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Marcos Cintra

Livro: O Brasil e a Alca (parte 4/9)

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ALCA

Roberto Giannetti da Fonseca


1. Introdução

A menos de quinze meses do final do governo Fernando Henrique Cardoso, vivenciamos um cenário de profundas incertezas em relação ao futuro da ALCA. Incertezas que resultam:

a)         da desaceleração da economia mundial;

b)         do profundo rearranjo das prioridades e interesses da sociedade norte-americana ensejado pelos trágicos eventos de 11 de setembro;

c)         das próprias vicissitudes e assimetrias do processo negociador da ALCA, que reúne grupo extremamente heterogêneo de países, com expectativas, objetivos e realidades contrastantes, e, finalmente;

d)         da resistência interna em diversos países – a começar nos Estados Unidos – à negociação do Acordo.

Mais especificamente, a ALCA se desenvolve hoje em um contexto macro em que:

a)         a agenda política internacional e, em particular, a agenda de segurança parecem recobrar parte da importância que tinham antes do fim da Guerra Fria, drenando recursos negociadores e a atenção dos processos econômicos;

b)         a economia estará cada vez mais atrelada à política, tanto na dimensão internacional, como no domínio interno de cada país;

c)         os atentados terroristas atingiram fortemente a confiança dos consumidores e investidores, o que vem agravando as perspectivas de desaceleração da economia mundial;

d)         os aspectos keynesianos do esforço de mobilização militar dos Estados Unidos ainda permanecem incertos;

e)         restringiu-se fortemente o acesso ao mercado financeiro para economias em desenvolvimento, algo que o Brasil já de alguma forma vinha experimentando;

f)          os setores associados aos transportes internacionais – entre os quais a aviação civil e o turismo internacional, grandes empregadores de mão-de-obra no plano mundial – experimentam forte retração.

Reverter esse quadro de incertezas poderá tornar-se um imperativo para o Brasil e para o conjunto de países das Américas. A regionalização se afirma como tendência predominante da atual conjuntura. O lançamento de uma nova rodada na OMC – pré-condição básica para o avanço do regime comercial da globalização – permanece cercado de dúvidas, mas no plano regional observa-se o paulatino alargamento da União Européia e o avanço de esquemas de integração na Ásia. Em tal contexto, parece natural que arranjos regionais se consolidem como o método precípuo de aceleração de acesso a mercados e que a ALCA se transforme em espaço prioritário de expansão comercial para os países do Hemisfério Ocidental.

Apesar de apresentar-se como tendência natural, a conformação de uma ALCA não será um processo livre de conflitos e tensões, tanto domésticos como externos. Duas ordens de risco se colocam ao Brasil ao longo do caminho. Em primeiro lugar, além dos riscos de emperramento geral do processo negociador, associado às incertezas acima aludidas, o Brasil individualmente poderá colocar-se em posição de isolamento em relação aos demais países do continente, em razão de possuir uma das economias mais diversificadas do Continente Americano, que faz gerar com os Estados Unidos uma zona de fricção relativamente maior do que a dos demais países não-membros do NAFTA.

A segunda ordem é de natureza interna: o Brasil poderá enfrentar um cenário de impasse interno, já que o processo de integração inelutavelmente gerará ganhadores e perdedores. Setores ameaçados continuarão a buscar valer-se da proteção tarifária e de mecanismos de reserva de mercado, dos quais se beneficiaram no período de substituição de importação. Com o acirramento dos debates, a ALCA poderá ser instrumentalizada por grupos políticos. Caberá ao governo antecipar cenários, promover ampla campanha de informação e de discussões públicas com o Congresso e a sociedade civil, aplacar resistências infundadas e mostrar que a integração regional, se negociada a contento, poderá trazer ganhos ao País e alavancar uma nova fase de crescimento e prosperidade, apesar de prejudicar este ou aquele setor menos competitivo.

Tema central para o Brasil na conformação da ALCA será a negociação de acesso a mercados. Para o conjunto de países da América do Sul, o aumento das exportações é condição indispensável para a manutenção do equilíbrio das contas externas. Após uma década de elevada liquidez internacional, entramos agora em uma era marcada pela redução dos fluxos de investimentos estrangeiros diretos em países emergentes. Com a diminuição da entrada de capitais, as exportações tornam-se uma fonte essencial de divisas. E, portanto, do ponto de vista dos países credores, a concessão de acesso a mercados aos países devedores tornou-se essencial para a sustentabilidade do pagamento das dívidas externas.

Demonstrar aos Estados Unidos as vantagens da concessão de maior acesso a seus mercados constitui um dos maiores desafios atuais para o Brasil. Lamentavelmente, os temas de acesso a mercados de interesse prioritário ao Brasil – cotas, tarifas, subsídios agrícolas e legislação antidumping – são justamente os que estão mais firmemente enraizados no sistema de barreiras ao comércio dos Estados Unidos e, como tal, fazem antever um cenário de negociações permeado por turbulências.

O presente texto contém duas proposições principais com relação ao processo negociador da ALCA. A primeira argumenta que, embora as negociações de comércio e de finanças sejam conduzidas separadamente, é essencial que os países em desenvolvimento passem a vincular dívida externa a acesso a mercados. A segunda defende a idéia de que uma zona de livre-comércio (ZLC), na América do Sul, induzida pelo Brasil, em iniciativa em que o País concedesse acesso ampliado aos nossos mercados aos vizinhos sul-americanos para receber em troca mandato negociador para a ALCA, poderia impulsionar de forma decisiva o processo de integração hemisférica.

Nos parágrafos a seguir, descrevo em linhas gerais a evolução do processo negociador relativo a três temas diretamente associados à questão de acesso a mercados: tarifas, barreiras não-tarifárias e regras de origem. Na seção final, avalio os cenários de riscos e oportunidades abertas pela negociação da ALCA, bem como alternativas para o encaminhamento do processo negociador.

2. Tarifas, barreiras não-tarifárias e regras de origem

Os temas Acesso a mercados, tarifas, barreiras não-tarifárias e Regras de origem estão sendo tratados no Grupo de Negociação de Acesso a Mercados (GNAM), um dos nove Grupos Negociadores do futuro Acordo da ALCA. Cabe ao GNAM o tratamento de acesso a mercado para produtos industriais em seis temas básicos: tarifas, medidas não-tarifárias, obstáculos técnicos ao comércio, salvaguardas, regras de origem e procedimentos aduaneiros.

As questões de acesso a mercados para produtos agrícolas, serviços, investimentos e compras governamentais são tratadas em Grupos de Negociação específicos.

Todos os Grupos Negociadores da ALCA estão, em cumprimento ao mandado emanado da Declaração Ministerial de Buenos Aires (abril 2001), elaborando uma segunda versão da minuta do Acordo ALCA, eliminando divergências (hoje texto entre colchetes).

Além disso, os cinco grupos acima mencionados, que se ocupam das discussões de acesso a mercados, terão que apresentar, até abril de 2002, recomendações sobre métodos e modalidades para as negociações.

No quesito tarifas, os Estados Unidos são a economia mais aberta do Hemisfério, com média tarifária ad valorem nominal de 4%, enquanto que a Tarifa Externa Comum (TEC) do MERCOSUL está situada na média de 12,5%, embora a tarifa média efetiva aplicada pelo Brasil seja da ordem de 7%. Cabe, ademais, recordar que este é praticamente o único instrumento utilizado no Brasil de proteção efetiva à nossa indústria.

Os Estados Unidos, por outro lado, abusam dos picos tarifários; da escalada tarifária (em que alíquotas crescentes são fixadas de acordo com o aumento no grau de elaboração do produto ao longo da cadeia produtiva, prejudicando as exportações de produtos manufaturados intensivos em recursos naturais, como o óleo de soja, por exemplo); bem como do uso das medidas chamadas não-tarifárias, dentre as quais: exigências fitossanitárias abusivas, normas ambientais ou técnicas, licenciamento prévio, cotas tarifárias (tarifas reduzidas até o limite da cota e proibitivas para as importações extracota), e aplicação pouco transparente de medidas antidumping e compensatórias.

Recente artigo dos pesquisadores Marcos Jank e André Nassar aponta que dentre as 129 posições tarifárias que se encontram nos Estados Unidos em patamares acima de 35%, cerca de cem referem-se a produtos do agronegócio de interesse brasileiro, como açúcar, álcool, fumo, carnes e suco de laranja.

As cotas de importação restringem o acesso aos Estados Unidos de açúcar, carnes, fumo e laticínios. Sessenta por cento das exportações brasileiras de produtos agrícolas e agroindustriais para o mercado norte-americano são afetados por barreiras, esquemas de subsídios e medidas de apoio interno.

Uma simulação realizada pela Secretaria-Executiva da CAMEX, intitulada “ALCA – ganhos potenciais do Brasil na agricultura”, envolvendo os sete principais produtos de interesse do Brasil : açúcar, álcool, suco de laranja, carnes bovina, de frango e suína, fumos e cigarros, indicou ganho potencial nas exportações brasileiras entre US$ 5 e US$ 10 bilhões, caso as restrições tarifárias e não-tarifárias indicadas fossem removidas.

As regras de origem configuram elemento essencial para o adequado funcionamento de um acordo de livre-comércio, a fim de se evitar a triangulação de produtos provenientes de terceiros países, extrazona. Elas determinam a origem de um produto.

O desenho de um capítulo sobre regras de origem no Acordo ALCA, visa regular a circulação de mercadorias que gozarão das preferências tarifárias concedidas, se cumpridos certos critérios ou obrigações de que essas mercadorias contenham um grau de produção inter-regional. Para que as mercadorias se beneficiem do tratamento tarifário preferencial, estas devem estar amparadas por um certificado de origem, do qual constem informações que comprovem a origem.

Na ALCA, as regras de origem se basearão principalmente na mudança de classificação tarifária. Caso este critério não seja suficiente, será permitida a utilização de outros critérios, como o de valor de conteúdo regional (valor agregado) e/ou o critério das transformações específicas (processo produtivo).

Enquanto as regras de origem são aplicadas de modo a distinguir os fluxos comerciais entre parceiros comerciais preferenciais e outros não-preferenciais, elas têm pouco efeito distorcivo. Elas podem, entretanto, tornar-se uma arma de distorção comercial quando usadas como instrumentos de política comercial para restringir importações, ao se criar, por exemplo, condições de dúvida quanto à origem dos produtos e conseqüente cobrança de garantia.

As regras de origem não preferenciais estão vinculadas à aplicação de medidas de política comercial como cotas, medidas antidumping e compensatórias e compras governamentais. Encontra-se em tramitação, no Congresso brasileiro, projeto de lei que incorpora ao nosso ordenamento jurídico o Acordo da Organização Mundial do Comércio sobre Regras de Origem Não-Preferenciais.

O Presidente Fernando Henrique Cardoso, ao discursar em Québec (abril de 2001), estabeleceu, de forma inequívoca, que a ALCA que nos interessa é aquela que propiciará efetivo acesso aos mercados mais dinâmicos, regras compartilhadas e transparentes sobre antidumping, redução das barreiras não-tarifárias, fim de distorções protecionistas das boas regras fitossanitárias, promoção dos direitos de propriedade intelectual e, ao mesmo tempo, a capacitação tecnológica dos países participantes, e a correção das assimetrias cristalizadas na Rodada Uruguai, sobretudo na área agrícola.

3. Custos e benefícios

Sob a ótica de maximizar ganhos, as negociações internacionais, aí incluída a ALCA, devem ser vistas como oportunidade de ampliação do acesso de produtos e serviços brasileiros, via remoção das barreiras existentes à entrada destes. Se nos isolarmos, corremos o risco de ver as barreiras se ampliarem e também de ver deslocadas nossas exportações em função de acordos comerciais preferenciais celebrados entre nossos parceiros.

Os efeitos dinâmicos da integração incluem a difusão de economias de escala e o aumento da concorrência econômica, devido à eliminação das barreiras intrazona.

A ALCA poderá representar um acesso ampliado aos mercados dos Estados Unidos, Canadá, principalmente, a atração de novos investimentos, maior capacidade de oferta competitiva de serviços, a simplificação de procedimentos e redução de custos das transações comerciais, a harmonização de normas sanitárias e fitossanitárias, entre outras.

Podemos apontar vários aspectos positivos de toda a etapa preparatória do processo

ALCA:

a)    contribuiu para elevar o nível da consciência hemisférica sobre os temas da integração;

b)    os bancos de dados e inventários produzidos sistematizaram informações sobre comércio na região, outrora de difícil, ou mesmo impossível, obtenção, especialmente de forma comparativa;

c)    a divulgação e publicação desses dados, a realização de atividades de assistência técnica, treinamento, seminários e foros propiciaram transparência ao processo, e ajudaram os países a adquirir conhecimento e trocar experiências sobre a implementação dos acordos decorrentes da Rodada Uruguai, permitindo a intensificação e melhoria de contatos e trocas de informações nas esferas governamentais e do setor privado.

Vale também ressaltar que as negociações da ALCA vêm fortalecendo a vontade política e a motivação dos países para ampliar e aprofundar seus acordos regionais. O MERCOSUL liderou um processo, logo seguido pelos blocos comerciais dos países andinos (CAN) e do Caribe (CARICOM) de se posicionar em bloco, como entidade jurídica única.

O MERCOSUL passou a considerar como prioridade sua agenda de consolidação da União Aduaneira e o aprofundamento rumo à constituição de um mercado comum.

Do lado dos custos do processo ALCA, estão identificados claramente aqueles associados às primeiras etapas do processo de integração, quando deverão ser realizados ajustes nas estruturas e políticas comerciais e na localização de recursos (os chamados custos de transição).

De modo ainda mais intenso, encontram-se os riscos da integração propriamente dita, que se elevam bastante, em função, especialmente, das acentuadas assimetrias e disparidades nos níveis de desenvolvimento e de produtividade entre as economias da região.

As questões que se colocam – de difícil superação – são as seguintes: como tornar atrativo o livre-comércio para a totalidade dos produtos, quando alguns países não têm quase oferta exportável; de que forma determinar condições verdadeiramente atrativas para as economias menores, quando algumas dependem quase que exclusivamente do turismo; e como negociar condições de assimetria nos prazos para abertura e acesso de mercados, de modo a incluir as diferenças de pelo menos cinco ou seis categorias de países.

O quadro é ainda agravado pelo peso dos problemas sociais e de infra-estrutura, uma vez que de muito pouco adiantarão os esforços voltados para aumentar os níveis de competitividade econômica, se os países não dispuserem de sistemas de saúde e educacionais para propiciar qualidade e treinamento à sua mão-de-obra, ou de sistemas de transportes e portuário para garantir o escoamento de sua produção. No caso dos países do MERCOSUL, os resultados da integração estariam condicionados, entre outros, à capacidade daqueles países de: concluírem os ciclos de reformas internas regulatórias, voltadas para a consolidação da estabilização econômica e redução dos custos de investimento, de produção e de exportação de bens e serviços; desenharem políticas de reestruturação competitiva dos setores identificados como sensíveis; e implementarem a agenda de consolidação e aprofundamento da União Aduaneira.

Na esfera doméstica, os que enxergam o processo ALCA como prejudicial argumentam que nossos setores, industrial e de serviços, não estão preparados para concorrer com a escala da produção e produtividade econômica dos Estados Unidos muito superiores à nossa e, assim, sucumbiriam ao seu maior peso e competitividade. Haveria uma fuga das plantas industriais das empresas americanas, uma vez que suas matrizes passariam a exportar para o Brasil a um custo menor.

Ademais, o Brasil, já vinha digerindo os impactos da rodada de liberalização comercial unilateral empreendida de forma bastante acelerada, de 1990 a 1993, no governo Collor, e sua economia ainda estava se adaptando ao processo. Além da expressiva redução e eliminação das barreiras não-tarifárias/controles administrativos (a tarifa média brasileira caiu de 51 para 14% de 1990 a 1997), Pedro da Motta Veiga afirma que:

 “o crescimento dos déficits comerciais do Brasil assinala a existência de um importante ‘gap’ de competitividade da indústria, especialmente naqueles setores mais intensivos em capital e tecnologia. A negociação de um acordo de liberalização com a maior economia do mundo introduz um forte componente de incerteza quanto à capacidade de ajuste e de reestruturação daqueles setores frente aos impactos microeconômicos de um novo ciclo de abertura”.

É vital que as entidades empresariais, os sindicatos de trabalhadores, a academia, enfim, toda a sociedade civil, participem de forma ativa e esclarecida no debate sobre a ALCA, expressem suas inquietações e apresentem as contribuições para que as negociações avancem refletindo suas experiências, expectativas e orientações.

O setor privado brasileiro estabeleceu a Coalizão Empresarial brasileira, que, sob a coordenação da CNI, vem realizando um trabalho sem precedentes de coordenação de posições, elaboração de estudos, acompanhamento das negociações e interface com o governo brasileiro.

É tarefa urgente definir nossos setores produtivos industriais suficientemente competitivos, os que precisarão de mais tempo para ajustar-se competitivamente e os que necessitarão de eventuais políticas compensatórias. A CNI contratou recentemente a FUNCEX para coordenar a elaboração de estudos setoriais. Já se encontram concluídos os estudos para os setores de papel e celulose, químicos, bens de capital, mecânicos, têxteis e sucos de frutas. Está em fase final o do setor siderúrgico e já está iniciado o do setor eletroeletrônico.

O IPEA, atendendo à solicitação da Secretaria-Executiva da CAMEX, está atualizando uma resenha dos estudos recentes sobre as relações comerciais brasileiras, por tema de negociação. Esse levantamento será publicado e debatido amplamente, buscando-se verificar as áreas/temas onde novos estudos, complementações e/ou aprofundamentos são necessários.

Pelo mapeamento de políticas setoriais, as negociações devem ser desenhadas, de modo a fortalecer o parque produtivo nacional, induzindo as reformas estruturais que proporcionem isonomia competitiva a nossos produtos, no campo tributário e via simplificação dos procedimentos para exportação.

4. Conclusão

As negociações da ALCA constituem hoje o principal desafio da diplomacia comercial brasileira, pois reúnem os dois principais eixos de nossa política externa: a relação com o MERCOSUL, os países do Prata, a começar pela Argentina, e com os Estados Unidos, principal potência mundial. Essas negociações relativas à integração nas Américas enfrentam séria oposição de grupos importantes da economia brasileira, mas um número crescente de setores de muito peso – têxteis, calçados, siderúrgicos, metalurgia, alimentos, agronegócios, financeiro/serviços – são favoráveis ao avanço do processo de integração.

Nunca é demais repetir as estatísticas básicas do comércio nas Américas. Os países do Continente Americano respondem por cerca de 50% do nosso comércio internacional. A proporção de 70% do volume exportado corresponde a produtos manufaturados. O produto interno agregado dos trinta e quatro países da ALCA é de US$ 12 trilhões e os Estados Unidos e Canadá concentram 82% desse total. O PIB combinado do MERCOSUL corresponde a apenas 10% do produto da ALCA, mas a 56% do PIB da América Latina. O Brasil responde por 7% do produto total das Américas.

A dificuldade, como vimos, reside no fato de que um processo com a complexidade da

ALCA apresenta simultaneamente oportunidades e riscos, tanto no processo negociador como, mais adiante, em sua implementação. Mesmo um balanço teórico de custos e benefícios potenciais aponta para conclusões difusas, porque cada aspecto apresenta ao menos duas perspectivas distintas. A economista inglesa Joan Robinson costumava dizer que, em economia, quase tudo é verdade, pois é sempre possível encontrar exemplos tanto do que se quer demostrar como do contrário. Daí a importância de que a determinação do interesse nacional seja feita a partir da análise e da confrontação de interesses concretos, o que requer informação, diálogo, participação, e mobilização permanente do Congresso e da opinião pública.

Prevalece hoje um forte impulso antiglobalização e um arraigado sentimento antiamericano em nossa região, que reflete em larga medida o temor em relação a um mundo unipolar e a brutal assimetria entre os Estados Unidos e os demais países. É curioso e sintomático o fato de que haja hoje no Brasil menos resistência a um acordo com a União Européia do que com os Estados Unidos, apesar de ser a UE talvez mais protecionista que os Estados Unidos.

De acordo com o Ministro das Relações Exteriores, Celso Lafer, a ALCA não é um destino para o Brasil, mas uma opção. O MERCOSUL, sim, faz parte de nosso destino. Como resultado das negociações para a criação da ALCA, o Brasil poderá decidir voluntariamente, a partir de sua própria avaliação do interesse nacional, se convém ou não ao País participar do esquema de livre-comércio hemisférico. Não seremos forçados a aceitar o acordo final independentemente de quais sejam suas condições. Estou convicto de que o governo brasileiro não assinará e o Congresso não ratificará nenhum acordo que não seja globalmente vantajoso para a economia brasileira.

O fato de que a negociação da ALCA tenha como um de seus pólos a maior economia do mundo deve ser visto mais como uma histórica oportunidade de se obter ganhos para a economia nacional do que como um processo que deva inevitavelmente resultar em um acordo leonino, com perdas de emprego, renda, investimento, qualidade de vida, dos elementos que de fato importam para a população brasileira.

É plausível que uma negociação assimétrica redunde em resultados simétricos, de modo a atender aos interesses das partes mais fracas, tal como ocorreu no processo de construção da unidade européia. Mas as economias relativamente menores não devem depender ou esperar pela generosidade dos Estados Unidos – o que seria uma presunção ingênua –, mas, sim, preparar-se para adotarem uma abordagem realista, nutrida por muita disposição para o diálogo, criatividade, consciência e determinação na defesa de nossos interesses.

Conforme vimos, a ALCA é um processo negociador que transcorre em dois níveis, um exercício de double-edged diplomacy, na expressão do teórico norte-americano Peter B. Evans.

De um lado, dentro de cada país, é necessário viabilizar o apoio necessário ao processo e à ratificação futura do acordo. De outro, no plano internacional, é necessário articular da melhor forma a interação com os outros países, dentro e fora da região, nas negociações com o

MERCOSUL, com a Comunidade Andina, com a União Européia, e no âmbito da nova Rodada da OMC.

Não seria exagero afirmar que, no caso brasileiro, trata-se de um triple-edged diplomacy, uma vez que o Brasil – além da negociação da ALCA em si e dos desdobramentos internos desse processo – tem uma posição importante a desempenhar em nível sub-regional, na formação da posição negociadora dos países da América do Sul. Na definição de regras do comércio internacional, o poder de negociação é diretamente proporcional ao tamanho dos mercados e de sua capacidade de importar. Ou seja: por definição, o Brasil e o conjunto dos países sul-americanos têm mais influência juntos do que separados na mesa de negociações.

A experiência do Chile – que buscou sem sucesso, nos últimos oito anos, negociar um acordo de livre-comércio com os Estados Unidos – é emblemática das dificuldades e limites de uma interação direta com os Estados Unidos. O processo negociador da ALCA poderá avançar de forma muito mais consistente, se os países da América do Sul forem capazes de eliminar ou reduzir as deficiências de um processo negociador radicalmente assimétrico e fragmentado, através da formação de uma posição negociadora comum na América do Sul.

Os processos de integração sub-regional e de integração hemisférica não são inconciliáveis. Ao contrário, o fortalecimento do MERCOSUL e o avanço da integração regional em âmbito sul-americano podem alavancar uma integração mais vantajosa na ALCA. Uma alternativa para a aceleração dos entendimentos na América do Sul seria a concessão, pelo Brasil aos países sul-americanos não-membros do MERCOSUL, de acesso preferencial aos nossos mercados em troca da concessão de mandato em nosso favor para a negociação da ALCA. Nossos vizinhos obteriam redução das barreiras ao comércio com o Brasil e, em troca, nos dariam autoridade negociadora sub-regional para a ALCA, com base em parâmetros de negociação definidos entre o MERCOSUL e os demais países do subcontinente.

Do ponto de vista brasileiro, o preço da concessão de acesso preferencial aos vizinhos sul-americanos corresponderia ao preço da liderança para o fortalecimento de nossa posição na ALCA diante dos Estados Unidos. Setores produtivos no Brasil certamente serão contrários a uma abertura unilateral em âmbito sul-americano, mas, no balanço geral de ganhos e perdas, uma zona de livre-comércio (ZLC) na América do Sul induzida pelo Brasil pode tornar-se, no plano interno:

a)  um mecanismo indutor de eficiência e de competitividade;

b)  um método de aprofundamento gradual da exposição de nossa economia à concorrência externa.

Afinal, se queremos ser competitivos globalmente, já é mais do que devido o momento de expor, sem restrições, nossa economia aos vizinhos sul-americanos. No plano externo, a ZLC pode funcionar como:

a)  uma poderosa alavanca da nossa posição negociadora diante dos nossos vizinhos donorte na ALCA;

b)  como mecanismo de racionalização do processo negociador no Hemisfério.

A oferta brasileira de uma ZLC será ainda mais atrativa, se formos capazes de revitalizar o Convênio de Créditos Recíprocos (CCR) entre os países da ALADI. Dentre os países sul-americanos, o Brasil é certamente o país mais abundante em capital. Ofertas de crédito a operações intra-regionais de importação e exportação constituem um diferencial significativo na posição negociadora do Brasil e representam um elemento de barganha definitivo para a atração dos países vizinhos em torno de uma posição comum na ALCA.

O Brasil tem uma posição importante nas negociações em razão de seu peso específico na América do Sul. Detém uma porção significativa do território e da população do subcontinente, é o maior produtor agrícola da região e possui um parque industrial sofisticado. A liderança brasileira precisa ser efetiva, inteligente e propositiva e não ser identificada como obstáculo a uma iniciativa que pode ser benéfica para muitos países. Um esforço renovado para a criação de uma ZLC sul-americana pode responder a esse desafios.

Além da formação de uma ZLC sul-americana, a vinculação entre acesso a mercados e finanças pode igualmente constituir um segundo argumento essencial para uma inflexão qualitativa do processo negociador na ALCA. Antecedente importante nessa direção foi a recente decisão norte-americana de vincular finanças a comércio, por ocasião do anúncio do empréstimo do FMI de US$ 8 bilhões à Argentina, durante o qual o esquema 4+1 de negociações comerciais com os Estados Unidos foi mencionado. Ora, se o país credor toma a iniciativa de vincular finanças a comércio, é igualmente plausível para os devedores associar comércio a finanças.

No âmbito da ALCA, os Estados Unidos não poderão ter a expectativa de gozar do melhor de dois mundos, recebendo em dia o serviço da dívida e mantendo cativo o mercado doméstico de produtos cuja produção subsiste em razão de medidas protecionistas e de subsídios. E, nitidamente, a solução menos distorciva, menos heterodoxa, na ótica dos próprios interesses dos credores, é a concessão de acesso amplo a mercados. A opção pelo livre-comércio respeita as leis do mercado e garante a prevalência das vantagens comparativas de cada um dos membros do agrupamento. Inversamente, a opção pelos instrumentos de empréstimo e reestruturação das dívidas externas perpetua a relação de dependência dos países devedores, cria uma situação de volatilidade permanente dos mercados financeiros e, no limite, coloca em risco a própria sobrevivência da relação credor-devedor.

Terminada a Cúpula de Québec, entramos definitivamente na fase decisiva das negociações da ALCA. Demos início à última etapa negociadora e, ao longo dos próximos meses, o governo Fernando Henrique Cardoso terá sua derradeira chance de introduzir elemento capaz de reverter o impasse que tomou conta da estratégia regionalista da política comercial brasileira, iniciada em 1992 com a Iniciativa Amazônica, modificada no ano seguinte com a proposta de criação de uma Área de Livre-Comércio Sul-Americana (ALCSA) e posteriormente incorporada pela diplomacia brasileira na estratégia dos building blocks após o lançamento da ALCA na Primeira Cúpula da América, em 1994.

A política regionalista em âmbito sul-americano alternou momentos de maior e menor êxito. Fortaleceu-se com a fixação, em 1994, do prazo da data de 2005 para a conclusão das negociações da ALCA, com o bloqueio das tentativas de antecipação de referido prazo e com a obtenção do compromisso do Chile e da Bolívia de que coordenariam suas posições nas negociações da ALCA, mas perdeu vigor com a morosidade com que os entendimentos com a Comunidade Andina evoluíram e, sobretudo, com o anúncio, hoje superado, da abertura das negociações bilaterais entre os Estados Unidos e o Chile, em novembro passado.

O momento é decisivo para o futuro da política comercial brasileira. A ALCA não tem ainda uma expressão concreta, não é nem boa nem má, mas um empreendimento em construção. Ela será o que faremos dela, e a liderança brasileira no contexto sul-americano pode alterar substancialmente os seus rumos. O oferecimento das condições para a criação imediata de uma ZLC na América do Sul constitui hoje a única alternativa para a rearticulação das alianças orientadas para o fortalecimento do poder de barganha do Brasil na ALCA, alternativa que, combinada com estratégia de vinculação das negociações de acesso a mercados e de finanças, poderá transformar de forma substantiva as condições de inserção internacional da economia brasileira.



Painel 4 - Agricultura


Presidente: Marcus Vinicius Pratini de Moraes (Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento)

Expositores: Carlos Nayro de Azevedo Coelho (Coordenador-Geral e Pesquisador da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e

Abastecimento)

Luiz Fernando Furlan (Presidente do Conselho de Administração da Sadia)

Debatedores: Waldemar Carneiro Leão

Marcos Sawaya Jank (Professor de Política Comercial Agrícola da

Universidade de São Paulo)

Luis Carlos Heinze (Deputado Federal – PPB/RS)

Relator: Pedro Camargo Neto (Secretário de Produção e Comercialização do

Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento)

Trabalhos apresentados:

-  A agricultura, os acordos de liberalização do comércio e a ALCA – Carlos Nayro Coelho

-  A ALCA e a agricultura nas relações Brasil-Estados Unidos – Marcos Sawaya Jank, André Meloni Nassar

APRESENTADOR – Senhoras e senhores, inicia-se neste momento o quarto painel do

Seminário “O Brasil e a ALCA”, com o tema Agricultura. Presentes à Mesa o

Exmo. Sr. Marcus Vinicius Pratini de Moraes, Ministro de Estado da Agricultura, Pecuária e

Abastecimento, que a preside. Na condição de expositores, o Exmo. Sr. Embaixador Waldemar Carneiro Leão e o Dr. Carlos Nayro de Azevedo Coelho. Na condição de debatedores, o Exmo. Sr. Deputado Luis Carlos Heinze; o professor Marcos Sawaya Jank; o Dr. Luiz Fernando Furlan; e o Dr. João Carlos de Souza Meirelles. O relator é o Dr. Pedro Camargo Neto.

Com a palavra o Sr. Ministro Marcus Vinicius Pratini de Moraes.

MARCUS VINICIUS PRATINI DE MORAES  Senhores integrantes da Mesa, Sras.

e Srs. Parlamentares, senhoras e senhores, é um grande prazer participar do Seminário “O Brasil e a ALCA”.

É bom lembrar que, na semana passada, foi realizada a última reunião do grupo de agricultura que trata das questões da ALCA. Entre os dias 15 a 22 de dezembro, serão realizadas novas reuniões do grupo da agricultura, com o objetivo de estabelecer a agenda para as discussões na ALCA. Nessas negociações, tem havido avanço, mas alguns temas fundamentais continuam ainda absolutamente sem consenso.

Nossa expectativa, mantido o atual cronograma de negociações, é de que o documento sobre metas e modalidades, que incluem desgravação tarifária, subsídios e medidas de apoio interno que afetem o comércio, deva estar pronto até abril do próximo ano, e que a negociação das listas se inicie em 15 de maio.

É bom recordar também que os Estados Unidos praticam em relação à agricultura brasileira as mais altas tarifas a que a nossa agricultura está sujeita, de forma, aliás, semelhante à União Européia.

Quero fazer um alerta. Quando fazem comparações sobre tarifas, normalmente os especialistas falam só nas tarifas ad valorem: 5%, 10%, 12%, e esquecem os picos tarifários, as tarifas específicas e sazonais e outros mecanismos que não são considerados tarifas, mas devem ser tarifados, para se estabelecer uma comparação adequada.

Para citar um exemplo, nos Estados Unidos, que nos propõem a negociação da ALCA, os picos tarifários para suco de laranja variam de 40% – estou tarifando os quatrocentos e poucos dólares por tonelada de tarifa específica imposta sobre o suco de laranja – a 50%, dependendo do preço de mercado do suco, até 350%, que é o pico tarifário para o sumo brasileiro exportado para os Estados Unidos.

Em matéria de escalada tarifária, os Estados Unidos praticam aquilo que nós, no Brasil, também deveríamos estar praticando. Eles, por exemplo, taxam em zero a soja, mas taxam em 19,1% o óleo de soja. Eles protegem a sua indústria de esmagamento, e da mesma forma a Europa. O mundo inteiro quer comprar do Brasil matéria-prima e restringe o acesso aos produtos de maior valor agregado, o que nos interessa dos pontos de vistas de emprego, renda e receita de exportação.

Vou citar mais um exemplo. Os preços do café estão hoje nos mais baixos níveis dos últimos trinta anos. Uma saca de café vale hoje trinta e quatro, trinta e cinco dólares. E dá para produzir cinco mil cafezinhos, vendidos em Nova York a dois dólares e em Londres a três dólares. Então, uma saca de café que sai daqui por trinta e cinco dólares gera em Nova York dez mil dólares de faturamento e em Londres quinze mil dólares.

O resumo da minha proposta é de que, se quisermos ter viabilidade como agricultura, temos de ter condições de nos apropriar de um pouco desse valor agregado representado pelo cafezinho vendido em Londres e Nova York. Pelo menos permitam-nos exportar café torrado e moído. Atualmente não é permitido, porque esses países – não os critico – fazem isso para defender os empregos gerados pela sua indústria de torrefação, moagem ou café solúvel. Só recentemente, depois de uma luta de dez anos, conseguimos na União Européia eliminar a tarifa sobre o café solúvel.

O que estamos discutindo fundamentalmente na área agrícola não é o acesso apenas ao produto agrícola, mas ao produto agrícola com valor agregado. Não sei se os senhores sabem, mas o maior exportador de café do mundo é o Brasil; o segundo, o Vietnã – não é mais a Colômbia – e o terceiro, a Alemanha. Isso porque a Alemanha importa café de todos nós com tarifa zero, torra, mói, embala, e quando vamos a qualquer coffee house brasileira de melhor nível, lá encontramos cafés alemães Tchibo, cafés italianos Lavazza e Ilicafé, café brasileiro que foi para lá e voltou industrializado, pelo qual pagamos um preço até cinqüenta vezes maior do que o do nosso café exportado em grão.

Essa questão da escalada tarifária é fundamental, não apenas nas negociações da ALCA, mas também nas negociações MERCOSUL/Europa e em outras das quais venhamos a participar, inclusive na reunião da Organização Mundial do Comércio, que será realizada em novembro.

O cacau é outro exemplo. O cacau brasileiro exportado para os Estados Unidos tem tarifa zero. Para exportar chocolate, 10%. Alguns produtos derivados do cacau têm uma tarifa específica que chega a cinqüenta e dois centavos de dólar por quilo.

Além desses picos tarifários, há nos Estados Unidos um conjunto de tarifas sazonais, praticadas na nossa entressafra, ou na época da safra deles. Por exemplo, só podemos exportar melão e uva para os Estados Unidos quando eles não têm safra, porque quando a têm, a tarifa é estacional. Isso é corretíssimo do ponto de vista da defesa da sua agricultura. E nós, como ficamos? Recentemente introduzimos a tarifa estacional para a importação, por exemplo, de sardinha, para permitir que essa indústria tivesse matéria-prima na época da entressafra.

Mas não é só em relação às altas tarifas e aos picos tarifários que enfrentamos dificuldades no mercado norte-americano. Daí, parece-me importante que se inicie um processo de diálogo, para resolver essas questões. Açúcar podemos exportar apenas uma pequena cota. Se quisermos fazê-lo fora de cota, a tarifa é tão alta que fica proibido exportar. Aliás, no mundo inteiro há grandes restrições à exportação de açúcar.

A pergunta que faço é a seguinte: O Brasil é o mais eficiente produtor de cana, de açúcar e de álcool do mundo, mas não consegue exportar com tarifas baixas. Por quê? Fiz a pergunta em Bruxelas. A resposta foi: “Porque vocês são competitivos.” Então, no fundo, o Brasil, que tem hoje uma das mais modernas e competitivas agriculturas do mundo, é penalizado por ser competitivo.

Ora, isso é um absurdo! Está na hora de começarmos a discutir essa questão com muita objetividade em todos os planos, sejam bilaterais, sejam regionais, sejam multilaterais.

O problema mais sério que enfrentamos hoje nos Estados Unidos é o enorme apoio à produção dado aos agricultores norte-americanos. O governo americano despendeu, no ano 2000, em subsídios diretos à agricultura interna, 32,3 bilhões de dólares, dos quais vinte e dois bilhões de dólares em pagamentos diretos aos produtores. Isso quer dizer, na prática, que

48,7% da renda do agricultor norte-americano são pagos pelo governo. Em alguns países da Europa e em alguns produtos, o valor pago pelo governo pode chegar a 75% da renda do agricultor.

Em outras palavras, não adianta mais sermos competitivos no âmbito da fazenda ou do porto de embarque. O problema da competição na agricultura, com esse volume gigantesco de subsídios, está afeto à competição entre o Tesouro do Sr. Pedro Malan e o Tesouro do

Sr. O’Neil, em Washington; ou o Tesouro da União Européia, em Bruxelas; ou o Tesouro de Tóquio. E não podemos ganhar essa competição.

Além desses apoios diretos, os Estados Unidos dão mais 10,2 bilhões de dólares de subsídios à exportação e medidas equivalentes, sob vários títulos. Darei um exemplo. Os Estados Unidos, que têm grande superávit nas suas contas, apóiam sua agricultura e dão um subsídio à soja – lembro que somos o segundo produtor de soja do mundo, acabamos de colher uma safra de trinta e oito milhões de toneladas – de um dólar e vinte e seis centavos por bushel, um produto que normalmente vale cinco dólares.

Isso quer dizer que o subsídio equivale a 25% do preço. Qual é a conseqüência disso? Quando o governo paga um subsídio desse tamanho, o preço no mercado internacional cai. Como o governo brasileiro não tem U$1,26 para dar ao produtor, ele recebe menos. Quanto ele recebeu menos neste ano? Um bilhão e duzentos milhões de dólares, porque o governo americano pagou a seus agricultores para que pudessem exportar essa soja a quatro dólares o bushel, em vez de U$ 5,26.

Então, é muito preocupante a existência nos Estados Unidos e, principalmente, na Europa – já que o tema é ALCA, vou me cingir mais aos exemplos da ALCA –, desses apoios à produção, porque o apoio à produção pode, deve e representa, muitas vezes, uma grande baixa nos preços no mercado internacional. E quando o apoio interno à produção provoca um decréscimo dos preços no mercado internacional, quem paga são os agricultores dos países que não têm como compensar isso por intermédio de créditos governamentais.

Esse é um dos pontos fundamentais na ALCA. Temos que rever os apoios internos à produção, quando esses apoios provocam distorção nos preços do mercado internacional.

Foi aprovada agora uma nova proposta de lei agrícola, na Câmara dos Deputados dos Estados Unidos, que prevê preços garantidos fixos sempre acima dos preços de mercado. O preço do algodão, por exemplo, caiu mais de 50% nos últimos doze meses. O algodão está valendo agora trinta e um centavos de dólar por libra. Os Estados Unidos estão propondo um preço de setenta e um centavos. Isso quer dizer que o subsídio que os Estados Unidos vão dar ao algodão exportado vai representar algo como 120% do preço do mercado internacional. Como é que vamos competir? A conseqüência disso nós anunciamos hoje: uma redução de quase 20% na área de algodão plantada no Brasil, porque não temos como competir, não temos como subsidiar o nosso algodão para o nível de preço de setenta e um centavos de dólar.

Na ALCA, evidentemente, o maior parceiro nas negociações são os Estados Unidos. Mas não são só os Estados Unidos que estabelecem restrições. Na Colômbia, por exemplo, existem requisitos de conteúdo local totalmente inaceitáveis, proibidos pela OMC da forma que estão sendo praticados.

No Canadá e no México pratica-se o sistema de cotas de importação. Para não falar do sistema de board of trade e sistemas governamentais de comercialização de cereais.

No Chile e na Colômbia, há bandas de preço que são calculadas pelos sucessores do Dr. Benedito Fonseca Moreira nas CACEX locais. Mas o que mais nos preocupa, ao lado das tarifas e de outras barreiras, são as questões fito e zoosanitária. O novo nome do protecionismo é defesa sanitária. Há uma série de restrições às nossas exportações de frutas, de carnes e a algumas exportações de pescado. São estritamente medidas protecionistas, pela interpretação excessiva de normas internacionais. Estamos fazendo extraordinário esforço para cumpri-las.

Lembro que, não faz muito tempo, gastei um tempo e um esforço enormes para explicar que no Brasil não havia vaca louca. Mas alguém no Canadá inventou que havia um risco teórico de haver a vaca louca no Brasil. E, imediatamente, Canadá, Estados Unidos e México suspenderam as importações de carne do Brasil. Devo registrar aqui que foram os americanos, conhecendo bem a pecuária brasileira, que nos ajudaram, inclusive, a explicar ao Canadá que aquilo era um equívoco. O que tínhamos de fazer naquele caso? Explicar aos canadenses que no Brasil boi come pasto. Mas é difícil explicar, foi preciso trazer um grupo de veterinários. Mas botei todos eles em aviões da EMBRAER, claro. E levei essa gente a Lins para visitar o frigorífico Bertin, a Ribeirão Preto para ver o nosso açúcar, a Campo Grande para visitar nossa pecuária, para saberem que no Brasil temos hoje níveis elevados de sanidade e de tecnologia na pecuária. Afinal, o Brasil tem o maior rebanho bovino comercial do mundo. E tem, associadas a isso, uma tecnologia, uma genética e uma extraordinária capacidade técnica desenvolvida pelos produtores, pelos Estados, pela EMBRAPA, pela ESALQ, por todas essas unidades que desenvolvem tecnologia nessa área.

Acho que falta – tenho insistido nesse ponto – divulgarmos mais a realidade da agricultura brasileira, que, às vezes, é pouco conhecida pelos próprios brasileiros.

Estamos, neste momento, estabelecendo – ou já estabelecemos – alguns objetivos fundamentais em negociações internacionais que envolvem produtos agrícolas. Gostaria de, rapidamente, mencionar sete pontos que são, na minha opinião, fundamentais.

Primeiro, queremos inserir a agricultura nas disciplinas que atualmente regem o comércio de bens não agrícolas. Porque a agricultura tem de ser uma exceção? Ela tem sido uma exceção nesses cinqüenta e um anos desde que começou o GATT. Quando o GATT foi criado, a média das tarifas dos bens comercializados em todo o mundo era de 40%, agrícolas e industriais. Comemoramos os quarenta e tantos anos do GATT, criamos a OMC – isso já faz cinqüenta e um anos – e as tarifas médias de produtos industrializados são hoje de 2%. As tarifas médias dos produtos agrícolas são de 40%. Não mudou nada. E, ao lado dessas tarifas médias elevadas, colocam-se os picos tarifários, as restrições sanitárias, as tarifas específicas e todo um conjunto de restrições que precisamos rever. Isso quer dizer, na prática, colocar a agricultura no mesmo patamar de normas que regem os demais produtos na área industrial.

Segundo, é preciso acelerar o processo de liberalização em áreas de interesse especial dos países em desenvolvimento, como a agricultura. Li algumas declarações muito apropriadas do Dr. Amauri Bier feitas num seminário que se realizou no Banco Mundial. Ele dizia que uma boa parte da pobreza está associada à falta de liberdade de exportar produtos agrícolas, principalmente nos países que só têm produtos agrícolas para vender. Se não tenho acesso para vender o que produzo, não tenho como gerar renda para importar os bens mais fundamentais de que, às vezes, uma nação pobre da América do Sul, da África ou da Ásia necessita.

Outro ponto: nós precisamos exigir – e, para tanto, não há necessidade de pedirmos licença. Aliás, tenho dito para o pessoal de negociação do Ministério da Agricultura que precisamos eliminar do nosso vocabulário a expressão “desculpe alguma coisa”, que brasileiro tem mania de pronunciar. Brasileiro não tem de dizer “desculpe alguma coisa”!

Temos de ir para as mesas de negociação, em primeiro lugar, com nosso dever de casa bem feito – não podemos tentar improvisar – e com a consciência de que temos hoje uma agricultura que é uma das maiores do mundo, que tem tecnologia, qualidade e sanidade. E queremos acesso aos mercados com esse produto. Porque se o que diz essa história de liberdade do comércio que trazem os livros de economia e os artigos, principalmente vindos do exterior, é verdade, se somos competitivos em açúcar, suco de laranja, café, cacau, soja, etc., é isso o que temos para vender.

E não me venham dizer, como fazem algumas pessoas, que agricultura é exportação de produto de baixa tecnologia e baixo valor agregado. Nada disso. A moderna agricultura brasileira é um dos setores da economia que mais utiliza tecnologia, desde a genética até as máquinas supermodernas. Ainda no sábado, numa plantação de trigo, andei numa colheitadeira comandada por GPS, o mesmo equipamento que os aviões usam para se localizar no espaço aéreo.

Há importantíssimos avanços na tecnologia de fertilização, na produção de novas variedades e na biotecnologia – e quem não conhece isso é meu convidado para visitar, por exemplo, a EMBRAPA, aqui em Brasília, para ver o que há de novo na área da tecnologia e que está sendo aplicado pela agricultura brasileira.

Então, precisamos exigir que os países desenvolvidos, membros desses organismos internacionais – e isso se aplica à ALCA, à OMC e às negociações com a União Européia – e que mantêm restrições quantitativas a produtos agrícolas que as eliminem, para permitir acesso comercialmente significativo para a exportação desses produtos, e não só as cotas. Por exemplo, o Brasil exporta seiscentas mil toneladas de carne para a Europa, a cota que temos, a chamada Cota Rio, é de cinco mil toneladas, menos de 1% da nossa exportação que entra com direitos menores. O resto de nossa carne chega a pagar 300% de tributo para entrar na Europa. Assim mesmo, somos competitivos.

Outro ponto: temos de dar fim aos injustificáveis subsídios às exportações, que encorajam produções ineficientes e fomentam desleal competição, que deprimem preços, reduzem participações em mercados e desestabilizam os mercados internacionais para agricultores competitivos. É o caso do açúcar, dos lácteos, do algodão e de grande número de outros produtos agrícolas.

Temos de obter da OMC compromisso no sentido da redução dos recursos alocados para o apoio interno a que me referi inicialmente, que distorce os mercados que alcançaram patamares recordes. No ano passado, os países ricos deram, como subsídios à exportação, apoio interno e preços superiores, um bilhão de dólares por dia de subsídios! Os dados estão na OECD. Mais de um bilhão de dólares, repito. Mas não podemos competir com isso.

Precisamos também assegurar a efetiva implementação das provisões sobre tratamento especial e diferenciado para países em desenvolvimento. Não só no nosso caso, mas particularmente para os países africanos e de menor desenvolvimento relativo. Não é justo que algumas nações não tenham condições de exportar os seus produtos, mas tenham importado ração com componente animal que transmite a doença da vaca louca, como, por exemplo, aconteceu com a Nigéria, que comprou da Inglaterra a ração a que fiz referência. Isso pode. Mas, os nigerianos não podem vender para a Inglaterra. É absolutamente fundamental que haja uma só linguagem com relação a essas questões sanitárias no mundo inteiro.

Finalmente, precisamos rejeitar as novas formas de protecionismo disfarçadas em preocupações com o meio ambiente, segurança alimentar, valores culturais, bem-estar animal – aliás, o que quer dizer bem-estar animal? –, turismo e todas as formas de questões não comerciais que vêm sendo usadas para justificar e promover o conceito de multifuncionalidade, hoje muito defendido pelos europeus e japoneses.

O que é multifuncionalidade? Para mim, é um cheque em branco que os europeus querem para dar subsídio a qualquer título, sem ter de dar explicações a esse respeito. Não vamos aceitar isso. Não podemos aceitar que, num organismo multilateral de comércio, se incluam disposições para justificar futuras concessões de subsídios. Não podemos aceitar isso, repito.

Ao terminar os meus comentários, porque não quero estender-me muito, ressalto que, no meu entendimento em relação à ALCA, se não houver negociação para acesso a produto agrícola, ela não se realizará. Na negociação União Européia/MERCOSUL, se eles não abrirem o mercado, não haverá acordo e, se na reunião da OMC, que se realizará no Qatar, não houver adequada provisão para tratar dos interesses da agricultura, a reunião não acontecerá, não haverá nova rodada.

Sabemos que isso é difícil e que há interesses legítimos por parte desses países que defendem tais posições; sabemos que será preciso negociar duramente, o que não é fácil, e que essa tarefa é de anos, mas chegaremos lá, porque estamos mostrando ao mundo que tudo isso é necessário, se quiser reduzir os custos dos alimentos em vários países. E, neste ponto, abro um parêntese para dizer que o mundo está vivendo fase muito especial.

O mundo mudou – e muito – a partir de 11 de setembro. Quem não se deu conta disso deve avaliar a situação. E um dos problemas – não vou entrar em todos os aspectos relacionados à questão – é o fato de que estamos vivendo uma recessão, que se aprofundou desde 11 de setembro. Se quisermos atenuar essa recessão, uma das melhores formas de fazê-lo será facilitando o comércio mundial, facilitando que países como o Brasil e outros da América do Sul, do Sudeste asiático e da África tenham acesso à exportação, porque eles vão importar produtos com alto valor agregado, produtos que geram renda lá e maior produtividade aqui.

Então, é fundamental que tenhamos essa negociação, que se faça a abertura de mercados e se estabeleçam normas – o que não acontecerá da noite para o dia. Mas que pelo menos se dê início a processo de desgravação de acesso a mercados e de eliminação de subsídios à exportação.

O Brasil tem atualmente uma das mais modernas e eficientes agriculturas do mundo. Ainda na manhã de hoje, o Presidente da República anunciou a nossa safra 2000/2001, que é superior a noventa e oito milhões de toneladas. E as primeiras estimativas da Conab anunciadas hoje indicam que a próxima safra será, ainda medida preliminarmente, superior a cem milhões de toneladas, número que muitos diziam impossível de conquistar. O mais importante disso é que a safra de cem milhões de toneladas será colhida na mesma área em que se colheram quarenta e sete milhões de toneladas em 1990/1991. Então, em onze anos, a agricultura brasileira terá dobrado a sua produtividade. Se medirmos de 1991/1992 até a safra deste ano, veremos que o crescimento da produtividade foi de 74%.

Nenhuma nação do mundo pode apresentar tais números de crescimento de

produtividade. Já temos a produção de soja mais eficiente do mundo; estamos chegando lá com o algodão e com vários outros produtos. Sabemos muito bem que esses números ainda convivem com níveis muito baixos de produtividade em alguns segmentos do Nordeste, na agricultura familiar. Mas hoje essas distâncias vão diminuindo. E o número de propriedades com baixa produtividade tende também a cair. Isso é um processo que já está iniciado.

Gostaria de lembrar que este ano o Brasil está exportando um bilhão de dólares em carne; isso representa o dobro do melhor ano da Argentina! E é interessante notar que não está faltando carne e que estamos exportando apenas 12% da nossa produção. Estamos exportando este ano trezentos e cinqüenta milhões de dólares em carne suína, e isso não representa 8% da nossa produção de carne suína. Estamos exportando um bilhão e trezentos milhões de dólares em frango, e isso representa menos de 17% da nossa produção de frango. Isso quer dizer que o mercado brasileiro continua sendo grande mercado para a demanda nacional. Portanto, podemos aumentar nossa exportação sem receio de que faltará produto no mercado interno e ainda mantendo um nível de preços suportável para os consumidores brasileiros de baixa renda.

Ao finalizar, agradeço a gentileza do convite e vou dar logo partida às nossas exposições. Nossos expositores terão quinze minutos, cada um, para fazer suas exposições... Por quê? É demais?!

Passo a palavra ao debatedor Carlos Nayro de Azevedo Coelho para que faça sua apresentação.

CARLOS NAYRO DE AZEVEDO COELHO – Sr. Presidente, Ministro Pratini de

Moraes, depois de sua exposição, há pouco para se falar, mas tentarei inovar algumas questões e ajudar um pouco este seminário.

Gostaria de chamar a atenção para o recurso eletrônico, o Powerpoint. Tenho algumas imagens para mostrar.

Em toda palestra que faço, gosto de contar um pouco de História. Vou falar de política comercial brasileira, a partir da década de 1970.

A política comercial brasileira, de 1950 a 1966, foi caracterizada nitidamente por um protecionismo muito grande, baseado principalmente no modelo de substituição de importações. As exportações praticamente permaneceram estagnadas durante todo esse período; e nossa dependência do café aumentou. Em 1962, 75% das exportações brasileiras eram resultado das exportações de café. A partir de 1966, houve total reformulação na política econômica brasileira, principalmente na política de comércio exterior. Então, foi dado maior grau de abertura e foi montada verdadeira máquina de exportação. Foi feito um esforço muito grande no sentido de aumentar nossa capacidade exportadora com a criação de incentivos fiscais, minidesvalorizações e, principalmente, tentativas de acesso a alguns mercados que o Brasil não acessava anteriormente.

De 1966 a 1981, houve relativa abertura comercial. Claro, o Brasil então não abriu completamente, como nessa recente abertura. Houve desenvolvimento equilibrado nas contas externas com crescimento das exportações em torno de 514% e das importações em torno de 686%, apesar do choque do petróleo.

Em 1973, por exemplo, as importações cresceram violentamente em função do choque do petróleo; mas, mesmo assim, o governo conseguiu manter certo equilíbrio na balança comercial – principalmente, comprimindo, por vias administrativas e cambiais, as importações. Mas o grande fator da política comercial dessa época foi a diversificação da nossa pauta de exportações. Em 1962, como disse, 75% de nossas exportações eram de café; já em 1980 o café participava apenas com 10,4%. Quer dizer, foi um grande avanço em termos de política comercial, embora as nossas exportações tenham crescido um pouco menos do que as exportações mundiais.

Vejam: 1981 a 1994. Essa realmente foi uma fase de grande fechamento da nossa economia. Houve a crise do México, com o colapso da economia mexicana, houve outro choque do petróleo no início da década de 1980. E, realmente, nossa política comercial foi caracterizada por um arrocho muito grande nas importações. Como conseqüência, isso reduziu tremendamente nossa capacidade de exportação. Houve um crescimento maior do nosso saldo agrícola, que começou a ser positivo, e chegamos a ter saldos em conta corrente de vinte bilhões de dólares. Algo realmente fantástico, mas via compressão das importações.

Então, nesse período, as exportações brasileiras cresceram 41,7%, em termos reais, enquanto as importações, apenas 13%. O Dr. Benedito foi gerente dessa política e sabe muito bem como é que se conseguiu isso. Mas, de qualquer forma, o crescimento das exportações brasileiras foi menor em termos mundiais (78%); o das exportações dos Estados Unidos chegou a 81,2%.

A quarta fase foi de 1994 a 1998 – a nossa recente abertura. E essa recente abertura realmente teve uma falha de certa forma previsível, porque nosso esforço de exportação não correspondeu exatamente ao grau de abertura dado às importações. As nossas exportações cresceram apenas 17%, enquanto as exportações, 74,3%. Isso gerou grande problema de déficit em nossa balança comercial, que se traduziu em déficit em conta corrente. Em 1997, houve déficit em conta corrente entre trinta e três bilhões de dólares a trinta e cinco bilhões de dólares, acontecimento ímpar na história da nossa política de comércio exterior.

Em 1998, o governo mudou novamente nossa política comercial via câmbio. Liberou a taxa de câmbio e começou a controlar as importações via taxa cambial. Então, nesse tempo houve a crise asiática, alguns momentos de grande turbulência no mercado internacional. Mas, de qualquer forma, de 1998 para cá as nossas exportações cresceram 7,6%, enquanto as nossas importações caíram 3,3%. Não temos ainda grandes saldos comerciais gerados, mas de qualquer forma já existe uma tendência para o equilíbrio, que talvez consigamos no próximo ano.

Houve grande diversificação em nossa pauta comercial. Os senhores vêem que em 1970 o café representava novecentos e oitenta milhões de dólares, enquanto em manufaturados conseguimos apenas um milhão e cinqüenta e oito mil dólares. Em 1980, vimos que a situação começou a mudar bastante: os manufaturados já participavam com quase a metade. E, hoje, a diversificação chegou a um ponto em que as exportações agrícolas contribuem com pouco mais de 30%, apenas. Claro que não estou considerando pontos complexos do agribusiness, não incluídos na pauta da OMC. Apresento este quadro apenas para comparação com outros países.

No Ministério da Agricultura, eles usam outro conceito de agronegócio, em que incluem calçados, por exemplo. Mas a OMC não considera calçados produto agrícola de exportação. Isso melhoraria bastante se fossem incluídos outros produtos do agronegócio em nosso sistema.

Em virtude da nossa política de fechamento da economia, tivemos uma violenta queda na participação do Brasil nas exportações mundiais. Chegamos ao ponto máximo de 1,71%, em 1975, caindo para 0,86% no ano passado. Nas exportações agrícolas, estamos crescendo um pouco, principalmente com relação a 1995. Hoje, temos 3,61%, comparados a 3,23% alcançados naquele ano, quando chegamos a participar com 7,27%.

Esse quadro visa mostrar a importância do agribusiness brasileiro na nossa balança comercial. Tivemos grandes saldos negativos, principalmente a partir de 1995, mas nosso saldo agrícola continua altamente positivo. Novamente, quero enfatizar que foram incluídos outros produtos no agribusiness como o calçado, madeira, pasta de madeira e outros, elevando o saldo para mais ou menos quinze bilhões de dólares – nosso cálculo indica 11,1%.

O Ministro Pratini de Moraes sempre cita o saldo da balança do agronegócio brasileiro. Esse conceito é correto, mas não podemos utilizá-lo na comparação com outros países, porque estes usam o da OMC.

Elaborei este quadro para mostrar as características do mercado de produtos agrícolas em âmbito mundial e como um sistema de integração econômica como a ALCA poderia afetá-las.

A primeira característica é o elevado grau de competitividade. Sabemos que a integração econômica vai aumentar essa competitividade, porque, na realidade, eliminam-se as barreiras, o processo fica mais transparente e o nível de comunicação maior.

A alta sensibilidade aos ciclos econômicos – business cycles – é importante porque a sentimos na pele, durante muito tempo. Quando existe queda no nível de atividade da economia mundial, a exportação agrícola é a primeira que cai. Com a integração econômica, isso pode melhorar um pouco, porque o comércio fica mais livre. Já constatamos esse fato, pelo menos, no comércio de produtos industriais, menos afetados pelos ciclos econômicos. Veremos isso em gráfico mais à frente.

A tendência histórica de declínio no preço é um fator importantíssimo. Em 1973, quando comecei a trabalhar na antiga CFP, o preço da soja chegou a 1.100 dólares a tonelada, em termos reais, expressos na moeda atual. Hoje, temos um preço muito inferior, que o Ministro mencionou em sua exposição.

Logicamente, a integração econômica pode barrar a tendência histórica de declínio nos preços. Na medida em que se liberam os mercados, a demanda aumenta, causando um choque como o ocorrido depois da criação da OMC – vou demonstrá-lo em gráfico, posteriormente. Isso pode melhorar um pouco essa tendência histórica.

Quanto à instabilidade de preços causada por choques de oferta, a integração econômica não vai alterá-la. A agricultura vai continuar muito suscetível a esses choques. Se ocorrer, por exemplo, a previsão de queda de 10% da safra, os preços disparam, porque a demanda ainda é elástica. Qualquer tipo de acréscimo ou decréscimo tem efeitos ampliados no sistema de preço. Quanto a isso, a integração econômica não vai contribuir em nada.

O elevado grau de ingerência de governos nacionais é outra característica histórica dos mercados de produtos agrícolas. Os governos continuam interferindo demais. O Ministro, no início de sua exposição, falou muito bem desse processo de ingerência, que prejudica os produtores eficientes.

A participação crescente no comércio mundial, que mostrarei depois em detalhe, também é difícil. Da mesma forma que a integração econômica amplia a participação dos produtos industrializados, ela vai também beneficiar os produtos agrícolas, mas, de qualquer forma, a tendência de decréscimo do comércio agrícola mundial vai continuar.

Como afirmou o Ministro, o comércio agrícola mundial hoje não é mais de raw materials, de produtos primários. É um processo sofisticado, que envolve a diferenciação de produtos, marketing, promoção comercial e, principalmente, industrialização. Hoje, 70% das exportações agrícolas do mundo são de produtos industrializados ou semi-industrializados. Então, mudou muito a composição desse comércio.

Finalmente, a importância da promoção comercial e do marketing é vital. Quando se tem uma integração econômica, o mercado fica mais competitivo. Para se acessarem os mercados, precisa-se de um eficiente esquema de promoção comercial e marketing. Sempre que viajo para a Europa, vejo, inclusive em aviões e feiras, a promoção de café colombiano, carne argentina e outros produtos que penetram fortemente no mercado europeu dessa forma. No Japão, onde participei de feira há dois anos, só havia promoção desse café.

Precisamos atentar para esse ponto. O Ministro está fazendo enorme esforço no sentido de incrementar a promoção comercial e o marketing.

Na dotação orçamentária de um ano atrás, o governo norte-americano destinou, ao USDA, cento e cinqüenta milhões de dólares só para a promoção comercial de cooperativas e pequenas empresas. No Brasil, a dotação orçamentária para esse tipo de atividade é praticamente zero. O Ministro conseguiu alocar verbas no Orçamento, mas estamos muito atrasados em relação a outros países.

Este quadro mostra o comportamento que mencionei, da evolução do comércio agrícola e não-agrícola. Podemos verificar como o primeiro depende dos ciclos econômicos, dos business cycles. Até 1994, quando foi criada a OMC, os dois cresceram substancialmente, em função dos acordos da entidade. O comércio agrícola cresceu 34%, em dois anos, e mais intensamente após o efeito sinérgico da OMC. O comércio industrial cresceu um pouco mais, em torno de 40%, mas essa é a tendência.

Com a crise asiática, o comércio agrícola sofreu um choque e começou a cair violentamente, a partir de 1997. O comércio industrial caiu um pouco, naquele ano, em função do reflexo da crise, mas voltou a se recuperar.

Durante todo o período, tivemos um crescimento de 34% no comércio agrícola e de 80% no não-agrícola. Isso reforça, sobremaneira, a tese de que a liberalização dos mercados é importantíssima para a agricultura. O comércio industrial é muito mais liberado que o agrícola, portanto, bem menos vulnerável aos ciclos econômicos e às crises que afetam o desempenho da economia mundial.

A integração econômica traz, para a macroeconomia, maior competitividade, aumento significativo no movimento internacional de capitais, participação crescente do hot money e maior disputa de investimentos diretos. Isso é fundamental. Hoje, o mundo está muito mais integrado. Estamos sentindo na pele esse problema do investimento direto, porque a luta para sua obtenção é enorme.

A tecnologia tem papel cada vez mais preponderante em todas as áreas.

Além disso, a dotação de fatores, o factor endowment, é fundamental. Hoje, as empresas multinacionais investem onde encontram vantagens comparativas. Isso é fundamental, inclusive no nosso agribusiness.

Quanto à redução do espaço de decisão, já falei um pouco do mercado agrícola.

O declínio da empresa nacional em favor das multinacionais é outro efeito direto da integração econômica.

Vejamos, agora, o problema da integração econômica no desempenho dos principais países exportadores.

Neste gráfico, que compreende os anos de 1990 a 2000, temos os países que realmente lucraram com a Rodada Uruguai. Quem mais lucrou foi a Espanha, com 53% de crescimento, depois, o Brasil e a Itália. O Brasil teve ganho substancial em suas exportações, em função da pequena abertura dessa negociação.

Com a crise asiática, o efeito sinérgico da Rodada Uruguai foi eliminado. O país menos afetado foi o Brasil, apesar de todos terem diminuído as exportações. Nos Estados Unidos, a queda foi de 17%; na França, de 13%, enquanto nosso país ainda conseguiu crescer 9,7%. Durante todo esse período, o Brasil e a Espanha foram os países que mais incrementaram suas exportações.

Essa é uma lição importante. Apesar das barreiras protecionistas, de problemas de infra-estrutura e do Custo Brasil, ainda conseguimos crescer bem acima dos outros países, numa média de 78,4%, seguidos pela Espanha, com 78,2%. Esse é um exemplo de como o governo deve atuar de forma ampla e direta no processo de redução do Custo Brasil.

Este quadro mostra os países que mais se beneficiaram com a Rodada Uruguai, entre

1993 e 1996. Os principais produtos foram frango, óleo de palma, e complexos mais dinâmicos como café, vinho e trigo. Após a crise asiática, nota-se que quase todos caíram, menos o vinho e o óleo de palma.

No contexto geral, vemos quais produtos apresentaram maior dinamismo no período. Temos, em primeiro lugar, o óleo de palma, que cresceu 172%; depois, a carne de frango, 121%. Esse é um exemplo claro de como o governo brasileiro conseguiu, junto com os empresários, dinamizar o setor – o Dr. Furlan foi um dos responsáveis por esse excelente desempenho –, apesar de todos os problemas enfrentados.

Quanto à relação entre a agricultura e a ALCA, temos os fatores positivos e negativos. Vou começar pelo pior: a posição predominante dos Estados Unidos, que o Ministro mencionou en passant. É realmente difícil competir com uma máquina gigantesca de 9,9 trilhões de dólares. Além disso, há o elevado grau de eficiência em distribuição e marketing daquele país.

Quanto à política agrícola americana, ela sempre foi altamente protecionista, transferindo aos produtores grande volume de recursos. Em 1983, chegou a destinar quarenta bilhões de dólares ao setor, que hoje equivalem a quase cinqüenta bilhões. Nem por isso o Brasil deixou de se tornar um dos maiores complexos do agribusiness mundial.

Qual é a diferença hoje? Naquela época, eles controlavam a produção. O Brasil nunca ficou prejudicado; ao contrário, foi beneficiado. Havia o target price, o Conservation Reserve Program (CRP). Grande massa de recursos era destinada a esses produtores, que tiravam terra do sistema produtivo. Isso ajudava muito os outros participantes do comércio internacional. Depois de 1996, em conseqüência de erro de estratégia desses participantes, foi eliminado esse problema e os decoupled programs foram postos em prática.

O subsídio não pode exercer influências na produção, mas é difícil isso acontecer. Então, os Estados Unidos criaram o sistema de pagamentos diretos, a fim de eliminar o price support e o target price, mas não adiantou, porque continuou o estímulo à produção. Com a crise asiática, voltaram os loan defficiency payments, hoje os grandes responsáveis pela sustentação da renda da soja nos Estados Unidos.

Isso é importante. Quando o Brasil for negociar, não vai eliminar os subsídios dos Estados Unidos, porque eles têm dinheiro. Historicamente, mesmo quando tinham o maior déficit público do mundo, na década de oitenta, eles continuaram subsidiando fortemente a agricultura, com valores entre trinta e quarenta bilhões de dólares. Lembro-me de que, em 1985, a CCC tinha o loan power authority de sacar trinta e cinco milhões do tesouro. Eles têm uma cultura histórica de protecionismo, de transferência de renda para a agricultura, da qual não vão abrir mão.

O Brasil tem a opção de tentar negociar esse sistema de proteção com base na transferência de renda. Por que não voltar ao antigo sistema de controle da produção via reserva de área? Li estudos, em Washington, mostrando que os produtores lucrariam muito mais, por causa da inelasticidade da demanda. Qualquer redução na produção americana alavancaria grandemente a renda, pois eles receberiam muito mais do que por meio dos loan defficiency payments. Essa é uma questão importantíssima, que o Brasil deve encarar ao fazer as negociações.

Entre os fatores positivos, inclui-se o acesso direto ao maior mercado do mundo, que representa 9,9 trilhões de dólares.

O ministro falou sobre a solução do contencioso entre Brasil e Estados Unidos, que pode ser resolvido por intermédio da ALCA. Os efeitos macroeconômicos são importantíssimos. Temos um déficit, em conta corrente, de vinte e seis bilhões de dólares. Esse ponto tem de ser incluído nas negociações. Como vamos resolver o problema se não podemos exportar? Dependendo da maneira como ele for integrado à economia, os efeitos econômicos poderão ser benéficos ao Brasil.

No que se refere aos investimentos diretos, a questão fica mais clara para o Brasil.

O tempo de que disponho não me permite falar mais.

Muito obrigado.

O SR. COORDENADOR (Marcus Vinicius Pratini de Moraes) – Muito obrigado, Dr. Carlos Nayro.

Vou fazer uma inversão de pauta, passando imediatamente a palavra ao Dr. Luiz Fernando Furlan, que tem viagem marcada.

Peço permissão para me retirar, porque preciso voltar ao meu gabinete, e passo a coordenação dos trabalhos ao Deputado Luis Carlos Heinze, Presidente da Comissão de Agricultura e Política Rural da Câmara dos Deputados.

Muito obrigado.

LUIZ FERNANDO FURLAN – Obrigado, Sr. Ministro. Boa tarde a todos.

O objetivo da minha participação neste seminário é fazer breve comentário sobre os desafios e as oportunidades da ALCA no agronegócio. Dos trinta e quatro países que integram a entidade, vinte e quatro representam apenas 1% do PIB da região. É importante entender que, para estes, comprar um ingresso para o imenso mercado da América do Norte é muito importante. Sua produção local é pouco relevante e a entrada nesse mercado seria como um bilhete premiado.

É bom também lembrar que mais de 70% do PIB da ALCA concentra-se num só país: os Estados Unidos. O Brasil representa em torno de 4% do PIB da região. Na entidade só poderá haver dois protagonistas: Estados Unidos e Brasil, ou um só, os Estados Unidos. Isso vai depender muito da posição brasileira e da nossa capacidade de negociar.

Todos os números foram mencionados. A ALCA é um mercado extraordinário. Há no Brasil, principalmente na agricultura e no agronegócio, enorme capacidade de competir nos mercados mundiais, já demonstrada e em franco crescimento com as oportunidades que se estão abrindo, com a melhora do controle sanitário e também com a mudança de posicionamento do governo brasileiro, por intermédio do Itamaraty, do Ministério da Agricultura e dos outros órgãos que interagem com o Ministério de Desenvolvimento e Comércio Exterior, em que hoje adotamos postura muito mais agressiva de negociação nos fóruns internacionais.

Vender matéria-prima – commodity, como se diz – não é grande vantagem. Como maior produtor de soja do mundo, devemos vender não simplesmente o óleo, o farelo ou a proteína vegetal transformada em animal – no caso da carne de frango e de porco –, mas o produto de valor agregado. Foi citado o exemplo do café, em que um sachezinho, muitas vezes, custa o equivalente a um ou dois quilos de café verde.

Estamos procurando vender carne cozida, grelhada, produtos elaborados à base de carne, pizza com cobertura de frango e lasanhas congeladas de carne ou de frango. O produto do agronegócio, apesar de ser matéria-prima, não é visto como tal pelo consumidor e, sim, como produto de conveniência, acabado, pré-cozido ou pré-frito, necessitando simplesmente ser aquecido.

Além disso, há a questão da marca, levantada pelo meu antecessor, que tratou de marcas e conceitos. A marca brasileira não é conhecida no exterior. Há um esforço sendo feito nesse sentido. Eu mesmo participei, há uma semana, em uma feira internacional em Colônia, na Alemanha, de um esforço de promoção de muitas marcas brasileiras. Havia lá uma churrascaria brasileira oferecendo carnes, utilizando o conceito brazilian meat. Havia um estande inteiro com vários produtores de cachaça brasileira, oferecendo produtos com marca. Além, é claro, das empresas mais tradicionais que oferecem produtos industrializados de carne, principalmente frangos e suínos.

Precisamos construir o nosso conceito de marca, de produto natural, de produto saudável, de produto com garantia, com qualidade. Por exemplo, durante um campeonato de tênis, na França, vê-se escrito em um painel de propaganda Café da Colômbia; isso é conceito. Ninguém vai a um supermercado comprar café da Colômbia nem na Europa nem nos Estados Unidos. Quem compra café da Colômbia é o industrial, é o torrefador. E ele revende o produto com sua marca própria, não como conceito. Alguns países conseguiram avançar muito na área de conceito. Praticamente todo o mundo reconhece a vodka russa, o charuto cubano, o café colombiano. Esses produtos se colocaram no mundo como conceitos de qualidade. O Brasil precisa estabelecer conceitos, e também marcas, de forma que as pessoas possam identificar o produto e comprá-lo, reproduzir o conceito de qualidade e pagar o preço-prêmio em função da qualidade oferecida. Isso só pode ser conseguido com o trabalho conjunto do governo e do setor privado. E não se pode ficar na defensiva. Pareceu-me, em alguns pronunciamentos, que a posição do Brasil numa negociação da ALCA deve ser defensiva. Eu discordo. Acho que temos muitos pontos para defender numa negociação da ALCA e temos, é claro, de defender algumas posições, uma vez que – isso deve ter sido dito durante a apresentação da manhã – o período de desgravação para produtos sensíveis da ALCA poderá chegar até a quinze anos, como aconteceu no NAFTA (Acordo de Livre-Comércio da América do Norte), que se encontra no oitavo ano. Se nós, brasileiros, quisermos vender determinados produtos no México, teremos, como tarifa, no caso do frango, 200%, enquanto os americanos pagam algo em torno de 50%, porque vem vindo uma desgravação subseqüente a cada ano. Então, os produtos sensíveis certamente serão objeto de um trabalho mais específico. Mas há uma lacuna de pessoal técnico. Nós temos extraordinários negociadores. O trabalho que a Sra. Vera Thorstensen preparou mostra claramente que o Brasil tem dificuldades de encarar três negociações simultâneas com a União Européia, OMC e ALCA. Na verdade, precisaríamos ter – estamos falando de agricultura – maior número de especialistas que possam estudar com profundidade setor por setor, monitorar o que está acontecendo e municiar os negociadores e as pessoas que vão tomar as decisões finais com dados que possam representar a realidade e, ao mesmo tempo, indicar onde se pode conceder e onde não se pode conceder. Acredito profundamente na capacidade do agronegócio brasileiro, não me atemorizo com a competição internacional, mas tenho medo – é claro – do protecionismo, das barreiras não-tarifárias, das dificuldades de acesso aos mercados. Isso, sim! Mas tendo consciência e sabendo exatamente o que queremos e o que podemos conceder, nós não vamos nos colocar numa toca de proteção esperando a oportunidade passar e achando que o isolacionismo seria o melhor caminho. O Brasil tem maturidade e competência para enfrentar a competição mundial e também para enfrentar uma negociação complexa como a da ALCA.

É a mensagem positiva que deixo de um industrial brasileiro que desde 1975 milita no mercado mundial. Vocês viram em uma das tabelas que a primeira exportação de frangos, de três milhões de dólares, foi feita pela nossa empresa, a Sadia, liderando um consórcio de três empresas de Santa Catarina. Pois bem, neste ano as exportações vão crescer para mais de um bilhão e duzentos milhões de dólares. Só a nossa empresa vai representar seiscentos milhões de dólares de exportações de produtos brasileiros de valor adicionado, transformando soja, milho, mão-de-obra e, ao mesmo tempo, tecnologia desenvolvida no Brasil, com linhagens de suínos que foram desenvolvidas em nosso país e hoje são competitivas, ombreiam com o que há de melhor no mundo.

Finalizo a minha intervenção com uma mensagem de otimismo. Vocês, que são jovens, não se amedrontem, estudem, dediquem-se, saiam da superficialidade do discurso, que, muitas vezes, tem um fundamento mais político do que a própria realidade. Vejam o que está acontecendo no campo e saibam que o agronegócio brasileiro veio para ficar, é um grande empregador, é o maior superávit da balança comercial brasileira, com quase catorze bilhões de dólares. Se não apostarmos em cavalo ganhador, vamos apostar em quem?

Muito obrigado a todos pela oportunidade e até a próxima.

LUIS CARLOS HEINZE – Muito obrigado, Dr. Luiz Fernando Furlan.

Passo imediatamente a palavra ao Sr. Embaixador Waldemar Carneiro Leão, que disporá de quinze minutos.

WALDEMAR CARNEIRO LEÃO – Muito obrigado, deputado. Creio que vou falar menos do que os quinze minutos porque o auditório está se rarefazendo. Estamos no fim da sessão, as pessoas já estão cansadas e já passa da hora do término deste bloco. Isso significa que temos de ir depressa. Facilita o meu trabalho o fato de que, primeiro, o Ministro Pratini de Moraes elencou todos os problemas enfrentados pela agricultura brasileira no comércio exterior. Depois do ministro outros oradores atacaram questões mais específicas.

Gostaria de abordar, de modo muito esquemático e simplificado, outro prisma dessa questão. Quero essencialmente comentar, por um lado, como está montada a negociação com a ALCA e, por outro, qual o alcance da negociação e quais são as suas limitações. Essas questões merecem ser pensadas.

O Brasil negocia na ALCA, não só no setor de agricultura, mas em outros, em coordenação com o MERCOSUL. Portanto, os quatro países negociam em bloco na ALCA no segmento da agricultura como em outros.

O MERCOSUL e o Brasil apresentaram claramente suas reivindicações em matéria agrícola. Destaco três ou quatro delas: primeira, eliminação dos subsídios à exportações para produtos agropecuários no Hemisfério Sul, essencialmente; segunda, maiores disciplinas para créditos à exportação; terceira, disciplinas para ajuda alimentar – este é um ponto pelo qual há muito escoamento de excedente agrícola; quarta, acesso facilitado para todos os mercados.

Nisto está em jogo o grande mercado dos Estados Unidos e também o Canadá. Ele se coloca parcialmente em contraposição ao Brasil e ao MERCOSUL, porque os Estados Unidos – vou simplificar, porque disse que estaria deliberadamente simplificando – mostram-se, sim, dispostos a negociar acesso, porém muito pouco dispostos a negociar disciplinas, ou seja, discutiríamos na ALCA essencialmente acesso a mercados, porém deixaríamos de lado, segundo a posição norte-americana, disciplinas tais como subsídios domésticos à exportação, etc.

Então, temos, de saída, uma posição de confronto que, ao contrário do que possa ter parecido, pelo que se depreende de algumas exposições, não se aplica somente a acessos.

Podemos até entrar numa negociação de acesso bastante interessante, substanciosa e com perspectivas de bons resultados, mas está-se tornando mais difícil – e diria que as perspectivas são de que tenhamos soluções apenas parciais – a negociação de outras coisas na agricultura que não o acesso. Neste caso, refiro-me essencialmente a subsídios.

Diante desse quadro, como se define a posição do MERCOSUL? A posição do MERCOSUL, ao forçar uma negociação abrangente, é evitar ou tentar evitar que a negociação da ALCA, no que diz respeito a produtos agrícolas, repita o modelo do NAFTA. A idéia é evitar a repetição do NAFTA, ou seja, a naftalização do processo negociador da ALCA. Por quê? Que experiência podemos depreender do NAFTA em matéria agrícola? No NAFTA há muito pouca restrição à liberdade que os países têm de aplicar políticas de subsídios, de apoio doméstico ou de créditos à exportação, etc., e, essencialmente, uma liberalização de acesso que, diria, é feita um pouco à la carte. Quer dizer: produtos sensíveis ficam um pouco protegidos, de fora ou com um cronograma de liberalização muito prolongado; produtos não-sensíveis, de muita competitividade, são colocados na mesa para negociação.

Assim, estamos diante de uma situação que configura um confronto de saída que não abrange apenas acesso – repito –, mas também disciplinas.

Falando em subsídios, como os senhores sabem, o Ministro Pratini de Moraes e outros expositores mencionaram abundantes números a respeito dos subsídios internos, dos créditos à exportação, uma prática mais americana do que européia. Os Estados Unidos subsidiam pouco a exportação, fazem mais créditos subsidiados, portanto, uma situação de anomalia completa dentro do mercado agrícola mundial.

Os Estados Unidos alegam – este é o ponto complicado – que não vão mexer ou não podem mexer nessas disciplinas, que não podem atar as próprias mãos em matéria de apoio doméstico ao agricultor ou em matéria de subsídio à exportação, porque estariam se situando em posição de desvantagem em relação à Europa e outros produtores, ou seja, resposta a problemas de subsídios ou a problemas sistêmicos do comércio agrícola como um todo, nós, segundo os americanos, não podemos encontrar na ALCA; só podemos encontrá-la numa organização mais universalista, numa negociação mais abrangente, ou seja, na OMC. Os Estados Unidos, então, remetem – e o mesmo faz o Canadá – à OMC toda responsabilidade ou todo foco, digamos assim, da negociação na área agrícola.

Que conclusão podemos tirar desse quadro? Basicamente, podemos tirar a seguinte conclusão tática, estratégica e fundamental para o processo negociador: ainda que façamos uma negociação muito bem-sucedida, a ALCA não constituirá resposta perfeita e adequada aos problemas que a agricultura brasileira enfrenta, não somente de acesso, mas sobretudo de disciplinamento, de apoio e de subsídios.

Portanto, além da ALCA, é necessário, indispensável que o Brasil e outros países competitivos na área agrícola envolvam-se profundamente na negociação na OMC. E, no caso brasileiro e do MERCOSUL, também uma negociação com a União Européia. Só com a complementaridade entre negociação regional e negociação multilateral teremos um resultado satisfatório no setor agrícola. Daí a importância do lançamento de uma nova rodada de negociações multilaterais na OMC, que se delineia para essa Conferência Ministerial no Qatar.

Cito outro importante dado, que considero bom termos presente. Mesmo em relação a acesso a mercados, temos um pouco esse viés de imaginar que lá está o grande mercado consumidor e absorvedor das exportações brasileiras, do potencial exportador brasileiro, mas não vemos o outro lado da medalha. Gostaria de comentar com os senhores que, num depoimento na Câmara dos Deputados dos Estados Unidos, o Representante de Negociação Comercial dos Estados Unidos, acompanhado da Secretária de Agricultura, fez uma série de declarações a respeito de como eles vêem vantagens na negociação agrícola na ALCA. O Departamento de Agricultura chegou a dividir os produtos americanos em três categorias, já de antemão, considerando que alguns produtos americanos serão ganhadores, como milho, trigo, soja e algodão. Há produtos para os quais a negociação terá um impacto provavelmente muito pequeno, como arroz, laticínios e talvez carne. E, finalmente, há produtos americanos que eles sabem, têm certeza e já antevêem que serão grandes perdedores numa negociação, como açúcar, suco de laranja e amendoim.

Os Estados Unidos consideram que, para a agricultura americana, a ALCA é vantajosa, sim. Eles se consideram produtores muito competitivos, capazes de avançar em mercados como os nossos, sem subsídios; consideram-se capazes de entrar e tirar proveito do crescimento do mercado consumidor que eles prevêem na América Latina. Eles destacam três países com crescimento muito importante nos próximos cinco anos: Brasil, Argentina e Chile. Eles consideram que somente esses três países trarão para o mercado consumidor uma população de cinqüenta milhões de novos consumidores de classe média, nos próximos cinco anos. Dizem eles que isso significa a população da França. Em cinco anos, teríamos uma população da França a mais consumindo produtos americanos.

Então, repetindo o que várias pessoas afirmaram, de fato a agricultura é um setor em que o Brasil é muito competitivo. Porém, é um setor em que a competitividade brasileira enfrenta anomalias de toda espécie. O mercado agrícola internacional, não só da ALCA, não só das Américas, mas do mundo inteiro, enfrenta distorções de toda ordem. E somente a negociação da ALCA não resolve o problema da agricultura brasileira. Temos de negociar bem na ALCA, na OMC e, juntamente com o MERCOSUL, com a União Européia.

Muito obrigado.

LUIS CARLOS HEINZE – Agradeço ao Embaixador Waldemar Carneiro Leão pela participação.

Passo a palavra ao segundo debatedor, Sr. Marcos Sawaya Jank.

MARCOS SAWAYA JANK – Vou-me ater a sete ou oito minutos, pois já são quase dezenove horas e penso que não dá para ir além disso, mas serei muito provocativo e terminarei comentando o assunto das declarações do candidato do PT a respeito da questão dos subsídios domésticos versus subsídios exportação, por se tratar de tema da maior importância.

Em primeiro lugar, falarei rapidamente sobre a ALCA. Esclareço que estou falando como professor da USP e não como atual funcionário do BID, porque, na verdade, não posso apresentar nenhum tipo de posição do banco, já que ele está diretamente envolvido no apoio a essas negociações.

Ao longo do último ano, trabalhei nos Estados Unidos analisando a política agrícola desse país e o seu limite de negociação na ALCA e na OMC. Vou tentar trazer hoje a posição em relação ao que podemos esperar dos Estados Unidos.

Entendo que há basicamente três pontos. Primeiro, temos de negociar. Sou absolutamente contrário à idéia de ficar na posição de bom ou ruim. Tudo depende do que vai estar na negociação. Temos de passar da fase de achar que a ALCA é boa ou ruim e partir para a tecnicalidade da negociação. A fase da emoção já passou. Temos de partir para a fase da tecnicalidade, em cima de análises, de bons estudos e de cenários efetivos para essa negociação.

Acho que o debate sobre a ALCA é muito mais intenso no Brasil do que nos Estados Unidos, mas temos bem menos estudos do que eles. Temos de inverter isso. Devemos fazer menos debates e partir mais para os estudos no sentido de efetivamente verificar quais são os ganhos reais dessa negociação, algo que ainda não está claro. E não adianta dizer que a ALCA é boa ou ruim; temos de fazer esses estudos.

Segundo ponto: fiz esse trabalho durante um ano nos Estados Unidos e não sei dizer se a ALCA é boa ou não para o Brasil, mas posso declarar que pode ser extremamente benéfica para a agricultura brasileira. Mas isso depende do que vai estar dentro desse acordo, o que ainda não sabemos.

Se conseguirmos colocar nesse acordo toda a questão de acesso a mercados, barreiras tarifárias e não-tarifárias, toda a parte de subsídios, é evidente que os ganhos serão extraordinários. Na outra ponta, se os produtos que nos interessam mais – e são poucos, como é o caso do açúcar, do fumo, do suco de laranja – forem todos para a lista de exceções e não se conseguir nada em subsídios, a ALCA pode ser absolutamente nula ou ligeiramente negativa, porque o pessoal desses outros países também espera ganhos nessa área. Portanto, a ALCA pode ser desde negativa até muito positiva. Acredito que será positiva para o setor porque hoje é prioridade do governo brasileiro.

Outro ponto muito forte a considerar é que a ALCA não vai acontecer daqui dois ou três anos, mas talvez daqui a dez anos. Portanto, há toda uma fase de adaptação até que ela ocorra.

O quarto ponto, que me parece muito relevante e já referido pelo Embaixador, não está transparecendo neste debate. A ALCA está intimamente ligada ao que vai acontecer na Organização Mundial de Comércio, e essa ligação é extremamente forte. O mesmo ocorre nas negociações com a União Européia. Ou seja, se sai a rodada, dá para se avançar muito mais, pois há condições de jogar os chamados temas sistêmicos para uma rodada multilateral.

Toda a parte de subsídios, de antidumping e também a parte dos novos temas, por exemplo, do meio ambiente, do trabalho, tudo isso pode ser negociado multilateralmente, de forma muito mais fácil do que em âmbito regional. Portanto, se sai nova rodada, a possibilidade é muito grande; se não sai, a coisa fica muito mais complicada. Existe uma relação muito grande e temos de construir cenários para a existência ou não de uma rodada multilateral.

Quanto temos a ganhar? É muito difícil de dizer, mas, se atentarmos para o caso do Canadá e do México nos Estados Unidos, podemos ter uma idéia. Nos últimos dez anos o Canadá conseguiu aumentar suas exportações agroindustriais para os Estados Unidos de três bilhões para oito bilhões de dólares – aumento de cinco bilhões de dólares –; o México passou de 2,5 bilhões para cinco bilhões – aumento de 2,5 bilhões –; e nós perdemos cento e cinqüenta milhões de dólares – queda de 1,1% ao ano. Perdemos mercado, perdemos share em termos absolutos e relativos no mercado norte-americano, principalmente porque 50% do que o Brasil exporta para lá, na área de agribusiness, estão sujeitos a barreiras, enquanto outros países conseguiram ganhar 2,5 bilhões ou cinco bilhões.

O curioso é pensarmos que o principal beneficiário tenha sido o México, quando, na verdade, foi o Canadá quem mais ganhou, porque conseguiu fazer uma negociação agrícola mais eficiente do que o México, que até hoje está sujeito a barreiras. Este ano vai ser definida a cota mexicana de açúcar, algo muito importante para a ALCA. Ainda não se sabe se essa cota vai ser dada por fora ou por dentro, porque já vai ser uma cota de duzentas e cinqüenta toneladas. Portanto, é importante observar os casos do México e do Canadá quase como referenciais do que podemos tentar conseguir nessa negociação. Mas temos de negociar.

Outro ponto importante é que estamos negociando produtos muito específicos. Estamos falando talvez de umas cinqüenta a cem posições tarifárias que nos interessam de fato, ou seja, é uma lista de produtos. E essa mesma lista vai se repetir no caso da Europa. Então, não se trata de uma negociação na qual o que interessa é a média tarifária; o que interessa é saber se essa lista entra ou não.

Quero dizer ainda que existe ligação muito forte entre o regional e o multilateral. Por exemplo, se no regional podemos conseguir acesso total aos nossos produtos, no multilateral, só conseguiremos acesso parcial, porque no multilateral se está em negociação muito mais ampla. Portanto, no regional, pode-se conseguir acesso maior. Mas no tema, por exemplo, de subsídios – isso também ocorre com antidumping –, fica mais fácil uma negociação no multilateral do que no regional, porque no multilateral é mais fácil conseguir concessões.

Para que possam ter idéia, os americanos podem conceder hoje dezenove bilhões de dólares em subsídios domésticos aos seus agricultores e nós podemos conceder um pouco menos de um bilhão de dólares. Então, por que os americanos iriam jogar seus dezenove bilhões fora contra o nosso um bilhão, se os europeus podem hoje conceder talvez cinqüenta bilhões ou sessenta bilhões de dólares? Portanto, é muito mais fácil conseguir ganhos em subsídios no multilateral do que no regional. Esse ponto é muito relevante. Temos de torcer para que essa rodada saia, e com um documento que nos permita negociar agricultura simultaneamente no regional e no multilateral.

Concluo abordando a questão dos subsídios internos versus subsídios à exportação. Como esse importante assunto talvez faça parte da próxima campanha política, é bom que fique claro. Os países ricos concedem hoje subsídios extremamente elevados à agricultura. Os subsídios estimados pela OCDE para 2001 atingem, no Japão, 25.190 dólares por produtor/ano; nos Estados Unidos, 20.803 e, na União Européia, dezesseis mil dólares por produtor/ano. Isso representa 63% da renda agrícola no Japão, 40% na União Européia e 23% nos Estados Unidos. Nesse sentido, imaginar que podemos competir com esses países numa guerra de subsídios me parece insanidade. Temos de brigar para que os subsídios efetivamente desapareçam. Não há condição de se competir com esses montantes.

A idéia de que os subsídios internos seriam aceitáveis e os subsídios à exportação não seriam é algo extremamente falso. Por quê? Porque 70% dos subsídios internacionais são concedidos via preços garantidos acima do preço internacional. O que significa isso? Que 70% do volume global dos subsídios estão diretamente atrelados a preço garantido, ou seja, os agricultores franceses hoje recebem pelos seus produtos duas, três ou quatro vezes o preço internacional. E isso é subsídio interno, que é mensurado pela caixa amarela. Achar que isso é saudável e que o subsídio à exportação não o é considero um equívoco. Por quê? Porque toda vez que se fixam preços mais elevados do que o equilíbrio de oferta e de demanda, geram-se excedentes. Esses excedentes vão ter que ser geridos de alguma forma, seja via cotas de produção, seja via tarifas de importação, seja via programas de congelamento de terra, seja via programas de subsídio à exportação, seja via crédito subsidiado, seja via ajuda alimentar.

Os países ricos hoje têm uma infinidade de mecanismos para lidar com o problema da formação de excedentes, que nasce de um preço garantido ao produtor mais elevado do que o preço mundial. Não se pode atuar no subsídio à exportação, que é a conseqüência; tem-se que atuar na causa. A causa é que o preço recebido pelo agricultor europeu, pelo sojicultor americano, pelo produtor de açúcar lá nos Estados Unidos, está muito mais elevado do que o preço mundial.

Não é possível imaginar um mundo em que só se mexa em subsídios à exportação. Isso é um equívoco! Na realidade, a origem do problema está num preço garantido ao produtor muito mais elevado do que o preço mundial, e que gera esses excedentes. É exatamente nesse ponto que temos que mexer. Não se pode mexer em nada mais.

Com isso, fecho esses breves comentários e concluo minha exposição.

Muito obrigado.

LUIS CARLOS HEINZE – Obrigado, Dr. Marcos Sawaya Jank.

Eu sou o terceiro debatedor. Vou fazer, então, as conclusões.

É extremamente importante a reunião que está sendo proposta e discutida neste seminário pela Câmara dos Deputados; na Comissão de Economia, com o Deputado Marcos Cintra, onde se discutiu muito este assunto, depois da viagem que fizemos com S. Exa. o Sr. Presidente e a delegação brasileira. Este é o objetivo principal, sabendo das potencialidades da agricultura brasileira. Os números estão mostrando que é onde o Brasil efetivamente tem condições de competitividade. Se analisarmos grãos, carnes, lacticínios, frutas, tudo o mais que se puder realizar, veremos que não existe hoje vantagens comparativas a quem possa competir com o Brasil, desde que façamos as devidas correções que hoje foram amplamente discutidas, em cima do protecionismo dos países europeus e também norte-americanos.

O fundamento, o objetivo desta discussão é que possamos democratizá-la, e não mantê-la em fóruns fechados. Por isso, a Câmara dos Deputados está promovendo este debate. Sabe-se da excelência dos nossos negociadores, sejam do Itamaraty, sejam do Ministério da Indústria e

Comércio, sejam do próprio Ministério da Agricultura. É importante que a Câmara dos Deputados tenha uma participação, que o Senado Federal tenha uma participação e que a sociedade brasileira como um todo também tenha essa participação. Este é o nosso objetivo primordial, Deputado Marcos Cintra: que a sociedade participe deste processo.

Observe que o prazo para se encerrarem as negociações da ALCA é 2005. Estamos, no ano 2001, fazendo esta discussão em um seminário. Que tantos outros sejam estimulados nos Estados, com os diferentes segmentos, de empresários a estudantes, para que se possa unificar o conhecimento nacional disperso em universidades, nos meios acadêmicos, nas instituições de pesquisas, nos próprios escritórios particulares. Que eles possam montar seus lobbies e que possam trabalhar o assunto em consonância com o Congresso e com nossos próprios negociadores. Neste ponto, sim, tiraremos vantagens desse processo.

Não existe hoje no mundo quem tenha as condições do Brasil. Chegamos, na marca de grãos, por exemplo, a um crescimento de 70% nos últimos dez anos, reduzindo a área de plantio. Isso é eficiência da nossa agricultura. Se examinarmos a produção de carne bovina, passamos de quatro milhões e novecentas mil toneladas para seis milhões e trezentas mil toneladas. Tivemos aumento também na produção de carne de frango, conforme o Dr. Furlan expôs aqui. Ela aumentou de dois milhões e duzentas mil, nos anos noventa, para cinco milhões e quinhentas mil toneladas produzidas. Se considerarmos a carne suína, passa-se de um milhão de toneladas para dois milhões de toneladas em dez anos. Se considerarmos o vinho no Rio Grande do Sul – e estou tomando apenas um exemplo –, que praticamente representa 70% ou 80% do vinho produzido no Brasil, saímos de duzentos e vinte milhões de litros em 1996 para trezentos e vinte milhões de litros atualmente.

Se considerarmos que no Brasil estamos cultivando com grãos, por exemplo, quarenta e um milhões de hectares e ainda temos para cultivar noventa milhões de hectares, vejam a potencialidade.

Temos ainda duzentos e vinte milhões de hectares de pastagens e já estamos com essa produção em bovinocultura, mas sabemos que, com a tecnologia que ainda se pode implementar, só o céu é o limite para nossa capacidade de produzir.

O empresariado está-se adaptando, a tecnologia existe, a sanidade dos nossos rebanhos hoje é inquestionável, enfim, estamos tendo esses avanços.

Portanto, precisamos de discussões desta natureza, em que não se discuta apenas a ALCA. Fala-se hoje aqui em MERCOSUL, em NAFTA, em Comunidade Econômica

Européia, em discussão com países asiáticos. É isso o que o Brasil deve discutir e é o que estamos fazendo.

Nesse sentido, é extremamente importante que o empresariado brasileiro, o meio acadêmico brasileiro, o Poder Executivo e o Poder Legislativo façam a sua parte. É o que nós, já neste ano 2001, quatro anos antes de encerrarmos estas negociações, já estamos fazendo.

Então, que esta participação não fique circunscrita apenas ao Congresso Nacional, mas que seja também estendida aos Estados, para que cada um deles, cada segmento, como dizia o Marcos e o próprio Dr. Furlan, realize os estudos das diferentes cadeias que nos cercam. Esta é uma tarefa não apenas do Poder Executivo, pois esse já tem feito seus trabalhos, como também têm feito algumas entidades de classe e empresários. Mas, fundamentalmente, devemos ter um norte, uma orientação de parte de nossos negociadores oficiais.

A cadeia que se compõe desde o empresariado brasileiro, passando pelo Congresso e chegando aos nossos negociadores oficiais deve interagir nesse processo.

Realmente, não temos condições de competir com o tesouro norte-americano, como dizia o próprio Ministro Pratini de Moraes. É uma insanidade imaginarmos que podemos dar esse volume de subsídios, portanto, nós, sim, somos competitivos.

Quando se fala em aplaudir os subsídios dados à agricultura européia, quero enfatizar que jamais chegaremos aos valores de subsídios dados à agricultura pelos europeus, pelo Japão ou pelos Estados Unidos, como o Marcos vem colocando aqui. É impossível.

Da mesma forma, é impossível competirmos com essas barreiras que nos estão colocando, a exemplo dos processos de antidumping, do protecionismo através de regras sanitárias – as quais devemos quebrar –, da redução dessas barreiras não-tarifárias e das salvaguardas ambientais, extremamente importantes, especialmente no momento em que estamos discutindo nesta Casa o Código Florestal.

Vejam, hoje querem que fiquem intactos em todo o Brasil quatrocentos milhões de hectares da Floresta Amazônica. Pergunto: quem vai nos pagar para que utilizemos apenas esses quatrocentos milhões de hectares em extrativismo? A borracha saiu da Amazônia, foi para a Malásia e eles exportam para todo o mundo, enquanto temos que continuar no extrativismo dentro da Floresta Amazônica. Como os ambientalistas e essas ONGs internacionais, a exemplo do Greenpeace e a WWF, querem dizer o que devemos fazer dentro do Brasil e, ao mesmo tempo, impor a não-utilização de nossas reservas? Temos hoje, deste total de quatrocentos e setenta e quatro milhões de hectares, não só de florestas, mas de cerrado e de outros biomas que existem na Amazônia, cinqüenta e oito milhões de hectares destinados à agricultura ou de áreas que foram desmatadas. Dizem que temos de proteger a Amazônia e ser o pulmão do mundo, mas quem nos pagaria por isso?

Esse é um grande desafio. Como vamos reflorestar cinqüenta milhões de hectares a uma razão de quinhentos, seiscentos ou setecentos reais por hectare? De onde vamos retirar vinte ou trinta bilhões de reais hoje para fazer o reflorestamento?

Agora, se alguém nos pagar para que a Amazônia seja o pulmão do mundo, aí, as coisas são diferentes e podemos negociar. É o que estamos discutindo hoje na questão do protecionismo internacional.

Há alguns dias, questionamos a posição do Ministro da Agricultura da Comunidade Econômica Européia, quando em reunião com o Ministro Pratini de Moraes e um grupo de parlamentares, sobre a política de subsídios da União Européia. Eles dizem que não vão diminuir os subsídios. Portanto, como iremos competir com esses subsídios?

Quando indagamos se estariam dispostos a nos pagar alguma coisa, em razão do seqüestro de carbono, disseram que iriam investir nas suas empresas e nos seus empresários, para que eles reduzissem o seqüestro, mas não pagariam taxas para que o Brasil mantenha limpa a atmosfera, retirando dela o carbono.

Nesse sentido, é extremamente importante esta discussão e espero que os meios acadêmicos e os empresários também dela participem. Esse é o nosso objetivo, Deputado Marcos Cintra. Que possamos democratizar esta discussão e, aí, sim, com serenidade, conhecendo o assunto, dispondo dos dados numéricos, debater o assunto. O Carlos Nayro coloca os números; o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, também. É a realidade que precisa ser passada à sociedade brasileira, para que ela, como um todo, possa discutir esse processo.

São extremamente importantes os números mostrados pelo diretor da empresa Sadia sobre o que eles estão fazendo. Então, existem empresários muito capazes no Brasil. É preciso que sejam estimulados, é preciso que sejam discutidas essas políticas. E, efetivamente, nós teremos proveito na negociação. Temos que bater duro, sim, em cima dos subsídios que eles dão. Com relação a essas regras, às barreiras que eles criam, como trabalhistas, sanitárias, ambientais, de tudo que é natureza, na tal de multifuncionalidade, claro que não vamos ser contra. Agora, por meio desses mecanismos, eles estarão impedindo o acesso dos nossos produtos.

Nossos negociadores, os parlamentares, a sociedade brasileira como um todo, nossos empresários, fundamentalmente, têm que estar preparados para esse processo de discussão. Assim, fazem os Estados Unidos. Então, temos que estar preparados não apenas nas negociações com a ALCA, mas em todas as negociações que possamos fazer.

Esse é o nosso objetivo. Por isso, estamos reunidos hoje aqui.

Muito obrigado pela presença das senhoras e dos senhores e também dos nossos painelistas, debatedores e apresentadores.

Nada mais havendo a tratar, vou encerrar os trabalhos de hoje do Seminário “O Brasil e a ALCA”.


Relator

Pedro de Camargo Neto

1. Introdução

A seguir, são expostas sínteses de cada apresentação com comentários deste relator. Ao final, o relator apresenta suas conclusões e faz algumas sugestões sobre o tema.

2. Marcus Vinicius Pratini de Moraes

O Sr. Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento fez uma exposição rica em exemplos, apontando os principais problemas a serem enfrentados pelo Brasil nas negociações comerciais internacionais. Apontou também os caminhos a seguir.

No início de sua exposição lembrou o protecionismo americano, com altas tarifas para produtos agrícolas. Aquele país utiliza não só tarifas ad valorem, mas também tarifas específicas e mistas, que muitas vezes ficam fora da discussão. A escalada tarifária, que consiste em aplicar tarifas muito superiores à medida que agrega valor a um produto, foi outro problema apontado. Como exemplos, citou as cadeias da soja, do café e do cacau, sem tarifas para os produtos básicos, mas com tarifas proibitivas para os produtos elaborados. A prática da escalada tarifária impede a agregação de valor no país exportador, condenando países como o Brasil a ser exportadores de matérias-primas. A correção das distorções causadas pela excessiva escalada tarifária é o melhor caminho para o Brasil promover a agregação de valor a seus produtos básicos, uma vez que não gera outras distorções no mercado.

O apoio doméstico à produção promovido pelo governo dos Estados Unidos é hoje o problema mais sério no relacionamento comercial agrícola com aquele país. A União Européia e Japão possuem políticas semelhantes. A competição passa a se dar entre tesouros nacionais e não entre produtores. Neste contexto o Brasil não pode competir. Além do apoio doméstico, os Estados Unidos disponibilizam recursos significativos para subsídios à exportação ou para práticas com natureza e efeito equivalentes.

As políticas americanas causam uma queda no preço internacional das commodities, a exemplo da soja e do algodão, prejudicando a produção brasileira. A nova lei agrícola americana, por exemplo, fixa preços de garantia para o algodão para um nível 2,3 vezes superior ao preço praticado no mercado internacional.

Não só os Estados Unidos praticam protecionismo na ALCA. O expositor exemplificou com o sistema de cotas de importação e sistemas governamentais de comercialização de cereais do Canadá e México, bandas de preços de Chile e Colômbia e outros. Há também a questão da utilização das barreiras sanitárias como protecionismo disfarçado. O Brasil condena todas essas formas de protecionismo e já apresentou proposição sobre cada uma delas no Grupo de Negociação sobre Agricultura da ALCA.

Isso cria uma situação injusta em que precisamente aqueles produtos que o País pode exportar para pagar a conta de importações necessárias e crescentes encontram barreiras no mercado internacional. Diante dos problemas apontados, o expositor aponta os objetivos fundamentais a serem perseguidos pelo Brasil nas negociações comerciais internacionais. A agricultura brasileira é penalizada por ser competitiva.

É de interesse do Brasil que as disciplinas para o comércio de produtos agrícolas sejam as mesmas aplicadas para o comércio de bens não agrícolas.

É preciso que o processo de liberalização comercial para produtos de interesse especial para os países em desenvolvimento, como o são os produtos agrícolas, seja acelerado.

O Brasil tem que negociar em pé de igualdade com os outros países. É legítimo que o País exija que seus interesses sejam contemplados, mas para isso o País tem que fazer o dever de casa e se preparar para negociar. Os negociadores brasileiros têm que ter consciência de que o País é competitivo em agricultura e que exportar produtos agrícolas não significa exportar produtos de baixa tecnologia e valor agregado.

O País tem que exigir o fim das restrições quantitativas à importação de produtos agrícolas.

O fim dos subsídios às exportações e o disciplinamento das medidas de apoio interno também têm que ser perseguidos.

É de interesse do Brasil, mas mais ainda de países ainda menos desenvolvidos, que sejam implementadas as provisões a respeito de tratamento especial e diferenciado para países em desenvolvimento.

O Brasil tem que rejeitar as novas formas de protecionismo disfarçadas em preocupação com o meio ambiente, segurança alimentar, etc.

O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, atuando em linha com esses objetivos, tem procurado fazer com que o País firme posição nos fóruns negociadores em favor de uma ampla abertura aos produtos agrícolas e tem adotado uma postura de princípio no tocante aos temas ditos sistêmicos (subsídios, crédito à exportação, etc.)

Para o Brasil, se não houver abertura para produtos agrícolas, a ALCA não interessa. Sem agricultura não haverá ALCA e nem acordo com a União Européia.

Após o dia 11 de setembro, o mundo está vivendo uma fase muito especial. Para atenuar a recessão, o comércio mundial deve ser intensificado e o acesso aos produtos de exportação dos países subdesenvolvidos deve ser garantido.

A agricultura brasileira é uma das mais modernas e eficientes do mundo. Na última década a safra de grãos foi duplicada na mesma área plantada. As exportações de produtos do agronegócio aumentaram em muito, sem comprometer o abastecimento interno.

3. Carlos Nayro de Azevedo Coelho

O expositor apresentou um histórico da política comercial brasileira, adotando uma abordagem por períodos.

De 1950 a 1966, a política comercial brasileira caracterizou-se pelo elevado protecionismo e pela aplicação do modelo de substituição de importações. Nessa fase as exportações brasileiras dependiam basicamente de café. Em 1962, o produto contribuiu com 75% do total exportado.

De 1966 a 1981, houve relativa abertura comercial, as exportações cresceram 514% e as importações 686%. A pauta se diversificou e, em 1982, o café participava apenas com 10,4% das exportações.

De 1981 a 1994, a economia se fechou novamente. A política comercial se caracterizou por um grande arrocho nas importações, que teve como conseqüência a redução na capacidade de exportar. O saldo da balança comercial agrícola começou a se destacar. As exportações totais cresceram 41,7% no período contra 13% de crescimento nas importações.

De 1994 a 1998, ocorreu a recente abertura. O esforço de exportação não correspondeu ao grau de abertura dado às importações. As exportações cresceram 17% e as importações 74,3%. Foi um período de grandes déficits na balança comercial.

Em 1998, o governo mudou a política comercial via câmbio. Desde então, as importações brasileiras caíram 3,3% e as exportações cresceram 7,6%. A pauta de exportações se diversificou bastante. Atualmente, as exportações do agronegócio correspondem a pouco mais de 30% do total exportado pelo País. Destaca-se, porém, a importância do agronegócio para a balança comercial brasileira, com saldos positivos e crescentes.

Em anos recentes, os superávits crescentes da balança comercial agrícola brasileira têm demonstrado que o setor é, inequivocamente, muito competitivo no mercado mundial e que deve ser prioridade para o Brasil nas negociações internacionais.

O mercado dos produtos agrícolas tem algumas características singulares apresentadas pelo expositor. É altamente competitivo; tem alta sensibilidade aos ciclos econômicos; os produtos apresentam uma tendência histórica de queda nos preços; e sofrem alto grau de ingerência por parte dos governos, prejudicando os produtores eficientes.

Na história recente, o comércio de produtos agrícolas apresentou menor crescimento e maior susceptibilidade aos ciclos econômicos do que o comércio de bens não agrícolas. Isso ocorreu porque o comércio industrial é muito mais liberalizado que o agrícola, portanto bem menos vulnerável aos ciclos econômicos e às crises que afetam a economia mundial.

Uma maior abertura comercial, com menor ingerência dos estados sobre os fluxos comerciais, como ocorre nos produtos não-agrícolas, contribuiria para um crescimento neste comércio e uma redução na susceptibilidade às crises. Da mesma forma, uma mudança nos instrumentos de apoio à produção, para instrumentos desacoplados da quantidade produzida, contribuiria para reduzir o excesso de oferta e para diminuir a tendência de queda acentuada nos preços das commodities agrícolas.

Nos dias de hoje, a tendência é de exportar produtos diferenciados e não matérias-primas. Daí a importância do marketing e da promoção comercial.

Na ALCA, os Estados Unidos ocupam uma posição dominante. Têm um PIB de 9,9 trilhões de dólares, um elevado grau de eficiência em distribuição e marketing e uma política agrícola protecionista. A política agrícola americana, embora protecionista e prejudicial aos interesses do Brasil, não foi capaz de deter o crescimento do agronegócio brasileiro. Porém, a mudança nos mecanismos, de target prices com controle de área para os deficiency payments, trouxe grandes prejuízos aos agricultores brasileiros, uma vez que causa queda nos preços internacionais das commodities. O Brasil não conseguirá fazer com que o governo dos Estados Unidos pare de aplicar subsídios na agricultura, mas pode conseguir que altere os instrumentos adotados.

Como ponto positivo, a ALCA significa a abertura de um mercado de 9,9 trilhões de dólares, o maior do mundo.

4. Luiz Fernando Furlan

Dos trinta e quatro países da ALCA, vinte e quatro detêm apenas 1% do PIB da região, mais de 70% do PIB concentra-se nos Estados Unidos. O Brasil representa cerca de 4%. A região é um mercado extraordinário para o agronegócio brasileiro, capaz de competir nos mercados mundiais.

O Brasil tem que exportar produtos de maior valor agregado e não commodities. Porém a marca brasileira não é conhecida no exterior. O Brasil precisa construir um conceito de marca, de produto saudável, natural, com qualidade e garantia. Com isso as pessoas identificarão o produto e comprarão. Para tanto, é necessário um trabalho conjunto do governo com o setor privado.

O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento concorda que o País deve exportar produtos de maior valor agregado e não apenas matérias-primas. Isso deve ser conseguido via redução da escalada tarifária nos países importadores. A adoção de políticas discriminatórias ao setor primário, como a taxação das exportações, significaria uma transferência de renda injusta e inaceitável dos produtores rurais para a indústria.

O Brasil não pode ficar numa posição defensiva nas negociações da ALCA. Há um problema de carência de pessoal técnico, é preciso um maior número de especialistas para estudar com profundidade cada setor e municiar os negociadores.

O expositor manifestou receio quanto ao protecionismo. O Brasil não pode perder a oportunidade e se isolar. O País tem competência para enfrentar a competição mundial e tem muito a ganhar com a abertura. O agronegócio brasileiro é competitivo, é um grande empregador e gera o maior superávit na balança comercial brasileira.

5. Waldemar Carneiro Leão

O Brasil negocia a ALCA em conjunto com os demais países do MERCOSUL. O MERCOSUL já apresentou claramente suas reivindicações em matéria agrícola, com destaque para: eliminação dos subsídios à exportação dentro do bloco; maiores disciplinas para os créditos à exportação; disciplinas para ajuda alimentar; e acesso facilitado para todos os mercados.

O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento tem trabalhado, em estreita cooperação com o Ministério das Relações Exteriores, na formulação dos posicionamentos brasileiros sobre todos os temas de interesse do setor agrícola.

O posicionamento dos Estados Unidos e do Canadá é de que na ALCA só deveria ser discutido o acesso aos mercados. As outras questões deveriam ser discutidas na OMC. O MERCOSUL insiste em uma negociação abrangente.

A ALCA não constituirá resposta adequada aos problemas que a agricultura brasileira enfrenta, sobretudo no que diz respeito a questões outras que não o acesso a mercados. Para resolver os problemas causados pelos subsídios à produção e comercialização e pelos créditos à exportação, dentre outros, é necessário se envolver profundamente nas negociações da OMC.

Os Estados Unidos se consideram competitivos em agricultura, capazes de avançar em mercados como o brasileiro, mesmo sem subsídios. O USDA já elencou produtos ganhadores com a ALCA, produtos neutros e produtos sensíveis, como o açúcar e o suco de laranja. Consideram que somente o Brasil, a Argentina e o Chile poderão ter um aumento no mercado em cinqüenta milhões de consumidores de classe média nos próximos cinco anos.

O Brasil é competitivo em agricultura, porém trata-se de um mercado cheio de anomalias. O País precisa negociar bem na ALCA, na OMC e com a União Européia para tratar das distorções do mercado de produtos agrícolas.

6. Marcos Sawaya Jank

Para o expositor, não negociar a ALCA não é opção. É necessário passar da fase do bom ou ruim para as negociações propriamente ditas, com base em estudos e análises. A ALCA é extremamente benéfica para a agricultura brasileira, mas para isso é necessário incluir os produtos de interesse do País. A ALCA só vai acontecer dentro de dez anos e está ligada às negociações na OMC e MERCOSUL/União Européia.

O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento considera que as negociações de acordos internacionais nas quais o Brasil está envolvido podem trazer ganhos substanciais ao País. Porém é inadmissível que os produtos agrícolas, particularmente aqueles de maior interesse para o País, não sejam incluídos.

Os chamados temas sistêmicos (subsídios, antidumping, meio ambiente, etc.) podem ser negociados muito mais facilmente em âmbito multilateral do que em acordos regionais.

Tomando o NAFTA como exemplo, verifica-se que o Canadá aumentou suas exportações do agronegócio para os Estados Unidos de três para oito bilhões de dólares. O México passou de 2,5 para cinco bilhões. O Brasil perdeu cento e cinqüenta milhões.

O Brasil está negociando produtos muito específicos. Ao País interessa se esses produtos entrarão ou não nas negociações. Nas negociações regionais, pode-se conseguir acesso total aos produtos; nas negociações multilaterais, pode-se conseguir negociar os outros temas.

O professor Marcos Jank conclui sua exposição criticando as declarações de que os subsídios à produção são aceitáveis para o Brasil. Na verdade é o apoio à origem, uma vez que gera excedentes, que precisam ser exportados com subsídios.

O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento tem defendido, na OMC, uma mudança nos instrumentos de política agrícola adotada pelos países desenvolvidos. Numa postura realista, em que reconhece o direito dos países em apoiar seus agricultores, o Brasil tem defendido a substituição de instrumentos geradores de excedentes que provocam alta distorção no mercado para mecanismos de garantia de renda, desacoplados da produção, que causariam distorções muito menores nos preços internacionais.

7. Luis Carlos Heinze

O objetivo da Câmara dos Deputados com este tipo de evento é democratizar a discussão do tema, incluindo a sociedade no processo. É interesse também tratar de outros fóruns e não apenas da ALCA.

A produção agrícola do País é competitiva, está crescendo e tem ainda enorme potencial, mas não pode competir com o tesouro norte-americano. É impossível também competir com as barreiras impostas aos produtos agrícolas brasileiros.

     Foto: Sônia

PAINEL 4 (23/10/2001). Pedro Camargo Neto, Marcos Sawaya Jank, Embaixador Valdemar Carneiro Leão, Ministro Marcus Vinicius Pratini de Moraes, Carlos Nayro de Azevedo Coelho, Deputado Luis Carlos Heinze, Luiz Fernando Furlan.

PAINEL 4 (23/10/2001). Ministro Marcus Vinicius Pratini de Moraes.


O expositor aproveitou a oportunidade para mencionar o problema do Código Florestal brasileiro em discussão na Câmara. A proposta é que quatrocentos milhões de hectares da Amazônia fiquem intocados. Os agricultores brasileiros não podem arcar com este custo.

8. Conclusões e recomendações do relator

Pode-se concluir que a agricultura brasileira já demonstrou que é muito competitiva no mercado internacional. Desta forma, o Brasil deve incluir os produtos agrícolas como prioritários em qualquer negociação de acordo comercial de que vier a participar. Os ganhos potenciais são significativos, pois é justamente nesses produtos que se encontram as maiores barreiras à importação.

Além do acesso aos mercados, em agricultura, é importante que as políticas que distorcem o comércio sejam disciplinadas. O Brasil já manifestou posicionamento firme pela eliminação dos subsídios à exportação, pelo disciplinamento dos créditos à exportação, de medidas de natureza e efeito equivalentes e das medidas de apoio interno. Esses temas são mais facilmente tratados em âmbito multilateral, mas algumas conquistas são possíveis nos acordos regionais.

A iniciativa da Câmara dos Deputados em promover este seminário é muito bem-vinda. O Ministério da Agricultura considera fundamental a participação de todos os interessados no comércio internacional na discussão dos temas e tem procurado envolvê-los por meio de suas entidades representativas.


A AGRICULTURA, OS ACORDOS DE LIBERALIZAÇÃO DO

COMÉRCIO E A ALCA

Carlos Nayro Coelho

1. Introdução

Em 1970, o Brasil exportou US$ 2,74 bilhões (US$ 7,37 bilhões em valores atuais), mais do que o Taiwan e a Coréia do Sul juntos. O Taiwan exportou US$ 1,43 bilhões (US$ 3,85 bilhões em valores atuais) e a Coréia do Sul, US$ 835 milhões (US$ 2,25 bilhões em valores atuais). Em 1999, a Coréia do Sul exportou US$ 144,23 bilhões, o Taiwan, US$ 121,64 e o Brasil US$ 48,01 bilhões. Ou seja, entre 1970 e 1999, as exportações coreanas aumentaram, em termos reais, sessenta e quatro vezes, as do Taiwan, trinta e duas vezes e as do Brasil apenas seis vezes. Para os que ainda falam em maquiagem de produtos nesses países, em 1999, o saldo em conta corrente da Coréia do Sul foi de mais de doze bilhões e o do Taiwan mais de US$ 8 bilhões. As reservas dos dois países chegaram a mais de US$ 200 bilhões. No Brasil, o saldo em conta corrente foi de US$ 24,4 bilhões negativos, as reservas ficaram em torno de US$ 32 bilhões e, em termos mundiais, a participação do Brasil nas exportações caiu de 1% para 0,85%.

Quais foram as principais causas desse fraco desempenho do setor externo brasileiro?

Tudo indica que as causas remontam às décadas de quarenta e cinqüenta, quando se iniciou a aplicação do modelo de industrialização substitutivo de importações. Nesse período, a política econômica e a de comércio exterior eram claramente baseadas em princípios mercantilistas. Como resultado, fracassaram todas as tentativas de integração econômica e, somente a partir de 1965, o governo passou a reduzir os controles sobre as importações.

Não há dúvida de que, devido aos elevados estímulos fiscais e à imposição de elevadas barreiras protecionistas, o parque industrial brasileiro foi bastante ampliado nesse período, com a instalação de várias indústrias, inclusive a automobilística, considerada vital em qualquer processo de industrialização devido aos seus elevados efeitos dinâmicos.

Todavia, a grande contradição interna do modelo foi que, apesar de sua dependência orgânica na geração de divisas (via aumento nas exportações) para aquisição de bens de capital no exterior, o viés contra as importações terminou virando um viés contra as exportações. Entre

1950 e 1965, as vendas externas de todos os produtos permaneceram estagnadas e, como resultado de preços elevados, somente as receitas cambiais geradas pelo café aumentaram, tornando o País ainda mais dependente nas exportações desse produto. Em 1962, por exemplo, o café contribuiu com 75% do valor total das exportações.

Ao contrário da abertura comercial iniciada em 1990 (e ampliada a partir de 1994), que gerou grandes déficits na balança comercial e em conta corrente, a abertura de 1965 pode ser considerada um sucesso, pelo menos do ponto de vista de crescimento equilibrado das exportações e das importações, até o primeiro choque do petróleo em 1973. Entre 1966 e 1973, as exportações cresceram 256,1% (222,4% em termos reais), passando de US$ 1,7 bilhões para US$ 6,2 bilhões e as importações cresceram 376% (331% em termos reais), passando de US$ 1,3 bilhões para US$ 6,3 bilhões.

Esse equilíbrio foi obtido porque, quando as restrições às importações foram reduzidas, criou-se uma série de incentivos concretos às exportações. Dentre eles pode-se citar o grande volume de financiamentos, a eliminação de tributos da base exportável e a introdução das minidesvalorizações cambiais. Além disso, os padrões de eficiência relativa da logística brasileira não eram tão defasados como na década passada.

A crise do petróleo mudou novamente as relações de troca e, entre 1973 e 1974, as importações subiram mais de 103% e as exportações apenas 27,4%. Com exceção de 1977, ano em que houve um ligeiro equilíbrio na balança comercial, até 1981, em todos os anos houve déficits superiores a US$ 1 bilhão, sendo que o maior ocorreu em 1974, com US$ 4,6 bilhões, seguido de 1975 com US$ 3,5 bilhões.

Apesar desse acúmulo de déficits, o governo só decidiu mudar a política comercial em 1981, quando retornou ao antigo paradigma de controle rígido das importações dos anos cinqüenta. O resultado é que, como naquele período, o valor real das exportações permaneceu praticamente estagnado até 1991. O valor real das importações, por outro lado, decresceu 30,1%.

Embora o choque do petróleo tenha desequilibrado a balança comercial e a ampliação dos controles nas importações tenha provocado a estagnação no valor real exportado, o grande sucesso da política adotada a partir de 1965 foi a diversificação da pauta de exportações. Em 1965, o café e o açúcar representavam 88% do valor total das exportações e os manufaturados

(incluindo os produtos agroindustriais), apenas 12,8%. Em 1985, representaram apenas 11,5% e os manufaturados 65,6%. Atualmente o café e o açúcar representam menos de 8% das exportações totais (22% das agrícolas) e as exportações de manufaturados representam mais de 75% do total.

A abertura comercial iniciada em 1990, e ampliada a partir de 1994, foi reflexo da revolução mundial nas telecomunicações, na informática e nos transportes. Contudo, foi recebida internamente como o grande passo no sentido de romper com o velho modelo autárquico-estatal em vigor no País por várias décadas e de modernizar e dinamizar o sistema econômico por meio da integração da economia brasileira na economia mundial, da absorção de novas tecnologias e de novos métodos de produção.

A abertura trouxe graves desequilíbrios nas contas externas do País. Logo no ano seguinte, em 1995, as importações cresceram 50,4% e as exportações apenas 6,8%. Apesar da desvalorização de mais de 65% no valor do real depois de dezembro de 1998, entre 1994 e o ano 2000, as importações cresceram 68,6% e as exportações apenas 26,7%.

Analisando-se a situação sob qualquer prisma – principalmente o cambial –, chega-se à conclusão de que a grande falha da nova política foi no esforço exportador. Ao contrário de 1965, quando o esforço foi planejado e conduzido de forma objetiva e dinâmica, as recentes medidas de apoio na área tributária, de financiamento, desburocratização, legislação trabalhista, promoção comercial e infra-estrutura ou foram adotadas de forma extremamente tímida e demorada ou simplesmente não foram adotadas. Mesmo em termos administrativos, a política de comércio exterior brasileira continua ressentindo da falta de uma estrutura operacional mais dinâmica e especializada e principalmente de um comando ágil e bem definido.

De qualquer maneira, é neste contexto que se coloca a política de integração hemisférica do Brasil nas negociações da ALCA, particularmente no tocante à agricultura, cuja importância cresceu bastante depois do fracasso da reunião da OMC de Seattle, do elevado grau de incerteza que cerca o lançamento da futura Rodada, prevista para o final desse ano e da posição mais agressiva dos Estados Unidos em termos de Medidas de Apoio Interno.

Esse trabalho será dividido em três partes. Na primeira parte, será feita uma rápida análise dos princípios que norteiam os programas de integração econômica, em particular da Área de Livre-Comércio das Américas (ALCA), levando em consideração alguns aspectos relevantes do processo de negociação na área agrícola. Em seguida, será feita uma análise da evolução do comércio agrícola mundial, considerando os efeitos das políticas liberalizantes adotadas no âmbito da OMC e de alguns acordos regionais. Na terceira parte, será feita uma tentativa bastante técnica e objetiva de mostrar as vantagens e desvantagens da integração para a agricultura brasileira.

2. O processo de integração da economia mundial e a formação da ALCA

Desde a formação do Estado como entidade dominante na relação entre os povos e na construção interna das sociedades, as relações econômicas internacionais têm sido formuladas e construídas como um conjunto de relações entre países soberanos independentes, com fronteiras bem definidas e regras próprias de convívio político-social dentro dessas fronteiras.

O comércio exterior, o fluxo de capitais, a transferência de tecnologias e a própria movimentação de pessoas eram vistas como atividades realizadas entre países soberanos, com as regras domésticas sobrepondo as internacionais.

O surgimento, após a II Guerra Mundial, de um sofisticado sistema de organizações internacionais tanto no terreno político como econômico para prevenir a eclosão de conflitos e evitar o surgimento de crises financeiras internacionais tanto no sentido global como no individual, começou a mostrar a importância de mecanismos de atuação supranacionais.

Com o passar do tempo, a grande evolução da tecnologia em praticamente todas as áreas do conhecimento humano reforçou mais ainda a tendência de sobrepor a interdependência global à independência nacional. Embora de forma lenta e gradual, cada vez mais os Estados nacionais estão transferindo mais espaço no soberano poder de decisão para as regras econômicas internacionais.

No comércio mundial, no movimento internacional de capitais, na propriedade intelectual e mesmo nas relações trabalhistas, as regras acordadas nos foros internacionais cada vez mais se sobrepõem às regras domésticas. Nas relações comerciais, por exemplo, desde o antigo GATT, os países buscam estabelecer parâmetros de convivência para evitar guerras tarifárias e reduzir a presença de entraves à expansão do comércio.

Os acordos da OMC claramente limitaram o espaço de manobras dos países, no sentido de estabelecerem diferenças no tratamento dispensado às importações e às exportações e quanto à discriminação no mercado doméstico entre produtos domésticos e estrangeiros. A combinação de várias medidas, como a redução geral das tarifas, o estabelecimento de tetos tarifários de importações, a eliminação de cotas – ou sua tarifação –, tem contribuído para uma substancial liberalização do comércio, mas o principal efeito tem sido reduzir o espaço de intervenção do Estado na economia e, portanto, permitir que as forças de mercado determinem a alocação de recursos.

Evidentemente a adesão às regras internacionais ou aos mecanismos de integração, por mais que formem uma tendência aparentemente irreversível, não é inevitável: os países podem se recusar a aceitar regras que limitem a sua soberania na área econômica, dentro do preceito, por exemplo, de segurança nacional. O Brasil, como foi visto, por muitos anos, adotou o fechamento da economia como parte do modelo de substituir as importações, recusando-se a assinar qualquer acordo mais amplo de liberalização do comércio. Somente quando o atraso tecnológico e o grau de ineficiência relativa do sistema industrial causado pelo protecionismo começou a trazer graves prejuízos em termos de estabilidade e crescimento econômico é que decidiu-se mudar o approach.

O paradigma de que o comércio internacional é um conjunto de atividades desenvolvidas entre nações soberanas baseia-se nas pressuposições de que as atividades produtivas são realizadas dentro do espaço físico nacional e de que as transações e os investimentos são realizados entre firmas nacionais independentes.

Uma característica da economia global, que limita o espaço de atuação dos governos nacionais, é o declínio da empresa nacional como a principal entidade da economia do País. A tentativa de criação de uma identidade por meio da localização da sede da empresa, da fixação de um nome, de uma marca ou mesmo da origem histórica da companhia, para transmitir a idéia de uma empresa nacional no sentido tradicional é tentar obscurecer a realidade de uma economia integrada. Quando uma firma desenha um produto em um país, financia-o em outro, fabrica algumas peças em um terceiro e vende-o ao redor do mundo, ela não tem mais nacionalidade.

Outro ponto importante na integração refere-se às mudanças na natureza dos investimentos internacionais. Como se sabe, até os dias de hoje, uma das grandes disputas existentes entre os países está na tentativa de atrair empresas estrangeiras para realizar investimentos e produzir bens em seus territórios. Do ponto de vista das empresas, esse processo mudou bastante. Agora o comércio e os investimentos são parte de uma estratégia integrada para alcançar o máximo de eficiência na produção independente do País. A vantagem locacional tornou-se fundamental no processo e o comércio intrafirmas substituiu em muito o comércio tradicional entre empresas diferentes.

Além disso, com o avanço do processo de integração, os conflitos envolvendo a aplicação de tarifas e outras barreiras alfandegárias estão sendo suplementados por conflitos anteriormente restritos ao ambiente doméstico, como meio ambiente, padrões de trabalho, uso de hormônios na carne, uso de transgênicos, etc.

Muitas vezes as negociações que visam uma redução nas barreiras ao comércio implicam na adoção de posturas auto-restritivas dos governos nacionais, em termos de medidas que têm efeitos indiretos no comércio via aumentos artificiais no nível de competitividade. Na agricultura, esse é dos pontos mais polêmicos das negociações, pois na maioria dos países desenvolvidos, por vários motivos, os produtores agrícolas recebem grandes volumes de transferências diretas e indiretas que terminam prejudicando a posição comercial de outros países. Essas negociações, portanto, tendem a tomar a forma de concessões mútuas, em que o objetivo maior da criação de comércio prevalece.

Com raras exceções, os países não comercializam entre si como um ato derivado diretamente da política nacional. As compras e as vendas são feitas entre agentes privados e, como foi visto, cada vez mais entre unidades da mesma corporação. As restrições ao comércio interferem nessa transação privada, tornando-a menos eficiente e distorcendo a alocação de recursos com efeitos negativos sobre o emprego e a renda. Uma barreira comercial que aumenta o preço de um insumo ou de um produto tem implicações negativas em toda a cadeia produtiva e tem uma forte tendência de se autoperpetuar. Um exemplo disso são as barreiras para proteger a indústria infante. A indústria automobilística no Brasil oferece um exemplo clássico: depois de mais de trinta anos de implantada, até recentemente recebia o tratamento de indústria infante.

Em resumo, com a crescente integração das economias, a nova ordem econômica mundial deverá ser caracterizada pelos seguintes aspectos:

a)    maior grau de competitividade no comércio internacional de bens e serviços;

b)    aumento significativo no movimento internacional de capitais, com participação crescente dos capitais especulativos (hot money);

c)     maior disputa por investimentos diretos, devido à presença da China, da Rússia e do

Leste Europeu no mercado internacional de capitais;

d)    papel predominante da tecnologia em todas as ramificações do sistema econômico mundial;

e)     importância crescente da dotação de fatores (factor endowments) nas decisões produtivas e no fluxo de investimentos; e

f)      redução no espaço doméstico de decisão em matéria de política econômica, em favor de decisões supranacionais.

A criação de áreas de livre-comércio como a ALCA constitui o primeiro estágio para a integração econômica. A união aduaneira é o segundo, o mercado comum é o terceiro, a união monetária é o quarto e a união política é o último. No primeiro estágio, são eliminadas as barreiras alfandegárias e as barreiras técnicas entre os países que buscam a integração. Cada país mantém sua estrutura tarifária própria com relação a terceiros países. Um ponto importante nesse estágio é a negociação das regras de origem para evitar que importadores de países com alíquotas mais elevadas importem produtos através de países com alíquotas menores.

Quando forem assinados os acordos, a ALCA será a maior área de livre-comércio do mundo em termos de população e de Produto Interno Bruto (PIB). A população coberta será de setecentos e setenta milhões de pessoas e um PIB de mais de US$ 10 trilhões, calculado com base na paridade do poder de compra. Em termos de comparação, a União Européia cobre uma população de setecentos milhões e um PIB de US$ 7,5 trilhões.

O processo de negociação para a criação da ALCA foi centrado na discussão e na formalização de acordos em nove temas, cujo andamento será fator determinante na sua consolidação nos prazos previstos:

a)    acesso a mercados;

b)    procedimentos alfandegários e regras de origem;

c)     investimento;

d)    padrões e barreiras técnicas;

e)     subsídios agrícolas/medidas antidumping/medidas compensatórias;

f)      competição;

g)    compras do governo;

h)    propriedade intelectual; e

i)      serviços.

No acesso a mercados, foi definida a política de se procurar, por meio de ajustamentos estruturais, superar os problemas de acesso a mercados existentes no continente. Como primeiro passo, foi estipulada a necessidade de divulgação e sistematização de um banco de dados com todas as informações necessárias (e atualizadas) sobre os produtos de interesse especial para os agentes econômicos privados, no sentido de facilitar o comércio. Foi dada especial atenção para os seguintes fatos:

a)     eliminação mais rápida possível das tarifas aplicáveis nos produtos incluídos no pacote de liberalização (tarifa zero) da Rodada Uruguai e dos acordos subseqüentes, como o acordo sobre informação e tecnologia;

b)     fixação de uma programação especial gradual de concessões de acesso a mercados para as economias menores;

c)     estabelecimento de uma modalidade de negociação para facilitar a troca de liberalização no acesso a mercados por concessões nas áreas de serviços e investimento; e

d)     estabelecimento de modalidade de negociações que envolva produtos específicos com barreiras não-tarifárias, como as barreiras fitossanitárias e de padrões de fabricação.

Nos procedimentos alfandegários e regras de origem, foi definido que, no caso dos procedimentos, haveria um levantamento amplo de objetivo, a ser realizado por gerentes de movimentação de produtos de empresas privadas, por agentes alfandegários, por transportadores e por despachantes alfandegários de todos os procedimentos alfandegários existentes em cada país do continente. No caso das regras de origem, o primeiro passo seria a adoção de procedimentos para harmonizar as mesmas entre todos os participantes hemisféricos, embora tenha sido reconhecido que, dada a grande complexidade da matéria, isso seria apenas um passo transitório, pois o problema só seria resolvido de forma definitiva com a unificação de tarifas.

No tema investimento, foi definido que haveria a necessidade de uma ação coordenada de todos os Ministros das Finanças e do Comércio do Continente Americano. O foco seria no crescimento auto-sustentado, nas políticas cambiais, no crescimento da poupança doméstica e no acesso ao mercado internacional de capitais. Numa agenda específica, seria incluída a eliminação de taxas e de outros mecanismos que desencorajam o investimento estrangeiro (notadamente nas taxas sobre remessa de lucros), a redução do papel dos bancos estatais que operam fora de princípios não-comerciais e a criação de um sistema de taxação misto que envolva patrimônio, renda, lucro e consumo, que estimule o investimento. Finalmente seria criado um conjunto de regras hemisféricas envolvendo itens, como transparência, tratamento não-discriminatório dentro do princípio da Nação Mais Favorecida (NMF), expropriação, transferência de fundos, desempenho e incentivos.

No tema padronização e barreiras técnicas foi definida a elaboração de um estudo para mostrar a evolução do sistema de padronização e seu impacto no comércio. O resultado do estudo mostraria se os objetivos da padronização de proteger o consumidor, racionalização e harmonização e de fornecer um sistema de reconhecimento mútuo em termos de certificação estão sendo alcançados. Foi acertado que, para efeito da ALCA, o sistema deve reconhecer diferenças culturais e regionais envolvendo saúde, qualidade e segurança. Nesse sentido, seria considerado como parte dos procedimentos privatização das entidades governamentais de controle e certificação.

No tema subsídio agrícola, medidas antidumping e medidas compensatórias, foi definido que o ponto de partida seriam os compromissos da OMC, que serão analisados na próxima seção. Como se sabe, esses compromissos limitam o uso de subsídios mas não proíbem o seu uso. Em princípio, foi entendido que a proibição de subsídios seria possível em setores onde um terceiro país desempenha um papel irrelevante no comércio hemisférico e que a posição única do continente nesse assunto, na OMC, pudesse levar à ampliação das obrigações de redução. Na parte de medidas de retaliação contra práticas desleais de comércio, foi definido que elas poderiam ser reduzidas em termos de freqüência e menos prejudicialidade por meio de um entendimento maior do papel negativo que o dumping e os subsídios têm na produção doméstica e no nível de emprego. No caso de disputas potenciais, foi destacado o papel importante de acordos setoriais, consultas prévias e dos governos como mediadores nas disputas. Foi também destacado que uma forma específica de ligar ações antidumping à competição seria considerar, nessas ações, os mesmos princípios que formam as leis de estímulo à competição, como, por exemplo, o grau de concentração. Em setores onde o grau de concentração for baixo, a necessidade de aplicação de leis antidumping seria menor.

No tema competição, foi destacado que, além da abertura dos mercados, a melhor maneira de facilitar o fluxo de bens e serviços no Hemisfério seria harmonizar todas as leis existentes que afetam o nível de competição. O primeiro passo seria desenvolver uma base que permitisse a aplicação dos princípios acordados em dois sistemas legais diferentes: o dos Estados Unidos e o do Canadá e das nações de língua inglesa do Caribe que usam o sistema da Lei Comum (Common Law) e o dos países latinos que usam a Lei Romana, ou civil, em seus sistemas legais. Foi definido que é necessário um elevado nível de cooperação entre as autoridades competentes dos diversos países, para que o processo alcance seus objetivos. As normas hemisféricas relacionadas à competição, independente de sua estrutura formal, não podem permitir que os países deixem de aplicar os regulamentos contra práticas anticompetição. Foi estabelecido que, no processo de formação da ALCA, uma atenção especial seria dada à educação e à disseminação de informações relacionadas com as leis e regulamentos de estímulo à competição, pois poucos países têm esse tipo de experiência.

No tema compras governamentais, a primeira decisão foi no sentido de os governos e o setor privado trabalharem em conjunto, no sentido de remover restrições que tendem a favorecer empresas locais em detrimento de empresas de fora do país. Nesse sentido, um dos pontos importantes seria a luta contra a corrupção. Para isso, no processo de integração hemisférica seriam incluídas provisões legais no sentido de:

a)     garantir que os documentos de licitação sejam objetivos, práticos, neutros e claros e que promovam a eficiência e a transparência;

b)     eliminar ou reduzir significantemente as preferências por empresas domésticas;

c)      definir procedimentos para que, no caso de contratos com o governo, as disputas sejam resolvidas fora do Judiciário; e

d)     fixar regras no sentido de que, quando uma empresa entrar em disputa, a questão seja resolvida prontamente por uma terceira agência do governo.

No tema propriedade intelectual, foi definido que os países do Hemisfério devem implementar totalmente, e o mais rápido possível, o acordo da OMC sobre a matéria, o Trade Related Intellectual Property Rights (TRIPS) e tomá-lo como ponto de partida, tendo inclusive como objetivo um acordo TRIPS-plus na ALCA. No decorrer do processo, foi acertado que seria desenvolvido um elevado nível de cooperação entre os diversos órgãos hemisféricos que administram patentes, através de consultas técnicas e troca de informações. Como ação específica, foi acertada a criação de mecanismos de validação de patentes concedidos em outros países, bem como de formas de cooperação técnica, principalmente na área de informática para realizar com eficiência o registro.

No tema serviços, o princípio básico definido para as negociações da ALCA foi que todos os setores de serviços seriam cobertos pelo acordo em termos de direitos e obrigações, a menos que os demais participantes recebam e aceitem notificações de isenções. O acordo deve também incluir decisões sobre a cláusula da Nação Mais Favorecida (NMF) para os países que ofertam serviços, regras nacionais, transparência, desregulamentação progressiva, regras e disciplinas claras e procedimentos para solucionar disputas.

3. O comércio agrícola e os Acordos de Liberalização

Como mencionado, os grandes avanços nas áreas de transportes, comunicações e informática e a derrocada das economias socialistas já vinham alterando a configuração das relações econômicas mundiais no final da década de oitenta.

Com a assinatura dos acordos da Rodada Uruguai em 1994, esse processo adquiriu um novo ímpeto. Atualmente de uma forma ou de outra, todos os países do mundo estão sendo afetados pela crescente liberalização dos mercados e pelo que isso representa em termos de aumento no fluxo mundial de bens e serviços e movimento internacional de capitais.

Embora os resultados da Rodada Uruguai na área agrícola ainda sejam tímidos em relação ao que pode ser alcançado no futuro, não se pode negar que ela constitui um marco importante no processo de consolidação de uma economia globalizada. Observando-se, por exemplo, os países-membros do Fundo Monetário Internacional (FMI), constata-se que o valor global das exportações passou de US$ 4,3 trilhões em 1994 para mais US$ 5,8 trilhões em

1996 (um crescimento superior a 36%, ou seja US$ 1,5 trilhões), comparado com o crescimento de apenas 10,1% obtido entre 1990 e 1993.

A inclusão da agricultura nas negociações da Rodada Uruguai foi crucial para os avanços na direção de um comércio mundial mais livre e menos distorcido. Era cada vez mais evidente que a ambigüidade e o exagero das políticas públicas de proteção à agricultura doméstica de alguns países estavam, não apenas prejudicando o esforço global de desenvolvimento, mas também trazendo crescentes doses de sacrifício para as populações envolvidas. Na União Européia, por exemplo, os contribuintes são obrigados a pagar a conta dos subsídios às exportações, o valor das transferências internas para os produtores, o alto custo de manutenção dos estoques retirados do mercado para sustentar preços e, como consumidores, comprar alimentos a preços muito acima da paridade internacional.

A Rodada Uruguai pode ser considerada a mais ampla e mais ambiciosa negociação multilateral já ocorrida no mundo. A consolidação de todos os tipos de barreiras protecionistas em equivalentes tarifários (com um cronograma de redução), a criação de normas bem definidas para manter as relações comerciais entre os países, e principalmente a definição de se realizar novas rodadas de negociações (está previsto o lançamento da próxima para esse ano) para reduzir mais ainda as barreiras alfandegárias, podem trazer, principalmente no comércio agrícola, mais mudanças na estrutura e organização do comércio mundial.

O crescimento surpreendente de algumas economias do cinturão do Pacífico, com fortes fatores limitantes à expansão da produção de alimentos, já vinha mudando a estrutura do comércio agrícola mundial e motivando a sua expansão a partir de meados dos anos oitenta.

Todavia, foram os acordos da Rodada Uruguai no âmbito da agricultura que referendaram essa mudança em função de inclusão de temas até então considerados tabus nas mesas de negociações. Por essa razão, elas foram freqüentemente penosas e difíceis, pois atingiam áreas bastante sensíveis, como segurança alimentar nos países da Europa e do Japão, ainda vivendo os traumas da Segunda Guerra Mundial, políticas arraigadas de intervenção no mercado para proteger a renda dos produtores e de subsídios às exportações. Além disso, cobria temas complexos como acesso a mercados, restrições e proibições às exportações e normas sanitárias e fitossanitárias.

No acesso aos mercados foram acordados os seguintes pontos, tanto para os países desenvolvidos, como para aqueles em desenvolvimento:

a)    proibição de qualquer restrição não-tarifária nas importações;

b)    cobrança de todas as tarifas na fronteira;

a)    criação de salvaguardas especiais contra explosão de importações ou declínio persistente nas mesmas, limitadas para produtos tarifados e não-aplicáveis a importações sob compromissos de tarifas relacionadas com cotas;

b)    redução de todas as tarifas, incluindo as resultantes da conversão de outros tipos de barreiras mais as existentes; e

c)     implementação dos compromissos de abrir oportunidades de acesso (atuais e mínimos) a produtos tarifados.

Para os países desenvolvidos foi estabelecida uma redução tarifária de 36% (com mínimo de 15%), em seis anos, e para os países em desenvolvimento de 24% (com mínimo de 10%), em dez anos. Nesses países, quando os compromissos de redução do teto forem executados, a redução não é exigida, exceto de forma ad hoc. Os países mais atrasados foram excluídos dos compromissos de redução.

Com relação aos subsídios às exportações, foram definidos primeiramente os subsídios sujeitos a redução. Os demais ficaram sujeitos às regras antiburla, que incluem regras relacionadas a ajuda alimentar. Ficou, ainda, proibido o uso de subsídios em produtos não incluídos nos compromissos de redução. Para os países desenvolvidos, foram estabelecidos compromissos de redução tanto no volume (21%), como nos gastos orçamentários (36%), em seis anos. Para os produtos processados, foram estabelecidos somente 36% de redução nos gastos. E para os demais países, dois terços da redução dos países desenvolvidos, em dez anos, com exceção de alguns subsídios nos transportes e na comercialização.

Na parte de proibições e restrições às exportações de alimentos, ficou definido que cada país deverá realizar consultas e informar sobre a situação da oferta com antecipação.

No tocante às políticas domésticas de suporte, essas foram divididas em dois grupos: políticas permitidas, como as da caixa verde, e outras políticas, incluídas no sistema conhecido como Medida Agregada de Suporte (MAS), ou Medidas de Apoio Interno (MAI), sujeitas à redução. As transferências diretas para os produtores independentes dos preços de mercados, mesmo associados a programas de redução da produção, não incluídas na caixa verde, foram excluídas da MAI. A cláusula de minimis permite aos países desenvolvidos excluir menos que 5% do valor de programas baseados no suporte de produtos incluídos na MAI, e o total de suporte dentro desta precisa ser reduzido na base de 20% em seis anos. Para os países em desenvolvimento, a cláusula de minimis permite excluir menos de 10%, e a redução de 13,3% em dez anos para as políticas incluídas na MAI. O acordo permite também a esses países o uso, dentro de certas condições, de algumas políticas, como subsídios a insumos e investimentos. A cláusula da paz, que serve para limitar a área de manobras em termos de transferir um programa de suporte de um produto para outro, foi estendida para nove anos.

O acordo relativo às medidas sanitárias e fitossanitárias introduziu novos elementos, visando reduzir práticas discriminatórias e seus efeitos adversos ao comércio. Antes do acordo, exigia-se apenas que o País não discriminasse produtos agrícolas importados, por meio da aplicação de medidas sanitárias e fitossanitárias que não fossem aplicadas em produtos nacionais. Essa regra mostrou-se evasiva e permitia toda sorte de interpretações. Usando-se medidas sanitárias e quarentena como pretexto, barreiras ao comércio eram impostas de forma indiscriminada. Dentro do novo acordo selado na Rodada Uruguai, os países só podem impor essas medidas com base em métodos científicos internacionalmente aceitos.

Historicamente, o comércio agrícola mundial apresenta várias características. As mais importantes são as seguintes:

a)     elevado grau de competitividade;

b)     elevado grau de suscetibilidade aos ciclos econômicos (business cycles);

a)     instabilidade e tendência de declínio nos preços;

b)     elevado grau de ingerência por parte dos governos nacionais;

c)     redução no nível de participação no total do comércio mundial;

d)     aumento da participação do comércio dos países em desenvolvimento;

e)     mudanças na sua composição; e

f)      crescente importância da promoção comercial e marketing.

A competição sempre foi uma das características do comércio agrícola, porque ele é cíclico, composto de muitos participantes, tanto do lado da oferta como da demanda, o espaço para técnicas de diferenciação de produtos está cada vez mais amplo, a escala de gostos e preferências dos consumidores é praticamente ilimitada e a garantia de qualidade e estabilidade no suprimento são elementos essenciais na ocupação dos mercados.

A influência do ciclos econômicos é notória. Nos períodos em que o desempenho da economia mundial foi afetado por crises, como a do início da década de setenta e início da década de oitenta e mais recentemente com a crise asiática, o comércio agrícola também foi diretamente afetado. Assim, entre 1973 e 1978, cresceu apenas 13% e entre 1983 e 1988, apenas 8%. Já entre 1963 e 1968, quando a economia mundial, puxada pela economia americana, ainda refletia o dinamismo da década anterior, o índice chegou a 23%. No período 1968-1973, a queda de cinco pontos percentuais com relação ao período anterior (1963-1968) mostra o início da perda de dinamismo do modelo de crescimento implantado no pós-guerra. A ligeira recuperação entre 1978 e 1983, deveu-se às grande compras de grãos efetuadas pela ex-URSS e pela China. Entre 1994 e 1996, já refletindo também as novas regras da OMC, os dados mostram um crescimento de mais de 33%. Depois da crise asiática, entre 1998 e 2000, o volume caiu 15%.

A instabilidade nos preços é talvez a característica mais marcante do comércio agrícola. A tendência de declínio é relacionada com os ganhos de produtividade, que vêm ocorrendo na agricultura mundial, principalmente a partir da década de setenta. Nos principais grãos, como soja, milho e trigo, os preços apresentam grandes variações, mesmo de um ano para o outro. Mesmo desconsiderando o ano atípico de 1973, quando ocorreu a explosão nos preços das commodities e o preço da soja chegou a US$ 1.080,00/t, as grandes variações são bastante freqüentes. Entre 1975 e 1977 e entre 1987 e 1988, os preços dessa leguminosa tiveram uma variação real de mais de 60%. No trigo, entre 1977 e 1979, as cotações subiram mais de 77%, e entre 1986 e 1988, mais de 50%. No milho, entre 1976 e 1977, as cotações internacionais caíram de US$ 117,2/t para US$ 92,2/t, ou seja, 22%. Entre 1987 e 1988, subiram 52%. No ano passado (1996), os preços do trigo e do milho praticamente dobraram com relação a 1995.

A tendência de declínio nos preços também é evidente. Grosso modo, pode-se dizer que atualmente os preços reais da soja são metade dos preços praticados no início da década de setenta, isso sem considerar o pico de 1973 (US$ 1.080,00/t). Mesmo levando em conta os preços elevados de 1995/1996, quando eles chegaram a mais de US$ 280,00/t, eles estão bem menores que a média, de quase US$ 500,00/t, do período 1974-1977. No milho e no trigo, se forem desconsiderados os aumentos causados por grandes choques de oferta em 1996, a média de 1991-1995 (US$ 105,02/t) do milho é menos da metade da média de 1974-1978 (US$ 224,60) e a média de US$ 132,50/t do trigo, entre 1992 e 1994, é bem inferior à média de 1974 a 1978 (US$ 255,20/t).

O elevado grau de ingerência do setor público é outra característica do comércio agrícola mundial. Por razões que vão do combate à inflação doméstica à segurança alimentar, passando pelo uso do suprimento de alimentos como forma de pressão política e pelo protecionismo puro e simples, os governos sempre encontraram formas de intervir diretamente nas importações e exportações agrícolas.

No tocante às exportações, a forma mais comum é a concessão, geralmente praticada pelos países desenvolvidos, de subsídios diretos ou indiretos para compensar a diferença entre os preços domésticos e os internacionais. Todavia, são bem conhecidas as decisões do governo brasileiro de limitar os embarques de soja no início dos anos setenta, através do contingenciamento para evitar pressões inflacionárias, e de taxar as exportações de açúcar para equilibrar o consumo doméstico. São também conhecidas as decisões do governo dos Estados Unidos de promover embargos à antiga União Soviética, ao Irã e ao Iraque com objetivos políticos. Mais recentemente, em 1996, a União Européia decidiu taxar as exportações de trigo, devido à quebra da safra colhida naquele ano (de trinta e cinco milhões de toneladas em 1995 para vinte e quatro milhões) e ao baixo nível dos seus estoques. Em apenas um ano, a UE deixou de ser um exportador líquido de 3,1 milhões de toneladas para se tornar um importador líquido de 1,2 milhões de toneladas.

Nas importações, as intervenções têm sido mais intensas, mais complexas, mais abrangentes, mais universais e, portanto, mais perceptíveis. Por essa razão, quase todos os esforços das negociações da Rodada Uruguai foram canalizados para a definição de regras mais liberais na internalização de produtos. A segurança alimentar, o dumping e a proteção ao emprego doméstico têm sido, normalmente, as justificativas mais apresentadas para a imposição de barreiras alfandegárias.

O argumento da segurança alimentar tem sido mais usado na Europa e Japão em virtude de suas respectivas experiências de guerra. Baseia-se naturalmente nos pressupostos nacionalistas de auto-suficiência. Com a crescente internacionalização das economias, o raison d’être está perdendo substância, na medida em que os sistemas econômicos tornam-se cada vez mais interdependentes e integrados.

A imposição de medidas compensatórias (countervailing duties), devido à constatação ou suspeita da existência de dumping nos países de origem, tem sido a estratégia mais utilizada em termos mundiais, embora, na maioria das vezes, de forma velada. Por envolver sempre muita polêmica em torno dos parâmetros de decisão, dos métodos de cálculo, etc., as aplicações dos countervailing duties foram bastante limitadas pelas regras da OMC. Um exemplo dessas medidas é a imposição ad hoc pelo governo brasileiro, em várias ocasiões, de tarifas compensatórias sobre produtos lácteos provenientes da Europa.

Relacionadas com as medidas antidumping, as barreiras impostas por razões sociais (evitar desemprego), surgem geralmente como fruto de pressões associativas. Embora válidas como medidas de curto prazo para permitir adaptações (leia-se modernização tecnológica) ou mesmo a reconversão, a verdade é que, em economias abertas, o argumento do desemprego na produção para impor restrições alfandegárias está tornando-se cada vez mais discutível do ponto de vista econômico e complicado do ponto de vista normativo. Isto porque, para a economia como um todo, o importante são os ganhos com o comércio (exportações mais importações) e o conseqüente aumento no bem-estar social da comunidade. Ademais, na produção industrial como na produção agrícola, o capital está sendo utilizado de forma cada vez mais intensiva com o setor terciário (que inclui a distribuição de produtos importados), tornando-se, nas economias modernas, o grande responsável pela geração de empregos.

A queda na participação do comércio agrícola no comércio mundial pode ser constatada nas últimas décadas. Em 1970, ele chegou a participar com 18,9%. Dez anos depois (1980) caiu para 14,4%, chegando a 10,8% em 1990. Durante toda a década de noventa, manteve a tendência de queda, embora de forma menos acentuada. Os dados preliminares indicam que em

2000 atingiu menos de 7%. Para os países em desenvolvimento como um todo, a queda foi mais dramática. De 36% no início dos anos setenta, caiu para menos de 11% em 2000. Vale salientar que esses cálculos seguem o critério da OMC, que não inclui produtos de origem agrícola, mas que passaram por um processo de industrialização mais sofisticado como calçados, tecidos, papel, breakfast cereals, móveis de madeira e outros.

A composição (entre processados e in natura) do comércio agrícola também sofreu alterações nas últimas décadas. Em 1972, a participação dos produtos processados, com maior valor agregado, foi de 58% do volume total de US$ 65 bilhões. No período 1972 a 1999, o valor passou de US$ 38 bilhões para US$ 350 bilhões, representando mais de 70% do total.

Em que medida, a integração das economias e as medidas de liberalização dos mercados podem afetar essas características do mercado agrícola mundial e como podem afetar a posição de países onde o agribusiness é fundamental, notadamente nas exportações?

Em termos de competição, é claro que a integração das economias e a eliminação de algumas restrições ao comércio vai aumentar o nível de competitividade e beneficiar países competitivos como o Brasil. Nesse ponto, o desafio é enfrentar, nesse ambiente de maior competitividade, países que operam o sistema de distribuição dentro de padrões muito elevados de eficiência e continuam a fortalecer o apoio doméstico a produtores. Em países industrializados, como Austrália, França, Nova Zelândia e Estados Unidos, o comércio agrícola continua sendo uma substancial fonte de receitas nas exportações e são países que, reconhecidamente, dispõem de uma infra-estrutura moderna e eficiente e atuam de forma mais agressiva na expansão dos mercados tradicionais e na conquista de novos mercados. Os Estados Unidos, por exemplo, aumentaram em mais de US$ 12 bilhões suas exportações, entre 1994 e 1996, como efeito direto da Rodada Uruguai (cerca de 26% de aumento). A Austrália, no mesmo período, aumentou em 37,8% e a Nova Zelândia, 30,6%.

Com relação aos demais itens, o processo de integração tende a afetar pouco a influência dos ciclos econômicos no volume do comércio. A instabilidade dos preços (que depende mais do comportamento anual da oferta) e a tendência de mudança na composição podem reduzir a tendência secular de declínio nos preços dos alimentos e terem influência decisiva nos demais itens.

Com o avanço dos acordos de integração, haverá menos espaço para intervenções do governo, aumento da participação dos países em desenvolvimento e as estratégias de marketing e promoção comercial serão cada vez mais importantes.

Os Estados Unidos são, de longe, os maiores exportadores de produtos agrícolas com US$ 55 bilhões em 1996, seguido dos Países Baixos, devido a sua posição de entreposto comercial da Europa, com pouco mais de US$ 40 bilhões. Do lado das importações, a Alemanha ocupa o primeiro lugar com US$ 43,2 bilhões em 1999, seguido do Japão com US$ 37,1 bilhões, Países Baixos com US$ 36,4 bilhões e Estados Unidos, com US$ 32,3 bilhões.

Em termos de produtos, os lácteos (com US$ 26 bilhões), o complexo tabaco (com US$ 24 bilhões), o complexo frutas (US$ 21 bilhões), o complexo soja (US$ vinte bilhões), o trigo (US$ 15 bilhões), a carne suína (US$ 16 bilhões), a carne bovina (US$ 14 bilhões), o açúcar (US$ 12 bilhões), o café (US$ 10 bilhões), a carne de frango (US$ 9 bilhões) são os mais importantes.

4. As exportações agrícolas brasileiras e a ALCA

Entre 1970 e 1999, as exportações mundiais passaram de US$ 282,2 bilhões (US$ 772,3 bilhões a preços atuais) para US$ 5,6 trilhões, um crescimento real de 625,1%. As exportações do Brasil passaram de US$ 2,7 bilhões (7,26 bilhões de reais) para US$ 47,7 bilhões (557,1% de aumento real).

O Quadro I mostra que, em termos de participação do Brasil, o percentual máximo foi obtido em 1975, quando o índice chegou a 1,71%. Em 1985, caiu para 1,43% e, em 1990, para 0,94%. Depois de apresentar sinais de recuperação em 1992, o índice começou novamente a apresentar tendência de queda, tendo atingido 0,86% em 2000. Nas exportações agrícolas, o peso do Brasil é maior, embora também com tendência de queda a partir de 1975.

Na estrutura do comércio exterior brasileiro, tanto nas exportações como nas importações, a Europa é o maior parceiro comercial, tendo participado com quase 30% das exportações e igual participação nas importações em 2000. Em seguida, levando em conta somente as importações, vêm a América do Norte com 26%, a América do Sul com 22%, a Ásia com 14,%, a África com 3,2% e a Oceania com menos de 1%. Devido às importações de petróleo, o bloco do Oriente Médio participou com 4,1%.


Quadro I

PARTICIPAÇÃO DO BRASIL NAS EXPORTAÇÕES MUNDIAIS

Nas exportações, depois da Europa, vem a América do Sul com 22,8%, seguida pela América do Norte com 21,5%, a Ásia com 16,%, a África com 2,5% e a Oceania com menos de 1%. O bloco do Oriente Médio participou com 2,7%.

Do déficit comercial de US$ 5,5 bilhões, ocorrido em 1996, a América do Norte contribuiu com mais de 52%, sendo que só o déficit com os Estados Unidos (US$ 2,5 bilhões), representou mais de 45%. Em seguida, vem o déficit com a Europa, que atingiu US$ 1,6 bilhões, cerca de 29,1% do total. Com a União Européia, o saldo negativo chegou a US$ 1,2 bilhões (21,8%), sendo que a Alemanha (US$ 2,6 bilhões) e a Itália (US$ 1,3 bilhões) foram responsáveis pelos maiores déficits e a Holanda (US$ 2,9 bilhões) e Bélgica (US$ 883,4 milhões) pelos maiores superávits.

O terceiro maior déficit foi com a América do Sul e atingiu 11,6% devido em grande parte ao déficit com a Argentina, que foi o terceiro maior déficit do Brasil (US$ 1,6 bilhões). Com o Oriente Médio, o déficit chegou a 15,65% (US$ 861,1 milhões). Na realidade, somente com a Ásia o Brasil teve superávit, em razão, principalmente, do saldo positivo com o Japão e com a Tailândia.

Em 2000, o maior déficit individual continuou sendo, de longe, com a Alemanha (US$ 1,89 bilhões contra US$ 2,3 bilhões em 1999). O comércio com os Estados Unidos, talvez pela primeira vez na história, tornou-se superavitário, com um saldo de US$ 316,3 milhões (contra um déficit de US$ 1,03 bilhões em 1999). Com o Canadá, o déficit foi de US$ 520,0, cerca de

12,5% superior ao de 1999 e com o México houve um superávit de US$ 957,6 (comparado com US$ 460 milhões em 1999). O déficit com a Argentina situou-se em US$ 610,7 (em 1999 foi de US$ 450 milhões).

A participação das exportações agrícolas sempre foi muito importante para as contas externas brasileiras, em virtude dos elevados saldos positivos gerados pela balança agrícola. O Quadro II mostra que, em 1970, as exportações agrícolas chegaram a representar 74,1%, do total, com um saldo positivo de US$ 1,7 bilhões (US$ 4,6 bilhões em valores atuais). Mesmo com o grande crescimento das importações agrícolas em 1995 (173,1% em relação ao ano anterior), o saldo continuou positivo em US$ 8,3 bilhões. Sem esse saldo positivo, o déficit total de US$ 3,3 bilhões seria bem mais elevado. O efeito da mudança cambial nas importações agrícolas elevou mais ainda o superávit no ano 2000, que chegou a US$ 11,1 bilhões. Vale lembrar que no cálculo desse saldo foi usado o critério internacional da OMC, que, como foi visto, não considera, como agrícolas, alguns produtos de origem agropecuária mais sofisticados. Caso produtos como calçados, papel, tecidos de algodão fossem incluídos, o saldo passaria para US$ 13 bilhões.


Quadro II

O COMÉRCIO AGRÍCOLA NA BALANÇA COMERCIAL BRASILEIRA

A pauta de exportações foi dominada praticamente, até meados da década de sessenta, pelo café e pelo açúcar, que juntos chegaram a contribuir com mais de 88% do total em 1965. A partir da década de setenta, essa situação começou a mudar e, já em 1975, o café contribuiu com apenas 35,8% e o açúcar com 4,8%. A partir da década de setenta, com a decisão governamental de estimular a expansão e consolidação da produção de grãos, tendo a soja como o carro-chefe, e a implantação de vários empreendimentos industriais (notadamente agro-industriais), tanto a pauta agrícola como a pauta geral passaram por um processo acelerado de diversificação e de redução da dependência nas exportações dos produtos tradicionais (Quadro III).


Quadro III

PAUTA DE EXPORTAÇÕES: PRINCIPAIS PRODUTOS

Em 1995, o café representou apenas 5,2% das exportações totais e 15,2% das exportações agrícolas. O complexo soja, por outro lado, que, em 1970, contribuiu com apenas 2,3%, em 1995, passou a representar quase 8,2% do total e 23,9% da pauta agrícola. Individualmente o complexo soja tornou-se, a partir do final da década de oitenta, no produto mais importante da pauta.

Até 1980, os produtos agrícolas tinham um peso maior que os produtos manufaturados.

Nesse ano, os agrícolas participaram com 51,4%. Com a ampliação da industrialização, já em 1985, a participação dos produtos agrícolas caiu para 42,7% e para 32,3% em 1990. Com a aprovação dos acordos da Rodada Uruguai e a existência de preços elevados de algumas commodities como a soja e o café, no período 1994/1996, a participação subiu para 34,4%. No ano 2000, ainda como reflexo da crise asiática e de aumentos na produção de soja dos Estados Unidos e de excesso de oferta de café, a participação caiu para 28,5%.

O comércio agrícola no Continente Americano é realizado com base em uma complexa rede de acordos regionais de comércio, acordos bilaterais e nas regras da OMC.

Aproximadamente quarenta acordos estão atualmente em operação e vários estão em processo de negociação. Praticamente todos os países da América são signatários de algum acordo regional mais abrangente e alguns, como o Chile, mantêm vários acordos bilaterais.

Atualmente, os acordos regionais mais importantes são o North American Free Trade

Agreement (NAFTA), o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), o Grupo Andino, o Mercado Comum da América Central (CACM) e o Mercado Comum da Comunidade Caribenha (CARICOM). Com exceção do MERCOSUL, todos esses blocos são altamente dependentes das importações de produtos agrícolas americanos. A formação da ALCA eliminaria esses acordos (ou reduziria grandemente a sua importância) e, à primeira vista, ampliaria mais ainda a influência dos Estados Unidos.

Quais seriam então as perspectivas das exportações agrícolas brasileiras com a formação da ALCA? É evidente que o grande problema do Brasil em se integrar aos demais países do continente seria em função da posição dominante dos Estados Unidos, tanto na área agrícola como na industrial, pois trata-se da maior e mais eficiente economia do mundo, com a qual o País compete diretamente em diversos setores do mercado agrícola mundial e com quem está mantendo sérias disputas em torno das Medidas de Apoio Interno (MAI) e de medidas protecionistas. Com os demais países, onde o comércio é relevante, como a Argentina, o Canadá e o México, o Brasil já está integrado com o primeiro, compete apenas marginalmente com o segundo em alguns mercados e com o México mantém um razoável grau de complementaridade.

Como foi visto, o mercado agrícola internacional tem desempenhado um papel vital nas contas externas do Brasil. Atualmente, dos grandes complexos exportadores mundiais, apenas no trigo o Brasil não participa como exportador. No complexo soja participa com mais de 26%, no café com mais de 20%, no açúcar com perto de 14%, no frango com 10% e no complexo tabaco com 9%. Além disso, tem potencial para aumentar significativamente a sua participação no complexo de frutas frescas, carnes, no milho e no complexo cacau, algodão e outros.

Como no caso do Brasil, apenas em poucos complexos mundiais como o do café e o açúcar, os Estados Unidos não têm participação marcante. No caso da soja e das carnes, os Estados Unidos são competidores diretos do Brasil nos principais mercados mundiais. Portanto, olhando apenas dentro da ótica da competição, a integração com um país com capacidade praticamente ilimitada de ganhar vantagem competitiva com ajuda do tesouro seria um risco muito elevado, inclusive para a estrutura produtiva interna.

Todavia, a situação é bem mais complexa, pois, apesar de ser competidor do Brasil nos produtos mencionados, os Estados Unidos são grandes importadores de outros produtos agrícolas brasileiros, mantêm uma estrutura altamente protecionista para proteger alguns setores ineficientes e ainda são o maior fornecedor de produtos industrializados para o mercado brasileiro. O Quadro III mostra os principais produtos brasileiros exportados para os Estados Unidos, entre 1997 e 2000.

Quadro IV

EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS PARA OS ESTADOS UNIDOS


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