Interamerican Dialogue, fez apresentação em que procurou delinear os principais traços das políticas norte-americanas nas negociações da ALCA, na OMC e com relação ao MERCOSUL. Na verdade, o próprio expositor reconheceu as dificuldades de se pronunciar sobre tal tema, uma vez que a política comercial norte-americana está longe de ser apenas aquela definida pelo Executivo daquele país, estando profundamente condicionada pela pressão exercida pelos vários grupos de interesse junto ao Congresso. Assim, Hakim afirmou que o que define as linhas a serem seguidas em matéria de política comercial nos Estados Unidos é, justamente, o conflito de interesses entre os vários grupos que têm competência de atuação ou interesse em uma determinada matéria.

7. O Sr. Hakim comentou que o grande debate a respeito das linhas de atuação dapolítica comercial norte-americana estão hoje centradas na aprovação do fast track, definido pelo expositor como uma entrega de poder do Congresso ao Executivo para a negociação de acordos comerciais que obedeçam determinados parâmetros estabelecidos. Uma vez negociado um determinado acordo ao amparo do fast track, o Congresso norte-americano se compromete a aprová-lo ou rejeitá-lo em sua integralidade, estando impossibilitada a emenda do texto de qualquer forma. O que mais interessa ao Brasil como forma de compreender a política comercial dos Estados Unidos são, portanto, os referidos parâmetros estabelecidos pelo Congresso, pois tratam de temas como padrões trabalhistas, meio ambiente, subsídios agrícolas e antidumping.

8. A determinação do conteúdo do fast track será dada, então, por uma série de fatores, dos quais o primeiro é o embate no Congresso entre os deputados democratas, tradicionalmente mais inclinados a estabelecer restrições à atuação do Presidente, e os deputados republicanos, em geral mais favoráveis à concessão de poderes amplos para a negociação de acordos comerciais. Um segundo fator a ser levado em conta é a natureza do distrito eleitoral dos congressistas. Um exemplo ilustrativo citado pelo expositor é o de congressista republicano conservador, que sempre foi favorável ao livre-comércio, mas que confidenciou ao Sr. Hakim que iria votar contrariamente ao fast track por ser de Indiana, estado em que há várias fábricas de aço e sindicatos muito ativos que certamente seriam prejudicados com a abertura comercial nesse setor. Votando em favor do fast track, o deputado não conseguiria reeleger-se nas próximas eleições. Outro deputado republicano, que está na Câmara há mais de vinte anos e que sempre votou em favor do livre-comércio, confidenciou ao Sr. Hakim que seu voto dependeria de uma melhora na situação da economia dos Estados Unidos à época da votação. Em seu distrito eleitoral, acrescentou o deputado, além do alto nível de desemprego, há também muitas fábricas de produtos têxteis que sofreriam com a abertura. Já um terceiro deputado, agora democrata, confessou ao Sr. Hakim que votará em favor do fast track, pois em seu distrito eleitoral está localizado o Aeroporto Kennedy, cujas atividades seriam muito beneficiadas por uma maior volume de importações e exportações.

9. Outros fatores ressaltados a serem levados em conta na aprovação do fast track são a capacidade do próprio Presidente de influenciar o Congresso e a situação das principais economias hemisféricas. No que se refere à capacidade de o Executivo influenciar o Congresso, as perspectivas neste momento são as melhores possíveis, uma vez que os índices de aprovação do Presidente Bush chegam a 90%. Já com relação à situação das principais economias do Hemisfério, há que se examinar com cautela os dados sobre a situação nos Estados Unidos, México e nos países do MERCOSUL, em especial o Brasil. Uma vez que a situação econômica nos Estados Unidos neste momento não é das melhores, há, na opinião do expositor, uma tendência natural de fortalecimento de tendências protecionistas. No caso do México, análise da situação econômica é relevante porque influencia a visão que os americanos têm do NAFTA e, por extensão, de outros acordos comerciais, como a ALCA. Finalmente, a própria situação da economia brasileira e dos países do MERCOSUL não pode ser esquecida, pois esses países são responsáveis por cerca de 70% da economia na América do Sul. Em conclusão, o Sr. Hakim sublinhou com otimismo as possibilidades de aprovação do fast track. Em sua opinião, o Brasil poderá contribuir de forma positiva para sua aprovação por meio da atuação dos atores que de alguma forma detém a capacidade de enviar sinais ao Congresso dos Estados Unidos, como diplomatas, políticos e empresários.

10. O Presidente do Comitê de Negociações Comerciais da ALCA, Embaixador MéntorVillagómez Merino, do Equador, iniciou sua exposição assinalando as grandes oportunidades que serão oferecidas aos países do Hemisfério pela futura área de livre-comércio. Ressaltou, especificamente, as perspectivas de aumento das exportações, de maior cooperação e de mais elevados índices de crescimento econômico para os seus integrantes. Merino advertiu, todavia, que, a fim de que os benefícios de uma maior liberalização comercial possam ser usufruídos de forma efetiva, é necessário que os países Hemisférios desenvolvam políticas públicas consistentes em nível interno. Dessa forma, as condições macroeconômicas resultantes dessas políticas públicas seriam o complemento natural de uma maior abertura dos mercados.

11. O Embaixador observou, ainda, que a futura área de livre-comércio deverácontemplar dispositivos específicos em benefício dos países de menor desenvolvimento relativo no Hemisfério. A consagração do princípio de tratamento especial e diferenciado para esses países, bem como a promoção de maior cooperação entre países mais desenvolvidos e menos desenvolvidos é, na avaliação do Presidente do CNC, um ingrediente fundamental para que países como o Equador integrem a futura área de livre-comércio.

12. Após a exposição do Embaixador Merino, a professora Vera Thorstensen, que semanifestou em seguida, ressaltou as fortes divergências de opinião por parte de atores governamentais, expositores estrangeiros, deputados e sindicalistas brasileiros quanto ao processo de negociação da ALCA. Essas divergências estão baseadas, no entendimento da professora, na relativa falta de informação sobre o assunto e no equívoco de se discutir isoladamente apenas um foro negociador de que o país é parte, como a ALCA, sem referência ao que ocorre em outras negociações paralelas, como por exemplo a OMC e as tratativas para criar uma área de livre-comércio entre o MERCOSUL e a União Européia. Para a professora, um entendimento correto do que o País tem a ganhar e a perder na ALCA só poderá ser feito à luz da comparação do que está ocorrendo nesse foro com outros processos negociadores.

13. Um primeiro ponto ressaltado pela professora foi o de que na OMC o Brasil negociasozinho, ao passo que na ALCA e com a União Européia as negociações se fazem a partir do MERCOSUL. Um segundo ponto é o de que na OMC há a tendência de se negociar uma redução de tarifas muito menor do que nos acordos regionais como a ALCA, em que essa redução deverá ser de 100%. Assim, nos acordos regionais o acesso a mercados por parte de produtos brasileiros será muito maior do que na OMC, o que tem sua contrapartida na abertura do mercado interno, que também será mais ampla. Assim, em acesso a mercados o Brasil deveria ganhar menos na OMC e mais nos acordos regionais.

14. Essa tendência é por sua vez inversa do ponto de vista das regras do comércio internacional. Em temas como antidumping e subsídios, os Estados Unidos entendem ser necessária a presença de outro conjunto de atores na mesa, como a União Européia e o Japão, para que as negociações se possam dar de maneira efetiva. Em temas como esses, tanto a União Européia, como os Estados Unidos, tendem a dispor de pouca flexibilidade para negociar acordos regionais.

15. Finalmente, há um terceiro conjunto de temas, como investimentos, concorrência e cláusulas ambientais e trabalhistas, em que os Estados Unidos e a União Européia, encontrando fortes resistências na OMC, consideram ser mais fácil o avanço das negociações a partir de uma perspectiva regional. Assim, um balanço geral dos ganhos e perdas para o Brasil na ALCA exige a análise simultânea do que ocorre na OMC e no Acordo em negociação entre o MERCOSUL e a União Européia, uma vez que, dependendo do foro em questão, o país poderá obter um número maior ou menor de benefícios.

16. A professora Thorstensen manifestou sua preocupação com a crescente oposição dos meios de comunicação pública no Brasil com relação à OMC com base em argumentos de que se trata de um “clube dos ricos” ou de que “o Brasil só perde no tribunal da organização”. Tratam-se de manifestações sem fundamento, que ignoram o fato de que o País tem conseguido resultados bastante satisfatórios na OMC os quais, infelizmente, nem sempre chegam ao conhecimento do público em geral. Da mesma forma, opiniões no sentido de que o país não deveria participar da ALCA seriam, para a professora, manifestações isolacionistas que não condizem com o fato de que exportar passou a ser atividade crítica para o Brasil. Tais opiniões parecem não levar em conta o potencial prejuízo a ser sofrido pelo exportador brasileiro em comparação a exportadores de outros países, que poderiam se beneficiar de tarifas mais rebaixadas.

17. Em contraposição a opiniões correntes de que os Estados Unidos seriam os culpados por problemas estruturais brasileiros, a professora Thorstensen lembrou que a assinatura de acordos regionais como a ALCA teria o efeito de aumentar a competitividade nacional, entre outros fatores, por tornar inadiável a realização de reformas internas, como a reforma tributária, sem as quais os produtos nacionais têm pouca chance de competir no mercado externo. Opiniões no sentido de que o Brasil deveria isolar-se cada vez mais do sistema internacional a fim de superar sozinho os limites de seu atual estágio de desenvolvimento são não apenas ilusórias, mas ignoram também o fato de o país estar inevitavelmente integrado a esse sistema, que define cada vez mais as regras que condicionam as políticas econômicas nacionais. Enfim, o grande trunfo do Brasil nessas negociações comerciais seriam o tamanho e o potencial de seu mercado, que, por constituir atrativo inegável para nossos parceiros, dá condições ao País de fazer avançar pontos específicos de seu interesse na mesa de negociações.

18. Resumindo os diversos pontos de vista apresentados, o Deputado Delfim Netto concordou com a professora Thorstensen quanto à necessidade de que as negociações comerciais de que o Brasil toma parte sejam vistas não de forma isolada, mas sim de forma integrada e simultânea, a fim de evitar perigosos riscos de análise. Tendo feito referência à forma como o Parlamento e a sociedade civil participam dessas negociações, o deputado salientou a diferença do que ocorre nos Estados Unidos com relação ao caso brasileiro, em que o fast track já foi concedido na Constituição para o Presidente. Tendo recordado as palavras do Embaixador Merino, no sentido de afirmar a necessidade de que políticas de liberalização comercial sejam complementadas por adequadas políticas públicas, o deputado ressaltou o caráter relativo de políticas de câmbio fixo, independência de política monetária e liberdade de movimento de capitais como receita imediata para o sucesso econômico.

19. A partir da comparação das diferenças existentes entre o caso americano e brasileiro do ponto de vista da autoridade do Executivo para iniciar negociações comerciais, o deputado sublinhou que, no Brasil, é justamente a inexistência de representação distrital, diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos, que, na prática, acaba se constituindo em dificuldade para o avanço de políticas de reforma do Estado. Reconhecendo a importância das negociações comerciais ora em curso para o futuro do Brasil, Delfim Netto ressaltou a importância de que a sociedade brasileira esteja informada de forma adequada a fim de poder contribuir para a definição desse futuro. Ao concluir sua avaliação do painel, o deputado lembrou a importância de o país resolver alguns problemas internos, como a necessidade de reforma política, a fim de otimizar sua participação nos processos negociadores internacionais.

20. O jornalista Luiz Nassif, do jornal Folha de S. Paulo, criticou a falta de integração hoje existente entre os principais setores envolvidos na negociação da ALCA, em especial entre os negociadores que estão na linha de frente (Itamaraty) e os setores econômicos que serão mais diretamente afetados por essas negociações. Por um lado, o setor produtivo se encontra ausente do processo, em função da pouca mobilização de empresários e sindicalistas; por outro, o excessivo poder em mãos dos negociadores gerado por essa falta de mobilização acaba criando riscos desnecessários para a condução do processo. Segundo Nassif, uma maior integração entre negociadores e setor privado torna-se necessária a fim de possibilitar conhecimento mais amplo sobre as condições nas quais opera cada setor nacional nos temas específicos da negociação. Essa integração também auxiliaria a formação de propostas concretas durante o processo, em lugar de formulações genéricas e vagas quanto à forma de sua

condução. Como forma de contribuir para a solução do problema, o Sr. Nassif sugeriu a criação de um fórum institucionalizado em que se possa promover a maior interação entre negociadores, associações empresariais e sindicatos, da qual dependeria em sua opinião o sucesso do Brasil na ALCA.

21. O Sr. Vice-Presidente da República, Dr. Marco Maciel, louvou a realização doSeminário “O Brasil e a ALCA” como uma oportunidade para que a sociedade brasileira como um todo possa participar de forma ativa e em um ambiente democrático da condução das negociações da futura área de livre-comércio. Reconhecendo o caráter irreversível do processo de internacionalização das economias nacionais, o Sr. Vice-Presidente manifestou o desejo de que a globalização ora em curso seja também um instrumento de maior integração dos vários países que hoje participam dos sistema internacional. Essa integração deverá ser, todavia, justa, isto é, capaz de assegurar maior igualdade no ponto de vista do pleno desenvolvimento aos vários países e aos povos e indivíduos que os compõe.

22. Reconhecendo que mais de 50% das exportações brasileiras estão destinadas a países localizados no Hemisfério, o Sr. Vice-Presidente da República ressaltou que a ALCA deve ser vista como algo positivo, para cuja consolidação e desenvolvimento o país deve contribuir. Tendo caracterizado como positiva a participação brasileira desde o início do processo, o Sr. Vice-Presidente da República notou que o país não deve ter medo de negociar, o que não significa que deva aceitar a integração a qualquer preço. Ao contrário, o País deve concordar com o que realmente possa significar maior intercâmbio entre as trinta e quatro nações do Hemisfério. “A ALCA”, advertiu, “deverá ser também aquilo que desejarmos”.

23. Tenho reconhecido as dificuldades que estão por vir no processo negociador, o coordenador do painel lembrou que o prazo final de 2005 para o encerramento das negociações da área de livre-comércio dá ao Brasil tempo suficiente para consolidar os ajustes internos já iniciados. Nesse momento, confessou seu desejo de que o MERCOSUL possa, no futuro, se consolidar e, até mesmo, passar a incluir os demais países da América do Sul, à semelhança do que está ocorrendo neste momento na Europa. Foi significativo, nesse contexto, que os líderes dos países da América do Sul tenham se reunido em Brasília, no Itamaraty, em 31 de agosto e 1o de setembro de 2000, a fim de discutir as perspectivas de um futuro comum. Não deixam de contribuir para esse processo de aproximação com os vizinhos da América do Sul as facilidades de transporte do mundo moderno, que têm tornado possível, por exemplo, a inauguração de várias rodovias que aproximam o Brasil de seus vizinhos. Assim, na opinião do Sr. Vice-Presidente, o fato de o Brasil estar envolvido na ALCA não deve, em momento algum, levar a um descuido com relação aos processos de integração com os países da América do Sul.

24. É positivo que o Congresso brasileiro esteja cada vez mais envolvido não apenas em questões internas, mas também em questões internacionais, que, com o advento da globalização, exigem crescentemente a atenção não apenas do Executivo, mas também do Legislativo. É esse processo de globalização que alterou o papel do Brasil no mundo, tornando-o maior, e justificando um grande esforço por parte do Presidente da República para ampliar a inserção do país no cenário internacional por meio da chamada Diplomacia Presidencial. Uma grande vitória da Diplomacia Presidencial, lembrou o Vice-Presidente, foi a resolução do conflito entre Peru e Equador no chamado “Acordo de Brasília”.

25. Ao concluir sua apresentação, o Sr. Vice-Presidente da República sublinhou a necessidade de o país levar adiante o processo de modernização institucional, que levará ao aperfeiçoamento dos sistemas eleitoral e partidário e ao fortalecimento dos valores republicanos, com conseqüências positivas para o país.

26. Ao concluir o painel, o Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Aécio Neves, agradeceu a participação de todos os presentes e louvou a realização do evento como uma prova de que o Congresso brasileiro está abdicando da posição de mero espectador do processo de negociações comerciais e ratificador de acordos feitos sem sua participação, inserindo-se de forma definitiva na discussão da ALCA. O deputado se disse determinado a criar um grupo de trabalho com vistas à discussão mais aprofundada do tema da integração regional a partir dos resultados obtidos nos dois dias de seminários. Trata-se de tema que passa a integrar a agenda prioritária do Congresso a partir deste momento. Em continuidade a esse trabalho de maior envolvimento nas negociações comerciais internacionais, o Presidente da Câmara dos Deputados anunciou a realização, entre abril e maio do próximo ano, de um fórum continental parlamentar.

28. Em primeiro lugar, gostaria de assinalar a especial importância, no mundo globalizado de hoje, de que se revestem os acordos regionais de comércio. Conforme bem assinalou o Embaixador Graça Lima, acordos regionais como o MERCOSUL, o NAFTA, a União Européia e, agora, também a ALCA, nos permitem preencher as lacunas e, dessa forma, superar algumas dificuldades do ponto de vista do sistema internacional de comércio, as quais seriam intransponíveis no mesmo horizonte temporal em nível multilateral. Para o Brasil, que fixou a atividade exportadora como um dos objetivos principais a serem perseguidos tanto pelo governo quanto pela sociedade, essa seria por si só uma razão suficientemente forte para participar das negociações da ALCA.

29. Em segundo lugar, cabe-me lembrar que a ALCA é um processo negociador com relação ao qual o país deve posicionar-se a partir de uma perspectiva eminentemente volitiva. Como já foi dito, a ALCA é antes de tudo uma opção, não uma imposição. Justamente por essa razão, a participação do Brasil na ALCA está diretamente vinculada ao atendimento de nossos principais objetivos negociadores para a área de livre-comércio, os quais, como definiu o Embaixador Graça Lima, são a redução das barreiras de ordem tarifária e não-tarifária que dificultam a entrada de nossos produtos agrícolas em terceiros mercados, especialmente no mercado norte-americano; eliminação de distorções nas regras que regem a aplicação de mecanismos de defesa comercial como o antidumping, e que prejudicam sobremaneira o acesso de produtos em que o Brasil é competitivo no mercado dos Estados Unidos; e a eliminação dos picos e escaladas tarifárias que dificultam a comercialização de produtos nacionais de maior valor agregado.

30. Em terceiro lugar, é necessário recordar, como também ressalta Graça Lima, que a ALCA é, essencialmente, um processo gradual. Isso significa que haverá amplo período de tempo para que as indústrias nacionais menos eficientes possam adaptar-se às inovações de mercado. Significa, também, que aqueles setores que forem considerados de natureza sensível por parte dos negociadores deverão estar isentos de algumas das obrigações que constarão do texto final do acordo. As proporções de nosso mercado interno são, como bem assinalou a professora Thorstensen, nosso grande trunfo na ALCA. Justamente por o Brasil ter um trunfo tão considerável para essa negociação, o País “não deve ter medo de negociar”, como disse o Sr. Vice-Presidente da República. Em função da forte atração exercida com relação a nossos parceiros hemisféricos pelas proporções de nosso mercado interno, será possível, não tenho dúvidas, contemplar aqueles pontos que são de nosso interesse prioritário.

PAINEL 3 (24/10/2001). Vera Thorstensen, Peter Hakim, Presidente da Câmara dos Deputados Aécio Neves,

Vice-Presidente da República Marco Maciel, Méntor Villagómez Merino, Deputado Antônio Delfim Netto, Luiz Nassif.


PAINEL 3 (24/10/2001). Deputado Antônio Delfim Netto e Presidente da Câmara dos Deputados Aécio Neves.


31. Em quarto lugar, creio ser necessário ter em conta o que está em jogo em um processo de negociação regional como a ALCA, em comparação a um processo de liberalização que envolve um número muito maior de países, como a OMC. Do ponto de vista da eliminação de barreiras tarifárias e não-tarifárias (na fronteira), as conseqüências da ALCA são de maior monta do que as de uma rodada de negociações na OMC. Isso porque na ALCA o objetivo final a ser atingido é o de liberalização de cerca de 85% do comércio entre as partes, o que significa que nossos produtos deverão ter enorme acesso ao mercado dos demais integrantes do acordo. Não estão previstas metas tão ambicionas nas negociações que deverão ocorrer na OMC. Em contrapartida, porém, é forçoso reconhecer, como o fez Vera Thorstensen, que a abertura de nosso mercado interno também será muito maior na ALCA do que nas negociações que se desenvolverão na OMC, o que significa que nossos produtores enfrentarão uma concorrência maior por parte dos demais produtores localizados no Hemisfério.

32. É de frisar que, a despeito da maior concorrência mencionada anteriormente, os produtores e exportadores brasileiros estariam em situação negativa caso o país optasse por não participar da ALCA. Para que se possa explicitar esse ponto, basta lembrar o que foi dito também pela professora Thorstensen, de que uma ALCA sem o Brasil seria profundamente prejudicial para os próprios produtores nacionais. Isso porque todos os exportadores de outros países do Hemisfério gozariam de tarifas preferenciais para exportar para os Estados Unidos, hoje a economia mais dinâmica do mundo, ao passo que os produtos brasileiros teriam de sofrer a incidência de tarifas substancialmente mais altas. Imaginar uma ALCA sem o Brasil seria, assim, imaginar que nossos produtores se encontrariam em uma situação de profunda desvantagem em comparação a seus concorrentes na Colômbia, na Argentina ou no México.

33. Em conclusão, quero assinalar, tendo como pano de fundo tudo o que foi dito peloSr. Peter Hakim e pelo jornalista Luiz Nassif, a importância de que Congresso e o setor empresarial estejam profundamente envolvidos nessas negociações, ao lado do Executivo. O Executivo não pode, nem deve, levar a cabo essas negociações sem estar consciente do que é desejado pela população como um todo e por seus representantes em particular. Ao mesmo tempo, é essencial que sociedade e Congresso estejam adequadamente informados da forma como se tem desenvolvido o processo negociador, a fim de que possam contribuir para a elaboração das posições brasileiras em cada um dos temas objeto da negociação. Do ponto de vista negociador, é uma grande vantagem que o Executivo esteja solidamente amparado pelo Legislativo e pela sociedade, pois, dessa forma, poderá convencer os demais integrantes da ALCA da solidez das posições que são trazidas à mesa. Assim, iniciativas como a realização desse seminário, que espero ser a primeira de outras semelhantes que se seguirão, devem ser louvadas por sua preciosa contribuição para a melhor formação das posições negociadoras nacionais.


O BRASIL FRENTE A UM TRÍPLICE DESAFIO: NEGOCIAÇÕES SIMULTÂNEAS DA OMC, DA ALCA E DO ACORDO CE/MERCOSUL

Vera Thorstensen


1. Introdução

O Brasil se encontra atualmente diante de um tríplice desafio: o de enfrentar três negociações internacionais ao mesmo tempo. A primeira no âmbito da OMC (Organização Mundial do Comércio), com uma nova rodada multilateral, a ser lançada durante a IV Conferência Ministerial a ser realizada possivelmente no final de 2001 ou no primeiro semestre de 2002. A segunda através da ALCA (Área de Livre-Comércio das Américas), com objetivo de criar uma zona de livre-comércio integrando os trinta e quatro países das Américas, que encerra a fase de apresentação de propostas em 2001 para entrar na fase final de negociação em maio de 2002. A terceira dentro de um acordo entre a CE (Comunidade Européia) e o MERCOSUL, também com objetivo de criar uma zona de livre-comércio, em fase de apresentação de propostas e já início de negociação.

A melhor imagem que se pode fazer de tal situação é a de um jogo onde o Brasil atua, certas vezes sozinho, outras coordenado com o MERCOSUL, diante de três tabuleiros diferentes de xadrez, confrontando um número diverso de parceiros, e com peças e estratégias que se entrelaçam, dentro de um grande jogo internacional.

Diante desse desafio, único na história do País, e no momento em que as propostas começam a ser negociadas, é oportuno fazer uma análise dos principais elementos que integram cada uma dessas propostas e esboçar algumas conclusões.

O objetivo do presente artigo é o de sintetizar o quadro das três negociações, não por foro, mas por tema, e assim demonstrar como as três negociações estão profundamente entrelaçadas. Pretende, ainda, alertar os principais atores da vida econômica do País, sejam eles membros do governo, empresários, trabalhadores ou acadêmicos, para o momento singular que se coloca frente ao Brasil, no presente quadro das relações internacionais.

2. O quadro de referência

O primeiro passo para entender o tríplice desafio do Brasil é o de definir o quadro de referência de cada uma dessas grandes negociações internacionais.

A primeira negociação é na OMC, que no final de 2001 ou início de 2002, durante a sua IV Conferência Ministerial, deve lançar a IX Rodada de Negociações Multilaterais. Criada em 1995, após o encerramento da Rodada Uruguai, a OMC assumiu as funções do antigo GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comércio) e passou a ser a responsável pela negociação e supervisão das regras do comércio internacional. Dessas funções, a mais importante é a de constituir um tribunal para os conflitos do comércio, com poder de autorizar os membros ganhadores a retaliarem os membros perdedores, caso tais membros não cumpram com as decisões tomadas no mecanismo de solução de controvérsias.

Atualmente a OMC conta com 142 membros e já concluiu os trabalhos para a acessão da China e Taipé Chinesa, que devem tornar-se membros da OMC no final de 2001. A análise para a acessão de outros trinta membros, dentre eles, Rússia, Ucrânia e Arábia Saudita está em andamento.

O objetivo de se lançar uma nova rodada de negociações está baseado na necessidade de se prosseguir com o processo de liberalização do comércio, diante dos impactos que tal processo vem acarretando no crescimento das economias, que agora se baseiam em um modelo de desenvolvimento cada vez mais globalizado, bem como tentar diminuir o déficit de desenvolvimento que esta mesma globalização está acarretando para alguns países menos desenvolvidos.

Os principais atores dessa rodada serão os PDs (países desenvolvidos) contra os PEDs (países em desenvolvimento), em uma geometria variável de interesses, que estão criando grupos de negociação distintos para cada um dos grandes temas em discussão. De um lado se posicionam Estados Unidos, CE, Canadá e Japão, o chamado Quad, defendendo uma agenda mais ampla de negociações, que deve incluir novos temas como investimentos e concorrência, facilitação de comércio e comércio eletrônico, cláusula ambiental e talvez cláusula trabalhista. Certamente esses países irão exigir a inclusão de uma nova etapa de desmantelamento tarifário, o alargamento dos compromissos de liberalização do setor serviços e o fortalecimento das regras sobre os direitos da propriedade intelectual. De outro lado se posicionarão os PEDs, com interesses mais restritos, concentrados nos temas ligados à implementação dos acordos já existentes, além da revisão das regras de comércio já negociadas como antidumping, medidas compensatórias, regras de origem, barreiras técnicas, sanitárias e fitossanitárias.

A área agrícola apresenta um corte distinto. O Grupo de Cairns, que engloba dezoito dos grandes exportadores agrícolas, como Austrália, Brasil, Argentina e Canadá, se posiciona contra os grandes importadores agrícolas que são CE, Noruega, Suíça, Japão, Coréia, e tradicionais executores de uma política agrícola protecionista.

Uma vez lançada uma nova rodada de negociação, grupos negociadores serão criados, conforme os temas incluídos no mandato da negociação e seguindo a estrutura da OMC que se divide em bens, serviços e propriedade intelectual, além de grupos específicos para os novos temas.

É importante assinalar que, nesse tabuleiro de negociações, o Brasil joga sozinho, defendendo seus próprios interesses, e se coordena com os demais membros do MERCOSUL, quando possível, em alguns temas.

A segunda negociação é a ALCA (Área de Livre-Comércio das Américas), que tem por objetivo a criação de uma zona de livre-comércio entre os trinta e quatro países do continente, excluindo Cuba. Lançado em 1994 pela Cúpula de Miami, o processo foi acelerado, a partir de 1998, com a decisão de se iniciar o exame das propostas de cada tema de interesse e de se apresentar um texto comum para o início das negociações em maio de 2002. Também foi negociada uma data limite para tal negociação, o final do ano de 2004.

A estrutura dessa negociação foi definida em doze grupos negociadores, posteriormente reduzidos a nove: acesso a mercados, incluindo tarifas e barreiras não-tarifárias, regras de origem, procedimentos de certificação de regras de origem, procedimentos aduaneiros, salvaguardas e barreiras técnicas; agricultura; serviços; subsídios, antidumping e medidas compensatórias; investimentos; concorrência; propriedade intelectual; compras governamentais; solução de controvérsias; além de grupos de trabalho sobre comércio eletrônico, pequenas economias e participação da sociedade civil.

É importante assinalar que, no jogo da ALCA, o parceiro é o MERCOSUL e o Brasil atua coordenado com os três demais membros.

A terceira negociação é o acordo entre a CE e o MERCOSUL, que também tem como objetivo a criação de uma zona de livre-comércio entre os quatro membros do MERCOSUL e os quinze membros da CE, o qual inicia, nos próximos anos, um importante processo de alargamento em direção aos países do centro e do leste da Europa. A negociação de tal acordo foi lançada em dezembro de 1995, através da assinatura do Acordo Inter-Regional, e ainda não tem uma data para terminar.

A estrutura da negociação com a CE é distinta da ALCA e inclui os seguintes grupos negociadores:

− Grupo Técnico 1 – tarifas e barreiras não-tarifárias, regras de origem, procedimentos aduaneiros, agricultura, barreiras técnicas, instrumentos de defesa comercial, facilitação de comércio;

− Grupo Técnico 2 – serviços, investimentos e movimento de capitais, propriedade intelectual; − Grupo Técnico 3 – concorrência, compras governamentais e solução de controvérsias.

Novamente, é importante ressaltar que, nesse jogo, o parceiro também é o MERCOSUL e não o Brasil de forma isolada.

Um dado importante dessas negociações é o papel que tem sido dado ao MERCOSUL. De um lado, seus membros enfrentam claros sinais de que os Estados Unidos gostariam de vê-lo dissolvido dentro da ALCA. Por outro, a CE vem demonstrando interesse em vê-lo cada vez mais fortalecido, até pelo fato de os dois parceiros integrarem modelos de integração mais profundos que simples zonas de comércio livre.

3. Os três grandes blocos de temas de negociação

Diante desse quadro de referência, é possível analisar cada um dos grandes temas das três negociações, ressaltando-se, no entanto, apenas os pontos de maior interesse. Para fins de agregação, os temas das negociações foram agrupados em três grandes blocos: o primeiro é sobre acesso a mercados incluindo bens e serviços; o segundo é sobre regras de comércio integrando antidumping, medidas compensatórias, subsídios à exportação agrícola e apoios internos à agricultura, barreiras técnicas e sanitárias, e direitos de propriedade intelectual; e finalmente o terceiro bloco inclui todos os chamados novos temas de comércio: investimentos, concorrência, compras governamentais, e cláusulas sociais e ambientais.

3.1. Bloco I: Acesso a mercados

O bloco Acesso a Mercados, para fins desta análise, inclui os temas: tarifas e procedimentos aduaneiros para produtos agrícolas e industriais, bem como todos os compromissos sobre a liberalização de serviços.

3.1.1. Tarifas e procedimentos aduaneiros para bens agrícolas e industriais

As negociações da OMC, na próxima rodada, certamente incluirão mais uma etapa de redução tarifária. Se considerarmos a Rodada Uruguai como exemplo, poderemos contar com um método de negociação baseado em requisição e oferta em negociações bilaterais, que serão multilateralizadas no final do processo, além do método de fórmula matemática para impor maiores reduções sobre picos tarifários (acima de 15%) e escalada tarifária (maior tarifa para produtos de maior valor agregado). A julgar pela experiência passada, tais reduções poderão alcançar valores em torno de 30% a 40%, em um período de cinco anos, sendo que produtos agrícolas teriam reduções mínimas de 15% e acesso mínimos de 5% do consumo interno ou expansão das cotas de importação.

Um dado importante é que tais reduções teriam como base as tarifas consolidadas na OMC e não as tarifas aplicadas pelos membros. Desse modo, o que se está reduzindo são os tetos tarifários acima dos quais os membros não podem aplicar suas tarifas, a não ser mediante negociação de compensações aos membros afetados. Tais reduções afetariam não só as tarifas ad valorem, mas também as tarifas específicas.

A base da negociação será a classificação dos produtos segundo o Sistema Harmonizado de Classificação de Mercadorias que contempla a classificação em dois, quatro, ou seis dígitos, e que atinge cerca de 9.600 produtos.

Na negociação da ALCA, o tema redução tarifária implica a eliminação das tarifas via margens de preferência de 100%. Tal redução deverá ser feita sobre tarifas aplicadas e não sobre tarifas consolidadas, o que se traduz em efeito imediato já no primeiro ano da implementação do acordo.

Seguindo as regras da OMC para a formação de acordos regionais, o art. XXIV do GATT, o prazo previsto para tal redução deve ser de dez anos e incluir parte substancial do comércio. As discussões de tal conceito, no âmbito do Comitê de Acordos Regionais da OMC, nunca chegaram a uma conclusão sobre um valor objetivo que orientasse os processos de integração. Assim, o valor de 85% apresentado no âmbito das negociações regionais não tem suporte em decisões da OMC, mas pode ser considerado pelas partes como indicativo. A implicação de tal escolha, contudo, é de que 15% dos produtos não estarão incluídos no processo de redução, o que levanta vários problemas. O primeiro é de como definir os critérios para indicar os produtos que ficarão excluídos do acordo. O segundo é como calcular os cortes de 85% e de 15%: baseados em valor ou em linha tarifária ou em ambos, de forma a incluir produtos que nunca tiveram acesso a esses mercados. Vale ressaltar que existem propostas de se estender a classificação dos produtos de seis dígitos, como consta do SH, para dez dígitos e se criar uma nova classificação hemisférica.

Se considerarmos os 85% dos produtos que estarão incluídos, as propostas apresentadas na ALCA indicam um método de redução em três cestas: a primeira de redução imediata, a segunda em cinco anos, e a terceira em dez anos. O método para as reduções seria o de requisição e oferta, bem como fórmulas de redução para picos e escalada tarifária. Outro método de negociação apresentado foi a negociação zero por zero para certos setores. Várias propostas na mesa incluem a eliminação de todas as tarifas de exportação, que procuram limitar a exportação de insumos, portanto de menor valor agregado, para incentivar exportações de maior valor agregado.

Na área de procedimentos aduaneiros, as propostas da ALCA contemplam a eliminação das barreiras não-tarifárias como restrições quantitativas, preços mínimos, licenças de importação, vistos consulares e acordos de restrição a exportações. A negociação seria feita através da criação de um banco de dados, via o fornecimento de informações pelas partes, ou através de contra-notificações. O acordo também inclui sistemas especiais como: eliminação do draw-back, eliminação de zonas livres para exportações dentro do ALCA, eliminação das inspeções pré-embarque, previsão para admissões temporárias, admissão de amostras, reimportação e desembaraço expresso.

Para a negociação do CE/MERCOSUL, as propostas já apresentadas também incluem reduções tarifárias com 100% de preferência sobre as tarifas aplicadas em um período de dez anos. Tal redução seria estabelecida seguindo a regra dos 85% dos produtos, e em quatro cestas distintas: a primeira, de redução imediata; a segunda, em quatro anos; a terceira em sete anos; e a quarta, em dez anos. A proposta da CE, contudo, contempla uma particularidade, qual seja, uma cesta não recíproca para as exportações do MERCOSUL para a CE, que criaria uma quinta cesta de produtos sensíveis como vegetais, frutas e seus processados, ovos, lácteos, açúcar, tabaco, óleo de oliva, arroz, carnes e peixes, onde a CE apenas reduziria as tarifas ad valorem, mas manteria a proteção das tarifas específicas, oferecendo apenas cotas de importação.

A proposta da CE também prevê a eliminação das tarifas de exportação e um acordo específico para vinhos e bebidas destiladas, que inclui a proteção à indicação geográfica (como a questão de vinhos da região de Rioja, na Espanha, e de Nueva Rioja, na Argentina), bem como a proteção de práticas e processos enológicos para a produção das bebidas alcoólicas.

Na área de procedimentos aduaneiros, a proposta da CE estipula a eliminação de restrições quantitativas a importações ou exportações e a eliminação do regime de draw-back para exportações dentro da zona.

3.1.2. Têxteis

O setor de têxteis, que estava engessado pelas cotas do Acordo MULTIFIBRA, foi incorporado às regras da OMC, após a Rodada Uruguai, através do Acordo sobre Têxteis e Vestuário. Tal acordo estabeleceu um processo de liberalização para o setor em um período de dez anos, dentro de quatro categorias: fios, tecidos, coberturas e confecção, e em quatro estágios: 1995, 1998, 2002 e 2005. As taxas de integração ficaram determinadas em 16% para o primeiro estágio, 17% para o segundo e 18% para o terceiro. Deste modo, para o último estágio, a ser iniciado em janeiro de 2005, uma parcela de 49% do universo têxtil terá que ser liberalizada. Diante de uma possível tentativa dos PDs importadores de têxteis de pedirem uma extensão do último período para a liberalização, os PEDs exportadores, liderados pela Índia, vem discutindo uma possível antecipação do último estágio, dentro das negociações de implementação, constantes dos trabalhos preparatórios para a próxima Conferência Ministerial da OMC.

É importante que os membros do MERCOSUL fiquem atentos para o desenrolar dessa discussão, uma vez que qualquer tentativa de se prorrogar o estágio de liberalização do setor têxtil, por parte dos Estados Unidos e CE, no plano multilateral, deve ser contrabalançada por proposta do MERCOSUL, com o objetivo de se conseguir avançar tal liberalização nos planos regionais.

3.1.3. Serviços

Na OMC, o tema serviços vem sendo negociado dentro do GATS (Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços) e compreende quatro modos de prestação: prestação transfronteira, consumo no exterior, presença comercial e presença de pessoa física, englobando áreas como consultoria, turismo, serviços financeiros, telecomunicações, transporte e construção.

De forma diversa da liberalização de bens, que se faz via redução de tarifas, a liberalização de serviços se faz via dispositivos de leis, regulamentos e procedimentos com efeito no comércio internacional de serviços, através do governo ou órgãos regulatórios.

A Rodada Uruguai iniciou o processo de liberalização do setor em 1995, mas uma nova etapa de liberalização já ficou mandatada no Acordo sobre Serviços para ser iniciada em 2000. Na etapa inicial, a metodologia seguida foi a de negociação de listas de compromissos, onde os membros negociaram os segmentos que queriam liberalizar e as condições para tal liberalização, método conhecido como lista positiva. Para a nova etapa de liberalização, os PDs têm procurado maior acesso nos seguintes segmentos: serviço de contabilidade, legais, audiovisuais, serviços de distribuição e de entrega rápida, educação terciária e serviços ambientais e de energia.

Na ALCA, os Estados Unidos têm grande interesse em ampliar o acesso a todo o mercado do continente, via os quatro modos de prestação, e propuseram como método de negociação o de lista negativa, onde tudo está liberalizado e apenas as exceções são negociadas. A proposta do MERCOSUL é de se manter a tradição do GATS de lista positiva, mas os Estados Unidos argumentam pela dificuldade de definir o método da lista positiva, aliado ao fato do NAFTA ter seguido o método da lista negativa. A proposta também inclui a proibição de restrições sobre: número de prestadores, ativo ou transação, número de operações, número de pessoas, tipo de pessoa jurídica e participação estrangeira no capital. Outro tema importante é a proposta dos Estados Unidos de tirar o modo 3 de prestação de serviços – presença comercial – do escopo da negociação de serviços e incluí-los no capítulo sobre investimentos, já que, na verdade, as regras sobre o estabelecimento de sucursais e filiais de empresas estrangeiras, na verdade, podem ser enquadradas no âmbito do tema investimento.

No CE/MERCOSUL, a proposta da CE inclui os quatro modos de prestação, mas define algumas exceções como audiovisual, cabotagem e transporte aéreo, segmentos que já enfrentaram grandes dificuldades nas negociações do MAI (Acordo Multilateral sobre Investimentos) no âmbito da OCDE. O método de liberalização proposto pela CE é através de listas de compromissos com reservas estipuladas, o que se enquadra dento do método de lista positiva. A proposta também inclui a proibição de medidas que limitem o número de provedores, o valor do serviço, o número de operações, o número de pessoas físicas, bem como limitação do capital estrangeiro ou a forma da empresa.

Em síntese, as diversas propostas apresentadas nos diferentes foros de negociação permitem uma avaliação preliminar de que todas as partes terão ganhos nos temas incluídos no Bloco de Acesso a Mercados de produtos industriais e agrícolas, além de serviços.

3.2. Bloco II: Regras de comércio

O Bloco Regras de Comércio inclui temas de negociação como: regras sobre subsídios à exportação agrícola, apoios internos para agricultura, regras de origem, barreiras técnicas, medidas sanitárias e fitossanitárias, antidumping e medidas compensatórias, subsídios e salvaguardas, além de proteção aos direitos de propriedade intelectual.

3.2.1. Subsídios à exportação e apoio interno para produtos agrícolas

Na negociação da OMC para o setor agrícola, dos três pilares negociados na Rodada Uruguai, fora o referente a acesso a mercados, os dois restantes podem ser enquadrados na área de regras ao comércio. O tema redução de subsídios à exportação agrícola volta para a mesa das negociações com propostas substancias do Grupo de Cairns, que engloba dezoito dos grandes exportadores agrícolas, como Austrália, Canadá, Brasil e Argentina, e que deseja a eliminação de todos os subsídios à exportação, aliada a uma redução ambiciosa de 50%, logo no início do período de implementação. Na Rodada Uruguai, tal redução não passou dos 36% em valor e de 20% em volume. Também no caso da redução dos apoios internos, a proposta do grupo de Cairns é de eliminação, com etapa inicial de 50% de redução já no primeiro ano de implementação. Na Rodada Uruguai, tal redução não passou de 20%. Para fazer frente à demanda da CE que defende o caráter multifuncional da agricultura e não apenas o seu papel de produção de alimentos, as discussões devem levar em consideração não só as preocupações não comerciais (non-trade concerns), além de regras sobre o bem-estar animal, como forma de assegurar o desejo dos consumidores de obter alimentos através de práticas mais decentes de abate e de criação de animais. Sob a liderança do Brasil, o MERCOSUL propôs como tema de negociação os créditos à exportação de alimentos, incluindo financiamentos e garantias. Após os problemas enfrentados pelo Brasil no caso do painel das aeronaves, onde o País foi obrigado a seguir as regras determinadas pela OCDE, da qual não é membro, o Brasil deseja a discussão de regras para créditos agrícolas dentro da OMC, para não ter que acatar novamente as decisões da OCDE.

Na negociação da ALCA, foi proposta forma de se eliminar os subsídios à exportação para as partes do acordo, via um esquema de sanções cruzadas sobre exportações para fora da área e para importações subsidiadas de fora da área (por exemplo, a CE). Já no campo do apoio interno, a proposta dos Estados Unidos foi bastante clara: só negociará tal tema dentro da OMC, uma vez que a participação de todos os parceiros comerciais será fundamental para o sucesso da iniciativa. Dados da OCDE, no entanto, demonstram que tanto a CE quanto os Estados Unidos subiram significativamente seus valores de subsídios totais para a agricultura, cada um atingindo a casa dos US$ 100 bilhões anuais, isto às vésperas do lançamento de uma nova rodada.

A CE ainda não apresentou sua proposta sobre regras de comércio na área agrícola, mas já existem claros indícios de que seguirá a estratégia americana.

3.2.2. Regras de origem

A OMC vem concluindo o trabalho de harmonização de regras de origem não preferenciais, dentro do Acordo de Regras de Origem. Tais regras serão usadas como base para a aplicação dos instrumentos de comércio como tarifas e cotas, antidumping, medidas compensatórias e salvaguardas, marcas de origem, compras governamentais e estatísticas. A base das negociações é o conceito de última transformação substancial, e os critérios usados são de mudança de classificação do SH (Sistema Harmonização) (salto tarifário), valor agregado ou critério técnico (para químicos e outros processos contínuos). Nessa negociação estão em jogo cerca de 9.600 produtos, e a maioria deles segue o critério de salto tarifário. A CE e o Brasil defendem o uso de valor agregado para máquinas, aparelhos eletrônicos e automóveis, mas vêm encontrando grande resistência dos Estados Unidos, que preferem o critério de salto tarifário.

Na ALCA, o objetivo das regras de origem é outro, ou seja, de ser a base para a aplicação das preferências tarifárias, isto é, obter as reduções e depois eliminações de tarifas nas importações entre as partes do acordo. Os Estados Unidos vêm defendendo a utilização do critério de salto tarifário para tal instrumento.

No CE/MERCOSUL, o objetivo é o mesmo, ou seja, de dar preferência tarifária para os produtos originados nas partes do acordo. Só que, para manter a coerência dentro de seus inúmeros acordos regionais, a CE vem defendendo o uso do critério de valor agregado.

Em outras palavras, regra de origem é um instrumento fundamental não só na OMC, como dentro dos acordos regionais, só que com objetivos diversos. A questão que se coloca é como reagirá a indústria quando exportar produtos para diferentes mercados e se deparar com regras de origem distintas, que irão acarretar alterações na sua linha de produção, com diferentes requisitos entre a aquisição de componentes no mercado doméstico ou no exterior.

Um fato importante a ter em conta é que o instrumento regras de origem terá séria implicação para a concessão de preferências aos produtos montados nas zonas francas. Se não cumprirem com os requisitos de origem, tais produtos não poderão entrar nos mercados preferenciais com tarifas nulas.

3.2.3. Barreiras técnicas e medidas sanitárias e fitossanitárias

O objetivo dos Acordos sobre Barreiras Técnicas e sobre Medidas Sanitárias e Fitossanitárias é o de impedir que as legislações nacionais sobre regulamentos e normas técnicas possam se converter em barreiras ao comércio. A base do acordo é derivar tais regulamentos em normas internacionais, desenvolvidas por órgãos internacionais, como a ISO e o CODEX.

Na OMC, com relação à área agrícola, a grande questão apresentada pela CE é o do princípio da precaução, através do qual um membro pode embargar a importação de outro membro baseado na avaliação de risco que tal importação poderá causar. Um bom exemplo do que está em jogo foi a atitude do Canadá, que embargou as importações de carne do Brasil, alegando o fato de que o Brasil não apresentou informações satisfatórias sobre o destino de cerca de cinco mil touros para a reprodução provenientes da Inglaterra, os quais poderiam ter entrado na cadeia de produção de carne processada que estaria sendo exportada para aquele país. Vale lembrar que tal medida desencadeou iniciativa similar dos Estados Unidos e do México, dentro das regras do acordo do NAFTA.

Tanto na ALCA, quanto no CE/MERCOSUL, a base das negociações tem sido a de observar as regras desenvolvidas na OMC e dar ênfase à equivalência de procedimentos e à cooperação e à assistência técnica.

3.2.4. Antidumping e medidas compensatórias

Na OMC, vários membros como Japão, ASEAN e Brasil têm demonstrado interesse em reabrir os acordos sobre antidumping e Medidas Compensatórias, com o objetivo de diminuir a discricionariedade de certos membros, como os Estados Unidos, que, segundo eles, estariam usando tais instrumentos de defesa comercial de forma abusiva, como meio de proteger a indústria americana da concorrência internacional. O setor mais afetado por tal proteção tem sido o do aço.

Na ALCA, várias partes fizeram propostas para aperfeiçoar o instrumento, principalmente contra o abuso da utilização do conceito de melhor informação disponível (BIA), prazos de investigação para dumping e dano, valor mínimo de dumping, acumulação de valores para os PEDs, uso da menor entre as margens de dumping e de dano, e investigação de revisões. Os Estados Unidos, por sua vez, a princípio, não querem alterar a sua legislação interna e só aceitam fazê-lo nas negociações da OMC. Novamente, alegam que não faria sentido alterar tais regras no âmbito regional, dado o caráter internacional dos acordos existentes.

A CE também já propôs que as regras de antidumping e medidas compensatórias fossem as determinadas pela OMC e que novas regras só deveriam ser negociadas no âmbito multilateral.

3.2.5. Subsídios

O Acordo de Subsídios da Rodada Uruguai definiu o conceito de subsídios como contribuições do governo via doações, empréstimos ou perdões de dívidas, além das cláusulas de benefício conferido e de especificidade de um setor. Definiu, ainda, três categorias de subsídios: permitidos (verdes) para desenvolvimento regional, desenvolvimento e pesquisa e troca de equipamentos anti-poluição; acionáveis (amarelos) sujeitos à investigação e à aplicação de medidas compensatórias; e proibidos (vermelhos) quando vinculados à exportação ou ao uso de bens domésticos em preferência aos importados. Uma revisão dos subsídios verdes estava prevista para o final de 1999, mas com a aproximação da Conferência Ministerial de Seattle, que deveria lançar uma nova rodada, a discussão foi postergada. Com o impasse criado em Seattle, a nova rodada não foi lançada e a revisão também não foi realizada. Resultado: para alguns membros da OMC, a categoria dos subsídios verdes está morta; para outros, ela está congelada e só pode ser ressuscitada em uma nova rodada. A questão se torna mais complexa porque alguns PEDs não querem reativá-los, alegando que só os PEDs têm recursos para usá-los. No entanto, outros PEDs defendem que os subsídios verdes poderiam ser reorientados para apoiar programas de desenvolvimento exclusivos dos PEDs. Está assim aberto o debate de como tratar o tema na próxima rodada.

Outra questão da OMC é a reabertura do Anexo VII com a lista dos PEDs, com renda per capita abaixo de US$ 1.000, que podem subsidiar exportações sem limites. Vários membros da América Central e do Sul, bem como da Ásia, querem ampliar tal limite, de modo a estender o benefício para um número maior de PEDs. Outro tema em exame é o limite de 3,25% do mercado para a aplicação do conceito de competitividade exportadora para os PEDs, abaixo do qual tais membros podem subsidiar exportações.

Nas negociações da ALCA e da CE/MERCOSUL, o tema subsídios ainda não foi abordado.

3.2.6. Salvaguardas

O tema salvaguardas se refere à aplicação de direitos ou cotas como proteção à indústria local nos casos de um surto de importações que causem sério prejuízo à indústria. Tal tema não foi alvo de propostas para a nova rodada de negociações no âmbito da OMC.

Na ALCA, o tema faz parte do grupo sobre acesso a mercados e se refere à negociação de cláusula de salvaguarda para uso bilateral, regional ou hemisférico, mas dentro das regras da OMC. Também existe o debate sobre se o instrumento deve ser usado apenas durante o período de implementação do Acordo ou durante toda a existência da ALCA.

A CE apenas propôs a utilização das regras da OMC para tal instrumento e prevê mecanismos bilaterais de consultas entre as partes

Em síntese, com relação ao Bloco sobre Regras do Comércio, as propostas já apresentadas demonstram que tanto os Estados Unidos quanto a CE têm como estratégia a de só negociar tais temas no âmbito dos acordos multilaterais, isto é, na OMC. Como um número expressivo de exportações brasileiras tem encontrado barreiras de defesa comercial e barreiras técnicas e sanitárias, é importante que os ganhos nas mesas das negociações multilaterais sejam expressivos, para que o acesso aos mercados regionais sejam realmente assegurados.

3.2.7. Propriedade intelectual

O tema proteção aos direitos da propriedade intelectual relacionados ao comércio foi negociado durante a Rodada Uruguai e faz parte integrante da OMC. O objetivo do Acordo é o de dar proteção aos direitos derivados de marcas, patentes, direitos do autor, desenho industrial, indicações geográficas, topologia de circuitos integrados e informações confidenciais. A mais importante cláusula do acordo se refere às ações efetivas contra atos de infração, através de compensação pelo prejuízo sofrido ou apreensão de produtos pirateados ou de contrafação.

Na nova rodada, novos pontos ligados ao tema devem ser discutidos, dentre eles: ampliação da proteção de indicação geográfica de vinhos e bebidas destiladas para outros produtos alimentícios como queijos e coalhos, patenteabilidade de microorganismos, proteção a conhecimentos tradicionais das populações indígenas (medicina), da biodiversidade (florestas tropicais) e de variedades de plantas.

Um dos pontos sensíveis da nova rodada é a negociação de uma Declaração Ministerial a respeito do direito dos membros da OMC de tomarem medidas para proteger a saúde pública, via quebra de patentes ou licença compulsória, apesar das restrições existentes no Acordo sobre TRIPs. Os proponentes são cerca de vinte países, liderados pelo Brasil, e a oposição parte dos Estados Unidos, CE e Suíça.

Na ALCA, a proposta é reforçar a parte referente à punição nos casos de infração e ampliar os direitos para variedades de plantas, indicação geográfica para alimentos e artesanatos, conhecimentos tradicionais, conhecimento genético, modelos de utilidades e folclore.

A CE ainda não apresentou sua proposta sobre o tema.

3.3. Bloco III: Novos temas

O Bloco sobre Novos Temas inclui negociações sobre itens ainda não existentes na OMC como investimentos, concorrência, cláusula ambiental e cláusula trabalhista, além de temas como transparência de compras governamentais.

3.3.1. Investimentos

Na OMC, o tema investimentos começou a ser discutido desde 1997, através de um Grupo de Trabalho. Atualmente, a OMC analisa a oportunidade de negociar um acordo multilateral sobre tal assunto. O tema investimentos já havia sido discutido na OCDE na negociação do MAI (Acordo Multilateral sobre Investimentos), mas a forte oposição da França, contra a abertura do setor cultural, acabou inviabilizando a conclusão desse acordo.

O objetivo de tal negociação é de dar certa coerência para os mais de 1.400 acordos sobre investimentos já existentes e garantir que os princípios do GATT sobre não-discriminação entre nações, não-discriminação entre capital estrangeiro e nacional, bem como transparência, além de cooperação e assistência técnica, sejam incorporados. Os PDs tentaram, durante as discussões, introduzir cláusula de proibição para exigências de desempenho às exportações, conteúdo local, transferência de tecnologia e participação nacional mínima, mas vários PEDs foram contra. Outra questão, é que o Acordo sobre Serviços (GATS) já inclui o tema investimentos, via o modo 3 de prestação de serviços, através de presença comercial, o que levanta o problema de dois acordos multilaterais estabelecerem regras para o mesmo setor. Como modalidade de negociação, alguns membros defendem a elaboração de lista positiva, onde cada um definiria os segmentos que gostaria de abrir e sob que condições. Já outros membros argumentam pela lista negativa, mais fácil de ser negociada, uma vez que todos os segmentos seriam abertos e só seriam negociadas as exceções.

Os membros a favor de um novo acordo seriam CE, países da Europa Central, Japão e mais recentemente os Estados Unidos. Contra se posicionaram a Índia, Paquistão e Egito, bem como os ASEAN, alegando a necessidade de manterem flexibilidade para suas políticas industriais.

Nas negociações da ALCA, o tema está em discussão e a proposta dos Estados Unidos defendeu os seguintes pontos: cobertura para bens e serviços, lista negativa, onde todos os setores estariam incluídos, cláusula de expropriação e de compensação de perdas. Os EUA também propuseram a cláusula de não-condicionamento dos investimentos a exigências de desempenho sobre exportação, conteúdo local, transferência de tecnologia, e fornecimento exclusivo. Os Estados Unidos ainda apresentaram cláusula em que as partes não condicionariam investimentos ao recebimento de incentivos para que se cumprissem desempenhos de exportação e conteúdo local, nos moldes do Acordo de TRIMs da OMC.

Vale ressaltar que a cláusula de não imposição de exigências de desempenho ao investimento para a ALCA é distinta das proibições do Acordo sobre TRIMs (Medidas de Investimentos Relacionadas ao Comércio), que vincula diretamente tais proibições à concessão de incentivos ao investimento. Esse tema faz parte das negociações sobre implementação dos acordos da Rodada Uruguai, atualmente em discussão na OMC.

Finalmente, os Estados Unidos introduziram um mecanismo alternativo para os casos de conflitos na área de investimentos, não só de Estado contra Estado, mas também de arbitragem entre Estado e investidor, nos moldes do NAFTA.

A CE ainda não apresentou sua proposta sobre o tema.

3.3.2. Concorrência

O tema concorrência vem sendo discutido na OMC, desde 1997, no âmbito de outro Grupo de Trabalho. O objetivo é a negociação de um acordo multilateral que harmonize alguns conceitos básicos sobre o controle de práticas consideradas anticompetitivas como cartéis, abuso da posição dominante e fusões e aquisições. A questão que se coloca é que algumas práticas são consideradas legais em certos membros, mas ilegais em outros, o que vem acarretando incerteza na condução dos negócios das empresas multinacionais. A idéia por trás do novo acordo seria de garantir que os princípios do GATT sobre não-discriminação entre nações, não-discriminação entre capital estrangeiro e nacional, bem como transparência, além de cláusulas de cooperação e assistência técnica, seriam incorporados.

Outra questão é o fato de apenas cerca de setenta membros possuírem leis sobre concorrência, e os demais setenta membros da organização, além de não possuírem tal legislação, defenderem a sua não-adoção. Tal fato levou a CE, grande defensora do tema na OMC, a propor um acordo plurilateral, apenas para os membros interessados.

Os membros a favor de um novo acordo seriam CE, países da Europa Central, Japão e mais recentemente os Estados Unidos, desde que a discussão sobre as implicações do tema concorrência sobre o antidumping saiu da agenda. Contra um novo acordo se posicionaram Índia, Paquistão e Egito, bem como os ASEAN, alegando a necessidade de manterem flexibilidade para suas políticas industriais.

Na ALCA, tal capítulo incorporaria, além dos princípios do GATT, um mecanismo de revisão de políticas da concorrência, como forma de se harmonizar as práticas adotadas pelas várias autoridades investigadoras. Uma questão polêmica é a proposta dos Estados Unidos de introduzir, dentro das regras da concorrência, os monopólios oficiais e as empresas estatais. Finalmente, um tema sujeito a grandes discussões é a análise das implicações da política da concorrência sobre a política antidumping, tema consistentemente rejeitado pelos Estados Unidos tanto no plano multilateral quanto no regional.

A proposta da CE é muito semelhante à proposta dos Estados Unidos, mas sem a previsão de um mecanismo específico de revisão.

3.3.3. Cláusula ambiental

O tema meio ambiente já conta com cerca de 200 acordos internacionais, sendo vinte deles com cláusulas comerciais. Com o objetivo de analisar a inter-relação entre comércio e meio ambiente, foi criado na OMC, em 1995, o Comitê de Comércio e Meio Ambiente. As discussões levantaram várias hipótese de trabalho, que vão desde a negociação de um acordo multilateral, até a inclusão da cláusula ambiental via expansão das cláusulas de exceção do GATT, ou indiretamente, via os Acordos de Barreiras Técnicas e Sanitário e Fitossanitário. A discussão vem-se intensificando porque, se, de um lado, vários PDs defendem a negociação de um novo acordo multilateral dentro da OMC, por outro lado, outros PEDs defendem a criação de uma nova organização internacional, a OMA (Organização Mundial do Ambiente), o que é rejeitado pelos próprios PDs, temerosos com os custos dos processos de despoluição ambiental.

Uma das grandes questões da OMC é que, embora não se tenha acordado regras para as cláusulas comerciais dos acordos ambientais dentro da OMC, o fato é que o tema meio ambiente já entrou na própria OMC, via os Acordos de Barreiras Técnicas e Sanitário e Fitossanitário, bem como painéis sobre o tema como os conflitos: gasolina x poluição (Venezuela e Brasil x Estados Unidos), atum x golfinhos (México x Estados Unidos), camarões e lagostas x tartarugas (ASEAN x Estados Unidos), carnes tratadas com hormônios (Estados Unidos x CE), ou as discussões sobre princípio da precaução e organismos geneticamente modificados. A dúvida é se os membros devem criar novas regras sobre o tema ambiental ou devem deixar aos painelistas da OMC a criação de jurisprudência sobre a matéria, baseada nos acordos internacionais.

Os membros que defendem a negociação de um acordo sobre o tema meio ambiente são a CE e demais membros da Europa, e os que querem impedir a entrada do tema na OMC são Índia, Paquistão, Egito, membros da ASEAN e Brasil.

Na ALCA, o tema tem sido insistentemente colocado nas mesas das negociações pelos Estados Unidos, via capítulo sobre investimentos, que, como no caso do NAFTA, defendem cláusulas que impeçam distorções ao comércio e ao investimento via leis e regulamentos sobre o meio ambiente. Com a pressão exercida pela sociedade civil e pelas organizações não-governamentais, é de se esperar que o tema volte às discussões, mesmo não sendo endossado pelo novo governo republicano. Exemplos recentes são as propostas de acordos dos Estados Unidos com o Chile e com a Jordânia.

A CE ainda não se posicionou sobre o tema, mas as pressões dos ambientalistas e ONGs têm sido intensas, como ficou demonstrado pela inclusão de cláusula ambiental no SGP comunitário.

3.3.4. Cláusula trabalhista

As discussões sobre o tema ainda não entraram formalmente na OMC, mas têm sido realizadas no âmbito das Conferências Ministeriais. Por sua vez, o tema tem sido analisado na OIT – Organização Internacional de Trabalho. O argumento é que, se os países não possuem legislação trabalhista básica, os custos de mão-de-obra serão inferiores aos dos países que possuem tal legislação, o que poderia gerar distorções ao comércio. Os direitos fundamentais dos trabalhadores estabelecidos pela OIT são: liberdade de associação e de negociações coletivas, proibição de trabalho forçado, remuneração igual para homens e mulheres, não-discriminação no emprego e proibição de trabalho infantil. Os membros que defendem suas legislações trabalhistas demandam proteção através dos instrumentos comerciais como antidumping ou medida compensatória.

A grande questão que se coloca é como tornar a OIT politicamente mais fortalecida, de modo a criar mecanismos que imponham a adoção dos direitos básicos dos trabalhadores a todos os seus membros. Uma opção seria um mecanismo nos moldes do mecanismo de solução de controvérsias da OMC.

Os membros que defendem a negociação de um acordo sobre o tema são CE, Estados Unidos, demais membros da Europa; e os que querem impedir a entrada do tema na OMC são Índia, Paquistão, Egito, membros da ASEAN e Brasil. Uma proposta discutida em Seattle pode ser retomada, qual seja, a da criação de um mecanismo inter-organizações internacionais para discutir o tema, que integraria além da OIT, OMC, UNCTAD, Banco Mundial e FMI.

Na ALCA, o tema tem sido defendido pelos Estados Unidos, via o capítulo sobre Investimentos, que defende mecanismos que impeçam distorções do comércio e dos investimentos para membros com legislações pouco efetivas. Discussões sobre acordos recentes, como o dos Estados Unidos com o Chile e com a Jordânia são exemplos de como têm sido tratados.

A CE ainda não apresentou propostas sobre o tema, mas pressões da sociedade civil e ONGs já impuseram o cumprimento de tal cláusula via o SGP comunitário.

3.3.5. Compras governamentais

O tema compras governamentais tem sido discutido na OMC em dois modos distintos. O primeiro no âmbito do acordo plurilateral sobre o tema, que envolve apenas cerca de trinta signatários, e o segundo no âmbito do Grupo de Trabalho sobre Transparência de Compras Governamentais, criado em 1997. O objetivo do Grupo é o de analisar a oportunidade de se estabelecer um acordo multilateral sobre transparência dos processos de compras governamentais e de se evitar atos de favorecimento ou de corrupção. O acordo não teria objetivos de assegurar acesso a mercados, como no caso do acordo plurilateral sobre compras que estabelece limites de valor, acima dos quais todos os órgãos públicos devem abrir licitações internacionais. É importante ressaltar que os valores envolvidos nas compras governamentais chegam a cifras significativas, estimadas em torno de 5 a 10% dos PIBs de cada país.

Na ALCA, as propostas apresentadas visam o acesso aos mercados das compras de órgãos de governo nos níveis federal e subfederal e inclui bens e serviços. O item mais polêmico é se o capítulo deve ou não incluir concessões, uma vez que, embora realizadas com investimentos privados, as compras e obras realizadas pelos privados são realizadas para explorar serviços de caráter público. O acordo também incluiria compras via leasing ou aluguéis.

A CE já apresentou sua proposta, que objetiva acesso ao mercado de bens e serviços, adquiridos pelos órgãos de governo dos níveis federais e subfederais. A proposta ainda impede a prática de preferências nacionais ou de margem de preferência nos processos de aquisição pública.

3.3.6. Solução de controvérsias

O tema solução de controvérsias, que compreende todo o mecanismo de resolução de conflitos da OMC, tem sido alvo de discussões na OMC, com o objetivo de se preencher algumas lacunas do acordo da Rodada Uruguai. Uma das questões mais polêmicas se refere ao procedimento de esgotar, primeiro, os recursos de consultas ao painel e ao Órgão de Apelação, antes de se impor retaliação ao membro perdedor do painel. Outra questão controversa diz respeito à participação de ONGs nas sessões dos painéis, bem como do recebimento de pareceres de organizações ou especialistas pelos membros dos painéis, além do peso que deve ser dado a tais informações.

Fato importante a ser considerado é o número de consultas realizadas dentro do Mecanismo de Solução de Controvérsias da OMC, que desde 1995 já atingiu 229 casos, sendo

92 painéis estabelecidos e 55 relatórios adotados, com um significativo número de acordos realizados entre as partes. Vale ressaltar que os temas que mais geraram consultas foram: medidas sobre o GATT 1994 (120), agricultura (29), subsídios (29), licença de importações

(23), barreiras técnicas (19), TRIPs (17), medidas sanitárias (17), antidumping (17), TRIMs (16), e têxteis (12). Outro dado relevante que demonstra que o mecanismo é usado tanto pelos PDs quanto pelos PEDs é o número de consultas dos: PDs contra PDs (97), PDs contra PEDs

(64), PEDs contra PDs (38), PEDs contra PEDs (25). (Os dados são da OMC.)

Tanto na ALCA quanto no CE/MERCOSUL, estão previstos capítulos sobre solução de controvérsias, com procedimentos específicos para os casos de conflitos entre as partes. Uma questão levantada é como solucionar os casos em que a jurisprudência gerada na OMC começar a conflitar com a jurisprudência gerada nas decisões dos conflitos dos acordos regionais. Outra questão está relacionada à escolha do foro para a solução do conflito, o conhecido problema do forum shopping.

Em síntese, o que merece destaque na análise do Bloco sobre Novos Temas é que os pontos que integram esse bloco representam novos acordos no âmbito da OMC. Depois de várias tentativas dos PDs de incluírem tais temas na OMC, sempre bloqueados por vários dos PEDs, Estados Unidos e CE, grandes defensores desses tópicos mudaram de estratégia e passaram a defendê-los no âmbito dos acordos regionais. Abre-se aqui uma boa oportunidade para o MERCOSUL definir, como estratégia, quais temas estaria disposto a aceitar nos acordos regionais (por exemplo, investimentos e concorrência) e quais temas estaria disposto a aceitar apenas em acordos multilaterais (por exemplo, cláusulas ambiental e trabalhista).

4. Conclusões

O momento atual apresenta para o Brasil e para o MERCOSUL um desafio único na história das suas relações internacionais, qual seja, o de negociar simultaneamente três acordos internacionais. O maior dos desafios, sem dúvida, será o da OMC, com o lançamento de uma nova rodada de negociações, que se apresenta com uma agenda ampla, onde diversos temas de grande interesse para o Brasil estarão presentes. Os dois desafios seguintes, o de negociar áreas de livre-comércio com os Estados Unidos, dentro da ALCA, e com a CE, dentro do Acordo CE/MERCOSUL, também revelam alto grau de complexidade, não só pela abertura a que irão expor a economia brasileira, mas pela simultaneidade das negociações.

A tarefa que se apresenta a todos os segmentos da sociedade, seja governo, empresas, trabalhadores e acadêmicos, é significativa e complexa.

Uma análise preliminar das propostas apresentadas na OMC, na ALCA e no CE/MERCOSUL já nos permite adiantar algumas conclusões.

A primeira delas é que todos os segmentos da sociedade interessados nos temas das negociações devem atentar para um dado importante: só uma análise conjunta das três negociações permite uma visão correta dos interesses que o Brasil deve defender, bem como identificar o balanço dos ganhos e perdas que o Brasil terá em cada uma das negociações. Análises parciais centradas na ALCA, como está acontecendo atualmente, poderão levar a conclusões precipitadas e errôneas sobre os indicadores de tais perdas e tais ganhos.

A segunda conclusão é que a participação do Brasil na OMC, baseada em um trabalho de intensas consultas entre governo e empresas, é tarefa de extrema importância, uma vez que é nas mesas da OMC que estarão sendo negociadas as regras fundamentais do comércio internacional, que servirão de base para as negociações dos demais acordos regionais. As prioridades do Brasil na nova rodada são: agricultura, regras principalmente antidumping, subsídios para a exportação de bens industriais e créditos agrícolas, e propriedade intelectual para a saúde pública.

A terceira é que os ganhos e as perdas, para o Brasil, serão distintos em cada uma das negociações e que o resultado dependerá de cada um dos grandes blocos de temas negociados.

No Bloco Acesso a Mercados, os ganhos referentes a reduções de tarifas e novos compromissos em serviços serão maiores nos acordos regionais do que na OMC, confirmando o que se preconizava anteriormente, de que os acordos regionais, por envolverem um número menor de participantes, permitem ganhos superiores aos ganhos possíveis nos acordos multilaterais, daí o conceito GATT plus (GATT +).

No Bloco Regras do Comércio, que inclui temas de grande interesse para o Brasil como antidumping e medidas compensatórias, subsídios à exportação agrícola e apoios internos para a agricultura, barreiras técnicas, sanitárias e fitossanitárias, a análise revela um dado importante. Se de um lado, o Brasil tem grande interesse em aprofundar o entendimento desses temas, por outro, vem encontrando sérias resistências por parte de seus parceiros mais desenvolvidos, como Estados Unidos e CE, que têm defendido a posição de só negociar tais temas na mesa dos acordos multilaterais, isto é, na OMC. Em outras palavras, para o Brasil, nos temas ligados a regras de comércio, como os PDs nada querem ceder, os acordos regionais seriam GATT equal (GATT =), mas, para o Brasil, só interessaria que fosse GATT +.

No Bloco dos Novos Temas, que inclui itens como investimentos, concorrência, transparência de compras governamentais, cláusula ambiental e cláusula trabalhista, a estratégia dos PDs é a de negociar nos acordos regionais o que não estão conseguindo negociar nos acordos multilaterais, jogando o peso de suas economias para obter ganhos em temas que são difíceis de negociar no âmbito da OMC. Assim, para os PDs, os acordos regionais seriam GATT +, mas, para o Brasil, só interessaria que fossem GATT =.

A quarta conclusão, e que deriva das anteriores, é que, se não houver o lançamento de uma nova rodada, o Brasil terá que negociar com muito mais firmeza com os Estados Unidos e com a CE, uma vez que pontos de grande interesse na área de regras dificilmente serão obtidos. No entanto, se uma nova rodada multilateral for lançada, as duas negociações regionais devem caminhar juntas e equilibradas com a negociação multilateral, cenário que certamente maximizará os ganhos do Brasil. Em síntese, com um cenário de três negociações para entrarem nas etapas finais em 2002, o importante é que as três negociações também terminem ao mesmo tempo.

Talvez esse seja o maior desafio que o Brasil terá que enfrentar proximamente, o que exigirá grandes habilidades não só da diplomacia oficial, mas também da diplomacia empresarial e da acadêmica.


MATRIZ DE GANHOS E PERDAS

DAS TRÊS NEGOCIAÇÕES: OMC, ALCA, CE/MERCOSUL


A NEGOCIAÇÃO DE ACORDOS COMERCIAIS COM OS ESTADOS UNIDOS

Peter Hakim e Rachel Menezes

Nos próximos anos, o Brasil estará envolvido em importantes negociações comerciais multilaterais, simultaneamente em três frentes: (1) a rodada global de comércio lançada em novembro de 2002, na reunião da OMC, em Qatar; (2) a Área de Livre-Comércio das

Américas (ALCA), que entrará na sua fase final no ano que vem, quando o Brasil e os Estados

Unidos serão co-presidentes das negociações, cuja conclusão está prevista para janeiro de 2005; e (3) as conversas entre o MERCOSUL e a União Européia, que poderão produzir um acordo entre as duas regiões. Nos dois primeiros casos, os Estados Unidos têm um papel central. Mais do que qualquer outro governo, o que Washington disser e fizer terá importância crítica para os resultados do processo e será um dos fatores determinantes dos benefícios a serem colhidos pelo Brasil e outras nações. O Brasil terá de ter uma compreensão clara da política comercial dos Estados Unidos para poder conduzir as negociações de forma efetiva.

No momento, o problema principal é que os Estados Unidos ainda não têm uma estratégia comercial bem definida. Com a recente aprovação da Autoridade de Promoção Comercial (TPA) (ou como ficou conhecida, a autoridade fast track) pela Câmara de Representantes dos Estados Unidos, a política comercial daquele país começa a caminhar em direção a uma definição. Mas resta um longo caminho a ser percorrido. A legislação TPA ainda terá de ser aprovada pelo Senado, o que deverá acontecer – se for mesmo aprovada – até março ou abril de 2002. Entretanto, se o Senado introduzir alguma alteração no projeto, as divergências terão de ser resolvidas por uma comissão conjunta da Câmara e Senado, e a legislação terá de ser aprovada novamente em ambas as casas. Nos Estados Unidos, a política comercial é uma questão intensamente debatida que tende à polarização. Assim, o debate pode ser prolongado e a TPA pode até ser derrotada no Congresso.

A Administração Bush tem uma estratégia comercial − da mesma forma que a Administração Clinton tinha. Mas não podemos confundir estratégia comercial com uma política nacional de comércio. A Casa Branca exerce muita influência em questões de comércio externo, mas não pode agir sozinha. Uma política comercial somente pode existir com a aprovação do Congresso. E quando o Congresso se posiciona, fala em nome de um leque muito amplo de interesses – sindicatos, líderes empresariais, grupos representativos de produtores rurais, uma multiplicidade de organizações não-governamentais e forças políticas locais, entre outros. São grupos que procuram ativamente moldar a política comercial dos Estados Unidos, freqüentemente com bastante sucesso.

A questão é bastante simples. Não existe ninguém que tenha responsabilidade global pela política comercial dos Estados Unidos. A formulação e a implementação dessa política não estão centralizadas numa única instituição. A política comercial dos Estados Unidos é resultado de um processo de conflito e cooperação entre grupos que divergem intensamente entre si. A política nasce somente quando se conseguem reconciliar os vários conflitos e costurar um acordo mínimo no Congresso. O acordo não precisa levar necessariamente a uma política coerente, consistente ou mesmo racional, e raramente alcança esse objetivo. Em última análise, nenhum dos grupos consegue tudo o que quer. Quando os conflitos não podem ser reconciliados ou resolvidos, o país fica sem uma política comercial, e é exatamente essa que tem sido a situação dos últimos seis anos.

Desde a posse do presidente Bush até o momento, não houve nenhum debate a respeito de qualquer iniciativa comercial, seja a rodada da OMC, a ALCA ou qualquer outra. De fato, a única iniciativa comercial discutida em Washington neste período tem sido a concessão da TPA ao presidente. Não há nada melhor do que o debate a respeito do fast track para demonstrar a natureza ainda rudimentar do sistema utilizado para formular a política comercial dos Estados Unidos e produzir uma postura tão ambivalente relativa à questão de livre-comércio. Praticamente nada mudou nos termos deste debate desde 1994, quando o presidente Clinton tentou renovar essa autoridade pela primeira vez e jamais conseguiu.

Então, o que é TPA ou fast track? Por que é tão importante? E que diferença faz para o Brasil?

A TPA nada mais é do que uma concessão de autoridade do Congresso ao presidente. Ao conceder ao presidente a autoridade fast track, o Congresso renuncia seu direito de alterar acordos comerciais negociados pelo Executivo ou de postergar seu debate. Embora tais acordos ainda precisem da aprovação do Congresso, o Legislativo não pode introduzir mudanças no texto. Pode votar somente sim ou não. Assim, o Congresso não pode tentar forçar o presidente a renegociar itens específicos de tratados comerciais e, portanto, reabrir questões que os representantes de outros governos consideravam resolvidas. Contudo – como sempre acontece –, ao conceder este poder, o Congresso não sai de mãos vazias.

Neste caso, o Congresso dos Estados Unidos tem o direito de definir instruções referentes ao processo de negociação, que o Executivo é obrigado a obedecer, incluindo os princípios básicos que devem nortear os negociadores, os objetivos a serem buscados e, freqüentemente, o que deve ser incluído e excluído do processo, bem como os resultados esperados. A TPA ou fast track dá ao presidente e seus assessores comerciais autoridade substancial para negociar, pois sabem que o Congresso não pode alterar os resultados dos acordos alcançados. Por outro lado, o Congresso pode estabelecer o arcabouço global e a agenda das negociações e, em alguns casos, determinar até que ponto o Executivo pode proceder. Antes da aprovação da TPA, a maioria dos parceiros comerciais dos Estados Unidos evitam negociações comerciais mais profundas com Washington, pois sabem que os negociadores americanos ainda não têm instruções ou estratégias claramente definidas.

No período mais recente, a batalha política que se trava no Congresso entre o Legislativo e o Executivo tornou-se mais intensa. Em duas ocasiões, o Congresso recusou autoridade fast track ao Presidente Clinton, que foi o primeiro presidente americano impossibilitado de usar esse instrumento durante todo o seu mandato. O fato é que só conseguiu aprovar o NAFTA e a Rodada do Uruguai em 1993 aproveitando a autoridade fast track concedida pelo Congresso ao seu predecessor, o primeiro Presidente Bush.

O debate político nos Estados Unidos a respeito dessa questão é vital para os interesses do Brasil, pois trata de assuntos de importância central nas suas relações comerciais com os Estados Unidos, tais como direitos trabalhistas, proteção ao meio ambiente, subsídios agrícolas, propriedade intelectual e leis e práticas antidumping. Na ausência de TPA, haverá sempre uma incerteza, principalmente em relação à evolução da política americana na sua aplicação a cada uma dessas questões, acompanhada de dúvidas quanto à reação do Congresso diante de posições específicas adotadas pelos negociadores e concessões feitas durante o processo pelo Executivo. É essa incerteza que tem levado o Brasil a se recusar a fechar qualquer acordo com os negociadores dos Estados Unidos até que o presidente Bush consiga autoridade fast track.

Mais do que qualquer outra coisa, a TPA – pelo fato de ser tão discutida por tanto tempo – tornou-se emblemática do compromisso (ou falta do mesmo) dos Estados Unidos com o livre-comércio hemisférico e a ampliação da cooperação econômica com a América Latina. Durante todo o período de 1994 a 2001, em que o Congresso se recusou a aprovar a TPA, os governos latino-americanos ficaram sempre mais céticos em relação aos verdadeiros interesses e real apoio dos Estados Unidos à ALCA. Em 1998, o presidente Clinton pediu desculpas aos chefes de Estado reunidos na Cúpula das Américas em Santiago, Chile, pelo fato de ainda não ter conseguido autoridade fast track. O presidente Bush prometeu obter TPA logo após sua posse e pode alcançar esse objetivo no corrente ano.

É quase certo que o Senado aprovará a legislação TPA, mas numa versão diferente do projeto aprovado pela Câmara em dezembro do ano passado. Se isso ocorrer, uma comissão conjunta das duas casas negociará um acordo mutuamente aceitável que terá de ser votado novamente pelas duas casas. O obstáculo à sua aprovação final está na Câmara de Representantes, que aprovou o primeiro projeto por uma diferença mínima de um voto, 215 a favor e 214 contra. Será que vai ser possível manter esta maioria, caso haja necessidade de uma nova votação este ano?

Por que a votação foi tão apertada? E quais os fatores que determinarão o resultado?

No primeiro caso, o debate está sendo travado entre democratas e republicanos. Normalmente, os republicanos votam a favor da autoridade fast track, até certo ponto pelo fato de concentrarem o apoio da comunidade empresarial pró-comércio. Na votação na Câmara, em dezembro, praticamente 9 em cada 10 republicanos apoiaram a concessão de TPA – como resultado principalmente da enorme pressão exercida tanto pela Casa Branca quanto pela liderança do partido no Congresso.

Se tivessem escolha, os democratas prefeririam nem votar a medida. Se votarem a favor, contrariarão seus maiores aliados, que são os grupos sindicais organizados e quase unanimemente contrários a qualquer liberalização comercial adicional. Por outro lado, um voto negativo será certamente considerado protecionista e dificultará a busca de recursos financeiros na comunidade empresarial para a próxima campanha eleitoral. Se os democratas tiverem de votar, a maioria se posicionará contra a autoridade fast track. Na votação de dezembro último, mais do que 9 em cada 10 democratas votaram contra, apesar das concessões chaves feitas pelos republicanos no sentido de incluir questões como direitos trabalhistas e preocupações com o meio ambiente na agenda dos negociadores americanos. Embora possam agradar os democratas, concessões adicionais parecem improváveis no momento, pois poderiam custar votos de legisladores republicanos que preferem uma autoridade fast track enxuta, sem instruções e condições detalhadas, de tal forma que o presidente teria amplo espaço de manobra ao negociar acordos comerciais.

Contudo, as divisões entre os democratas e republicanos no Congresso americano explicam o resultado apenas parcialmente. Nesta questão, muitos membros do Congresso tendem a não votar de acordo com a orientação do seu partido, mas conforme as características políticas e econômicas de suas bases eleitorais. A importância desse fato não pode ser ignorada. Os relatos abaixo foram colhidos em mais de vinte conversas com membros do Congresso.

− Um congressista republicano do meio-oeste, extremamente conservador, defensor intransigente do conceito de livre-comércio, anunciou repetidas vezes que pretendia votar contra a concessão da TPA. Somente assim conseguiria manter o apoio dos funcionários das grandes empresas siderúrgicas e suas famílias, considerado essencial às suas esperanças de reeleição.

− Outro republicano que votou consistentemente a favor de iniciativas de livre-comércio durante toda a sua carreira havia decidido votar contra por causa da recessão americana e dos altos índices de desemprego no setor têxtil no seu distrito. Entretanto, votou a favor somente depois de receber a promessa de proteção adicional contra importações de produtos têxteis em troca do seu voto e dos votos de outros membros.

− Um democrata liberal, eleito pela primeira vez há dois anos, com forte apoio dos sindicatos, declarou que pretendia votar a favor do fast track pois havia sido informado de que muitos empregos no seu distrito dependiam do movimento no aeroporto internacional.

A votação da TPA no Congresso americano também depende da disposição do presidente Bush de tornar a legislação comercial uma alta prioridade de sua administração e investir seu tempo e capital político na sua aprovação. Será que está disposto, por exemplo, a canalizar parte dos recursos do seu pacote de estímulo econômico para distritos eleitorais específicos em busca dos votos de membros chaves do Congresso? Será que está pronto para fazer campanha para membros dispostos a colocar seu próprio mandato em risco, votando a favor da TPA? As pressões geradas na Câmara dos Representantes a partir da Casa Branca em dezembro último foram decisivas para a aprovação do projeto por apenas um voto. Até o patriotismo foi utilizado quando o presidente exortava os republicanos da Câmara a não se oporem à autoridade fast track num momento de crise nacional. É interessante notar que alguns dos assessores mais próximos ao presidente queriam adiar a votação na última hora, temendo uma derrota do projeto. O desgaste político teria sido muito forte para o presidente, que havia designado a TPA um dos pontos centrais de sua agenda.

É importante enfatizar que as circunstâncias econômicas atuais nos Estados Unidos e na América Latina constituem obstáculos importantes à aprovação da TPA e aos esforços de implementar um sistema hemisférico de livre-comércio. A queda no nível de atividade econômica e o aumento do desemprego nos Estados Unidos poderiam agravar seriamente as atuais tendências protecionistas. Embora essa mudança de curso ainda não tenha ocorrido, as pressões no sentido de defender as indústrias e trabalhadores americanos aumentarão consideravelmente, se a atual recessão gerar ainda mais desemprego e margens de lucro mais magras. Independentemente das sugestões dos analistas econômicos, haverá oposição política a qualquer tentativa de liberalizar ainda mais o comércio. Em períodos de recessão, idéias a respeito de livre-comércio raramente conseguem prosperar.

Embora espelhe a situação americana, o atual declínio da economia mexicana não ajuda em nada. Certo ou errado, o Congresso americano enxerga a ALCA como extensão do NAFTA. O fraco desempenho da economia mexicana tem levado muitos a questionar se a decisão de criar a NAFTA foi realmente uma decisão sábia, gerando assim maiores resistências à adoção de medidas para o livre-comércio no Hemisfério. Outro fator importante é a trajetória da economia brasileira. Responsável por mais do que 70% da atividade econômica da América Latina, o Brasil é o que torna a ALCA tão atraente para a comunidade empresarial americana. Entretanto, o crescimento fraco registrado pelo Brasil nos últimos anos vem diminuindo esse entusiasmo. O evento mais grave, contudo, foi o colapso da economia argentina. A América Latina terá de ser vista pelo empresariado americano como importante mercado para exportações e pólo de investimento, ou não haverá apoio para o livre-comércio no hemisfério. Fracassos econômicos no Cone Sul terão o efeito de deslocar a atenção da comunidade empresarial para outros mercados. Em poucas palavras, as possibilidades de aprovação de autoridade fast track pelo Congresso americano, seguidas de negociações bem-sucedidas da

ALCA, seriam melhores se as economias dos Estados Unidos e dos principais países da América Latina estivessem produzindo melhores resultados. Isso reduziria as pressões protecionistas nos Estados Unidos e tornaria a América Latina um parceiro consideravelmente mais atraente.

Ao mesmo tempo, é importante focalizar não apenas a questão de aprovação da TPA, mas também o conteúdo dela. Conforme foi dito acima, é a TPA que norteia os negociadores americanos. Mais do que qualquer outra coisa, a TPA define a política comercial e a estratégia de negociação dos Estados Unidos. A legislação TPA aprovada pela Câmara dos Representantes em dezembro é um bom indício da natureza do projeto final, caso seja aprovado. Sugere dois problemas críticos. Primeiramente, o fato de ter sido aprovada por apenas um voto lança dúvidas sobre a profundidade do comprometimento dos Estados Unidos com negociações comerciais verdadeiras. A votação apertada de dezembro é um aviso de que a

Câmara poderá derrotar o projeto final (que se espera seja apresentado ainda no corrente ano). Também sugere que o Congresso poderá rejeitar um acordo da ALCA negociado com a América Latina.

A segunda e mais importante razão tem a ver com o risco implícito à própria votação. Num dado momento, parecia certo que a TPA seria derrotada quando o painel anunciou 215 votos contrários. Entretanto, os líderes republicanos conseguiram mudar dois votos em troca de uma redução das concessões dadas a países do Caribe e da América Central relativas às suas exportações de produtos têxteis. Vários outros votos foram obtidos da mesma forma, aceitando as demandas protecionistas de agricultores, fruticultores e proprietários de usinas e empresas siderúrgicas – ironicamente para salvar legislação projetada para permitir ao presidente negociar acordos de livre-comércio. Nos termos em que foi aprovada pela Câmara, a TPA é protecionista – especialmente em áreas de importância crítica para o Brasil. O Presidente Fernando Henrique Cardoso reagiu imediatamente e declarou sem meias palavras que, caso o texto final da TPA fosse aprovado nos mesmos termos, não haveria qualquer possibilidade de implementação da ALCA. Mas isso não é tão claro. Certamente, existe mais espaço para negociação do que o Presidente Fernando Henrique Cardoso sugere.

Especificamente, as autoridades brasileiras devem reconhecer duas coisas. Em primeiro lugar, o fato de a política comercial americana não ser centralizada e envolver inúmeros atores e interesses representa uma oportunidade para o Brasil, pois poderá negociar e influenciar o resultado final do processo de forma muito mais efetiva. Os negociadores brasileiros precisam ser altamente pragmáticos, evitando objetivos fundamentados em princípios abstratos. Devem tentar identificar e buscar metas alcançáveis, levando em consideração as restrições políticas sob as quais eles e seus colegas americanos terão de operar. O sucesso obtido pelo Brasil na OMC ao garantir uma exceção aos direitos de propriedade intelectual na área de saúde pública é um ótimo exemplo de negociações pragmáticas. Da mesma forma, em vez de tentar introduzir grandes alterações nas leis antidumping dos Estados Unidos – legislação esta que goza de amplo apoio bipartidário e é considerada praticamente intocável –, os negociadores brasileiros poderiam buscar renúncias específicas em circunstâncias restritas para si e para outros países. As negociações agrícolas serão marcadas por discussões produto por produto. Não existe um enfoque que possa abranger todas as questões. Em poucas palavras, o Brasil deve concentrar-se naquelas áreas onde é possível obter resultados e, então, centrar fogo precisamente nelas.

A segunda consideração é que a mesa de negociações não é o único e talvez nem o local mais importante para o Brasil alcançar seus objetivos comerciais. Como os diplomatas brasileiros estão cansados de saber, os inúmeros atores que influenciam a política comercial dos Estados Unidos podem ser contatados numa diversidade de cenários diferentes. Mas a negociação comercial não pode ser deixada exclusivamente aos diplomatas e negociadores. É essencial envolver também os políticos, líderes empresariais e sindicais e membros do Congresso. Todos devem ser estimulados a participar ativamente nas negociações através de contatos regulares com pessoas e instituições similares nos Estados Unidos, incluindo o Congresso, a comunidade empresarial, sindicatos e governos estaduais e locais. Sem esse tipo de esforço, os negociadores brasileiros sofrerão as desvantagens críticas de informação escassa e falta de aliados.

Finalmente, o Congresso brasileiro poderia assumir um papel mais significativo na formulação da política comercial. Não existe nada semelhante à autoridade fast track que envolve o Congresso americano profundamente em todo o processo de negociação desde o início e, conseqüentemente, incorpora muitos outros grupos ao processo. Não há nada que impeça o Congresso brasileiro de desenvolver a sua própria versão de uma agenda e definir objetivos para o Brasil nas diversas negociações comerciais – embora, diferentemente da autoridade fast track, tais decisões não obrigariam o Executivo. A Conferência sobre a ALCA realizada em outubro e patrocinada pela Câmara dos Deputados do Brasil foi um bom primeiro passo no processo de coleta das informações e pontos de vista necessários à preparação da referida agenda. Um segundo passo poderia ser a contratação de estudos específicos em diversas áreas importantes, a realização de audiências públicas a respeito da ALCA e outras negociações, bem como a organização de outras conferências e seminários. Assim, o Congresso brasileiro seria transformado no centro de um debate nacional sobre o comércio em geral e, especificamente, sobre a ALCA.


OS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO DIANTE DO

LIVRE-COMÉRCIO, AS NEGOCIAÇÕES DA ALCA E A OMC: ALGUMAS REFLEXÕES GERAIS

Méntor Villagómez Merino

A título de introdução

Este trabalho tem a intenção de apresentar algumas reflexões de caráter geral com respeito à validade da abertura e da liberalização dos mercados, considerando o crescimento econômico dos países em desenvolvimento, de modo especial no marco das negociações que atualmente se fazem na Área de Livre-Comércio das Américas (ALCA) e na Organização Mundial do Comércio (OMC).

Pretende avaliar a experiência mais recente da região, sob a perspectiva de um país pequeno, o Equador, que trata de substituir seu tradicional padrão de inserção na economia internacional – assentado, até há pouco, num alto nível de protecionismo e nos fundamentos mais clássicos aplicáveis às indústrias nascentes – por um esquema de maior abertura e liberalização que, contudo, não deveria significar o abandono de uma adequada vigilância estatal.

A análise postula e confirma as vantagens da liberdade cambial como via para a modernização e maior eqüidade distributiva, ainda que nos limites de certos pressupostos básicos.

Vistas as semelhanças estruturais das economias andinas, de cujo esquema de integração o Equador participa, a análise permitiria estabelecer algumas semelhanças com respeito às dificuldades que esses países tiveram de enfrentar no seu esforço de modificação de estilo de desenvolvimento, bem como tirar algumas conclusões , com respeito ao futuro imediato, no contexto das negociações comerciais que avançam na ALCA e na OMC, numa conjuntura caracterizada pela emergência – uma vez mais – daquilo que, tempos atrás, Karl Polanyi denominava “a grande transformação”, agora sob outra caracterização.

Autarquia e liberdade cambial: a experiência recente

O lugar-comum das novas relações econômicas internacionais e das possibilidades de desenvolvimento das nações, nos últimos anos, parece ser, sem dúvida alguma, a maior integração aos mercados internacionais de parte das economias em desenvolvimento.

Frente às opções do passado, centradas no privilégio da autarquia, a liberalização dos mercados ofereceu, evidentemente, maiores possibilidades de crescimento aos países, baseadas em novos investimentos e transferência de tecnologia, que dinamizaram as economias nacionais, sobretudo por seu estímulo a novas exportações, que passam a ser, pelo menos se existe coerência e consistência na aplicação das políticas de regulação macroeconômica, os determinantes essenciais do desempenho econômico.

Existiria consenso no fato de considerar que os países que mais intercambiam e exportam são os que mais crescem. Os exemplos de algumas nações asiáticas e do Chile, para citar talvez os mais relevantes, confirmam isso. Contudo, é óbvio que tais resultados foram alcançados após a aplicação de rígidas políticas de estabilização, durante longos períodos e, especialmente, sob o denominador da continuidade.

A América Latina, pelo menos até o final dos anos oitenta, era uma das zonas mais voláteis do mundo. Em suas economias, o tipo de câmbio, a inflação e o investimento tendiam a movimentar-se de forma errática, gerando instabilidade e propiciando a formação de expectativas distorcidas dos agentes econômicos, no marco de modelos de caráter administrativo, que estimularam a implementação de políticas anticompetitivas, que alteravam a dotação de recursos, a produtividade e a eficiência, essenciais para a concorrência numa economia internacional, que se transformava com rapidez.

Foram afetadas as possibilidades do crescimento econômico e produziram-se comportamentos perversos nos agentes econômicos individuais, que tiveram conseqüências negativas para a sociedade e condicionaram suas perspectivas de mudança.

Houve perda de incentivos para investimento em instalações físicas e capital humano, o que desacelerou a expansão das economias nacionais, além de ter efeitos distributivos enviesados, contra os segmentos populacionais de menores rendas, o que condicionou a demanda e as tendências da acumulação.

Por sua vez, a instabilidade nos mercados cambiais, especialmente nos regimes movidos por interesses particulares, produziu uma forte desconfiança nas políticas públicas e alterou a evolução dos investimentos e sua rentabilidade. As crises financeiras também estiveram na agenda.

A maior vulnerabilidade externa e a deterioração das contas públicas também foram resultado desse modelo. Isso confirmaria o que Amartya Sen assinalou, no sentido de que “o papel que os mercados podem desempenhar depende não só de quanto podem fazer, mas do que lhes é permitido fazer” .

Com base na hipótese de que a proteção e o intervencionismo estatal na gestão econômica ordenariam as tendências do desenvolvimento econômico e social nos países, foram privilegiados apenas certos setores, em detrimento das opções dos consumidores e, sobretudo, da melhor utilização dos recursos. Em alguns casos, como no do Equador, por exemplo, o tipo de câmbio e as taxas de juros permaneceram fixos durante mais de 10 anos, já em meio a um contexto de tensões inflacionárias intensas .

O conflito central, contudo, continuou sendo o relacionado à forma de superar tais interesses particulares em benefício do conjunto da sociedade; uma reformulação geral era imperiosa, pois não podiam prevalecer as preferências particulares sobre os altos objetivos dos países.

Assim, foi empreendida, finalmente, a tarefa difícil da mudança, baseada numa opção que resgatava a importância dos mercados como base para a estabilidade macroeconômica e a modernização dos aparelhos produtivos, em meio a uma economia internacional que se tinha modificado com extrema rapidez.

Como se sabe, a denominada “nova economia”, caracterizada pelo progresso inusitado das telecomunicações, da tecnologia e da informação, passou a ser o centro das análises macroeconômicas do crescimento e da análise microeconômica da competitividade.

Com a nova economia, assistiu-se ao advento de um mercado mais fluido, mais transparente, de um intercâmbio sem enfrentamentos e sem fricção: um mercado parecido com o mercado puro da teoria econômica. A abundância de informações, os rendimentos crescentes da economia de redes e a baixa dos custos de transação produziriam, em certos prazos, uma revolução organizacional: os mercados se sobreporiam às hierarquias, o comércio e as empresas seriam, conseqüentemente, profundamente afetados . E isso alteraria as esferas real e financeira.

Nesse novo contexto internacional, revelar-se-ia, com clareza absoluta, a primazia dos mercados sobre os outros âmbitos do social: a coesão social seria dada efetivamente pela participação no mercado. Mas este refletiria a eficiência e a excelência, motivo por que, a partir desse momento, o balanço final da participação de cidadãos e países dependeria de suas possibilidades de inovação e adaptação. Tal é o desafio generalizado que também o assumem os países em desenvolvimento, nesta conjuntura.

Entretanto, a liberalização dos mercados não supõe, de nenhum modo, o jogo livre da oferta e da demanda: há várias condições a serem consideradas, sobretudo no campo da abertura comercial dentro do contexto multilateral ou regional ampliado; disso se tratará mais adiante.

De qualquer modo, o certo é que a opção da liberalização e da abertura apareceu com maior força, na América Latina, nos anos noventa; ao término da década, confirmava-se que a consistência na aplicação de um modelo menos intervencionista, apoiado na regulação pelo mercado e aberto ao exterior, permitia modular as tendências dos “fundamentais” econômicos, cuja resolução não foi possível, sob o modelo anterior.

Talvez o acima exposto simplifique ao extremo a realidade latino-americana, mas ficou demonstrado nessa década, também, que os países que se integraram ao contexto externo são, como antes se mencionou, os que puderam enfrentar, com maior facilidade, os desajustes conjunturais precipitados por fatores externos e aproveitaram os benefícios da expansão que a economia internacional evidenciou nos últimos anos. Vários indicadores de gestão macroeconômica o confirmaram.

Liberalização comercial e modernização das economias: uma causalidade positiva

A maior integração e o livre-comércio serão, nos próximos anos, variáveis determinantes das tendências do desenvolvimento e mudarão drasticamente as condições do bem-estar geral e a estrutura do mercado mundial.

O ponto de partida, mais uma vez, é a consideração de que os regimes com maior abertura são, em termos de bem-estar, superiores aos regimes comerciais restritos e protecionistas, pois projetam as condições apropriadas para melhorar a destinação de recursos, a especialização e a institucionalização das sociedades.

Contudo, isso está sujeito a algumas condições: de um lado, à consistência e credibilidade das políticas públicas e a limites perfeitamente definidos para a gestão diretriz do Estado; e, de outro, à atitude que as multinacionais venham a demonstrar, pois são atores decisivos desta nova etapa das relações internacionais.

Do que se conseguiu apreciar nos últimos anos, seria muito certa a afirmação de que, sem condições macroeconômicas corretas, as tentativas de abertura estão fadadas ao fracasso; correlativamente, a aplicação de restrições ao livre-comércio – ou o incremento da proteção – esteve associada ou é resultado de uma macroeconomia deficiente, ou seja, aplicam-se em economias caracterizadas por déficits fiscais insustentáveis, alto endividamento e desajustes na posição de conta-corrente, o que exacerba as tensões inflacionárias.

Isso não quer dizer que, diante dos desequilíbrios internos, os países devam favorecer o isolamento. Na prática, caso se definam com clareza os objetivos de curto e longo prazo, e se houver consistência no funcionamento da política econômica – o que é uma opção privativa dos países em função do mais alto interesse nacional –, a abertura pode ir oferecendo benefícios progressivos, até que, com o tempo, eles sejam alcançados plenamente .

De outro lado, deve-se assumir que a globalização é um processo complexo, que varia no tempo, afeta indistintamente os setores da produção dos países e pode alterar os “entornos” nacionais, sob diferentes formas. O denominado “triângulo da perfeita compatibilidade”: tipos de câmbio estáveis, fluxos de capital normais e políticas monetárias autônomas, foi uma ficção e a crescente concorrência entre as empresas e agentes econômicos é o denominador comum na conjuntura internacional.

Mas o conceito de globalização, no qual se inscreve, em geral, a análise das tendências do comércio, deve ser precisado. Frente às simplificações, que a entendem como o processo de integração dos sistemas produtivos, comerciais, financeiros e de informação, deve-se contrapor o outro conceito, que a entende como a redefinição, em escala internacional, dos laços entre economia e poder de outros Estados e das firmas multinacionais e o desdobramento do sistema internacional de relações produtivas, através dos fluxos monetários e de investimentos, em espaços ampliados .

Entender a globalização em sua dimensão adequada permitirá o planejamento da melhor estratégia de inserção ao contexto internacional. Da perspectiva da abertura induzida ou da abertura endógena116, deve-se ter presente que esta é o reflexo de um regime de política econômica que leva os preços domésticos dos bens comerciáveis ao nível dos preços externos. Em todas as economias abertas, as restrições quantitativas não existem ou são muito pequenas; conseqüentemente, as mudanças nos preços domésticos revelarão a evolução dos preços externos.

Tal tipologia de abertura tem, de fato, várias conseqüências práticas para países pequenos e pouco diversificados, o que os obriga a levar a cabo ações emergentes para otimizar a maior vinculação ao mercado externo , sobretudo em termos da busca de maior competitividade, e isso implica ações em várias frentes.

Como assinalou a CEPAL, fechar a brecha produtiva com os países mais desenvolvidos requer não só políticas macroeconômicas e de abertura adequadas, mas também políticas de desenvolvimento produtivo, que incluam políticas horizontais ou mesoeconômicas (que apóiem a competitividade sistêmica do entorno: infra-estrutura, mercados de fatores, promoção, etc.), e políticas microeconômicas (que modifiquem, diretamente, as operações das empresas, em especial o uso de melhores tecnologias).

Na prática, deve-se levar em conta que os países pequenos enfrentam, de partida, mudanças fundamentais, que abrem dúvidas acerca da eficiência da economia e da política econômica correta: de um lado, a abertura fará com que as empresas suportem uma maior pressão importadora; de outro, de qualquer modo, as oportunidades de exportação aumentam e, por vezes, não há possibilidade de aproveitá-las de maneira oportuna, ao existirem problemas de qualidade; e, finalmente, em função da luta mundial pela atração de investimentos, fica reduzido o espaço de manobra da política econômica, pois está vedada a ela recorrer aos instrumentos do passado, de preferência aos que eram utilizados sob os critérios de apoio às indústrias nascentes .

Cenário difícil, que se complica para os países que não conseguiram a estabilização interna; nesses casos, confrontados com a abertura e com negociações de compromissos de acesso a mercados, vêem-se diante de um duplo desafio. Junta-se à busca dos equilíbrios internos a otimização da abertura, em termos de definir e aplicar estratégias que minimizem os custos que, de qualquer forma, devem ocorrer com a liberalização.

Para os países em desenvolvimento, a integração e a abertura comercial são sempre mais complexas, pelo menos quando se admite que a liberalização implica custos simultâneos em várias frentes, em especial em termos de emprego. Ao mesmo tempo, devem os países tratar de encontrar modalidades que permitam aos setores deslocados voltarem a se situar entre aqueles que têm possibilidade de continuar avançando e, por esse caminho, absorver os excedentes de mão-de-obra.

Tal é a tarefa interna. Mas, do outro lado, estão as irregularidades da liberalização comercial. Os países desenvolvidos fecham seus mercados às exportações dos países em desenvolvimento sob argumentações de diferente ordem, o que, em muitas ocasiões, dependendo da dinâmica interna, leva a que os setores empresariais reclamem pelo retorno do protecionismo tarifário, pela intervenção governamental, em defesa de determinados setores econômicos e pela aplicação de medidas unilaterais de proteção das indústrias nacionais , o que resulta compreensível.

Estas atitudes “heterodoxas” podem, na prática, revelar uma espécie de dupla moral comercial, que tende a diluir os esforços da “concertação” multilateral que se impõe na conjuntura, precisamente porque, nos últimos anos, o mundo se tornou mais instável, menos previsível, oferecendo sempre oportunidades às crises latentes.

Os Estados são, pois, cada vez mais interdependentes e os desequilíbrios cada vez mais persistentes, propagando-se a uma velocidade sempre maior. Os temas da regulação e da governabilidade são sempre mais atuais. Como conduzir uma economia inserida nesse contexto? Como estabilizar a economia mundial sem acreditar na idéia de uma perda da soberania dos Estados? Como articular os níveis mundial, regional e nacional de governo?

As negociações comerciais na ALCA e na OMC: colocações sob a perspectiva dos países em desenvolvimento

Os países em desenvolvimento se comprometeram amplamente no processo de liberalização comercial e no aprofundamento do modelo de regulação pelo mercado, se bem que dentro de um quadro de certas precondições, consideradas essenciais para a garantia da eqüidade na conjuntura.

Como observa Cohen , o auge da mundialização não deve tampouco fazer esquecer que, na história econômica, todas as potências atuais conheceram, em suas origens, fases protecionistas mercantilistas e que as liberalizações tarifárias escondiam (e escondem, MVM), muitas vezes, o recurso a obstáculos não-tarifários. A mundialização não está consolidada para sempre: às fases de abertura podem se suceder fases de autonomia, apesar das precauções que sejam adotadas para que isso não ocorra.

Possivelmente tenha razão quem diga que a experiência econômica mostra ter o mundo vivido mais sob regimes protecionistas do que sob regimes de livre intercâmbio e que a abertura nunca está definitivamente adquirida (garantida, MVM) , o que suporia a necessidade de avaliar cuidadosamente a implantação de mecanismos de estabilização e melhor distribuição dos custos, que sempre estão implicados com a liberalização.

A ALCA constitui hoje um grande desafio para os países em desenvolvimento. Espera-se que a criação da zona hemisférica de livre-comércio consolide as relações que existem entre os países da região, unidos pelo objetivo essencial de fortalecer a democracia, lutar contra a pobreza e alcançar o desenvolvimento e a prosperidade.

Busca-se um equilíbrio estável, que não altere as condições de concorrência em que se desenvolvem os agentes privados. Entretanto, é óbvio que, no marco destas negociações, existe um tema que não pode ser contornado: o relativo à importância de definir um regime de tratamento especial e diferenciado para os países de menor desenvolvimento.

A incorporação de tal regime na normativa da ALCA é prioritária, levando em conta, de modo especial, as amplas diferenças nos níveis de desenvolvimento que caracterizam as economias participantes no processo, o que poderia reeditar experiências anteriores de esquemas de integração nos quais, ao cabo de certo tempo, os benefícios tenderam a concentrar-se em poucos países, deixando em situação de desvantagem a maioria.

A ausência de dispositivos idôneos de modulação dos custos, que poderiam derivar da abertura, uma vez posta em vigência a normativa resultante das negociações, poderia induzir, em determinados casos, a que se viesse a recorrer a medidas de proteção, se os países de menor desenvolvimento econômico não contarem com instrumentos que lhes permitam ajustar, paulatinamente, suas estruturas produtivas, com vistas a incrementar sua produtividade e competitividade no mercado hemisférico, pois as condições de partida são, com toda evidência, altamente díspares.

Assumir esta posição não implica contradizer os aspectos positivos que derivam da liberalização das economias. Do que se trata é precisamente de apoiar, num sentido amplo, a estruturação de mercados competitivos, distorcidos por uma série de desajustes que, historicamente, envolveram os que são hoje países desenvolvidos.

É um tipo de compensação que leva a que se imponham relações equivalentes nos intercâmbios futuros, que não teriam, necessariamente, o caráter de permanentes, ao menos na perspectiva negativa, na que derivou o clássico protecionismo latino-americano vigente desde os anos cinqüenta.

Pretende-se o estabelecimento, em prazos adequados, de um jogo de mercados reais, não de mercados utópicos, não desse mundo de construções rigorosas, em que tudo se explica a partir de premissas assépticas , o que, em não poucas ocasiões, foi o determinante do atraso relativo da maioria dos países da região.


Como justificar ainda mais a validade do tratamento especial requerido? Há várias formas, que vão desde a mais fácil, o recurso às argumentações históricas tradicionais – em resumo, as assimetrias na formação de preços dos produtos de exportação dos países em desenvolvimento, o que afetou seu processo de crescimento –, até a constatação de uma modernidade marcada pela presença de monopólios e a ruptura dos princípios básicos que regem a regulação pelo mercado por parte das próprias economias industrializadas, que recorreram, de modo persistente, à aplicação de arbítrios protecionistas, que conspiraram contra a expansão econômica dos países da zona.


Este tipo de dispositivos não teria de ser visto como mecanismo que, eventualmente, poderia desacelerar a formação da zona de livre-comércio, mas como um conjunto de regras e compromissos que vão na direção, precisamente, de sua consolidação global. O livre-comércio é um instrumento para o desenvolvimento, e devem ser adotados os arbítrios normativos que apóiem sua vigência hemisférica, num marco de eqüidade possível, estabilidade e transparência.

De qualquer forma, o tratamento diferenciado não poderia ser, em nenhum caso, menor do que o já contemplado pela normativa OMC, mas deveria ser caracterizado por sua flexibilidade para ser administrado em função dos níveis de desenvolvimento e de considerações de prioridade setorial, que poderiam ser argumentadas, no momento oportuno, pelas nações intervenientes na formação da ALCA.

Outro aspecto fundamental na nova etapa das futuras relações comerciais diz respeito à importância de manter, pelo menos no marco da ALCA, um papel pró-ativo nas negociações, que pode ser concretizado através dos esquemas sub-regionais.

A ALCA, como se conhece, é compatível com os esquemas de integração vigentes; a projeção ao esquema hemisférico prova que os países em desenvolvimento realizaram mudanças unilaterais, que confirmam a tendência de abertura consolidada nos últimos anos, como base de sua modernização e da mudança das estruturas sub-regionais e nacionais, e mostra a compatibilidade que existe nessas ordens. No plano comercial, estes esforços autônomos deveriam ser reconhecidos efetivamente pelos países desenvolvidos.

Num mundo instável como o atual, a “concertação” é preferível ao isolamento ou ao bilateralismo, sem que o segundo seja incompatível com a tendência em curso, ou seja, a progressiva formação da zona de livre-comércio hemisférica.


Assim, para o caso dos países em desenvolvimento, os retrocessos em matéria de liberalização deveriam ser a resposta a desajustes que, muitas vezes, são produto de arbitragens ou práticas anticompetitivas adotadas pelos países desenvolvidos. O recurso aos obstáculos técnicos, mesmo sob considerações ligadas a princípios inegavelmente válidos, como a proteção ambiental, esconde, quando ultrapassam os limites acordados multilateralmente, tendências protecionistas que não podem ser validadas, pois afetam os esforços que os países em desenvolvimento realizam para estabilizar suas economias e modernizar seus aparatos produtivos.

Leve-se em conta que o ordenamento multilateral não pode ser abusado por nenhum grupo de países. Com efeito, o fato de contar com um ordenamento multilateral atualizado sobre as regras do comércio de bens e serviços, ainda que tal ordenamento seja perfectível, pode oferecer benefícios líquidos a (todos, MVM) os países, num contexto de globalização. Ao contrário, a falta de tal ordenamento poderia dar lugar a uma luta entre blocos comerciais ou ao predomínio unilateral das principais potências comerciais, o que não é lícito .


Outro aspecto de fundamental importância no marco das negociações atualmente em curso para a formação da ALCA, do ponto de vista dos países de menor desenvolvimento, é a necessidade de que os resultados do processo sejam objeto de uma avaliação de conjunto, que compense os desvios eventualmente ocorridos nas mesas de negociação, consideradas em particular. De alguma forma, isto poderia complementar os mecanismos de tratamento diferenciado, que serão parte substancial da normativa ALCA.

A negociação por compartimentos estanques pode ser prejudicial para os países em desenvolvimento, e é necessário que se adote um mecanismo de compensação lícito, que possa dar passagem para a implementação – sem as pressões da abertura – de certos estímulos em setores, que os países em desenvolvimento poderiam julgar que são mais interessantes para seu crescimento econômico.


Se a liberalização é, por exemplo, mais avançada no âmbito dos serviços financeiros, um país em desenvolvimento poderia ser mais conservador na liberalização de algum subsetor particular da agricultura, o que facilitaria o êxito de equilíbrios dinâmicos apropriados.


Se os países em desenvolvimento, intervenientes nestas negociações, conseguirem precisar um mecanismo que permita chegar ao acima exposto, é muito possível que o processo se acelere no futuro, por razões óbvias. Cada vez mais, as vulnerabilidades seriam menores, claro, na hipótese de que a coerência na aplicação das políticas internas seja uma constante.

Enfim, a ALCA poderia ser vista pelos países em desenvolvimento como uma via muito importante para precipitar uma mudança duradoura nas relações internacionais, em nível hemisférico e mundial. Reconhecido o fato de que a abertura comercial pode se tornar um fator de aceleração das mudanças internas, a maior integração, que está acompanhada por certo nível de cessão da soberania dos países em geral, deveria ser aproveitada para estimular a reflexão e a prática concreta sobre as novas características que deveriam ter as relações entre os Estados.

Uma volta ao protecionismo – como conseqüência dos lamentáveis eventos das últimas semanas – possivelmente acentuaria a depressão econômica mundial, o que, por sua vez, repercutiria, de modo muito marcado, sobre a regulação do social, em nível global. A necessidade, por conseguinte, de abandonar enfoques radicais em matéria de manejo macroeconômico, diante dos primeiros sinais de uma crise é, hoje mais do que nunca, essencial para não afetar o ritmo da expansão econômica, que a economia mundial vinha experimentando nos últimos anos.


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