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Organizadores: Marcos Cintra e Carlos Henrique Cardim
Prefácio: Aécio Neves
Prefácio
Aécio Neves
Presidente da Câmara dos Deputados
A satisfação que sinto ao apresentar este volume só encontra paralelo no significado especial dos debates aqui reproduzidos. De fato, o Seminário “O Brasil e a ALCA”, realizado nas dependências da Câmara dos Deputados, por iniciativa desta Casa, nos dias 23 e 24 de outubro de 2001, pode ser interpretado – e certamente assim o será nos anos vindouros – como um marco na trajetória de nosso processo de integração continental.
Conforme ressaltado amiúde nas discussões relativas à Área de Livre-Comércio das Américas, os números envolvidos – conquanto impressionantes por si sós – refletem apenas parte dos desafios que nos cumpre enfrentar nessa empreitada. Sem dúvida, a liberalização do comércio em um território habitado por mais de 800 milhões de pessoas, com um PIB conjunto de US$ 11 trilhões, simultaneamente à construção de uma normativa comum em áreas como a de serviços, de investimentos, de compras governamentais e de propriedade intelectual, é, em si mesma, um objetivo formidável.
Muito mais que no gigantismo dos dados estatísticos subjacentes, porém, a importância da ALCA reside em seus potenciais impactos econômicos e sociais sobre a América Latina. Não se pode perder de vista a heterogeneidade das Nações-Partes deste empreendimento em termos de indicadores sociais, de herança cultural, de desenvolvimento econômico e de especialização das respectivas economias. Este não é um aspecto secundário. Antes, representa a variável-chave para a análise dos riscos e oportunidades e das perspectivas e restrições que se antepõem a cada um dos países, em geral, e ao Brasil, em particular.
Ademais, como se tudo aquilo não bastasse, há que se ressaltar o caráter relativamente urgente de tão ambicioso empreendimento. Com efeito, não defrontamos com um mero protocolo de intenções, mas, sim, somos partícipes de um acordo já firmado sobre o cronograma das correspondentes negociações, o qual prevê a conclusão dos entendimentos no horizonte já visível do ano de 2005.
Contra pano de fundo tão multifacetado e complexo, inaugurou-se, com o Seminário “O Brasil e a ALCA”, uma forma inteiramente nova de analisar os desafios da integração americana. Dentre as principais características do conclave, pode-se destacar, em primeiro lugar, a concentração de esforços: preparou-se e, mais importante ainda, cumpriu-se uma extensa agenda de apresentações e debates, tão ampla no que se refere ao número de expositores quanto intensiva, ao lograr-se a realização de numerosas palestras no espaço relativamente curto de dois dias de trabalho. Em segundo lugar, a abrangência dos temas tratados: dividiu-se o encontro em sete painéis, que cobriram aspectos tão diversos quanto os processos de integração ora em curso no mundo; a experiência do Acordo de Livre-Comércio da América do Norte; acesso a mercados, tarifas, barreiras e regras de origem; agricultura; serviços, investimentos e compras governamentais; serviços financeiros; telecomunicações; padrões trabalhistas e ambientais; defesa comercial e política de concorrência; propriedade intelectual; e, por fim, mas não menos relevante, uma avaliação geral das discussões. Não se esqueceu nem se relegou a planos secundários, portanto, nenhum dos aspectos cruciais do processo integracionista.
Em terceiro lugar, corolário inescapável da amplitude dos debates, a multidisciplinaridade que caracterizou o Seminário. Reuniram-se profissionais das mais diversas áreas do conhecimento, de modo a proporcionar a riqueza de enfoques necessária para a apropriada compreensão de um fenômeno cujas influências se espraiam para muito além dos aspectos meramente econômicos. Igualmente importante, no entanto, foi a diversidade dos participantes, o fato de que se mesclou a especialização técnica com a experiência administrativa e pessoal de um ex-Chefe de Governo, a visão política de Parlamentares, a responsabilidade gerencial e executiva de Ministros de Estado, a participação objetiva e concreta de empresários – eles que, em última análise, estão na linha de frente da difícil realidade da construção da ALCA – e as perplexidades e dúvidas de trabalhadores, de estudantes e da população em geral. A propósito, a abertura das portas para a sociedade civil terá sido, quiçá, a contribuição mais inovadora trazida por este evento.
Uma reflexão sobre as informações, as opiniões, os conceitos e as interpretações apresentadas no Seminário é exercício que demandará a atenção de toda a sociedade brasileira por muito tempo. Desde já, porém, acredito que se podem retirar algumas conclusões basilares, a partir de uma maturação preliminar deste encontro.
Inicialmente, creio que se reforçou sobremaneira o ponto de vista de que matéria tão complexa como a formação da ALCA não admite juízos simplistas ou diagnósticos superficiais. A definição das melhores estratégias para a participação do Brasil no processo integracionista não será alcançada pelo estéril cotejo de posições preconcebidas, mas, sim, pela tempestiva e equilibrada análise dos aspectos e fatores mais relevantes.
Analogamente, parece fora de dúvidas que a condução das negociações não é, tão-somente, uma questão de governo, mas de Nação. Todos os componentes da nossa sociedade devem ser chamados a contribuir e devem ser ouvidos em todas as instâncias de decisão. Justificativa bastante para esta asserção é o fato de que o traçado dos destinos das atuais e das futuras gerações de brasileiros dependerá, em grande medida, dos contornos que se definirem para a área de livre-comércio continental.
Neste sentido, não se poderá jamais prescindir do concurso direto e permanente do nosso Parlamento na condução e no acompanhamento das negociações. Cabe ao Poder Legislativo a insubstituível tarefa de conceder voz e representação aos cidadãos brasileiros, de permitir a manifestação da rica diversidade de pensamentos e palavras e, deste modo, amalgamar tendências diversas em um mesmo norte. Esta é nossa missão e dela nunca abdicaremos.
Por oportuno, considero indispensável registrar a incansável atuação do Deputado Marcos Cintra, à época Presidente da Comissão de Economia, Indústria e Comércio, na função de organizador e coordenador dos trabalhos. Muito do brilho alcançado pelo evento deve-se, indubitavelmente, à dedicação e ao esforço permanentes deste que é um dos nossos mais ilustres parlamentares. A ressaltar, ainda, a decisiva participação do Ministério das Relações Exteriores, por intermédio do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI), na pessoa do Ministro Carlos Henrique Cardim, no inestimável auxílio prestado à preparação do Seminário, com a valiosa colaboração de seus diplomatas e técnicos.
Reitero, portanto, a genuína satisfação e o cívico orgulho com que, na honrosa condição de Presidente desta Casa, apresento a íntegra das palestras que compuseram o Seminário “O Brasil e a ALCA”. A publicação deste volume representa mais uma etapa do esforço de divulgação dos trabalhos lá realizados, processo iniciado com a participação do público no Auditório Nereu Ramos, local das conferências, a transmissão das palestras, ao vivo e em
retrospectiva, pela TV Câmara e a disponibilização das notas taquigráficas no sítio da Câmara dos Deputados na Internet.
Esta não é, porém, a etapa derradeira. Ao contrário, representa o chamamento inicial para que toda a sociedade brasileira participe ativamente, sempre e cada vez mais, da construção dos destinos do País. Representa, também, o sinal inequívoco de que a Câmara dos Deputados continuará a se empenhar na irrestrita defesa dos interesses de nossa Pátria.
Com a palavra, o povo brasileiro!
Apresentação: Cidadania e Relações Internacionais
Marcos Cintra
Deputado Federal
Presidente da Comissão de Economia, Indústria e Comércio Câmara dos Deputados
Carlos Henrique Cardim
Diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI)
Professor do Instituto de Ciência Política e Relações Internacionais – Universidade de Brasília
Política exterior, cidadania e o estudo das relações externas.
O tema internacional tem adquirido crescente relevância na agenda da sociedade brasileira. Existe uma evidente interpenetração entre as questões internas e as dinâmicas do meio internacional. Torna-se cada vez mais necessário que a consciência e a prática da cidadania se desenvolvam efetivamente, estendendo-se para áreas ainda pouco familiares para muitos, como é o caso das relações exteriores. Assim, afigura-se útil e necessário que um verdadeiro aprendizado seja desenvolvido pelas instituições públicas para acompanhar e compreender essa nova fase da evolução do país e seu lugar no mundo.
Uma recente tese, apresentada na Universidade de São Paulo por Denilde Oliveira Holzhacker, sobre “As Atitudes e Opiniões da População a respeito das Relações Externas do Brasil” assinala que as mudanças ocorridas nos últimos anos no Brasil, a democratização e a ampliação dos canais de expressão da sociedade estimularam significativamente o interesse pelas questões de política internacional. Na pesquisa, a especialista revela que 56,2% da população declara-se francamente interessada na atuação externa do Brasil. Outro dado interessante revelado é que 73% dos entrevistados afirmaram que o aumento da prosperidade nacional deveria ser o objetivo maior da política exterior do País.
No entanto, apesar desse aumento de interesse, verifica-se que nos diferentes setores da sociedade ainda temos um déficit de informações e de análises sobre os assuntos da área internacional, especialmente se comparados com o que ocorre em outros países. Nesse particular, merece menção o fato de que ainda não possuímos os denominados especialistas de países e de áreas. Por exemplo, muitas pessoas vão estudar nos Estados Unidos, cumprindo às vezes extensos programas de atividade acadêmica que se estendem por vários anos. A oportunidade, no entanto, raramente é aproveitada para estudar com a devida profundidade os Estados Unidos. Igualmente, não dispomos de especialistas em outros países que, da mesma forma, têm destacada importância para as relações externas do Brasil, como é o caso da Argentina, do México, de países europeus ou, mais recentemente, da China.
A respeito das nações do continente americano não seria exagerado reconhecer como válida hoje a afirmação contida no editorial de lançamento da “Revista Americana”, em 1909, segundo a qual “A América conhecemo-la aos fragmentos... Adivinhamos, mas ignoramos palmarmente, o seu aspecto intelectual. As dificuldades geradas pelas distâncias que separam os países americanos, engravecidas com a inópia quase absoluta de meios de comunicação, explicam e justificam a ignorância recíproca em que se encontram”.
Assim sendo, há muito a fazer para se gerar uma massa crítica nesse estratégico campo da vida política brasileira. Reconheça-se, também, que avanços importantes foram realizados, há iniciativas de grande valor em marcha. Por exemplo, em 1976, havia somente um curso de graduação de relações internacionais no Brasil com cerca de 100 alunos; hoje existem 38 com cerca de 20.000 alunos.
ALCA, um debate necessário
No contexto das iniciativas em andamento no país para alargar e aprofundar o debate internacional, destaca-se o projeto do Presidente da Câmara dos Deputados Aécio Neves, que, com o apoio do Chanceler Celso Lafer, por meio do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI) da FUNAG, tenciona dar um maior protagonismo ao Parlamento brasileiro na discussão dos grandes temas da política externa, e na conseqüente proposição de novas idéias, enfoques e metodologias.
O Seminário “O Brasil e a ALCA” promovido pela Câmara dos Deputados com o apoio do IPRI/FUNAG, reuniu expressivo grupo de autoridades, acadêmicos, empresários, dirigentes sindicais e jornalistas, brasileiros e estrangeiros de diferentes tendências e opiniões que durante os dias 23 e 24 de outubro/2002, juntamente com parlamentares, intercambiaram pontos de vista e debateram os diversos aspectos das negociações para a constituição de uma área de livre-comércio nas Américas. Os resultados desse esforço plural e pluridimensional estão no presente volume que, sem dúvida, já se torna um dos títulos de referência sobre a matéria.
Os três tabuleiros de xadrez e a paz democrática
O Brasil encontra-se, no presente, face a três relevantes negociações internacionais. A primeira no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), a segunda no contexto da Área de Livre-Comércio das Américas (ALCA), e a terceira dentro do acordo entre o MERCOSUL e a União Européia (UE). Trata-se de situação única na história do país, e com importantes repercussões para as próximas décadas, nos planos político, econômico e social. A imagem de um jogador de xadrez que joga três partidas ao mesmo tempo representa bem essa nova situação, que exige não apenas talento mas também a ampliação do debate e dos meios em escala jamais experimentada pela diplomacia do País. Cada instituição tem sua parcela de responsabilidade e tem um papel de crescente importância para que a orientação da política exterior esteja em harmonia com os interesses da sociedade brasileira, que são múltiplos e complexos.
Assim sendo, é necessário que diferentes entidades da sociedade brasileira promovam análises e debates sobre os principais elementos que integram cada instância das negociações
em curso. Seria útil, nesse sentido, a adoção de uma perspectiva matricial que, centrada nos grandes temas, integre as três negociações em andamento.
Por fim, cabe destacar que a iniciativa de promover o presente debate também se relaciona intrinsecamente com a perspectiva mais ampla do processo de democratização das relações internacionais. Em nosso tempo, apesar das assimetrias e dos conflitos violentos, estão se abrindo chances concretas para o exercício da denominada diplomacia pública, e para a institucionalização de instâncias democráticas no cenário internacional. Grandes pensadores têm, ao longo da história, associado o avanço da democracia com o desenvolvimento do comércio. Apesar das crises, algumas bastante trágicas, pode-se dizer que ao longo das últimas décadas o bem estar e o progresso têm se expandido de modo sem precedentes, em escala mundial, e vai-se desenhando um cenário com fortes traços do projeto Kantiano da paz perpétua. Talvez seja esse o desafio síntese para o século XXI: construir a sociedade internacional alicerçada nos padrões democráticos de convívio humano.
Os documentos deste Seminário incluem textos preparados com base na transcrição de exposições orais, mantida a flexibilidade estilística que caracteriza essas intervenções.
Painel de Abertura
Presidente: Aécio Neves (Presidente da Câmara dos Deputados)
Convidados: Ramez Tebet (Presidente do Senado Federal) e Raúl Alfonsín (ex-Presidente da Argentina)
APRESENTADORA – Estamos iniciando o painel de abertura do Seminário “O Brasil e a ALCA”, uma promoção da Câmara dos Deputados, com o apoio do Ministério das Relações Exteriores. Convidamos para compor a Mesa o Exmo. Sr. Deputado Aécio Neves,
Presidente da Câmara dos Deputados; o Exmo. Sr. Senador Ramez Tebet, Presidente do Senado Federal; o Exmo. Sr. Raúl Alfonsín, ex-Presidente da Argentina; o Exmo. Sr. Ministro de Estado das Relações Exteriores Celso Lafer; o Exmo. Sr. Ministro de Estado do Trabalho e Emprego Francisco Dornelles; o Exmo. Sr. Embaixador Luiz Felipe Seixas Corrêa; e o Sr. William Cohen, ex-Secretário de Defesa dos Estados Unidos. Neste momento passamos a palavra ao nobre Deputado Aécio Neves, Presidente da Câmara dos Deputados.
AÉCIO NEVES – Exmo. Sr. Senador Ramez Tebet, Presidente do Senado Federal; Exmo. Sr. Presidente Raúl Alfonsín, cuja presença hoje entre nós, pela sua história, sua importância e, sobretudo, pela contribuição que certamente trará a este evento, para todos nós é motivo de honra; e através de V. Exa., Presidente Raúl Alfonsín, saúdo todos os conferencistas e convidados estrangeiros que de diversos países estarão conosco, na Câmara dos Deputados do Brasil, por esses dois dias, fazendo, tenho absoluta certeza, a mais profunda radiografia que até hoje se fez em relação à integração continental.
Caríssimo Ministro Celso Lafer, das Relações Exteriores, co-patrocinador deste evento, quero, neste instante, em nome da Câmara dos Deputados, agradecer ao Itamaraty e a todo o corpo diplomático, aos funcionários, o apoio absolutamente decisivo que deram à realização deste seminário; bem como ao Exmo. Sr. Ministro do Trabalho e Emprego Francisco Dornelles; ao Sr. Secretário William Cohen; aos Srs. Parlamentares; aos Srs. Líderes partidários; aos Srs. Senadores; aos consultores legislativos; aos técnicos dos organismos nacionais e internacionais que aqui estão; aos professores; aos doutores; enfim, aos convidados de todo o País que participam deste encontro.
Antes de fazer a abertura deste seminário, gostaria, com muito prazer, além de convidar S. Exa. para fazer parte da Mesa, de fazer uma saudação muito especial ao Presidente da Comissão de Economia, Indústria e Comércio desta Casa, ilustre Deputado Marcos Cintra, coordenador-geral deste evento, responsável, sem dúvida nenhuma, pelo sucesso desta organização, que, tenho certeza, marcará um tempo na história do Poder Legislativo brasileiro. Muito obrigado em nome do Parlamento brasileiro, Deputado Marcos Cintra.
Senhoras e senhores, o homem tem aprendido, ao longo do tempo, que a convivência pacífica e a busca da complementaridade negociada com seus semelhantes é o melhor caminho para perpetuar a paz e assegurar a prosperidade.
A evolução do modo de vida da humanidade, passando do isolacionismo selvagem às facilidades da vida em núcleos urbanos, e mais recentemente em nações com identidade de idiomas, símbolos da aceitação universal de cada indivíduo das normas comuns, é talvez o exemplo mais marcante de que o homem encontra, na aproximação com seus pares, o conforto da segurança e do bem-estar material.
A aproximação de unidades regionais e a consolidação dos laços comuns pode levar inclusive à formação e à consolidação de unidades nacionais. Os exemplos dos processos de formação da Itália e da Alemanha são eloqüentes nesse sentido. Também o são, de certo modo, as entidades federativas, em que unidades individuais aceitam subordinar-se aos interesses maiores em âmbito nacional.
Eric Hobsbawm, em Nações e nacionalismo, nos diz que, desde 1780, “em muitas partes do mundo, os Estados e os movimentos nacionais podem mobilizar certas variantes do sentimento de vínculo coletivo já existente e podem operar potencialmente, dessa forma, na escala macropolítica, que se ajustaria às nações e aos Estados modernos”.
A integração regional formal – entendida como o conjunto de acordos e protocolos que explicita uma relação de concessões entre unidades nacionais – pode ser pensada de modo semelhante, como provedora de mobilização em escala internacional.
A convergência de nações em torno de projetos comuns, mas preservando as características individuais de cada país, encontra seu exemplo mais expressivo na União Européia. Em poucas décadas, o processo de aproximação dos países europeus tem sido capaz de consolidar seu peso econômico no cenário mundial, além de exercer força centrípeta, com atração freqüente de número cada vez maior de parceiros.
No Continente Americano, há uma tradição de esforços para promover a integração de nossos países. Diferentemente da experiência européia, na qual a existência de um volume expressivo de transações precedeu a concessão de preferências comerciais, aqui a vontade política de promover a aproximação entre os agentes econômicos dos diversos países tem freqüentemente deparado com as barreiras do entrosamento limitado. Tais barreiras resultam, em grande medida, das próprias carências de infra-estrutura e de institucionalidades legais e administrativas, concebidas para a promoção do desenvolvimento econômico do tipo autônomo, relativamente isolado do resto do mundo.
No entanto, é possível identificar origens históricas em alguns dos exercícios de integração existentes hoje no Continente Americano. A Área de Livre-comércio da América do Norte, que tem um dos seus pólos dinâmicos centrados na fronteira sul dos Estados Unidos, corresponde, em parte, ao antigo reinado asteca. A Comunidade Andina guarda correspondência geográfica com os antigos vice-reinados de Nova Castela e Nova Granada. O Mercado Comum Centro-Americano corresponde em parte à antiga Capitania-Geral da Guatemala. A Comunidade do Caribe reúne países que por muito tempo permaneceram como colônias inglesas.
Há, portanto, algum grau de determinismo histórico nos esforços de aproximação entre os povos do continente, o que – diferentemente do padrão europeu de intensas transações econômicas entre os agentes dos diversos países – reflete uma aproximação de culturas com origens históricas comuns, cujas raízes são encontráveis no período de colonização.
Claro está que o caso do Cone Sul é algo distinto. As colonizações portuguesa e espanhola levaram a trajetórias paralelas entre os países dessa sub-região. E obstáculos naturais, como a Cordilheira dos Andes e a Floresta Amazônica, contribuíram para que os vínculos econômicos se mantivessem historicamente limitados. No entanto, os avanços e os resultados têm revelado, nas últimas décadas, um enorme potencial de complementaridade entre os nossos países.
A perspectiva de se formar uma Área de Livre-Comércio envolvendo as três Américas e os países do Caribe é um estímulo e um desafio.
Pensada para criar um ambiente de comércio livre entre os trinta e quatro países democráticos do chamado Hemisfério Ocidental, o acesso preferencial a outros trinta e três mercados, de países com características as mais variadas, é um estímulo indiscutível. São oitocentos milhões de pessoas, o que representa um potencial expressivo de oportunidades de negócios.
Mas a ALCA deverá ser mais que isso. Entre esses países encontra-se, como é sabido, a maior economia do mundo, o que reforça a percepção de que não participar desse processo – caso ele venha a se concretizar – pode implicar perdas significativas.
Essa sensação de que a proposta de abrir os mercados ao comércio entre tantos países é altamente atraente tem, por vezes, motivado o açodamento de alguns participantes e de diversos analistas. Como em toda iniciativa de grande envergadura como essa, contudo, há que se ter cautela para que os passos sejam dados na direção e ao ritmo mais recomendáveis, segundo os interesses nacionais.
O processo de preparação de cada país envolvido é claramente diferenciado. Os países participantes têm características bastante diversas, portanto interesses eventualmente distintos, e diferem na sua visão quanto ao papel que cada país pode desempenhar no cenário mundial. Embora os interesses em promover a abertura comercial sejam comuns a todos, as trajetórias mais indicadas a ser seguidas para atingir esses objetivos nem sempre são as mesmas para todos os países.
A ALCA está pensada para ser não mais que uma área de livre-comércio, com algumas condicionalidades adicionais à mera abertura comercial. Isso significa que sua entrada em operação não deveria representar a imposição de barreiras em relação aos parceiros comerciais de outras regiões geográficas. Tampouco se pensa em adotar políticas comerciais externas comuns a ser seguidas pelos países participantes. A ALCA deve ser um exemplo do que se convencionou chamar de regionalismo aberto: concessões comerciais diferenciadas para os países que fazem parte do acordo, mas de forma compatível com o grau de abertura comercial existente nesses países no seu comércio com outras regiões.
A ALCA deve ser estritamente compatível com as normas e as práticas adotadas na Organização Mundial de Comércio. Países em desenvolvimento, como o Brasil, devem se empenhar para preservar a institucionalidade existente para a disciplina das transações comerciais, sob pena de se encontrarem em situação relativamente vulnerável nas negociações diretas com parceiros mais poderosos.
Segundo o que já foi acordado até aqui, a ALCA deverá estar totalmente implementada em dez anos. As negociações serão concluídas até janeiro de 2005 e deverão estar aprovadas pelos Parlamentos dos países participantes até o final daquele ano. Até o próximo mês de abril deverão estar definidos os métodos e procedimentos das negociações.
Esse horizonte relativamente breve é instigante, porque confirma os bons propósitos de concretizar uma iniciativa de grande envergadura. Ao mesmo tempo, contudo, para um país como o Brasil, esse cronograma é um enorme desafio. Somos a oitava economia industrial do mundo, com um mercado interno que se alinha entre os maiores do planeta, com segmentos produtivos competitivos em âmbito internacional, mas com um passivo social expressivo e com uma experiência relativamente recente de superação de sua introversão econômica e cultural.
A agenda de temas envolvidos na preparação para esse processo é por demais complexa e as implicações potenciais demasiado profundas para que toda a responsabilidade esteja totalmente centrada nas equipes negociadoras, mesmo que elas tenham atingido o nível de excelência e profissionalismo universalmente reconhecido e respeitado, como o dos negociadores brasileiros – particularmente, refiro-me aos do Itamaraty.
Essa é uma tarefa que demanda o envolvimento de toda a sociedade brasileira.
Esta Casa – porta-voz natural e mais legítimo dos anseios da população brasileira – não poderia furtar-se à promoção e participação ativa nos debates sobre a formação da Área de Livre-Comércio das Américas.
O mundo tem passado, nos últimos meses, por turbulências imprevistas e pode parecer um exercício puramente acadêmico que esse ciclo de debates que hoje se inicia esteja tendo lugar precisamente neste momento, em que as atenções se concentram nas atividades bélicas.
Longe disso. A situação político-econômica criada com os acontecimentos que motivaram essa situação de conflito traz em si uma pressão natural por parte dos principais protagonistas nas negociações da ALCA, inclusive com motivação geopolítica, no sentido de uma aceleração desse processo.
Esse debate deve ser realizado sem que se parta de posições prévias rígidas. A importância dos temas envolvidos, as implicações potenciais e o inusitado da experiência representam uma oportunidade para que os diversos segmentos da sociedade brasileira possam manifestar seus desejos e suas inquietudes quanto à participação do Brasil não apenas na ALCA, mas no cenário internacional de um modo mais amplo. Não devemos, domesticamente, dicotomizar o debate. Ao contrário, todos os custos e benefícios precisam ser bem avaliados, como subsídio a estratégias alternativas de negociação. A soberania não está na rigidez, mas na defesa de nossos interesses.
Há muito de desconhecido em relação ao que possa vir a ser a ALCA e, portanto, em relação às possíveis conseqüências – positivas ou negativas – para a economia brasileira.
É importante reconhecer que, ao longo do processo de definição sobre como serão as negociações da ALCA – vale dizer, nos últimos sete anos –, houve expressiva mobilização de alguns segmentos da sociedade brasileira em torno dos temas envolvidos. As atividades do fórum empresarial e sua contribuição às posições negociadoras encontram poucos paralelos na experiência histórica da diplomacia brasileira. Alguns segmentos da academia brasileira têm igualmente desenvolvido esforços pontuais de grande utilidade para mais bem informar nossos negociadores.
É necessária, contudo, uma intensificação de esforços, uma soma positiva de energias dos diversos segmentos da sociedade em torno dessas questões. Em particular, é essencial que o tema da inserção internacional do País seja incluído entre os temas prioritários no debate político. E este é o local mais apropriado para esse debate.
Em relação à ALCA, sabe-se hoje, grosso modo, pouco mais do que aquilo que já foi acordado até aqui nos diversos encontros entre os presidentes dos países envolvidos.
As decisões serão tomadas por consenso e os acordos só deverão ser assinados quando todos os temas tiverem sido negociados. Isso é uma garantia relativa de que a concordância final por parte de cada país refletirá uma avaliação dos custos e benefícios envolvidos e que a concordância com as linhas gerais dos acordos traduzirá a aceitação do que significa todo o conjunto de novas condições.
No entanto, há alguns aspectos, mesmo entre aqueles já acordados, que merecem reflexão específica.
As negociações deverão cobrir 85% dos produtos hoje comercializados em total pelos países participantes. Isso suscita – em boa parte desses países, e certamente no Brasil – o temor de que, nos produtos não incluídos nas negociações no primeiro momento, ocorra uma preservação das barreiras comerciais que tanto têm prejudicado as exportações, sobretudo aquelas destinadas aos principais mercados do Hemisfério.
Os países – como o Brasil – que participam de exercícios sub-regionais de integração terão, na ALCA, um desafio adicional de como preservar essas preferências comerciais diferenciadas. Segundo o que já foi acordado, a ALCA poderá coexistir com acordos bilaterais e sub-regionais, mas apenas na medida em que os direitos e obrigações desses acordos não forem inferiores ou mais superficiais que os direitos e obrigações acordadas na ALCA. Nesse sentido, é importante discutirmos politicamente o aprofundamento do MERCOSUL, de forma a não torná-lo redundante.
A Área de Livre-Comércio das Américas implica, portanto, a necessidade de cada país identificar individualmente a maneira mais eficiente de participar desse processo. Ao mesmo tempo, impõe – aos diversos grupos de países que hoje se concedem mutuamente tratamento comercial diferenciado, como os que compõem o MERCOSUL – o desafio de encontrar um objetivo comum e um grau de convergência de propósitos e políticas que permitam assegurar a sobrevivência desses acordos, após a entrada em operação da ALCA.
Os benefícios potenciais da participação na ALCA são múltiplos. O acesso mais fluido a outros trinta e três mercados significa não apenas oportunidades de exportação. Esse acesso ampliado pode possibilitar também às economias participantes um ciclo virtuoso de maior competitividade de suas produções nacionais, acesso a novas tecnologias, atração de investimentos externos e – espera-se – menor probabilidade de aplicação de barreiras comerciais. A geração de novos postos de trabalho e a elevação do nível de bem-estar social nos nossos países completariam esse conjunto de efeitos positivos.
A estrada para esse nirvana econômico e social não é, contudo, desprovida de perigos e obstáculos. Há um temor justificado de que o aumento das exportações dos nossos países possa vir a ser superado por um crescimento mais expressivo das importações, aumentando o desequilíbrio comercial e complicando ainda mais a situação delicada das contas externas de diversos dos países envolvidos.
Produtores estrangeiros com maior capacidade competitiva, acesso a crédito mais barato nos seus países de origem, já operando em ambientes bem mais regulados que nossos mercados e, não raro, contando com apoio oficial direto nem sempre transparente, poderiam impor aos fabricantes nacionais condições de concorrência de difícil superação. Como conseqüência, não seria despropositado prever um aumento da dependência estrutural das economias menos competitivas.
A lista de benefícios e riscos poderia ser ampliada de forma exaustiva. Listas longas seriam, no entanto, apenas o reflexo do que motivou a realização deste seminário em primeiro lugar: a mobilização da sociedade brasileira para o debate desse tema está associada à própria necessidade de se conhecer melhor as condições efetivas de competitividade, inclusive naqueles setores produtivos que ainda não foram expostos à concorrência com produtos e serviços externos.
Portanto, os debates sobre a ALCA têm apresentado, até aqui, alguns vícios. O que se tem visto são facções intensamente pró e contra a participação na ALCA. Mas, além disso, há uma tendência desses grupos a concentrarem sua atenção nas condições de acesso ao principal mercado individual do continente e nos temas essencialmente comerciais, como os possíveis impactos sobre os setores produtivos nacionais.
No entanto, a concretização da ALCA é muito mais do que isso. A consolidação dos vínculos comerciais e dos compromissos entre os países hemisféricos será de tal magnitude que poderá ter reflexos nas relações hoje relativamente intensas entre diversos países – sobretudo os do Cone Sul – e parceiros comerciais de outras regiões.
Em outras palavras, o debate não se esgota na identificação dos aspectos positivos e negativos das concessões comerciais e nos seus efeitos sobre a sobrevivência e as condições de competir de diversos setores produtivos. O tema é suficientemente importante para motivar questionamentos mais amplos e profundos sobre os efeitos concretos desse exercício e, conseqüentemente, sobre os custos e benefícios de não participar dele.
As questões envolvidas são, como se vê, múltiplas, e não existe pretensão de que um ciclo de debates possa ser suficiente para esgotar todos os seus aspectos.
A conferência que ora se inicia deve ser o primeiro passo de uma longa marcha de debates relacionados com a inserção internacional do Brasil e, sobretudo, uma etapa do processo de consolidação de uma postura mais ativa por parte do Parlamento brasileiro, posicionando-se, a partir deste instante, na vanguarda desse debate.
Muito obrigado.
APRESENTADORA – Com a palavra o Senador Ramez Tebet, Presidente do Senado Federal.
RAMEZ TEBET – Sr. Deputado Aécio Neves, Presidente da Câmara dos Deputados;
Sr. Presidente Raúl Alfonsín; Sr. Ministro Francisco Dornelles; Sr. Embaixador Seixas Corrêa; Sr. Ministro Celso Lafer; Sr. William Cohen, ex-Secretário de Defesa dos Estados Unidos; demais autoridades presentes; Srs. Ministros do Tribunal de Contas; Srs. Parlamentares; professores; empresários; em suma, minhas senhoras e meus senhores, aqui vale o ditado que diz que um homem prevenido vale por dois. Não fosse o cerimonial antecipar minha participação, fora de hora, e se eu não estivesse prevenido, teria mesmo de falar de improviso.
E falaria mesmo, Presidente Aécio Neves, se não fosse por outro motivo, para cumprimentá-lo efusivamente e agradecer a V. Exa. a honra do convite que me foi formulado para participar da sessão solene da abertura deste importante seminário “O Brasil e a ALCA”, que pretende realizar uma análise ampla e profunda da conveniência de o Brasil ingressar ou não na Área de Livre-Comércio das Américas.
Ao lado do profícuo resultado que se pode esperar das discussões em que participam os mais representativos nomes da vida nacional, considero também um grande mérito do Seminário envolver ainda mais a Câmara dos Deputados e o Congresso Nacional na discussão desse tema, que se consagra como dos mais relevantes para o futuro de nosso país.
O formato aberto do evento representa, como bem citou o Presidente Aécio Neves, em seu convite, oportunidade ímpar para que as mais importantes autoridades dêem conhecimento à sociedade das ações empreendidas, submetidas pelo debate ao juízo de nossa significativa platéia.
Os temas em debate, que incluem a inserção mundial do Brasil – envolvendo o MERCOSUL, a ALCA, a União Européia e a Organização Mundial do Comércio –, a experiência do NAFTA, o acesso a mercados, as tarifas, as barreiras e regras de origem, a agricultura, os serviços, os investimentos e compras governamentais, os serviços financeiros e de telecomunicações, os padrões trabalhistas e ambientais, a defesa comercial e a política de concorrência e propriedade intelectual, compõem, de forma abrangente, um mosaico de questões que ainda perduram sobre a inserção brasileira na ALCA.
Igualmente fundamental é o fato de que ao Congresso Nacional cabe, à luz do preceito constitucional, como já foi salientado pelo ilustre Presidente da Câmara dos Deputados, aprovar os atos internacionais firmados pelo Poder Executivo.
Dadas as impressionantes repercussões que um processo de integração hemisférica fatalmente acarretará à vida nacional, reputamos de extrema importância o estreito acompanhamento de tal processo pelo Congresso Nacional, para que possam seus membros avaliar os custos e benefícios que dele poderão advir para o desenvolvimento do nosso país.
Nesse sentido, e de forma valiosa para o equilíbrio entre os Poderes na moderna vida internacional do Estado, é recomendável que se conceda ao Congresso, ou mesmo a uma de suas Casas, a aprovação dos nomes indicados para conduzir as negociações comerciais internacionais, conforme ocorre com a autoridade comercial norte-americana de comércio exterior.
Equipara-se tal posicionamento como doutrina ao fato de que todos os chefes de missão diplomática permanente são chancelados pelo Poder Legislativo, após a livre indicação pelo Presidente da República, considerando ainda que nem todas essas missões permanentes são vitais para o interesse do Estado. Por isso, nada mais correto que os mais importantes negociadores comerciais do Estado, da mesma forma, sejam confirmados em seus cargos pelos representantes legislativos, também depositários da mais expressiva confiança da cidadania.
Senhores participantes, ainda que não me considere um especialista em questões internacionais, não me furtarei a algumas considerações que considero relevantes para as discussões que terão lugar no presente simpósio.
Uma das principais preocupações de todos os que avaliam a integração nacional é a competitividade dos produtos brasileiros em relação aos outros trinta e três países que compõem o bloco econômico, o que nos demanda discutir taxas de câmbio e juros, moeda única, capitalização de empresas, políticas de qualidade e, sobretudo, aspectos tributários, uma vez que o objetivo da ALCA é zerar as tarifas para o comércio entre os participantes.
A ALCA abrirá para os trinta e quatro países participantes um mercado cujo PIB é de aproximadamente doze trilhões de dólares. Sua população chega a oitocentos milhões de habitantes. Exporta, anualmente, cerca de um trilhão de dólares, a mesma quantia que é importada. Entretanto, dadas as assimetrias existentes entre os países da região e os diferentes níveis de dependência de suas economias em relação ao mercado norte-americano, também variam seus objetivos no contexto das negociações da ALCA.
Segundo salienta o Embaixador do Brasil em Washington, Sr. Rubens Barbosa, em recente artigo, existem três categorias de países no Hemisfério no que diz respeito ao grau de dependência de suas exportações em relação ao mercado norte-americano: aqueles que dependem dos Estados Unidos para mais de 70% de suas exportações, os que dependem para mais de 50% de suas exportações e aqueles que dependem para cerca de 25%.
O Brasil é um global trader, estando suas exportações divididas de forma equilibrada entre os principais parceiros, a saber: 27% dos seus produtos exportados destinam-se à União Européia; 26%, ao NAFTA, inclusive aos Estados Unidos; 25%, à América Latina, particularmente ao MERCOSUL; e 12%, à Ásia. Entretanto, é de se ressaltar que o Brasil não poderá simplesmente ignorar a ALCA, uma vez que 50% de suas exportações dirigem-se aos países que estarão negociando essa área de livre-comércio, entre eles os Estados Unidos e demais países do NAFTA, enquanto 70% dos manufaturados exportados pelo Brasil destinamse ao mercado hemisférico.
Como se sabe, o Brasil vem adotando uma posição cautelosa nas negociações para a formação da ALCA, pretendendo, em primeiro lugar, consolidar uma posição comum com seus parceiros do MERCOSUL no processo negociador, o que foi conseguido propugnando-se a adoção de medidas de facilitação de negócios, principalmente nos seus aspectos aduaneiros e de certificação de origem, pela harmonização de normas técnicas e medidas sanitárias – eliminam-se, assim, as barreiras não-tarifárias impostas sobre a importação de produtos agrícolas –, e pela liberação do acesso aos mercados somente a partir de 2005, quando se acordaria um programa de final dos agravantes tarifários, a exemplo do adotado pelo Tratado de Assunção.
A constituição da ALCA, vindo a ocorrer somente em 2005, será fundamental para as economias dos países em desenvolvimento, pois esses necessitam de tempo para adaptar sua estrutura produtiva à abertura de suas fronteiras.
Temos questões controversas ainda na mesa de negociações, como os limites de salvaguarda para a propriedade intelectual – ou seja, as patentes –, a legislação antidumping americana, o esvaziamento da agenda agrícola, que vem sendo proposta por brasileiros e argentinos, e a prescrição de padrões trabalhistas e de proteção ambiental que os Estados Unidos querem elevar ao nível de sanção comercial, entre outras.
Senhoras e senhores, o Brasil é o dono da terceira maior economia do Hemisfério, tendo todas as condições para desempenhar papel importante nas negociações da ALCA. Sua economia é a mais industrializada e diversificada do Hemisfério Sul, recebendo mais exportações dos Estados Unidos do que a China, a Rússia ou a Índia. Porém, do ponto de vista das oportunidades de negócios para o nosso país, a criação da ALCA implicará grandes riscos como excelentes oportunidades.
Para que se configurem de forma madura as oportunidades da ALCA para o nosso país, é necessário que o governo brasileiro mantenha sua posição no sentido de ganhar tempo nas negociações da ALCA para que possa levar a cabo os ajustes internos necessários, particularmente no que diz respeito ao chamado Custo Brasil.
Entre tais ajustes, devem ser mencionados a reforma tributária, a abertura de linhas de crédito internacionais para as pequenas e microempresas, o melhoramento de nossa infra-estrutura viária e a modernização portuária para o barateamento do frete, além da desburocratização dos procedimentos de importação e exportação.
Meus caros amigos, a presença da sociedade civil é claramente perceptível na participação maciça em nosso encontro, demonstrando a clara mobilização das entidades representativas dos principais setores da economia nas negociações conducentes à ALCA.
Esse é o exercício da cidadania que todos buscamos encontrar em cada momento de nossas vidas, e que vejo, com extrema confiança, reiterar-se em eventos como estes.
Espero que possamos, nestes dois dias de conferência, clarear e tornar consensuais nossas preocupações e esperanças em relação ao futuro da ALCA, produzindo, como anunciado, o Manifesto de Brasília, que, de forma consistente, expresse vigorosamente nossas premissas e nossas posições sobre a criação da ALCA. O Manifesto de Brasília pode, e deve, ser o novo guia para a questão da ALCA, em que todos poderemos encontrar a segurança de que necessitamos em relação à posição brasileira sobre o tema.
De minha parte, tenho claro o papel do Congresso Nacional e de seu presidente, contribuindo de todas as formas possíveis para a atualidade e a qualidade legislativas, que permitam a adequada inserção do nosso país nos fóruns sobre a ALCA e outras delicadas questões internacionais.
Muito obrigado.
APRESENTADORA – Tem a palavra o ex-Presidente da Argentina Raúl Alfonsín.
RAÚL ALFONSÍN (Exposição em espanhol.) – Sr. Presidente, Deputado Aécio
Neves, Presidente da Câmara dos Deputados, a quem tive o prazer de conhecer, já há muitos anos, quando acompanhou, em Buenos Aires, seu ilustre e sempre lembrado avô, Dr. Tancredo Neves, Presidente eleito do Brasil. Com ele conversamos durante muito tempo, profundamente, sobre a necessidade de aumentar a amizade entre os dois países; Sr. Senador Ramez Tebet, Presidente do Senado Federal; Sr. Chanceler, querido amigo Celso Lafer; Sr. Ministro do Trabalho, Francisco Dornelles; Sr. Embaixador Seixas Corrêa, tivemos muito prazer em tê-lo durante um tempo em Buenos Aires; Sr. Ex-Secretário de Defesa dos Estados Unidos, Dr. William Cohen, não é preciso insistir nos tremendos acontecimentos que comovem o mundo, na nossa condenação definitiva ao terrorismo, como também, nos efeitos negativos de uma globalização que não é solidária.
No que diz respeito a nós, as decisões a serem tomadas devem ser de natureza política e não vinculadas exclusivamente à conjuntura. Devem surgir de uma apreciação global de caráter principalmente humanitário. Eu digo isto para lembrar que o nosso processo de integração teve, no início da década dos anos oitenta, como objetivo central, a consolidação da democracia na região, com o objetivo de gerar um espaço de valores e benefícios comuns. Era sem dúvida uma concepção política com réditos econômicos e sociais.
Nesse contexto, deveríamos perguntar se a dinâmica do processo de integração que foi sendo gerada fortalece esses valores comuns que levaram à sua constituição. Em grande medida, uma visão limitada exclusivamente ao comercial conspiraria contra o seu sucesso final, agravada pela série de conseqüências que geram as assimetrias nas políticas macroeconômicas e particularmente nas políticas cambiais.
Teremos que recuperar a importância decisiva que os acordos tiveram no projeto da fundação, referidos à ciência e tecnologia, campos nos quais as possibilidades são muito grandes; procurar acordo em uma ação de políticas macroeconômicas; avançar no aperfeiçoamento institucional; impulsionar projetos de integração energética como elemento promotor do crescimento e avançar na integração da infra-estrutura.
Tampouco podemos esquecer que, quando começamos o processo de integração com o meu querido e admirável amigo José Sarney, estava muito claro o sentido político do projeto. Em todos os momentos tentamos incorporar a sociedade e os seus representantes políticos, econômicos e sociais como parte do mesmo projeto. Este passo decisivo da década de oitenta produziu uma mudança geométrica na natureza das relações entre a Argentina e o Brasil. Sepulta com frustrações estéreis, afirma a possibilidade de um crescimento conjunto e abre o caminho para o desenvolvimento de um novo processo conceitual de integração à região do Cone Sul, do Continente da América do Sul com a imediata incorporação do Uruguai, o que permitiu o inteligente impulso do Presidente Julio Sanghinetti, e posterior do Paraguai, uma vez recuperada a sua democracia.
Sem dúvida, então, a sua origem se encontra na visão compartilhada de contribuir com o traçado de uma região estável nas suas instituições, próspera nos seus benefícios econômicos e
justa no que diz respeito à sua distribuição, e no fato que torna cada vez mais difícil pensar que Argentina e Brasil se afastam de um caminho comum. Além disso, quando temos uma comparação entre setores particularmente sensíveis, tentamos procurar climas de desconfiança no espírito social. Acredito que, nesse sentido, o importante são as respectivas visitas que fazemos nos nossos campos de enriquecimento de urânio.
Visualizamos a possibilidade de aumentar a capacidade autônoma de decisões da América Latina através de um processo de integração sub-regional. Por outro lado, tentamos ter maior autonomia e independência com relação ao mercado mundial. A política era evidente. Queríamos atingir um desenvolvimento tecnológico autônomo, substituir por produção regional insumos essenciais e alimentos que vinham de mercados terceiros e dar impulso para o desenvolvimento da indústria de bens de capital regional.
Talvez o documento que de maneira mais fiel traduza a aspiração transformadora da relação bilateral seja a Ata de Amizade Argentino-Brasileira: Democracia, Paz e Desenvolvimento, assinada em Brasília, em 10 de dezembro de 1986, na qual assinalamos que construíamos a integração citada inspirada nos autos ideais de paz, democracia, liberdade, justiça social e desenvolvimento.
Com o objetivo de propiciar uma presença latino-americana, vou citar, de novo, no contexto internacional, de acordo com os nobres e legítimos ideais da região, para buscar uma ordem internacional mais justa e eqüitativa, que seria incorporada entre os grandes desafios que enfrenta a humanidade na véspera de um novo século.
Em 29 de novembro de 1988, com o Presidente Sarney, assinamos o Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento entre a Argentina e a República Federativa do Brasil, que gerou grandes expectativas e – entenderam os responsáveis políticos do momento – firmava essa aliança argentino-brasileira. O ambicioso instrumento estabelecia que aqui ela se aplicaria, sem prejuízo dos compromissos internacionais bilaterais ou multilaterais assumidos por qualquer das duas partes.
O tratado propiciava a integração dos dois países, numa primeira etapa, através da formação de um espaço econômico comum, que seria conseguido num período de dez anos.
Deixávamos para uma segunda etapa o objetivo de atingir o mercado comum. Tentávamos consolidar definitivamente o processo de integração da Argentina com o Brasil, sob a base dos princípios de graduação, flexibilidade, equilíbrio e simetria, que até este momento haviam orientado esse processo.
O tratado de integração era muito mais do que um acordo econômico. Tentávamos construir um espaço público em que as decisões adotadas seriam a conseqüência de processos transparentes abertos para discussão. Por exemplo, previa a constituição de uma Comissão de Parlamentar Conjunta de Integração, que estaria intimamente associada ao processo de tomada de decisões, assim como a Comissão de Execução deveria enviar à Comissão Parlamentar Conjunta de Integração dos Projetos de Acordos Específicos. A esta última, cabia transmitir sua recomendação. Era imposto um diálogo obrigatório entre os dois organismos. Ainda há mais. Apesar de a Comissão Executiva ter a última palavra, não estava obrigada a seguir as recomendações da Comissão Parlamentar de Integração e dificilmente poderia deixar de considerá-las, antes de dar os acordos ao Poder Legislativo. No entanto, como tal, poderia estar antecipando o rechaço dessas propostas.
O Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento entre Argentina e Brasil não só incorporava aos representantes da cidadania o processo de decisão, mas, além disso, criava um efetivo controle democrático. Entretanto, apesar de receber aprovação dos Congressos e entrar em vigor, serão outros os seus protagonistas, com outras idéias. Será retomado o processo de integração no início da década de noventa.
Infelizmente, com a assinatura do Tratado de Assunção, em 1991, se o condutor político foi diluído, este último foi concebido fundamentalmente como um meio, para aprofundar a integração econômica regional com a finalidade de melhorar a inserção dos países-membros na economia mundial.
O objetivo não foi criar uma nova sociedade política que permitisse a participação dos agentes políticos e sociais que foram deliberadamente excluídos do processo de tomada de decisões.
O processo de integração, dessa maneira, ao enfraquecer sua concepção política, perdeu profundidade, tornou-se mais frágil, por centralizar-se no pacto comercial e ficar exposto aos grupos de mudança econômica. Assim, mesmo de maneira fundamental, a estrutura institucional do MERCOSUL, ao marginalizar a participação dos Congressos, silenciou as necessidades, as preocupações e a vontade do povo dos países-membros, dificultando, sim, a possibilidade de que este processo pudesse contribuir para a realização de aspirações de justiça.
Mais tarde, torna-se evidente, já com o novo presidente, a tentativa de reencaminhar o processo, conforme sua concepção inicial, no comunicado conjunto do Presidente do MERCOSUL, assinado em 30 de junho de 2000. Nele foram afirmados os princípios democráticos e foi destacado o papel da Comissão Parlamentar Conjunta, assim como a importância de que a opinião da sociedade fosse canalizada através do fórum consultivo econômico e social.
Definitivamente, temos que compreender que a história demonstra que os processos de integração, se não forem sustentados na legitimidade que outorga a ativa participação da cidadania, vão ser estancados ou fracassar a construção de um mercado, que não deveria ser um fim em si mesmo. O objetivo buscado deveria ser que o processo de integração pudesse contribuir para o desenvolvimento integral: econômico, com certeza, mas, além disso, social, político e cultural.
No que diz respeito à ALCA, temos que admitir que a atual concepção comercial do MERCOSUL gera o risco de enfraquecer o apoio da sociedade, o que, inexoravelmente, leva ao mau funcionamento do mercado e ao fortalecimento dos seus inimigos, que preferem relegá-lo diante do livre acesso dos mercados propostos pelos Estados Unidos, para o qual apresentam um nível muito baixo de taxas de importação.
Mas os problemas não são as taxas, os impostos. Como exemplo, podemos mostrar que as exportações da Argentina para os Estados Unidos estão afetadas por 5.657 barreiras não-tarifárias, pelas quais, 2.105 podem ser qualificadas claramente de restritivas das importações. As mesmas afetam mais da metade das nossas exportações. Em geral, essas restrições não são aplicadas aos produtos minerais, petróleo e derivados e metais, mas estão concentradas em itens agroindustriais, onde está radicada nossa principal vantagem competitiva no comércio internacional. É assim que mais de 80% das nossas exportações agroindustriais enfrentam rígidas barreiras não-tarifárias.
Além disso, há também, como todo mundo sabe, os subsídios agrícolas, cujos efeitos distorcidos também atuam como barreiras. Os países industrializados dedicam, anualmente, 360 milhões de dólares a esses subsídios: a União Européia, 140 milhões; e os Estados Unidos, 100 milhões.
Então, há condições indispensáveis para a análise e a discussão do tema: a ratificação da estratégia de negociação com a ALCA e com o MERCOSUL e a obtenção de melhorias no que diz respeito ao acesso ao mercado, entendendo o tema de maneira ampla, ou seja, tudo aquilo que estiver relacionado com tarifas, medidas não-tarifárias, normas de origem, barreiras técnicas ao comércio, medidas sanitárias e fitossanitárias e subsídios para as exportações agrícolas.
No que diz respeito à Organização Mundial do Comércio, também é indispensável, no meu ponto de vista, uma ação comum destinada a reforçar nossos objetivos. Ainda que eu acredite que não estará na agenda, creio que é importante evitar que se aprove o Acordo Multilateral de Investimento, elaborado pelos países centrais integrantes da OCDE, que não pôde ser considerado, finalmente, por esse organismo, por oposição da França e de algumas organizações não-governamentais dos Estados Unidos.
A pretendida justificação do MAI – que é a sigla inglesa – à não-discriminação do capital estrangeiro não é a tentativa de fazer um tratado restrito aos membros do clube dos ricos. Trata-se de que seja adotado por países alheios à OCDE e, como explica o seu diretor de assuntos financeiros, vai ser para eles essencial a aceitação das regras do acordo in totum.
O resultante dessa tentativa é assegurar a liberação mais ampla para qualquer investimento de capital, com relação a toda regulação estadual, através daquilo que foi chamado de proteção do investimento em todas as suas etapas, com o estabelecimento de uma jurisdição supranacional obrigatória.
No que diz respeito às relações com a União Européia, acredito ser correto procurar aprofundá-las, considerando sempre algumas das apreciações que formulamos sobre a ALCA.
Como alguns já sabem, faço parte do Comitê Executivo da Internacional Socialista, que, em sua reunião em Paris, em 5 de outubro, impulsionou o perdão da dívida dos países mais pobres, tendo como argumento a justiça e a co-responsabilidade.
Na declaração respectiva foi aceita a minha proposta vinculada aos países em desenvolvimento e foi dito:
“igualmente preocupada com a situação dos países assim chamados emergentes, pegos numa espiral de dívidas, com conseqüências humanas dramáticas, que obstruem o crescimento tanto a longo prazo como estruturalmente, a Internacional Socialista se compromete a propor soluções justas e sustentáveis que possam responder às expectativas dessa população”.
Para terminar, permitam-me agregar dois temas, que no meu ponto de vista estão diretamente ligados ao futuro da região. Eu me pergunto: seria fantasioso pensar que o Brasil e a Argentina atuam em conjunto numa estratégia para reprogramar os pagamentos da dívida? Creio que não. E além disso, somando os nossos esforços, teremos sucesso.
Hoje, talvez mais do que nunca, precisamos da paz social nos nossos países. Multiplicam-se as críticas aos condicionamentos neoliberais do Fundo Monetário Internacional.
O professor Stiglitz, um dos seus mais severos confrontadores, acaba de ser agraciado com o Prêmio Nobel, conjuntamente com outros dois economistas considerados pelo menos como heterodoxos. E todos sabem que a declaração da Internacional Socialista envolve os governos de vários países do G-7.
O outro tema talvez seja mais complexo. Faço referência à possibilidade de analisar estratégias comuns de desenvolvimento sobre a base de recusa ao chamado pensamento único e à visão fundamentalista da globalização.
Acredito ser possível coincidir, sem esquecer o sentido de disciplina fiscal, que é necessário afirmar a função do gasto público como autor do desenvolvimento, aumentar as inversões nas investigação, infra-estrutura, educação e capacitação e geração de trabalho dignamente remunerados, entre tantas outras matérias.
Acredito que tudo isso culminaria na realização de um objetivo para as duas nações irmãs: Brasil e Argentina podem e devem crescer juntos.
Muito obrigado.
APRESENTADORA – Tem a palavra o Deputado Aécio Neves, Presidente da Câmara dos Deputados.
AÉCIO NEVES – Agradeço a participação, na abertura deste seminário, ao ilustre Presidente do Senado Federal, senador Ramez Tebet e ao ex-Presidente da Argentina, Raúl Alfonsín.
Iniciaremos os debates do primeiro painel, que tratará do Brasil e sua inserção no mundo: MERCOSUL, ALCA, União Européia e OMC.
Antes disso, deixo de público um agradecimento muito especial a todos que colaboraram com esse evento e de forma muito particular às seguintes Comissões da Câmara dos Deputados: de Economia, Indústria e Comércio, presidida pelo Deputado Marcos Cintra; à
Comissão de Finanças e Tributação, presidida pelo Deputado Michel Temer; à Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, presidida pelo Deputado Hélio Costa; à Comissão de Agricultura e Política Rural, presidida pelo Deputado Luis Carlos Heinze, que, ao lado da Comissão do MERCOSUL, coordenou esse evento. Agradeço de forma mais especial ainda aos Parlamentares, Ministro Delfim Netto, Ministro Antonio Kandir, Deputado Germano Rigotto, Deputado Aloizio Mercadante, que, com outros líderes partidários, permitiram que a Câmara dos Deputados, a partir desse evento, ao lado do Senado da República, iniciasse uma nova fase de participação efetiva nas discussões das grandes questões nacionais.
Rapidamente saúdo também aqueles que vieram de várias partes do mundo e aceitaram nosso convite para participar dos sete painéis.
Cumprimento o Ministro José Serra, convidado pela Câmara dos Deputados para participar do primeiro painel.
Foto: Batista
PAINEL DE ABERTURA (23/10/2001). Ministro Francisco Dornelles, Ministro Celso Lafer, Presidente do Senado Federal Ramez Tebet, Presidente da Câmara dos Deputados Aécio Neves, Ex-Presidente da Argentina Raúl Alfonsín, Ex-Secretário de Defesa dos EUA William Cohen, Embaixador Luiz Felipe de Seixas Corrêa.
Foto: Lelo
PAINEL DE ABERTURA (23/10/2001). Presidente da Câmara dos Deputados Aécio Neves e Ex-Presidente da Argentina Raúl Alfonsín.
Apenas para que possamos ter noção exata da importância deste evento, a primeira sessão terá início logo após o término desta divulgação e tratará, como disse, do Brasil e sua inserção no mundo: MERCOSUL, ALCA, União Européia e OMC. Presidirá esse painel o Ministro Celso Lafer. Expositores: Dr. Clemens Boonekamp, da OMC; Dr. William Cohen, ex-Secretário de Defesa dos Estados Unidos, e o economista José Serra. Debatedores:
Deputado Marcos Cintra e Dr. Félix Peña, da Fundação do Banco de Boston da Argentina. Relator: conselheiro Antônio José Ferreira Simões.
Foto: Salú
PAINEL DE ABERTURA (23/10/2001). O seminário despertou grande interesse do público.
Foto: Batista
PAINEL DE ABERTURA (23/10/2001). Ministro Celso Lafer, Ex-Secretário de Defesa dos EUA William Cohen, Presidente do Senado Federal Ramez Tebet, Presidente da Câmara dos Deputados Aécio Neves.
O segundo painel tratará da experiência do NAFTA. Presidirá esse painel o Ministro
Pedro Malan. Expositores: professor Gilberto Dupas, professor do Instituto Nacional de
Estudos Avançados da USP-SP; Dr. Jeffrey Schott, do Instituto Internacional Econômico,
Washington – Estados Unidos; Dr. Fernando de Mateo, Coordenador-Geral de Negociações do
México com a América Latina, a ALCA e a Europa. Debatedores: Deputado Antonio Kandir; Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, jornalista Paulo Sotero Marques. Relator: professor Ricardo Wahrendorff Caldas, da UnB.
O terceiro painel tratará do acesso a mercados, tarifas, barreiras e regras de origem.
Presidirá esse painel o Ministro Sérgio Silva do Amaral. Expositores: Dra. Denise Gregory,
Assessora da Câmara de Comércio Exterior; Dra. Sandra Polônia Rios, Coordenadora da Unidade de Integração Internacional (CNI). Debatedores: Deputado Aloizio Mercadante; Dra. Lia Valls Pereira, da Fundação Getúlio Vargas. Relator: Dr. Stefan Bogdan Salej, Presidente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais, na área de pessoal.
O quarto painel tratará da questão da agricultura. Presidirá esse painel o Ministro Pratini de Moraes. Expositores: Dr. Carlos Nayro de Azevedo Coelho, do Ministério da Agricultura; Luiz Fernando Furlan, da FIESP, Presidente da Sadia. Debatedores: Deputado Luis Carlos Heinze, Presidente da Comissão de Agricultura e Política Rural; professor Marcos Sawaya Jank, do BID; Embaixador Waldemar Carneiro Leão. Relator: Dr. Pedro Camargo Neto, do Ministério da Agricultura.
O primeiro painel do 2o dia tratará de serviços, investimentos e compras governamentais: serviços financeiros, telecomunicações, padrões trabalhistas e ambientais. Presidirá esse painel o ilustre Embaixador Luiz Felipe de Seixas Corrêa. Expositores:
Embaixador Marcos Caramuru de Paiva; Dr. Mário A. Marconini, do CEBRI; Dr. Pedro Luiz
C. da Motta Veiga, da FUNCEX Debatedores: Deputado Hélio Costa; engenheiro Murilo
Celso de Campos Pinheiro, do Sindicato dos Engenheiros de São Paulo; Dr. Kjeld Jakobsen, da CUT; Dr. Roberto Teixeira da Costa, um dos mais importantes palestrantes desse evento, do CEBRI. Relator: professor Eiiti Sato, da Universidade de Brasília.
O segundo painel do 2o dia tratará de defesa comercial, política de concorrência e propriedade Intelectual. Presidirá esse painel o Embaixador Rubens Ricupero, Secretário-Geral da UNCTAD. Expositores: Dr. José Graça Aranha, do INPI; Dra. Lytha Spíndola, do MDIC, e Dr. José Tavares de Araújo, da OEA. Debatedores: Deputado Germano Rigotto; jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva; Dr. Júlio Sérgio Gomes de Almeida, do IEDI. Relator: Dr. Benedito Moreira, da AEB.
Por fim, o último painel, que se encerrará na quarta-feira, às dezessete e trinta, será presidido pelo Vice-Presidente Marco Maciel. Expositores: Embaixador José Alfredo Graça Lima; Dr. Peter Hakim, da Interamerican Dialogue; e o Embaixador Méntor Villagómez
Merino, Presidente da Comissão de Negociações Comercias da ALCA. Debatedores: Ministro Delfim Netto; Dra. Vera Thorstensen, Assessora Econômica da Missão do Brasil junto à OMC, em Genebra; jornalista Luiz Nassif. Relator: Dr. Fernando Paulo de Melo Barreto, assessor do Ministro das Relações Exteriores.
Neste instante, passo a palavra ao Ministro Celso Lafer, que presidirá este painel, para que convide os palestrantes e debatedores a tomarem assento à mesa. Agradeço ao ilustre Presidente do Senado Federal, Ramez Tebet, ao Presidente Raúl Alfonsín e ao Ministro do Trabalho e Emprego, Francisco Dornelles, a presença.
Painel 1 - O Brasil e sua inserção no mundo: MERCOSUL, ALCA, UE e OMC
Presidente: Celso Lafer (Ministro das Relações Exteriores – Brasil)
Expositor: Clemens Boonekamp (Representante da OMC)
William Cohen (ex-Secretário de Defesa dos Estados Unidos)
José Serra (Ministro da Saúde – Brasil)
Debatedores: Marcos Cintra (Deputado Federal – PFL/SP)
Félix Peña (Representante da Fundação do Banco de Boston – Argentina) Relator: Antônio José Ferreira Simões (Conselheiro. Chefe do Núcleo de
Coordenação da ALCA – Ministério das Relações Exteriores – Brasil)
Trabalhos apresentados:
- O Brasil e a ALCA – José Serra
- As alternativas de integração comercial para o Brasil: ALCA, UE, OMC, 4+1, ... – Marcos Cintra
- O MERCOSUL e a ALCA na perspectiva do Brasil: uma avaliação política sobre possíveis estratégias de atuação – Paulo Roberto de Almeida
CELSO LAFER – Vou dar início ao primeiro painel. Convido para que componham a Mesa o Sr. Ministro José Serra; o Sr. Clemens Boonekamp; e o ex-Secretário de Defesa dos Estados Unidos William Cohen.
Integram este painel, repito, como expositores, o Ministro José Serra, que tem uma larga reflexão sobre os problemas da integração econômica; o Sr. Clemens Boonekamp, que veio da
OMC e traz sua experiência nessa área; e o ex-Secretário de Defesa dos Estados Unidos William Cohen, que se tem dedicado também à reflexão sobre a área econômica.
Temos como debatedores o Deputado Marcos Cintra. Em sua ação, na área parlamentar a que se dedica, S. Exa. tem feito do tema “Dos desafios das negociações comerciais” um dos pontos centrais da sua agenda. Temos igualmente como debatedor o Dr. Félix Peña, um grande conhecedor dos temas da integração, em especial do MERCOSUL. O Conselheiro Antônio José Ferreira Simões, que no Itamaraty responde pela coordenação dos trabalhos na área da ALCA, será o relator.
Abro a discussão mencionando que é com satisfação que retorno ao Congresso para participar deste seminário. Aliás, estive recentemente no Senado Federal, no último dia 17, trabalhando junto à Comissão de Relações Exteriores e de Assuntos Econômicos daquela Casa o tema ALCA. Procurei mostrar que nossa participação nas negociações da ALCA insere-se no contexto mais amplo da busca de maior acesso para os produtos brasileiros nos mercados internacionais. A ALCA, portanto, é parte de um esforço maior que abrange todo o leque de negociações comerciais em que estamos engajados. A importância que temos atribuído a essas negociações deve ser entendida à luz de uma visão do mundo e do papel que o Brasil tem nas relações internacionais. É, portanto, sob a perspectiva do interesse nacional que o Brasil busca a sua inserção no mundo.
O tema do desenvolvimento é básico e recorrente da diplomacia econômica brasileira.
Ele é um dever-ser que precisa ser examinado à luz das condições de realizabilidade hoje, neste início do século.
Durante muito tempo, trabalhamos a nossa inserção no mundo de uma forma controlada. O mundo era para nós – para usar a linguagem dos economistas – uma externalidade. Mas o que significa, a partir da década de noventa, é a internalização do mundo na vida dos países, inclusive no Brasil. Essa internalização do mundo faz com que não seja possível o desenvolvimento em isolamento autárquico, pois a escala mínima de produção nos setores mais dinâmicos é superior à dimensão dos mercados nacionais, mesmo em economias de escala continental, como a do Brasil. Por essa razão, nossas negociações inserem-se dentro dos desafios que hoje temos pela frente.
Um dos desafios efetivos que temos pela frente é o das nossas exportações, como vem ressaltando inequivocamente o Presidente Fernando Henrique Cardoso. O Brasil precisa exportar mais, o que não significa sacrificar o mercado interno. A própria expansão da economia doméstica requer o crescimento das exportações. E o desempenho exportador é a condição de sustentabilidade apropriada, a médio e longo prazos, das nossas contas externas. É a dimensão da tutela e da defesa da nossa autonomia.
Devo dizer que, da mesma forma como ocorreu em outras economias emergentes, a abertura comercial no Brasil, nos anos noventa, foi acompanhada por um aumento das importações muito superior ao das exportações. Parte desse desequilíbrio tem causas internas, relativas ao País e às empresas – é o tema das condições de competitividade –, mas parcela significativa se deve a barreiras ao acesso aos mercados, principalmente nos países desenvolvidos. Este é um tema, por exemplo, ao qual deu ênfase o Presidente Raúl Alfonsín, na exposição que acabou de fazer.
Gostaria de fazer outra observação. A composição qualitativa diversificada e a distribuição equilibrada do nosso comércio exterior são vantagens que nos convém preservar.
No ano passado, 28% de nossas exportações foram destinadas à América do Norte e outros 28% foram embarcados para a Europa. A América do Sul absorveu 20%; a Ásia, 11% e o resto do mundo, 13% das nossas exportações.
Todas as grandes áreas geográficas, portanto, são mercados relevantes para o Brasil. O desafio de fazer crescer nossa participação no comércio mundial, de aumentar quantitativamente as exportações brasileiras para financiar o desenvolvimento não pode prescindir de uma atuação negociadora nos diversos tabuleiros. Com esse objetivo, estamos negociando simultaneamente em várias frentes: no MERCOSUL, com nossos vizinhos da Comunidade Andina; com o México, na ALCA; com a União Européia e na OMC.
A estratégia de negociações comerciais do Brasil já foi comparada a um conjunto de círculos concêntricos. A idéia seria que os acordos, todos eles, interessam-nos. Iniciamos pelo MERCOSUL, damos seqüência no âmbito da América do Sul e é nesse contexto que olhamos as três grandes negociações que temos pela frente: a da OMC, a da ALCA e aquela que se realiza com a União Européia.
Portanto, enfatizo, para prosseguir, que o desempenho exportador é fundamental para a macrossustentabilidade, a médio e longo prazos, da economia brasileira e para nossa autonomia. Não é possível, no mundo que se internaliza diariamente na vida dos países, um desenvolvimento através de um isolamento autárquico.
Temos uma estrutura comercial diversificada por mercados e por produtos e nos interessa manter essa estrutura diversificada. Portanto, nossa participação neste conjunto de tabuleiros é algo que nos interessa e a ele estamos nos dedicando.
A negociação com a ALCA se prolonga há muito tempo. Iniciou-se no governo Itamar Franco e foi possível, ao longo de sete anos de negociação, conciliar o projeto de liberalização comercial hemisférica com os principais eixos da estratégia comercial brasileira: a prioridade do MERCOSUL, a dinâmica comercial sul-americana na construção da futura ALCA, a convergência dos diferentes acordos sub-regionais e a preservação do sistema multilateral de comércio.
Foi possível também conduzir simultaneamente várias negociações, o que é um desafio considerável não só para o Brasil como também para o setor privado, diante da complexidade do que temos pela frente.
Todas essas negociações têm foros e características distintas, mas têm temas comuns, que, grosso modo, se dividem no tema de acesso a mercados, incluindo a discussão de tarifas e as barreiras não-tarifárias; as regras do comércio, os investimentos e as políticas de concorrência. Eles estão presentes em todos esses processos negociadores. É por isso que dei seqüência a uma reformulação, no âmbito interno do Itamaraty, para que, em vez de se localizar o trabalho por foro, o assunto fosse à discussão a partir desses temas que acabei de mencionar. É a busca da nossa autonomia, possível com base no desempenho exportador apropriado.
Concluindo, diria que cada um desses foros negociadores pode nos oferecer oportunidades e desafios. Se é possível, por exemplo, na área de acesso a mercados ter uma expectativa mais positiva em relação às negociações da ALCA ou em relação às negociações da União Européia, é minha convicção que, na discussão de regras, por exemplo na área de agricultura, como aquelas que dizem respeito a dumping, passam pelo tema da OMC. É nesse quadro multilateral que a discussão dessas regras irá ocorrer. Esta é uma rapidíssima consideração da visão que temos, no Itamaraty, desse desafio negociador.
Sem maiores delongas vou passar a palavra ao primeiro expositor, o Sr. Clemens Boonekamp, que disporá de quinze minutos.
CLEMENS BOONEKAMP (Exposição em inglês.) – Obrigado pelo convite de poder estar aqui com V. Exas., hoje. É uma grande honra para a OMC poder estar aqui e falar para os distintos participantes desta audiência.
Estamos preparando a IV Conferência Ministerial. É importante que ela seja um sucesso. A economia do mundo ainda está um pouco enfraquecida e a confiabilidade é um pouco baixa. O sucesso desta IV Conferência pode mostrar que, com o sistema multilateral, através da manutenção de mercados abertos e fortalecimento das regras, desempenhará sua função total no restabelecimento e desenvolvimento da economia multilateral dos países em desenvolvimento (mantendo os mercados abertos e fortalecendo as regras, o mundo poderá se recuperar, e cumpriremos o nosso papel para o desenvolvimento da economia multilateral, principalmente para países em desenvolvimento).
O Ministro Lafer mencionou que desenvolvimento é um elemento central, e de fato é. Na preparação para essa Conferência Ministerial, o Diretor-Geral preparou a sua descrição anual sobre o desenvolvimento dos sistemas de comércio. Tipicamente, esse documento feito todos os anos é um tanto quanto pequeno e cuidadoso pois contém muitas nuances. Cuidadoso no sentido de definir bem os interesses dos 142 membros da OMC. Esse documento, que está preparado – e que acabei de entregar para o Ministro Lafer – é um pouco diferente, é mais substancial e mostra que o sistema está enfrentando alguns desafios, que precisam ser contemplados. Se o sistema multilateral ou a OMC continuarem tendo esse papel vital, vão facilitar o comércio para que todos os países, para que todos os membros possam obter benefícios desse sistema comercial.
Uma das seções enfatizadas neste documento é sobre desenvolvimento, o papel de países em desenvolvimento e os benefícios que esses países emergentes podem obter da OMC. Ênfase nisso não é apenas uma sugestão de que a OMC é um organismo para o desenvolvimento. Não é somente isso. É uma organização econômica com regras que permitem aos membros conseguir os benefícios do comércio. Essas regras são utilizadas igualmente para todos os seus membros, maiores ou menores.
O que a OMC faz tem muitas implicações para o desenvolvimento. Os benefícios são muito reais. O acesso está assegurado, e as regras permitem evitar as distorções no sistema e garantem que vocês possam tomar partido. Por exemplo, a Costa Rica desafiou os Estados Unidos e ganhou. Os Estados Unidos, na administração do Secretário Cohen, mudaram suas normas, e o acesso da Costa Rica ao mercado dos Estados Unidos aumentou. Então, isso foi assegurado.
Mas existem ainda outras questões que precisam ser resolvidas. Um dos aspectos, uma das ênfases desse documento é que ainda muito precisa ser feito para permitir que os países desenvolvidos consigam obter todos os benefícios que podem obter da OMC. Sei que o Brasil já esteve na frente, liderando países desenvolvidos em várias discussões no âmbito da OMC e que teve um papel muito importante ensinando à OMC como os nossos princípios são importantes para países em desenvolvimento.
Mais ainda precisa ser feito, principalmente para o acesso ao mercado. Estamos enfrentando, neste momento, exportadores, principalmente de países em desenvolvimento, que estão tendo altas tarifas. Eles estão enfrentando tarifas que aumentam de acordo com a sua produção. A oportunidade desse valor agregado para matéria-prima é limitada. Então, países que não produzem a sua matéria-prima se tornam exportadores de café.
Numa ordem econômica é possível, pelo menos em parte, pelo escalonamento de tarifas, abordar esse assunto. E nossos membros estão prontos para isso.
Também muito preocupante nesse sistema multilateral, principalmente para os países em desenvolvimento, são os subsídios para a agricultura, mencionados por vários palestrantes no período da manhã.
Quem é economista sabe que os subsídios têm por objetivo dar acesso às pessoas que não têm essas vantagens comparativas. O mundo está começando a abordar esse tema, principalmente no que se refere à agricultura, para buscar uma forma mais substancial. Voltarei a falar sobre isso.
Também as regras precisam de mais atenção. Uma das regras antidumping foi mencionada porque é muito difícil para os Estados Unidos, mas tenho muita confiança de que será contemplada e abordada. Padrões de outras áreas, como, por exemplo, dos exportadores de muitos países desenvolvidos, são pouco usuais. Como encarregado da OMC de rever esses mecanismos, vejo freqüentemente que, quando um país começa a desenvolver a exportação, os padrões de sanidade mudam completamente. Muitas vezes, isso muda de um dia para outro. É preciso ouvir os países desenvolvidos para fixar esses padrões internacionais. Isso está sendo trabalhado, também será contemplado.
Outro ponto enfatizado neste documento, que deve ser objeto da preocupação dos senhores, são os acordos comerciais – MERCOSUL, União Européia, NAFTA. O documento menciona que esses acordos comerciais podem trazer muitos benefícios e aumentar a capacidade de produção, por meio da especialização, que ensina as pessoas a realizarem o comércio. E é, talvez, a primeira experiência de muitos pequenos produtores ao buscar outros mercados além do doméstico. Esses acordos podem funcionar de forma mais ampla para a população nacional. Podem trazer benefícios para o comércio, mas oferecem também alguns perigos. Acho que esse documento também menciona isso. A OMC acena com a possibilidade de um acordo para o comércio entre todos os países, entre todos os seus membros. Existem agora, no mundo, cento e setenta acordos regionais. Esse número está aumentando para duzentos e cinqüenta. Isso significa que estamos potencialmente olhando para duzentos e cinqüenta diferentes acordos potenciais para a conduta de comércio entre seus membros. Isso é muito complexo e gera regras conflitantes, como os senhores podem observar. No caso da África, no momento, alguns países serão membros de dois ou mais acordos regionais, que possuem diferentes cronogramas de implementação, diferentes regras de origem, o que pode causar algumas confusões para importadores e exportadores. Como, então, conduzir o comércio? Isso poderá custar muito caro.
Na área econômica européia, descobriu-se que se a margem de preferência, num comércio dentro da área, for de 3% ou menos, as pessoas não se incomodam em preencher a documentação. Elas mandam os bens por esses canais nacionais. Isso significa que a documentação sozinha equivale a 3% do contrato. Na Ásia chega a 15%, por causa da burocracia. Então eles não utilizam essa estrutura preferencial. Existe, portanto, um risco sistêmico na OMC.
Estamos tentando, com sucesso, a construção de um sistema único, mas precisamos fortalecer esse sistema para permitir previsibilidade, transparência em apenas um contrato, em vez de termos duzentos e cinqüenta contratos conflitantes. O Diretor-Geral, no seu relatório, deixou muito claro que, enquanto esses acordos podem trazer benefícios reais, também é muito importante que estejam de acordo com as obrigações multilaterais a que todos os países estão sujeitos enquanto membros da OMC. Isso significa que precisamos, de fato, ter regras claras para acordos regionais, que permitam aos países-membros mostrarem que esses acordos são complementares ao sistema multilateral, que ajudem seus comerciantes a encontrarem um caminho transparente para o comércio, em vez de tentar complicar a vida do comércio. Este é um aspecto muito importante para a OMC, que será abordado nessa próxima conferência.
E para onde iremos daqui até a próxima conferência? Existe uma Declaração de Ministros, cujo rascunho foi feito no final de setembro. Esse rascunho foi objeto de muita consulta, muita negociação, muita discussão. No final desta semana teremos um novo rascunho. Será o último rascunho antes dessa conferência e incorporará mais algumas mudanças.
Juntamente com esse rascunho, teremos um outro documento para implementação. Como vocês sabem, a implementação foi muito discutida nos últimos dois anos e meio. No que diz respeito à entrada em vigor de vários acordos da OMC, não é sempre fácil para os países oferecerem as organizações necessárias, as instituições necessárias, a estrutura necessária para implementar os acordos firmados. Está sendo agora contemplado o Acordo TRIPS. Teremos, após a discussão, uma decisão até sexta-feira. Creio que está muito claro, como já foi discutido aqui, que é o momento de aceitação dessa decisão.
Um terceiro documento – isso é novo para a OMC – estará pronto até sexta-feira. É uma declaração sobre a saúde. Teremos o rascunho dessa declaração do Diretor-Geral, que também menciona esse tópico. Trata-se do acesso a medicamentos segundo o acordo TRIPS.
Temos, então, três questões. Primeira: os países têm um interesse muito grande em uma população saudável e com acesso a medicamentos baratos. Segunda, oposta e juntamente com a primeira, é a produção de novos medicamentos. É o que o Acordo TRIPS está tentando contemplar em parte, ou seja, a proteção das patentes para fornecer incentivos apropriados para a produção de novas drogas. Isso é muito difícil. Esse documento que está sendo negociado – o Ministro Celso Lafer mencionou esse tema – está no final da etapa preparatória e busca assegurar que as regras, no Acordo de Propriedade Intelectual, sejam flexíveis o suficiente para poder permitir acesso a medicamentos genéricos, por exemplo, como o Canadá está fazendo, acesso a drogas, por meio de um licenciamento. Significa que vai ser mais fácil produzir essas drogas de uma maneira doméstica, se tivermos algumas restrições para a importação.
E qual é o objetivo dessa declaração? É que todos os Ministros assegurem, em um consenso, que o Acordo TRIPS não será um problema, mas vai fazer parte da solução. O documento estará disponível na sexta-feira e irá para essa reunião de Ministros.
O documento que mencionei primeiramente, a Declaração Ministerial – fomos a Seattle, e o Ministro Celso Lafer se lembra muito bem disso –, tinha cem páginas, era um documento enorme. Havia muitos parênteses nesse documento.
Estamos levando para a nossa próxima reunião a Declaração Ministerial. O documento vai ser menor. Terá, no máximo, de oito a dez páginas. Então, teremos poucas questões que não foram decididas ainda nesse documento. Questões importantes para todos nós serão totalmente contempladas, como a agricultura, por exemplo. Como os senhores sabem, já temos algumas negociações em andamento na OMC sobre agricultura. Há também um rascunho sobre agricultura e ainda a questão não somente de subsídios, mas também da eliminação de subsídios.
Creio que todos concordamos e todos os membros concordam que os subsídios precisam ser reduzidos. O problema não é exatamente o que queremos fazer, mas como poderemos fazer essa redução, por exemplo, como podemos dar cobertura política para alguns membros. Essa questão está sendo abordada, e tenho muita confiança de que esse tema será resolvido. Mas é uma das questões que precisamos resolver nessa conferência de Ministros.
Outra questão, que creio estar mais ou menos decidida, são as tarifas industriais. A escalação de tarifas e o antidumping estarão sendo discutidos. Creio que ninguém mais duvida – o Secretário William Cohen sabe melhor do que eu – de que lidaremos com o antidumping. Não posso falar sobre isso agora, mas isso será discutido na nossa agenda de negociações. Isso será abordado.
A palavra antidumping não aparece na Declaração. E isso, mais uma vez, para dar alguma cobertura política para alguns países, os Estados Unidos principalmente. Não existe mais dúvida de que essa é uma questão que preocupa todos os membros. Não se trata de uma questão para países em desenvolvimento utilizando antidumping, mas já é uma questão mais ampla que está sendo abordada. Então, os países em desenvolvimento são usuários desse instrumento particular. E países como os Estados Unidos, por exemplo, também estão sujeitos agora a esse interesse particular.
Existe o consenso por parte dos membros de que é de interesse de todos verificar essas regras para ter certeza de qual seria o mecanismo legítimo para que não seja diminuído o comércio. Então, tenho certeza de que esse tema também será contemplado nessa reunião.
Outras três questões são difíceis de responder neste momento, mas creio que o mundo já descobriu uma solução. Vou falar sobre duas: investimento e concorrência. São novas questões para a OMC. O acordo que fizemos contempla esse acordo de investimento, e a concorrência também é uma nova questão. Então, essas duas questões estão sendo tratadas de forma um pouco pragmática, mas muito interessante.
Creio que já temos o cenário para abordar esses temas. E utilizamos essa metodologia em Genebra. Isso significa que esses modelos estão sendo analisados para que essas questões sejam contempladas em uma agenda mais complexa, pelo menos por dois anos. Depois desse período, os países poderão continuar as suas negociações nessas áreas que não serão realizadas nessa etapa inicial. Tenho certeza de que isso terá continuidade.
Entretanto, os países receberão mais tarde, no processo, a oportunidade de optarem por uma negociação mais ampla. Isso não é para que os senhores tenham em mente – não consigo nem pronunciar – acordos multilaterais, em que um pequeno grupo de países faria um acordo separado para o subsídio. Não significa que teremos um acordo separado. São acordos que, caso sejam materializados, na verdade terão eficácia para contemplar os países como um todo. Não haverá discriminação. Todos os países vão poder participar na reformulação desses acordos. Não teremos um pequeno grupo de países que estará negociando separadamente. Isso será aberto e transparente.
Uma das últimas questões que ainda está em negociação e que irá para o encontro dos
Ministros é a questão do meio ambiente, assunto que tem extraordinária importância na União
Européia. Refere-se também à funcionalidade múltipla, termo que não gostaria de mencionar. Temos medo de mencioná-lo, porque é visto por muitos como outra forma de protecionismo.
Os europeus discutiram muito essas negociações para o meio ambiente. Acho que eles não vão conseguir obter resultados nessas negociações. Entretanto, é algo que será mencionado no preâmbulo da Declaração Ministerial.
Tenho certeza de que isso vai fazer parte da Declaração Ministerial. O preâmbulo da declaração vai determinar que os países sob as regras da OMC estão livres para adotar as medidas ambientais. Temos uma disputa para mostrar isso para uma resolução de conflitos.
Temos de verificar essas regras de não-discriminação da OMC, que estão mostrando as relações de conflito. Essa é uma declaração de que a OMC não é contra o meio ambiente.
Daqui a duas semanas vamos a Doha, no Qatar, e tenho a certeza de que o mundo político vai lançar uma nova rodada de negociações, que vai trazer benefícios para todos nós, de todos os países. Mas, por causa dessa agenda de negociação, vai trazer, principalmente, benefício para os países em desenvolvimento.
Muito obrigado.
CELSO LAFER – Agradeço ao Dr. Clemens Boonekamp a exposição sintética e, ao mesmo tempo, muito pertinente para as negociações da OMC.
Passo a palavra ao Dr. William Cohen para fazer sua exposição, pedindo a atenção para o prazo máximo de quinze minutos.
Lembro aos membros da platéia que há microfones disponíveis aos que quiserem deles se valer para efeito de tradução.
WILLIAM COHEN (Exposição em inglês.) – Obrigado, Sr. Ministro. Não é usual alguém dizer a um ex-membro do Senado para falar em apenas quinze minutos, mas vou tentar.
Também gostaria de fazer um protesto. Minha cadeira é mais baixa do que a de todas as outras pessoas. Não sei se os senhores estão tentando me manter no meu lugar, porque só minha cadeira está mais baixa.
Ontem me reuni com o Presidente Aécio Neves e tive a oportunidade de falar a um público da área de negócios em São Paulo. Hoje falaremos com o pessoal da área política. Há trinta e um anos estou no serviço público. Por isso, sinto-me em casa ao falar com meus amigos do Parlamento.
Senhoras e senhores, o avanço das últimas cinco semanas mostrou-nos a conexão que temos com fatos que nunca imaginamos enfrentar. Como disse Churchill uma vez, referindo-se à acumulação de armas nucleares, o mundo poderia retornar à idade da pedra, nas brilhantes asas da ciência. Em vez disso, vimos um grupo de fanáticos operarem o que se tornou uma das coisas mais destruidoras da sociedade e que nos foi trazida pelas asas da ciência. Refiro-me aos ataques às cidades de Nova York e Washington e ao uso do antraz. Até mesmo no Rio de Janeiro, o antraz já chegou.
Essa rede é global, sem dúvida alguma, e todas as redes originárias do Oriente Médio e do Golfo Pérsico, há alguns anos, vêm-se movendo em direção ao Afeganistão. Estabeleceram subsidiárias e até ligações com o resto do mundo, de Mombassa até Manila; de Cairo a Chicago; de Trenton, New Jersey, até a área das três fronteiras.
Essa rede internacional do terror em muitos aspectos é o lado negro da globalização. Podemos assistir à livre movimentação de pessoas, dinheiro e produtos, o que torna fácil a penetração do mal e suas técnicas em todo o planeta, permitindo que operem entre nós sem serem detectados. Sendo essa rede global, é necessário também um esforço global para lutar contra ela, de maneira que esses terroristas, de fato, tenham que lutar contra um esforço coletivo.
Há pouco ouvimos algumas questões sobre política internacional, mas, sem dúvida, há um desejo muito grande da comunidade mundial no sentido da união para enfrentar essa ameaça. Essa força unificada reduzirá o poder dos terroristas, surtindo efeito não somente contra o terrorismo, mas principalmente com relação aos problemas de comércio.
Desde o dia 11 de setembro, a solidariedade tem tornado muito mais provável que haja uma nova rodada comercial. Qualquer tipo de negociação, que virá, sem dúvida, da Conferência Internacional da OMC, que ocorrerá no próximo mês, proporcionará que o Congresso Americano aprove o que chamamos de fast track (legislação rápida), que permitirá que a próxima rodada seja um sucesso.
Um outro benefício que tiramos do último dia 11 de setembro foi a administração do Presidente Bush com abordagens multilaterais, tornando mais fortes do que nunca conversas e trabalhos com outros países. Em relação ao Congresso americano, o Presidente Bush recebeu a autoridade de que precisava para negociar esses acordos tão importantes. A conferência de ontem, da qual participei, refletiu o risco e as oportunidades da Área de Livre-Comércio das Américas. Perguntaram-me sobre o risco, nessas oportunidades da FTAA, e a que elas poderiam estar comparadas. Sem dúvida, a ALCA cria uma área de livre-comércio, como o MERCOSUL e o NAFTA, e já está sendo operada com esplêndido isolamento com relação aos outros.
É mais correto dizer que a integração de paz é necessário dizer que, com relação à tomada de decisão de paz com o MERCOSUL, essas áreas poderiam começar a operar onde não haja a ALCA, e isso vai continuar a existir. A questão é se vamos fazer isso de maneira coerente ou mais segura, menos eficiente, mais onerosa com relação ao processo pacífico que almejamos. Essa integração para a paz também aumentou os riscos financeiros e econômicos. Sugiro até que aumentemos o risco do esforço coletivo, tornando-nos mais vulneráveis com relação às atividades terroristas, que, sem dúvida, destroem os sistemas econômicos de toda a sociedade moderna. Antes do dia 11 de setembro, essas preocupações eram tidas na maioria dos países, e alguns eram ouvidos.
Peço desculpas pela minha voz, porque estou ficando um pouco rouco. Vou falar rapidamente sobre o lado econômico. Os riscos e oportunidades dependem da negociação e do que resulta dela. Acho que os brasileiros questionam até onde os Estados Unidos estão dispostos a ir para acomodar seus interesses. É importante frisar que o Presidente Bush vai promover uma autoridade comercial para que consigamos isso da maneira mais rápida possível. Acredito que os senhores estejam entendendo. Eu, como ex-senador, tenho aqui a legitimidade de dizer que uma negociação pode ser apresentada ao Congresso sem nenhuma emenda e ser aprovada, e emendas ilimitadas podem ser oferecidas num debate ilimitado, diferentemente dos meus quinze minutos. Qualquer senador pode falar o tempo que sua voz permitir.
Esse é um fator muito importante para termos em mente. O Presidente Fernando Henrique Cardoso deixou bastante claro que as negociações com relação à ALCA são uma opção. Não são um destino, não são uma obrigação e não são inevitáveis. Sem dúvida, até mesmo se os senhores escolherem não alcançar a Área de Livre-Comércio, há outras oportunidades para se conectar com outros países em ações cumulativas entre corporações, concessionárias, governos e outras instituições. Isso é refletido, sem dúvida, nos nossos investimentos comerciais bilaterais, que são pequenos comparados com os de outros países como, por exemplo, o México, que vêm crescendo significativamente nos últimos anos. O comércio total aumentou em 50% de 1995 a 2000, e as exportações do Brasil para os Estados Unidos aumentaram em 23%, somente no ano passado. Ou seja, essa integração ad hoc nos leva ao que já está contemplado na ALCA e é uma integração que nos torna mais unidos e traz barreiras que derrubam as distorções no mercado. São muito importantes os benefícios, os riscos e os custos com relação à integração da ALCA.
Uma questão muito relevante é que as principais bases dos riscos e benefícios são as mesmas que fizemos de maneira ad hoc, e isso fizemos dentro da ALCA. Jeffrey Schott vai falar aos senhores a respeito do que eu sugeriria, até mesmo sobre a integração ad hoc, com relação aos riscos, oportunidades e benefícios que podem ser obtidos. Sem dúvida, protagonistas e empresas que estão analisando seu próprio interesse podem fazer parte da sociedade. Eu, como ex-membro do Senado, posso garantir isso. Também essa integração das sociedades consumidoras, os investidores e os poupadores ficará baseada na própria ALCA. Podemos também receber assistência comercial dentro da integração ad hoc com relação ao trabalho da ALCA, à nossa integração pacífica onde os países obtêm benefícios indiretos. Com relação às políticas públicas e às compras, as restrições são feitas às atividades econômicas.
Analisando todos esses aspectos do ponto de vista brasileiro, há uma integração ad hoc ocorrendo dentro da ALCA muito mais propensa a atingir os objetivos brasileiros com relação aos têxteis, à indústria brasileira, para os exportadores brasileiros terem mais benefícios e preferências em relação aos caribenhos. São questões relevantes para todos os membros do Parlamento. Novamente essa integração buscará uma maneira de saber se a própria ALCA será capaz de resolver essa questão ou não.
Quanto tempo eu tenho? Podem me dar mais dez minutos? Gostaria de falar rapidamente sobre a nossa legislação rápida. Talvez os senhores não a conheçam, muito embora os Estados Unidos acreditem na Área de Livre-Comércio. Nós também temos vários aspectos que são abordados como dificultosos para o Brasil. Por exemplo, no mandato do Presidente Bush, essa autoridade no Congresso para fazer com que esse pacote seja aprovado nos últimos anos. O Presidente bem que tentou obter essa autoridade, mas várias foram as razões para ele não ter conseguido isso. A primeira delas é que a oposição veio de uma combinação de democratas que, sem dúvida, estavam preocupados com questões ambientais e trabalhistas.
Os republicanos não confiavam no Presidente Clinton e, sem dúvida, havia deputados dos dois partidos que faziam objeção a ambas as opiniões. Portanto, o Presidente Clinton não teve o apoio que o Presidente Bush tem agora. Há poucas semanas, eu teria até previsto que a oposição a isso deveria ter trazido até mesmo uma situação pior, mas depois do dia 11 de setembro tivemos grandes problemas. Temos ido, de porta em porta, até os membros, para ver se conseguimos fazer com que eles mudem seus votos. Acredito que uma posição até mesmo melhor do que essa tenha acontecido nas últimas cinco semanas.
Também diria que há muitas notícias de que a situação do Presidente Bush foi discutida para a legislação. Isso inclui a decisão de fazer investigações antidumping contra o aço do Brasil, a Rússia e outros países. Há nisso uma ironia. Na verdade, quando estamos tirando a barreira, sabemos que os preços estão sendo pagos para buscar área de livre-comércio. Sem dúvida, o Presidente Clinton se recusou a dizer isso e agora o Presidente Bush pode até vir a fazê-lo. Não se trata somente de especulação. Ele até pode, mas isso para ganhar o apoio daqueles oponentes a essa rapidez de legislação.
Espero que essa tomada de decisão rápida leve a tomadas de decisões e a concessões para os democratas, a ponto de terem um voto favorável para esse resultado. Se isso for aprovado no Congresso, acredito que seja a melhor saída.
Vamos fazer de conta que não há uma opção. Uma opção para o Presidente será, sem dúvida, ter de fato essa autoridade tão rápida e instigada, isso com relação ao estado permanente do acordo com a China. Por exemplo, poderíamos fazer uma negociação, votando no Congresso e acelerar tudo. Sem dúvida, neste momento, os membros não querem ser vistos como se passassem por cima da autoridade do Presidente, como o que aconteceu no dia 11 de setembro.
Portanto, se ele não obtiver rapidamente esse resultado quanto à sua autoridade, poderia tentar o Congresso e ter ainda autoridade com um processo rápido em toda a base universal; poderia ser até mais convincente diante dos membros do Congresso ou ainda poderia continuar a negociar de maneira bilateral e novamente – e isso é do interesse do Brasil – ter os Estados Unidos conduzindo negociações bilaterais de comércio em países específicos, especialmente a Argentina, o Chile ou qualquer outro lugar.
Não sou um ideólogo da área de livre-comércio, mas, como política, entendo o que significa quando as indústrias e seus setores especiais são fechados. Aconteceu comigo no Estado do Maine. Éramos os maiores produtores de sapatos do País e tivemos de aceitar as exportações do Brasil. Mas isso não significava que depois disso iríamos nos recuperar. Descobri que, no final das contas, precisamos, para o interesse total dos Estados Unidos, aceitar essas exportações e verificar se o interesse de um pode ser colocado em risco pelo interesse de todos. Devemos levar isso em consideração. Se o resultado final for o melhor, então valerá aceitar perder um pouco de nossa produção.
Estamos observando agora a integração não somente do comércio, mas também do ponto de vista econômico e eletrônico. Estamos vendo todos os nossos sistemas de comunicação se integrarem e percebendo que há grupos terroristas que podem desligar os nossos sistemas de comunicação, o que nos torna bastante vulneráveis. Eles podem desligar o nosso sistema de fornecimento de energia. Tudo isso é possível, se os padrões não forem adotados e medidas não forem tomadas para proteger a infra-estrutura básica de um país.
Recomendo que vocês analisem os padrões internacionais da organização internacional e concluo dizendo que os Estados Unidos não deram a devida atenção que o Brasil merecia. Vocês são um país maravilhoso, estão como protagonista internacional. Nos últimos anos, começamos a focalizar nossa atenção no Brasil e em toda a América Latina. Não demos a atenção que vocês merecem. Muitas vezes, membros que vêm até aqui tendem a fazer palestras e a querer ensinar o que vocês deveriam dizer.
Quero deixar registrado aqui que esse é um esforço que vamos tentar fazer ao ouvir os brasileiros, o que vocês querem realizar e, de fato, tentar fazer funcionar e estabelecer, de uma maneira muito mais justa e equilibrada, o acordo entre os nossos países.
Muito obrigado.
CELSO LAFER – Obrigado, Sr. William Cohen.
Antes de passar a palavra ao Sr. Ministro Serra, registro que há um número muito grande de inscritos para este seminário. Nem todos estão presentes nesta sala, porque nela não couberam, mas estão em outras acomodações, onde estão tendo a oportunidade de ouvir esses debates.
Agradeço a todos, em nome do Presidente da Casa, Deputado Aécio Neves, pela presença, lembrando uma frase famosa de Willer, que dizia que ser livre é ser informado.
Este seminário tem o objetivo de informar para gerar a liberdade objetiva da avaliação dos nossos desafios.
Com a palavra o Sr. Ministro José Serra.
JOSÉ SERRA – Muito obrigado, Ministro Celso Lafer.
Inicialmente, agradeço ao Presidente Aécio Neves e ao Deputado Marcos Cintra, organizadores deste seminário, pelo convite. Cumprimento S. Exas. pela iniciativa da realização deste seminário e pela qualidade de seus participantes.
Creio que o tema isolado “ALCA – A Possibilidade de uma Associação de Livre-Comércio das Américas” é talvez o mais importante da política econômica brasileira nesta década.
Com a ALCA, o Brasil pode ter muito a ganhar, ou poderia ter muito a perder. Somos a segunda ou terceira economia da região. Já temos uma estrutura industrial razoavelmente diversificada e problemas sérios de balanço de pagamentos. Não podemos ficar fora desse debate. Cinqüenta por cento das exportações brasileiras, aproximadamente, vão para a área das Américas, e 70% das exportações industriais vão para essa área. Portanto, não podemos nos omitir desse processo de negociação, nem deixar de nos sentarmos à mesa.
Há pouco tempo, o Ministro Celso Lafer, no Senado Federal, disse que devemos negociar. No entanto, somente assinaremos um tratado, e o Congresso ratificará, se o acordo for globalmente vantajoso para os interesses da economia brasileira. Este deve ser o nosso critério fundamental.
Hoje, o principal fator que freia o crescimento da economia brasileira é o déficit em conta corrente. Para que a economia volte a crescer a taxas do passado, da década de trinta à de oitenta, é fundamental que nós não só coloquemos esse déficit em conta corrente sob controle, o que já está acontecendo, mas o reduzamos substancialmente. É o déficit em conta corrente que pressiona a taxa de juros, que, por sua vez, freia o ritmo da atividade econômica.
Para isso, entre outras coisas, temos que exportar mais. A variável exportação é crucial para o futuro da economia brasileira. Exportar mais por três motivos: primeiro, como eu dizia, para diminuir e zerar até o déficit em conta corrente. Creio que, no futuro, devêssemos ter uma espécie de lei de responsabilidade cambial, visando, fundamentalmente, zerar o déficit em conta corrente, ou levá-lo a algo próximo a zero. Como temos um déficit na conta de fatores da ordem de 22 bilhões de dólares, dado do ano passado, precisamos ter um excedente de exportações dessa magnitude. Assim, o déficit será zerado, porque o déficit em conta corrente é a soma da conta comercial mais a conta de fatores.
Ao mesmo tempo, exportar mais é bom para a economia por dois outros motivos:
porque é um fator permanente de modernização e de preocupação com custos; porque exportação também é uma fonte de demanda.
Há um equívoco, que diria bastante trivial, em querer antepor exportação com mercado interno. Quanto mais cresce a exportação, mais cresce a renda, isso melhora os salários, aumenta a produção doméstica, etc. É uma opção falsa mercado interno/exportações.
Tendo presente essa questão, qual é o problema principal, sob o ângulo brasileiro, que se apresenta para a constituição dessa Área de Livre-Comércio das Américas? Situa-se no nosso principal parceiro: os Estados Unidos. Mais de um quinto de nossas exportações vão para os Estados Unidos, entre 20% e 25%, dependendo do período, e, evidentemente, depois do Canadá e dos Estados Unidos, a economia brasileira é a mais industrializada da região. Ao mesmo tempo, temos uma grande posição como produtores de bens primários agrícolas e não agrícolas.
A questão fundamental para nós situa-se, na economia norte-americana, não no que se refere à proteção tarifária. Os Estados Unidos têm uma tarifa média muito baixa, da ordem de 4% – a tarifa média brasileira é da ordem de 13% –, e mecanismos de proteção não-tarifários. Esses mecanismos têm que ser objeto de debate e de conclusões comuns no âmbito das negociações da ALCA. Não se trata de o Brasil impor este ou aquele critério referente à proteção não-tarifária, mas de estar de acordo ou não, de a questão entrar na mesa de negociações.
Nos Estados Unidos, em Berkeley, participei de um debate sobre o Brasil com senadores, deputados e acadêmicos norte-americanos. Alguns deles, democratas, com os quais, Ministro William Cohen, temos mais afinidades. Certa vez, disse a um embaixador norte-americano do governo Clinton que, se ele quisesse entender a nossa posição sobre medicamentos, que entendesse a posição dos democratas norte-americanos, porque parecemos com eles em muitos critérios, em muitos aspectos. Lá se dizia que há um problema na economia norte-americana de exportação de empregos e também de rebaixamento salarial devido às exportações. Esses dois argumentos não se sustentam nem empírica nem teoricamente. Economistas como o professor Bhagwati, que é indiano naturalizado norte-americano, talvez um dos principais teóricos do livre-comércio e da própria Organização Mundial do Comércio, ou como o professor Krugman, que está no outro espectro da área dos economistas, mostram com clareza que esses argumentos não são consistentes.
Os Estados Unidos, até o ano passado, tinham a menor taxa de desemprego de todo pós-guerra. Ou seja, não estava exportando empregos. E se exportasse empregos, com toda a certeza não seria para a América Latina ou para o Brasil, uma vez que o Brasil contribuiu, nos anos noventa, para o segundo superávit dos Estados Unidos em matéria de comércio. Ou seja, ao longo dos anos noventa, a economia norte-americana teve déficits comerciais crescentes, mas o Brasil é um dos sete países com os quais eles tiveram superávit. O segundo superávit dos Estados Unidos na segunda metade dos anos noventa foi com o Brasil. De maneira que se exportação de empregos houve não foi conosco, e também para a América Latina, que explica apenas 4% do déficit comercial total dos Estados Unidos no ano passado.
De alguma maneira, não se justificam argumentos teóricos para explicar as restrições não-tarifárias. A tarifa é um imposto à importação. A proteção não-tarifária é diferente. Quais são as características que ela assume nos Estados Unidos? Primeiro, barreiras sanitárias, que afetam frutas, legumes, e que demandam uma exigência de 100% de licenças prévias, praticamente no caso das exportações agrícolas brasileiras. Segundo, subsídios à agricultura. Tenho medo de falar disso em congressos, porque quando era deputado ou mesmo, recentemente, no período em que assumi o Senado Federal, sempre houve choques com a bancada agrícola devido à questão dos subsídios. Jamais fui partidário de subsídios dessa natureza. Pelo menos de um quinto a um quarto do produto agrícola norte-americano é subsidiado. Ou seja, os subsídios equivalem, hoje, a cerca de 22% do valor bruto da produção do setor. Há uma perspectiva de aprovação do Farm Bill 2001 que amplia ainda mais esses subsídios. São subsídios aos produtores domésticos, inclusive, para exportações, o que, naturalmente, compromete as exportações dos outros países. Terceiro, o recurso intenso e amplo ao antidumping sem regras, do ângulo dos seus parceiros comerciais. Há uma batalha brasileira que vem de há bastante tempo para que essas regras sejam estabelecidas de comum acordo no âmbito da OMC e muito mais no âmbito da ALCA, se vier a ser constituída.
O antidumping mais o mecanismo das salvaguardas têm castigado bastante as exportações brasileiras, especialmente numa área em que o Brasil é mais competitivo e mais eficiente: a da siderurgia, a indústria do aço. A indústria brasileira é mais moderna, mais eficiente e mais competitiva do que a norte-americana, e não é só por causa da atual taxa de câmbio. Mesmo na época da sobrevalorização cambial, o Brasil tinha vantagens competitivas nessa área.
Hoje o mecanismo das salvaguardas é baseado num organismo que deve chamar-se ITC, instituto independente do governo, em que juízes examinam se o aumento súbito de importações, em determinada área, causou dano para determinada indústria e se há uma relação de causalidade. Então, recomenda a instituição de mecanismos de proteção com relação a essas importações. Isso mais o antidumping têm prejudicado muito as exportações brasileiras de aço, exatamente um setor onde o Brasil, em termos relativos, é o mais competitivo com relação aos Estados Unidos.
Aliás, isso também contraria o argumento, que às vezes autoridades americanas apresentam, de que o déficit brasileiro com os Estados Unidos decorre da falta de competitividade. Esse é um caso, como o do suco de laranja, em que claramente se demonstra o contrário: a proteção se dá em função da maior competitividade das exportações brasileiras.
Há também o mecanismo do sistema geral de preferências, que acaba sendo usado como fator de pressão comercial, ou seja, existe um sistema de preferências e estar ou não nele passa a ser um instrumento de pressão com relação a práticas de comércio.
Há também o mecanismo dos picos tarifários. A economia brasileira tem uma média tarifária de 13%, a dos Estados Unidos é de 4%, mas o Brasil não recorre ao mecanismo dos picos tarifários em proporção nem parecida à que os Estados Unidos recorrem. Ou seja, mantemo-nos em torno dos 13%. A tarifa mais alta apresentada é com relação ao automóvel: 35%. A dos Estados Unidos, em certas circunstâncias, chega a centenas de porcentagem.
O que acontece? Por exemplo: apesar de a tarifa norte-americana ser de 4% e a brasileira de 13%, os quinze principais produtos de exportação do Brasil se defrontam com uma tarifa de 46%, nos Estados Unidos, ou seja, mais de dez vezes a média tarifária norte-americana, enquanto que os quinze principais produtos norte-americanos exportados para o Brasil se defrontam com uma tarifa média de 14,3%.
É muito importante, Ministro Cohen, que V. Exa. conheça esses dados. Ou seja, no caso de quinze produtos nossos, defrontamo-nos com 46% de tarifa. No caso dos quinze principais produtos norte-americanos, a média é de 14,3%. O fato de que a nossa tarifa média seja muito mais alta do que a norte-americana, cerca de três vezes, não quer dizer muito em matéria de práticas comerciais restritivas. A economia brasileira, de fato, abriu-se muito. Basta lembrar que a tarifa média brasileira caiu de 51% para 13%, entre o final dos anos oitenta e o momento atual. O Brasil abriu muito a sua economia. Mais até do que a rebaixa tarifária, o fundamental foi a eliminação de cotas de restrições quantitativas; o Brasil eliminou todas. Se algum erro cometeu no período, foi não ter preparado mecanismos de defesa comercial, no que se refere a antidumping, a salvaguardas, etc., e com relação ao comportamento dos nossos parceiros comerciais.
O professor Bhagwati disse, recentemente, em um artigo, que os países do Terceiro Mundo, em desenvolvimento, não podem reclamar do protecionismo nos países centrais porque não fazem concessões. É possível que ele tenha razão no conjunto, mas no caso brasileiro, não. O Brasil realmente abriu sua economia de maneira ampla, geral e irrestrita.
No entanto, a contrapartida não aconteceu, ou seja, essa abertura não foi acompanhada por nenhum alívio especial no que se refere às nossas condições de comércio com os Estados Unidos. Hoje, segundo estimativas da embaixada brasileira nos Estados Unidos, 60% das exportações brasileiras aos Estados Unidos sofrem restrições tarifárias, como essa dos picos que mencionei, e não-tarifárias. Inclusive, há alguns produtos, no caso brasileiro, que estão no mecanismo de extracota, ou seja, passou do nível, aumenta a tarifa. Muitas vezes nós nos enganamos quando olhamos e dizemos que a tarifa aqui é muito baixa. Sim, mas se aumentar a quantidade, vem tarifa maior – açúcar, tabaco, etanol, para não falar do suco de laranja, o mais conhecido, o caso de produtos têxteis e siderúrgicos.
Creio que no dia de ontem, o ITC (International Trade Commission) considerou que 70% dos produtos semi-acabados de aço brasileiro devem ser enquadrados no mecanismo das salvaguardas, que significa proteção, restrição para a sua exportação. Não precisaria aqui dar números a respeito de laminados a quente, a frio, enfim, a toda uma grande gama de produtos. Portanto, essas são questões que, no nosso entendimento, têm de estar na mesa de negociação.
Não devemos nos opor, em princípio, a um mecanismo que fomente o comércio nas Américas. Isso para o Brasil pode ser muito bom, e bom para os outros, porque queremos aumentar o volume de comércio. Ninguém quer restringir importação simplesmente por restringi-la. Temos um problema de balança comercial e de saldo em conta corrente. Portanto, para poder importar mais, temos de exportar bastante mais, e ninguém pede mecanismos especiais de proteção às exportações brasileiras; apenas pedimos acesso. Essa é a questão fundamental. Isso tem que fazer parte da negociação. Por exemplo: regra antidumping. Tem que existir legislação e medidas antidumping no mundo? Claro que tem. O Brasil mesmo aplica. Só que elas têm de ser comuns – o que vale num lado vale no outro; não podem estar sujeitas a mecanismos de discricionariedade no que se refere a salvaguardas, ou, de repente, surge um argumento – tal indústria está sendo prejudicada – e, de uma hora para outra, surge um mecanismo de proteção, ou, inclusive, com introdução de questões não estritamente comerciais.
Do ponto de vista de linhas de ação, levantaria teses que o Brasil já vem levantando. Primeiro: a negociação tem de ser com um mecanismo que em inglês se diz the single undertaking, ou seja, em bloco. Não pode ser algo parcial: “Não, não. Agora se acertou isto. O outro problema vemos depois.” Isso não. Tem que ser tudo em conjunto, porque os problemas estão relacionados.
Segundo: temos de ter o mecanismo do gradualismo. Aqui contamos até com a cooperação dos Estados Unidos, uma vez que o NAFTA, que é apenas uma zona de livre-comércio, programou-se para 2010. Em geral, a pressa, em matéria de integração, é um patrimônio da América do Sul, particularmente do MERCOSUL, que quis reproduzir em quatro anos o que a Europa fez em quarenta anos, como o Mercado Comum Europeu. Fomos juscelinistas nessa matéria. Isso para o Mercado Comum. Quando falamos de ALCA, estamos falando de zona de livre-comércio, tarifa zero para um conjunto de produtos ao longo de um tempo, etc. Mercado comum é tarifa externa comum, o que significa cada país renunciar à soberania da sua política comercial, uma vez que tem de acertar com os outros quais são as tarifas com relação ao resto do mundo. Mas o mecanismo tem que ser gradual ao longo do tempo.
Terceiro: é preciso que temas como antidumping, subsídios, salvaguardas, sistema de preferências etc. sejam trazidos à mesa para decisões comuns.
Quarto: problema que não mencionei aqui, o de patentes. Na verdade, a questão das patentes foi introduzida na Organização Mundial do Comércio com a objeção de muitos, inclusive de economistas partidários do livre-comércio, como o próprio professor Bhagwati, que cito sempre, porque é o mais distinto economista defensor do livre-comércio, mas que sempre se opôs à idéia de que patente fosse assunto de comércio. O fato, porém, é que isso entrou e, em grande medida, por pressão dos Estados Unidos.
O governo brasileiro defende a existência das patentes inclusive para produtos farmacêuticos. Somos contrários apenas aos abusos, porque a patente é um monopólio puro com relação a determinado produto. No momento em que ela existe, termina o sistema de formação de preços. Qual é o preço? Não se sabe, porque, quando há concorrência, há um critério.
Com relação aos abusos, tem de haver previsões, flexibilidade, inclusive no caso dos países em desenvolvimento – esta é a posição que o Brasil defende.
Portanto, na questão de patentes, como disse o Presidente Fernando Henrique na reunião de Québec, tem de haver defesa, mas, ao mesmo tempo, é preciso levar em conta os problemas de natureza social e tecnológica dos demais países.
Há também de se levar em conta a questão da ALADI (Associação Latino-Americana de Integração), porque há mais de cem acordos feitos que criaram importantes margens de preferência, inclusive para as exportações brasileiras. Esse é um aspecto que deve ser avaliado e preservado, porque, no contexto de formação da ALCA, pode se querer eliminar essas questões, que, no final, aliás, já estariam eliminadas, mas não num período de transição.
Em suma, é o que temos de fazer com relação à ALCA, como, aliás em todas as questões de comércio, inclusive da Organização Mundial do Comércio e das negociações com a União Européia, que também é useira e vezeira – não sei como os tradutores traduzirão isso para os nosso palestrantes – em matéria de subsídios agrícolas, por exemplo.
Temos de ter como critério fundamental a defesa do interesse nacional. Acordo comercial não é questão de boa vontade ou de pura doutrina. Acordo comercial tem a ver com interesses econômicos de diferentes países. E o norte da posição brasileira nessa matéria deve ser o interesse nacional. Queremos ter mais comércio com o resto do mundo, e queremos exportar mais.
As exportações do conjunto da América Latina, na relação comercial com os Estados Unidos, apesar do déficit brasileiro com os Estados Unidos – sim, porque outros têm superávit –, explicam apenas 4% do déficit comercial norte-americano do ano passado, que foi de 438 bilhões de dólares. A América Latina, como tal, exclusive o México, explica apenas 4% desse déficit, o que mostra a enorme flexibilidade que está aberta para os Estados Unidos na negociação conosco, porque se há exportação de empregos, esse fenômeno acontece com relação a outras regiões do mundo, não em relação à América Latina e, muito menos, ao Brasil.
Em matéria de comércio, temos de ser pragmáticos como os Estados Unidos. Há vários aspectos bons na sociedade norte-americana e no comportamento dos Estados Unidos, que devemos, sem a menor dúvida, levar em conta no Brasil como exemplo – e um deles é o pragmatismo em matéria de comércio internacional.
Gostaria de concluir repetindo as palavras do Presidente Fernando Henrique na reunião de Québec, Canadá, realizada em vinte de abril de 2001. Disse S. Exa. que a ALCA será bem-vinda se a sua criação for um passo para dar acesso aos mercados mais dinâmicos; se for efetivamente o caminho para regras compartilhadas comuns sobre antidumping; se reduzir as barreiras não-tarifárias; se, ao proteger a propriedade intelectual, as patentes, promover, ao mesmo tempo, a capacidade tecnológica dos nossos povos e, ademais, se for adiante da Rodada do Uruguai, quando se fez o último acordo da Organização Mundial do Comércio, e corrigir as assimetrias – leia-se desigualdades –, então cristalizadas no âmbito da Organização Mundial do Comércio, sobretudo na área agrícola, porque no Tratado da Organização Mundial do Comércio existem as TRIMs (Trade-Related Investment Imports). Ou seja, há proibição no sentido de um país fazer programas como o BEFIEX, que o Brasil tinha no passado. É uma medida antiindustrializante do ângulo dos países em desenvolvimento, mas não há restrições ao protecionismo agrícola. Talvez fosse impossível conceber desigualdade maior num acordo. E essa questão agrícola nunca entra, sempre é muito difícil inseri-la na pauta da Organização Mundial do Comércio. Conclui S. Exa. afirmando que, não sendo assim, não havendo o cumprimento desses critérios, a ALCA seria irrelevante ou, na pior das hipóteses, indesejável.
E esta continua sendo a posição do governo brasileiro.
Muito obrigado.
CELSO LAFER – Quero agradecer ao Ministro Serra a excelente exposição, que teve o mérito de mostrar o interesse nacional não de forma abstrata, mas agregando especificamente os pontos que são de nosso interesse nessas negociações, em especial na negociação da ALCA.
Vou passar não só a palavra, mas também a coordenação dos trabalhos ao Deputado Marcos Cintra.
Peço desculpas por me ausentar, mas devo ir agora ao Rio de Janeiro para a Reunião
Rio+10, que diz respeito aos desafios do meio ambiente, que se iniciará às quinze horas, no Riocentro. Se não sair neste instante, não conseguirei chegar a tempo.
Agradeço a todos pela oportunidade de participar destas discussões. Lamento ter de me ausentar.
Muito obrigado.
MARCOS CINTRA – Dando continuidade a este seminário e na condição de debatedor deste painel, quero chamar a atenção de V. Exas. para alguns pontos que entendemos essenciais para que a Câmara dos Deputados possa participar deste debate da forma mais ativa e informada possível.
Na realidade, o ponto fundamental que o Brasil hoje debate quando se fala em ALCA é como responder a singela questão, cuja resolução implica enormes dificuldades. É simplesmente saber se o Brasil deve ou não ingressar na ALCA e se esse organismo atende ou não aos interesses nacionais.
A fonte de nossas angústias e complexidades quanto à ALCA reside precisamente na enorme dificuldade hoje existente para se identificar e se avaliar, com a necessária precisão, os aspectos favoráveis e desfavoráveis associados a essa idéia.
Gostaria até de elencar algumas preocupações que normalmente assaltam o Parlamentar brasileiro, quando se fala de ALCA, para deixá-las como pontos para posterior discussão nos futuros painéis. A primeira grande dúvida refere-se a alguns fatores que argumentariam contrariamente à adesão do Brasil a esse projeto.
O primeiro deles é se a maior produtividade da economia americana não faria com que grande parte dos setores industriais brasileiros não resistisse à competição com os concorrentes norte-americanos.
A segunda pergunta ou segunda razão contrária à adesão do Brasil à ALCA é a tendência da indústria brasileira em especializar-se na produção de bens com menor conteúdo tecnológico, ou se esse projeto não faria o Brasil retornar a modelo primário de exportador.
Terceira questão: a desindustrialização da economia brasileira, em virtude da especialização crescente em atividades primárias.
Quarta dúvida: dificuldade em permitir o aprimoramento tecnológico da indústria brasileira, mercê da perda de autonomia do Estado em conduzir políticas industriais mais ativas.
Quinta dúvida: a perda da posição brasileira de global trader, como fruto dos desvios de comércio que eventualmente uma integração continental poderia acarretar.
Sexta: a possibilidade concreta de aumento nos déficits em nossa balança comercial, especialmente com os Estados Unidos, agravando a nossa vulnerabilidade externa.
Sétima razão: maior atratividade – e isto tem sido constantemente trazido à baila nas discussões sobre o tema – de acordo de livre-comércio entre o MERCOSUL e a União Européia, que é visto, em geral, como a formação de um bloco mais benigno, digamos assim, aos interesses brasileiros.
Finalmente, uma oitava razão contrária à adesão brasileira à ALCA: a inexistência de grandes prejuízos para o Brasil se, por acaso, o nosso país não entrasse na ALCA, ou seja, isso provavelmente, segundo essa argumentação, não faria diferença fundamental na continuidade da economia brasileira.
Existem, logicamente, razões favoráveis ao ingresso da ALCA – e eu gostaria de mencioná-las rapidamente. Seriam três: fundamentalmente, a derrubada das barreiras que hoje impedem ou dificultam o acesso brasileiro ao mercado norte-americano; o aumento da competitividade e da eficiência da economia nacional, fruto da maior concorrência, e, finalmente, o aumento de eventual fluxo de investimentos que esse acordo poderia propiciar.
Portanto, em princípio, vemo-nos hoje defrontados com argumentos contrários e favoráveis à participação do Brasil na ALCA, e argumentos todos eles bastante palpáveis e justificáveis, o que evidentemente nos causa as grandes dúvidas que tentaremos, durante este debate, esclarecer.
Contudo, o que me parece é que não seria razoável esperar que o Brasil, participando de projeto como a ALCA, leve a economia a desastre completo, como os críticos ao projeto induzem, nem a absoluto e total sucesso ou ingresso do Brasil no rol dos países mais avançados.
Rapidamente, vou mencionar alguns trabalhos que nos parecem importantes, para tentarmos avaliar muito em breve esses pontos fundamentais. Entre os conferencistas que aqui estarão em outros painéis, falará a professora Lia Valls Pereira, da Fundação Getúlio Vargas, que realizou exaustivo estudo – e outros foram feitos também nessa mesma linha – avaliando os impactos macroeconômicos da associação do MERCOSUL, por um lado, com a ALCA e, por outro, com a União Européia.
Dentre os muitos resultados que foram levantados nesse trabalho, mencionaria três, que nos esclarecem dúvidas que levantamos aqui.
O primeiro deles é o seguinte: da associação do MERCOSUL com a União Européia redundaria aumento do produto brasileiro maior do que aquele que resultaria da associação do MERCOSUL com a ALCA, ou seja, o estímulo à expansão do PIB seria maior numa união brasileira com o MERCOSUL e com a União Européia do que com os demais países americanos.
A segunda conclusão é a seguinte: o maior crescimento do produto no cenário MERCOSUL-União Européia seria decorrente fundamentalmente – e isto é importante – da maior especialização da economia nos setores primários.
A terceira conclusão: as exportações industriais brasileiras crescem mais, e as exportações agrícolas do Brasil menos, logicamente, no cenário MERCOSUL-ALCA do que na alternativa MERCOSUL-União Européia.
Esse estudo, portanto – e isso me parece fundamental –, teoricamente, ainda que seja um estudo estático do ponto de vista da sua concepção, não apoiaria a tese de que o ingresso do Brasil na ALCA implicaria a perda de competitividade brasileira na exportação de produtos industriais. Não só essa competitividade aumentaria, como aumentaria mais do que na situação em que o MERCOSUL optasse por formar área de livre-comércio com a União Européia.
Muito se tem enfatizado nesse debate que o nosso setor produtivo não teria condições de ser exposto de forma súbita à concorrência externa. Esquece-se, porém, de que esse choque já ocorreu no início da década de noventa. A abertura comercial do início da década de noventa não fez com que o Brasil se especializasse em ser um exportador de matérias-primas. Pelo contrário, a participação dos produtos básicos se reduziu e a dos produtos faturados e semimanufaturados aumentou ao longo desse processo pós-abertura.
Portanto – e deixo aqui mais uma indicação para discussão nesse seminário –, a ALCA, no meu ponto de vista, não abalaria as estruturas da nossa economia, dado que não provocaria essas alterações tão substanciais na nossa organização.
O que esta e várias outras simulações comprovam, portanto, é que não há justificativa sólida para as críticas ao Projeto ALCA, que tentam demonstrar que as assimetrias competitivas entre a indústria brasileira e a indústria norte-americana tenderiam a fazer o País regredir a estágio de exportador de commodities agrícolas, abrindo mão de qualquer projeto viável de industrialização modernizadora. Pelo contrário, parece ser mais provável que a adesão à ALCA aumentaria a participação do PIB industrial brasileiro.
Já no caso do projeto MERCOSUL-União Européia, as hipóteses apontam para o inverso: haveria maiores riscos de concentração na produção da cadeia agrícola, ao passo que a integração comercial por meio de acordos com a OMC tenderia a ser mais bem distribuída mantendo-se a atual pauta das exportações brasileiras.
Para finalizar, isso que parece ser tema fundamental para nós, brasileiros, se interessa ou não a entrada na ALCA, se o Brasil resistirá ou não a uma competição, a uma abertura em igualdade de condições com a economia norte-americana, quero dizer que me parece equívoco imaginar que a maior produtividade global norte-americana inviabilizaria o setor industrial brasileiro. O que preside as trocas internacionais são os princípios das vantagens comparativas, e não os das vantagens absolutas. Nesse sentido, a ALCA permitiria maior acesso aos mercados industriais tradicionais dos Estados Unidos, como têxteis, alimentos processados, siderurgia, material de transportes, vestuário, couro, calçados, etc., setores em que o Brasil estaria concorrendo – e isso nos parece um ponto importante – com os demais países de desenvolvimento intermediário, como o México, a Venezuela, a Colômbia ou a Argentina, e não com a própria indústria norte-americana, que há muito abandonou tais setores em favor da importação.
A indústria nos Estados Unidos hoje se concentra fortemente nos segmentos de alta tecnologia, tais como, informática, telecomunicações, química fina, fibras óticas, aeronáutica de grande porte e outros setores com elevada relação capital-trabalho, segmentos que não concorrem com a indústria nacional. O que explica, inclusive, a baixa relação emprego industrial/população economicamente ativa, que, nos Estados Unidos, passou de 28%, na década de cinqüenta, para menos de 13% nos dias de hoje. Ou seja, a população economicamente ativa dedicada hoje a atividades industriais nos Estados Unidos é de apenas 13%, e concentrada em áreas de altíssima tecnologia.
Sr. Presidente, quero apenas mencionar algumas preocupações com relação ao sucesso dos nossos entendimentos visando à formação da ALCA. A primeira relaciona-se a essas assimetrias e às colossais diferenças econômicas, sociais e políticas entre os países componentes da ALCA. Ao menos durante certo período de tempo, há de se ter política ativa que busque garantir o mínimo de homogeneidade às economias do Continente. Em outras palavras, não sei se não será necessário ou se não se tornará cada vez mais importante, ao longo do processo de negociação da ALCA, que se comece a pensar em algo que não está previsto hoje nesses entendimentos, mas que poderá tornar-se essencial ao sucesso desse projeto. Refiro-me a alguns tipos de ajudas governamentais entrelaçadas de forma a diminuir esse enorme grau de heterogeneidade entre as economias colossais e as demais que comporão esse bloco.
A segunda preocupação – e isso é importante para nós, brasileiros, para que possamos ter o mínimo de confluência política em termos desse projeto – reproduz internamente nas grandes economias que comporão a ALCA, notadamente no Brasil, as mesmas dificuldades, mutatis mutandis, geradas pelas assimetrias internacionais. Isto é, simulações efetuadas
recentemente no Brasil que tentam avaliar o impacto das três negociações em curso atualmente, ALCA, MERCOSUL, União Européia e Organização Mundial do Comércio. Ou seja, os entendimentos multilaterais, concluem que todas gerariam mudanças em potencial que favoreceriam internamente as Regiões Sul e Sudeste do Brasil, aumentando a desigualdade regional brasileira.
A terceira questão relaciona-se ao fato de que muitos países apenas recentemente lograram estabilizar as suas economias. Outros ainda estão em fase de estabilização e outros estão enfrentando sérias ameaças desestabilizadoras internas e externas.
Nessas condições, Sr. Presidente, surge excessivamente diferenciada gama de regimes monetários, fiscais e cambiais, de tal forma que provavelmente esse grupo se torne incapaz de reunir as condições macroeconômicas adequadas para evitar o surgimento de crises de balanço de pagamento que comprometam a adesão aos princípios da ALCA.
Por essas razões, parece-me que, do ponto de vista de uma análise muito objetiva das condições concorrenciais do Brasil frente ao seu maior parceiro no caso da negociação da ALCA, os Estados Unidos, ainda que nesse confronto esses entendimentos nos pareçam potencialmente favoráveis e nos pareça positiva a adesão do Brasil à ALCA com relação à sua economia interna – o processo de negociação, o marco institucional, repito, não é um dado exógeno do problema, mas um dado endógeno, que será obtido por intermédio do processo de negociação –, ela, como um todo, parece-me um empreendimento difícil, com alto risco de insucesso. Menos pela oposição de alguns setores internos de vários países, como é o caso do movimento sindical norte-americano, dos lobbies internos do congresso norte-americano ou dos setores industriais brasileiros que se opõem a esse entendimento, e muito mais pelas dificuldades intrínsecas à obtenção de um mínimo de coordenação macroeconômica exigida em projetos de integração comercial como esse.
Estas as palavras que queria trazer aos nobres debatedores e conferencistas, tentando, de alguma maneira, apresentar um marco referencial que, para nós, parlamentares brasileiros, é essencial à compreensão do processo e para deliberarmos, a partir de 2005, ratificando ou não o projeto, resultado das negociações que se iniciarão ano que vem.
Muito obrigado.
Antes de passar a palavra ao próximo debatedor, Dr. Félix Peña, gostaria de saudar a missão de parlamentares alemães que hoje nos estão visitando, concedendo-nos a honra de participar conosco deste debate.
Passo a palavra ao Dr. Félix Peña para seus comentários.
FÉLIX PEÑA (Exposição em espanhol.) – Dado o adiantado da hora e embora tenhamos ouvido intervenções muito boas, creio que a minha contribuição poderia limitar-se a apenas um comentário sobre esse tema, que me parece claro, dito aqui durante esta manhã, e do qual vou tirar duas conclusões operativas.
O tema que aparece, naturalmente, é que estamos – o Brasil, a Argentina, os países do MERCOSUL – diante de um cenário internacional altamente complexo, tanto no que diz respeito às negociações comerciais internacionais como no que diz respeito ao entorno político, no qual vão ser desenvolvidas essas negociações comerciais internacionais.
No que diz respeito às negociações comerciais internacionais, devemos, simultaneamente, negociar na Organização Mundial do Comércio, negociar com os Estados Unidos – estou sublinhando negociar com os Estados Unidos – possivelmente no formato da
ALCA. Quer dizer, negociar com a União Européia, negociar, como disse o Ministro José
Serra, com os países da ALADI e simultaneamente negociar entre nós do MERCOSUL. Negociações altamente complexas que não permitem uma abordagem simples, simplíssima. Quer dizer, simplificar a realidade e não fugir dela. São negociações que me lembram jogadas de pôquer simultâneas em várias mesas, às três horas da manhã, num sábado, em que muitos jogadores têm poucas fichas, e poucos têm muitas fichas, mas todos são jogadores relativamente mentirosos. Tenho a impressão de que isso, no jogo, quer dizer: eu passo.
Trata-se de um reflexo conservador, tão conservador como seria o reflexo de dizer: não vou à Coréia participar da Copa, porque o meu time de futebol está com problema de organização e de qualidade. Tenho a impressão de que não existe maneira de fugir da realidade que temos em negociar. Isso nos leva a considerar um outro fator de complexidade, que se chama “11 de setembro”, e que traduziu, na realidade internacional, dois elementos que nos vão acompanhar por muito tempo; em primeiro lugar, um elemento de imprevisibilidade crescente.
George Bush, pai, quando recebeu o Chanceler Helmut Kohl no dia posterior ao da queda do Muro de Berlim, disse, com razão, o que George W. Bush, filho, viu como realidade dez anos depois. Disse ele: “A partir de agora o nosso principal inimigo é a imprevisibilidade e a volatilidade.” Esse é o contexto político no qual vamos ter de negociar. E esse contexto requer abordagem política e estratégica das questões econômicas e comerciais sobre as quais temos de decidir. Isso nos leva a duas conclusões operativas. Estamos crescentemente revalorizando os países da nossa região. São dois pontos intimamente vinculados entre si.
O primeiro deles é que os países da América do Sul estão se constituindo em espaço invejável de paz, estabilidade e democracia, apesar dos grandes problemas, particularmente os sociais. Mas ninguém pode questionar que seja generalizado na nossa região o espaço de paz.
Em segundo lugar, esse espaço tem muito a ver com a opção fundamental que o Presidente Alfonsín mencionou esta manhã, que levaram a Argentina e o Brasil a começar uma aliança estratégica e construir o que hoje nós chamamos de MERCOSUL. O MERCOSUL tem problemas, tem fraquezas e requer rejuvenescimento e flexibilidade instrumental, não estratégica.
Contudo, o MERCOSUL tem para os nossos países valor muito superior àquele que parece refletido em comentários ligeiros, mas não superficiais, e que costumam ser – como foi mostrado ontem no seminário em São Paulo – que para a Argentina e para o Brasil seria conveniente negociar separadamente com a ALCA e com o MERCOSUL.
Termino dando a vocês a segunda conclusão operativa. Essas negociações complexas, simultâneas, de âmbito internacional, dentro de um contexto muito dinâmico e volátil requerem de cada um dos países – internamente do Chancelar Lafer e do grupo de trabalho do MERCOSUL – um grande esforço de qualidade organizacional no sentido de poder alcançar os níveis de eficácia e de legitimidade social, os únicos que podem sustentar através do tempo os resultados que possamos obter nas negociações comerciais.
Sr. Presidente, são estes os meus comentários. Não quero me estender, pois há muito mais coisas a serem ditas. E já está entre nós o Ministro Malan. É a melhor indicação de que já é tempo de terminar.
Muito obrigado.
MARCOS CINTRA – Agradeço ao Dr. Félix Peña, que pode ter certeza de que não vamos deixar de ter a luz de suas importantes idéias e opiniões ao longo da tarde de hoje e do dia de amanhã.
Encerrando o painel desta manhã, passo a palavra ao Presidente Aécio Neves.
AÉCIO NEVES – Agradeço ao Deputado Marcos Cintra a coordenação dos trabalhos e ao Ministro José Serra, ao Dr. Clemens Boonekamp, ao Dr. William Cohen e ao Dr. Félix Peña o prazer que nos deram de ouvir suas exposições, que trazem clara dimensão do quanto ainda temos a discutir nessa questão.
Em razão do atraso de cinqüenta minutos na abertura dos nossos trabalhos, e já agradecendo a todos aqueles que participaram deste painel, liberando-os, passarei imediatamente a coordenação do próximo painel ao ilustre Ministro Pedro Malan, que convidará os expositores e debatedores para comporem a mesa a seu lado.
Muito obrigado a todos pela presença. Deputado Marcos Cintra; o Embaixador Félix Peña e o Conselheiro Antônio José Ferreira Simões, relator.
O tema do primeiro painel, como V. Exas. sabem, é “O Brasil e sua inserção no mundo: MERCOSUL, ALCA, União Européia e Organização Mundial do Comércio”.
Relatório do Painel 1 (23/10/2001)
Relator
Antônio José Ferreira Simões
O primeiro painel do Seminário “O Brasil e a ALCA”, realizado no Auditório Nereu Ramos da Câmara dos Deputados, teve por tema “O Brasil e sua inserção no mundo: MERCOSUL, ALCA e União Européia”. O debate teve lugar na manhã do dia 23 de outubro de 2001.
Presidiu o painel o professor Celso Lafer, Ministro de Estado das Relações Exteriores.
Como expositores, estiveram presentes o Dr. José Serra, Ministro de Estado da Saúde, o
Dr. Clemens Boonekamp, representante da Organização Mundial do Comércio, e o Dr. William
Cohen, ex-Secretário de Defesa dos Estados Unidos. Os debatedores foram o Deputado Marcos Cintra, Presidente da Comissão de Economia, Indústria e Comércio da Câmara dos Deputados, e o Dr. Félix Peña, representante da Fundação Bank Boston na Argentina.
Em suas palavras de abertura, o Ministro Celso Lafer lembrou aos presentes que a ALCA é parte de um esforço maior na busca de uma participação brasileira crescente no comércio internacional. O Chanceler observou que o tema do desenvolvimento é básico e recorrente da diplomacia econômica brasileira, verdadeiro dever-ser. Nas condições atuais, não é mais possível para país algum alcançar o desenvolvimento pela via do isolamento autárquico, no qual o mundo é tratado como uma externalidade. Após ressaltar a importância para o Brasil de fazer crescer as exportações, lembrou as dificuldades enfrentadas no acesso aos mercados de países desenvolvidos. No ano passado, 28% das exportações brasileiras foram destinadas à América do Norte e outros 28% enviados à Europa. A América do Sul absorveu 20% e a Ásia, 11%, ficando o resto do mundo com 13%. Uma vez que o comércio exterior brasileiro é diversificado e equilibrado, cabe trabalhar para um crescimento quantitativo, sem preterir uma região do mundo em favor de outra.
O Ministro sublinhou que o Brasil, há tempos, vem negociando em distintos tabuleiros e que os temas em questão são semelhantes nesses diferentes foros: o acesso aos mercados
(incluindo barreiras tarifárias e não-tarifárias), as regras do comércio, os investimentos, as políticas de concorrência. Essa coincidência temática entre os distintos processos negociadores possibilitou o Itamaraty a reformular sua estrutura interna, de maneira que seus setores passaram a se ocupar fundamentalmente dos assuntos, e não dos foros.
Por fim, o Chanceler frisou que há oportunidades e desafios nesse panorama atual de negociações simultâneas. Com esse objetivo, estamos negociando simultaneamente em várias frentes: no MERCOSUL, com a Comunidade Andina, com o México, na ALCA, com a União Européia e na OMC. A estratégia de negociações comerciais do Brasil já foi comparada a um conjunto de círculos concêntricos. A idéia seria de que os acordos, todos eles, interessam-nos. Iniciamos pelo MERCOSUL, em seguida a América do Sul e, a partir daí, visualizamos as três grandes negociações nas quais estamos envolvidos: a da OMC, a da ALCA e a do MERCOSUL-União Européia. Se a ALCA e a União Européia parecem oferecer melhores possibilidades na área de acesso a mercados, a OMC pode trazer boas perspectivas para o estabelecimento de regras nas áreas de dumping e agricultura.
Terminando sua exposição, o Ministro Lafer passou a palavra ao Dr. Clemens Boonekamp, da OMC, que, ao lembrar a preparação da IV Conferência Ministerial dessa entidade, que seria realizada em Doha, reiterou a importância de que o encontro tivesse pleno êxito, especialmente pelo fato de a economia mundial estar passando por um momento de enfraquecimento. Segundo ele, o sistema multilateral de comércio, pela uniformidade e estabilidade das suas regras, pode oferecer grandes benefícios aos países em desenvolvimento.
Para ilustrar essa afirmação, citou caso recente em que a Costa Rica venceu contenda contra os Estados Unidos, garantindo um acesso ampliado a este mercado que, sem os instrumentos da OMC, não se teria concretizado.
O representante da OMC reconheceu que muito ainda tem de ser feito para que os países em desenvolvimento possam obter todos os benefícios que a organização pode oferecer, especialmente em matéria de acesso a mercados. Lembrou a importância de serem debatidos os subsídios agrícolas e disse ter confiança em que as regras antidumping serão contempladas nas discussões vindouras, ainda que constituam tema sensível para os Estados Unidos.
A seguir, ao referir-se aos acordos regionais de comércio, o Dr. Boonekamp ressaltou seu papel de estímulo ao pequeno produtor na busca de mercados externos. No entanto, ao lado de aspectos positivos como esse, mencionou com preocupação o fato de esses acordos estarem multiplicando-se exponencialmente, gerando conflitos e situações confusas. Mais importante do que uma rede de acordos menores, segundo ele, é a elaboração de um acordo amplo e comum a todos. Os acordos regionais devem dispor de regras claras e ser complementares ao sistema multilateral.
Com respeito à reunião de Doha, o Dr. Boonekamp tocou em alguns temas que estavam sendo tratados na preparação do encontro – a minuta da Declaração, a possibilidade de um acordo sobre propriedade intelectual na área de patentes de medicamentos. Em relação a este, mencionou a importância de se encontrar um meio termo para o dilema entre a situação desejável em que haja medicamentos acessíveis a todos e a existência de incentivo para que os laboratórios continuem a pesquisar novas drogas. Afirmou ser positivo o fato de que a Declaração de Doha seria um documento sucinto – ao contrário da malograda Declaração de Seattle – e que, apesar disso, contempla temas de grande importância. Disse já existir um consenso de que os subsídios devem ser reduzidos – a discussão seria em torno do “como”; quanto ao antidumping, também seria ponto pacífico, faltando encontrar a forma de regular o mecanismo para que ele não obstrua o comércio. Mencionou, ainda, como integrantes da futura rodada, os temas novos “investimentos” e “políticas de concorrência”, a serem tratados dentro de uma metodologia em etapa de definição. O representante da OMC fez referência, por fim, à questão do meio ambiente, que seria de extrema importância para a União Européia e estava inserida no preâmbulo da minuta da Declaração. Reafirmou sua convicção no lançamento da nova rodada e nos benefícios que traria para os países em desenvolvimento.
Encerrada essa exposição, o Presidente passou a palavra ao ex-Secretário de Defesa dos Estados Unidos, William Cohen. O segundo expositor iniciou sua apresentação fazendo referência aos novos desafios impostos ao mundo a partir dos atentados contra Washington e Nova York. Disse ser global a rede terrorista que, do Oriente Médio, rumou para o Afeganistão e, hoje, está presente nos quatro cantos do planeta, inclusive na Tríplice Fronteira. Segundo ele, uma união de forças de todo o mundo teria o poder de sufocar o terrorismo. Essa mesma solidariedade nascida em 11 de setembro teria, de acordo com o expositor, o poder de viabilizar a próxima rodada de negociações comerciais.
Após saudar a iniciativa do governo Bush de articular-se com outros países antes de lançar ofensivas contra o terrorismo, o ex-Secretário disse ter confiança em que o governo americano, já no campo comercial, buscaria com afinco um mandato negociador junto ao Congresso. Citando o Presidente Fernando Henrique Cardoso, lembrou que, para o Brasil, a ALCA não é destino, mas opção. Nesse contexto, como exemplo de integração análogo à ALCA, trouxe à tona o caso do México, país que vem atingindo resultados comerciais significativos e no qual os investimentos americanos cresceram de maneira impressionante nos últimos anos.
Sobre a autoridade negociadora, o ex-Secretário afirmou terem sido várias as tentativas presidenciais para obtê-la. Entre as razões do insucesso, mencionou a resistência de muitos democratas, preocupados com temas ambientais e trabalhistas, e a desconfiança dos parlamentares republicanos sobre o então Presidente Clinton. No caso atual, porém, avaliou serem muito boas as chances do Presidente Bush.
William Cohen disse ter assistido às dificuldades dos produtores de sapatos de seu Estado, o Maine, diante da entrada de produtos brasileiros no mercado americano. Apesar de ser doloroso para o setor que perde, admitiu que o resultado global da liberalização comercial é positivo e vale a pena. Ao concluir sua intervenção, reconheceu a pouca atenção dada ao Brasil pelos Estados Unidos por muito tempo. O Brasil, como país protagônico no meio internacional, merece receber um tratamento prioritário, o que, segundo ele, vem sendo feito ultimamente.
Ao iniciar sua intervenção, o Ministro José Serra, terceiro expositor da manhã, qualificou a ALCA como, talvez, o mais importante tema da política econômica brasileira nesta década. Em função da magnitude desse processo para o Brasil – que direciona 50% de suas exportações e 70% de suas vendas de manufaturados para o Hemisfério –, não é possível deixar de negociar. E, reiterou, só se assinará e ratificará o acordo final se ele for globalmente vantajoso para os interesses brasileiros.
Identificando o déficit brasileiro em conta corrente como principal entrave ao crescimento econômico, o Ministro sublinhou a importância de fazer crescer as exportações, se possível a um superávit de cerca de US$ 22 bilhões, nível do déficit em conta corrente no ano passado. Apontou, ainda, as barreiras não-tarifárias impostas pelos Estados Unidos como um dos principais problemas para o Brasil na ALCA.
Rebateu a afirmação, freqüentemente ouvida nos Estados Unidos, de que as exportações provocam perda de postos de trabalho para outros países e achatamento salarial – a tese não teria base empírica nem teórica, para o que deu exemplos concretos.
Ao denunciar as barreiras sanitárias e os subsídios à exportação agrícola praticados nos Estados Unidos, lembrou que, em sua experiência parlamentar, sempre combateu essas práticas. Denunciou ainda certas regras antidumping e as salvaguardas, algozes das exportações brasileiras, especialmente as de aço, mais competitivas que as norte-americanas mesmo nos tempos de sobrevalorização do real. O déficit comercial do Brasil, segundo o Ministro Serra, não se dá em função de uma baixa competitividade da produção brasileira, como às vezes se ouve nos Estados Unidos; ao contrário, dá-se por causa das barreiras impostas às exportações brasileiras, especialmente nos setores competitivos. Outro mecanismo utilizado contra a produção brasileira são os picos tarifários, recurso do qual o Brasil, apesar de ter tarifa média superior à americana, lança mão em raros casos. Assim, a tarifa que enfrentam os quinze principais produtos de exportação do Brasil para os Estados Unidos é de 46%, enquanto, no sentido inverso, a tarifa é de 14,3%.
As linhas de ação para a negociação, segundo o Ministro, devem ser o princípio do compromisso único (ou single undertaking), o gradualismo na implementação do que for decidido e o estabelecimento de regras comuns para temas como antidumping, subsídios, salvaguardas, entre outros. Outro ponto merecedor de especial atenção são as patentes, que, embora não sejam tema de cunho eminentemente comercial, devem ser defendidas, mas sempre levando em conta os problemas de natureza social e tecnológica dos países em desenvolvimento. Embora tenha feito todas essas observações no contexto da ALCA, o Ministro afirmou serem válidas também no que tange às negociações na OMC e com a União Européia, tendo sempre como norte o interesse nacional.
Em seguida, lembrou que o comércio com a América Latina é responsável por apenas 4% do déficit comercial total dos Estados Unidos, que é de 438 bilhões de dólares, o que indicaria a existência de uma margem de flexibilidade para os Estados Unidos negociarem com o subcontinente. Ao concluir sua exposição, o Ministro Serra relembrou as condições para que a ALCA seja desejável para o Brasil, segundo manifestou, na Cúpula de Québec, o Presidente Fernando Henrique Cardoso: acesso a mercados mais dinâmicos, estabelecimento de regras compartilhadas em antidumping, redução de barreiras não-tarifárias, promoção da capacidade tecnológica dos povos e correção das assimetrias cristalizadas na Rodada Uruguai do GATT.
Ao fim da exposição do Ministro Serra, o Ministro Lafer passou a palavra ao Deputado Marcos Cintra, que resumiu o dilema do Brasil em duas questões: o Brasil deve ou não ingressar na ALCA? Esse ingresso atende ou não os interesses nacionais?
Em seguida, o deputado enumerou as razões normalmente evocadas para justificar a não-participação brasileira. A primeira delas seria a maior produtividade da economia norte-americana, a cuja competição os exportadores brasileiros não teriam condições de resistir. A segunda inquietação diz respeito à suposta tendência do parque produtivo nacional de especializar-se em produtos de menor valor agregado, o que poderia levar o Brasil de volta a um modelo de exportação de produtos primários. O terceiro elemento tem vinculação com o segundo: essa especialização em produtos primários não levaria necessariamente a uma desindustrialização? Uma quarta reflexão: o Estado não perderia capacidade de implementar políticas industriais, dificultando o aprimoramento tecnológico do parque produtivo brasileiro? De acordo com o quinto argumento, contrário à participação do Brasil na ALCA, os desvios de comércio decorrentes da integração hemisférica retirariam do País a desejável condição de global trader. Sexta dúvida: a vulnerabilidade externa do País não se veria aumentada, em função de crescentes déficits na balança comercial? De acordo com o sétimo argumento, o acordo entre o MERCOSUL e a União Européia seria mais vantajoso para o Brasil – ou, pelo menos, assim é percebido pela opinião pública. Por fim, um último fator freqüentemente evocado: a eventual ausência brasileira da ALCA, de qualquer forma, não traria prejuízos para o País.
Depois dessa enumeração de fatores supostamente negativos, o deputado relacionou três argumentos fundamentais que favoreceriam o ingresso do Brasil no acordo hemisférico: a derrubada das barreiras que hoje dificultam o acesso de produtos brasileiros ao mercado norte-americano; o aumento da competitividade da indústria nacional, em razão da concorrência; e o aumento do fluxo de investimentos.
Em seguida, citou estudo da professora Lia Valls Pereira, da Fundação Getúlio Vargas do Rio de janeiro, no qual são confrontadas as perspectivas de uma associação na ALCA com a possibilidade de firmar-se acordo com a União Européia (UE). As conclusões desse trabalho ressaltadas pelo deputado foram, primeiramente, que a associação com a UE acarretaria maior crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do que no acordo hemisférico. Esse maior crescimento do PIB em caso de associação à UE, no entanto, seria conseqüência de maior especialização da economia nos setores primários. As exportações de produtos industriais cresceriam mais em um cenário de adesão à ALCA. Assim, pode-se concluir, segundo o Deputado Marcos Cintra, que a participação brasileira na ALCA não implicaria perda de competitividade nas exportações de produtos industriais – ao contrário. A exposição à concorrência externa, por sinal, não inviabiliza as exportações de produtos industrializados: desde a abertura do início dos anos noventa, a participação desses produtos cresceu na pauta de exportações brasileira. Conclui o debatedor que a ALCA não abalaria estruturalmente a economia brasileira – não se devem confundir, segundo ele, vantagens comparativas com vantagens absolutas.
Para o deputado, a ALCA permitiria ao produtor brasileiro ter acesso ao mercado industrial tradicional dos Estados Unidos, no qual seu competidor não seriam os produtores norte-americanos – aquele país, há muito, já abandonou esses setores em favor da importação –, e, sim, outros países latino-americanos. O setor terciário da economia norte-americana concentra-se hoje em áreas de alta tecnologia.
Por fim, o debatedor enumera algumas preocupações acerca do processo de conformação da ALCA. Primeiramente, refere-se às enormes diferenças entre as economias do Hemisfério e à eventual necessidade de se buscar algum tipo de ajudas governamentais entrelaçadas que, durante certo período, possam dar mais homogeneidade aos diferentes atores. A segunda preocupação diz respeito às diferenças regionais internas, que, no caso do Brasil, poderiam vir a ser acentuadas ainda mais, destacando em proporções ainda maiores as regiões Sudeste e Sul do restante do País. A última inquietação do debatedor refere-se ao fato de que a estabilização das economias nos países encontra-se em graus diferentes de evolução, em que muitos não reúnem as condições macroeconômicas para fazer face aos compromissos da ALCA. O alto risco de insucesso dessa empreitada, a seu ver, deve-se mais às dificuldades de coordenação macroeconômica entre os muitos países do que à oposição de setores nos Estados Unidos e no Brasil.
Encerrada a participação do Deputado Marcos Cintra, fez uso da palavra o representante da Fundação do Banco de Boston na Argentina, Dr. Félix Peña, para quem o MERCOSUL se encontra diante de um cenário internacional extremamente complexo, tanto em relação a negociações comerciais quanto no que se refere ao entorno político no qual estas estão inseridas. No campo estritamente comercial, os países do Cone Sul deverão negociar no âmbito da OMC, com os Estados Unidos – e sublinhou “com os Estados Unidos” – e com a União Européia. A complexidade dessas negociações vai requerer dos países uma organização interna muito grande, e não se deve deixar de participar desse jogo em função de uma eventual precariedade dessa organização doméstica. Para o Dr. Peña, esse cenário é agravado politicamente por uma volatilidade e uma imprevisibilidade crescentes, que os eventos de 11 de setembro vieram confirmar.
Nesse contexto, chamou a atenção para dois elementos importantes: os países da América do Sul encerram um espaço invejável de paz, estabilidade e democracia, apesar dos problemas sociais; em segundo lugar, esse espaço sul-americano passa, necessariamente, pelo MERCOSUL. Segundo ele, o MERCOSUL tem problemas e requer rejuvenescimento e flexibilidade instrumental, mas não estratégica.
Por fim, abreviando sua apresentação em função do avançado da hora, o debatedor ressaltou que esse complexo panorama de negociações simultâneas, conduzidas em meio a um cenário externo tão volátil e imprevisível, requer grande esforço de qualidade organizacional de cada um dos países, de forma a se alcançarem os níveis de eficácia e legitimidade social necessários para que se sustentem através do tempo os resultados obtidos nas negociações comerciais.
Em seguida, o Deputado Aécio Neves, Presidente da Câmara dos Deputados, agradeceu a participação de todos e declarou encerrado o primeiro painel.
Foto: Lelo
O BRASIL E A ALCA
José Serra
Obrigado, Ministro Celso Lafer. Queria inicialmente agradecer o convite que me foi feito pelo Presidente Aécio Neves e pelo Deputado Marcos Cintra, organizadores desse seminário, além de cumprimentá-los pela iniciativa e pela qualidade dos participantes.
Creio que a possibilidade de uma associação de livre-comércio nas Américas é, talvez, o tema isolado mais importante da política externa brasileira nesta década. Com a ALCA, o Brasil pode ter muito a ganhar ou muito a perder. Somos a terceira economia da região. Temos uma estrutura industrial razoavelmente diversificada e problemas sérios de balanço de pagamentos. Não podemos ficar fora desse debate. Aproximadamente, 50% das exportações totais e 70% das exportações industriais brasileiras vão para as Américas. Portanto, nós não podemos nos omitir nesse processo de negociação, nem deixar de sentar à mesa.
Como disse, porém, o Ministro Celso Lafer no Senado, há poucos dias, devemos negociar, mas só assinaremos o tratado e o Congresso o ratificará, se o mesmo for globalmente vantajoso para os interesses da sociedade brasileira. E esse deve ser o nosso critério fundamental.
Hoje, o principal freio ao crescimento da economia brasileira é o déficit em conta corrente. Para que a economia volte a crescer às taxas do passado, da década de trinta a oitenta, é fundamental que nós não só coloquemos o déficit em conta corrente sob controle – o que já está acontecendo –, mas que o reduzamos substancialmente. É o elevado déficit em conta corrente – vis-à-vis a possibilidade de financiamento – que pressiona a taxa de juros, que, por sua vez, freia o ritmo da atividade econômica. Por isso, entre outras coisas, nós temos que exportar mais.
A variável exportação é crucial para o futuro da economia brasileira por três motivos. Primeiro, como eu dizia, para diminuir o déficit em conta corrente. Eu creio, mesmo, que no futuro nós devêssemos ter uma espécie de “lei de responsabilidade cambial” visando, fundamentalmente, zerar o déficit em conta corrente ou levá-lo a algo próximo a zero. Como nós temos um déficit na conta serviços da ordem de 24 bilhões de dólares – dado do ano passado –, nós temos que chegar na década a um excedente de exportações dessa magnitude, porque aí o déficit será zerado, porque o déficit em conta corrente é a soma da conta comercial mais a conta de serviços.
Em segundo lugar, exportar mais é bom para a economia porque é um fator permanente de modernização, de preocupação com custos. Por último, porque exportação também é uma fonte de aumento da demanda. É um equívoco querer antagonizar exportação com mercado interno – é um equívoco, eu diria, bastante trivial. Quanto mais crescem as exportações, mais cresce a renda, melhoram os salários, se expande a demanda e aumenta a produção doméstica. O dilema “mercado interno ou exportações” é falso.
Muito bem, tendo presente essa questão, qual é o problema principal, do ângulo brasileiro, que se apresenta para a constituição dessa Área de Livre-Comércio das Américas? O principal problema situa-se no nosso principal parceiro comercial, que são os Estados Unidos – mais de um quinto das exportações do Brasil (entre vinte e 25%, dependendo do período) vão para esse país. E depois do Canadá e dos Estados Unidos, a economia brasileira é a mais industrializada da região. Ao mesmo tempo, temos uma grande posição como produtor de bens primários agrícolas e não-agrícolas.
A questão fundamental para nós situa-se na economia norte-americana, não no que se refere à proteção tarifária – os Estados Unidos têm uma tarifa média muito baixa, da ordem de 4%; a tarifa média brasileira é da ordem de 13% –, mas, sim, nos mecanismos de proteção não-tarifária. E estes mecanismos têm de ser objeto de debate e de definições comuns no âmbito das negociações da ALCA. Não se trata de o Brasil impor este ou aquele critério quanto à proteção não-tarifária. Trata-se de estar de acordo ou não. Trata-se de a questão entrar na mesa de negociações.
No ano passado, estive em um debate na Universidade de Berkeley sobre o Brasil, com senadores, deputados e acadêmicos norte-americanos, alguns deles democratas, com os quais nós temos mais afinidades. Ainda no governo Clinton, eu disse ao Embaixador norte-americano no Brasil: “Se o senhor quiser entender a nossa posição sobre medicamentos, entenda a posição dos democratas norte-americanos, porque nós parecemos com eles em muitos aspectos.” Mas, voltando a Berkeley, lá se dizia que há um problema na economia norte-americana de exportação de empregos, e também de rebaixa salarial, devido às exportações dos países em desenvolvimento. Mas, como demonstrei a eles, esses dois argumentos não se sustentam nem empiricamente nem teoricamente.
Economistas como o professor Bhagwati, indiano naturalizado norte-americano, e talvez o principal teórico do livre-comércio e da própria Organização Mundial do Comércio, ou como o professor Krugman, que está no outro lado do espectro dos economistas, mostram com clareza que esses argumentos não são consistentes. Os Estados Unidos, até o ano passado, tinham a menor taxa de desemprego de todo o pós-guerra. Ou seja, não estavam exportando empregos e, se o fizessem, com toda a certeza não seria para a América Latina ou para o Brasil, uma vez que o Brasil propiciou aos Estados Unidos o seu segundo maior superávit comercial na segunda metade dos anos noventa.
Ou seja, embora ao longo dos anos noventa a economia norte-americana tenha tido déficits comerciais crescentes, o Brasil foi um dos sete países com os quais os Estados Unidos tiveram superávit. De maneira que, se exportação de empregos houve, não foi para o Brasil nem para a América Latina, que explica apenas 4% do déficit comercial total dos Estados Unidos no ano passado. Assim, não se sustentam os argumentos que procuram justificar as restrições não-tarifárias dos Estados Unidos, principalmente em relação à América Latina.
A tarifa é um imposto à importação. A proteção não-tarifária é diferente. Quais são as características que ela assume nos Estados Unidos? Primeiro, as barreiras sanitárias – praticamente 100% de nossas exportações de frutas e legumes requerem licenças-prévias. Segundo, os subsídios à agricultura – eu sempre tenho medo de falar isso no Congresso porque, quando deputado e como senador, sempre tive choques com as bancadas agrícolas por causa da questão do subsídio ao setor e eu jamais fui partidário de subsídios dessa natureza. Mas os Estados Unidos são favoráveis. De um quinto a um quarto do produto agrícola norte-americano é subsidiado. Ou seja, os subsídios equivalem hoje a cerca de 22% do valor bruto da produção do setor. Há ainda a perspectiva de aprovação do Farm Bill de 2001, que amplia ainda mais esses subsídios. São subsídios aos produtores domésticos, inclusive para exportação, e que naturalmente comprometem as exportações dos outros países.
Terceiro, o recurso intenso e amplo ao antidumping e às medidas compensatórias (medidas anti-subsídios), cujas regras são protecionistas do ângulo dos parceiros comerciais dos norte-americanos. E há uma batalha brasileira, que vem de bastante tempo, para que essas regras sejam estabelecidas de comum acordo no âmbito da OMC e muito mais no âmbito da ALCA, se esta vier a ser constituída.
Os direitos antidumping e as medidas compensatórias têm castigado bastante as exportações brasileiras, especialmente em uma área onde o Brasil é mais competitivo e mais eficiente do que os Estados Unidos, que é a área de siderurgia, da indústria de aço. A indústria brasileira é mais moderna, mais eficiente e competitiva que a norte-americana. E não é só por causa da taxa de câmbio de agora não, mesmo na época da sobrevalorização cambial o Brasil tinha vantagens competitivas nessa área.
O setor siderúrgico brasileiro poderá sofrer mais um revés. O governo norte-americano iniciou um processo de investigação visando a adoção de medidas de salvaguarda para proteger a indústria local da concorrência de produtos siderúrgicos importados. A Comissão Internacional de Comércio dos Estados Unidos (ITC) já determinou que a indústria norte-americana está sendo prejudicada pelas importações. Setenta por cento das exportações de aço do Brasil para os Estados Unidos podem ser enquadradas no mecanismo da salvaguarda, o que significa proteção, significa restrição para as nossas exportações. Se a adoção das salvaguardas se confirmar, haverá prejuízos adicionais para as exportações brasileiras de aço, já muito prejudicadas pelos direitos antidumping e pelas medidas compensatórias.
O caso dos produtos siderúrgicos contraria o argumento, às vezes, apresentado pelas autoridades americanas, de que o déficit brasileiro com os Estados Unidos decorre de nossa falta de competitividade. Esse é um caso, como o do suco de laranja, em que claramente se demonstra o contrário: a proteção se dá em função da maior competitividade das exportações brasileiras.
Há também problemas com o Sistema Geral de Preferências (SGP), administrado pelos Estados Unidos de forma tal que acaba sendo usado como um fator de pressão comercial. Ou seja, existe um sistema de preferências para os países em desenvolvimento, e estar nele ou não passa a ser um instrumento de pressão com relação à prática de comércio.
Outro problema diz respeito aos picos tarifários. A economia brasileira tem uma média tarifária de 13%; a dos Estados Unidos é de 4%. Mas o Brasil não recorre ao mecanismo dos picos tarifários em proporção nem parecida à que recorre os Estados Unidos. Ou seja, nós nos mantemos próximos dos 13%. A tarifa mais alta apresentada é com relação a automóvel, que é
35%. A dos Estados Unidos, em certas circunstâncias, chega a centenas de por cento. Então o que acontece? Apesar de a tarifa média norte-americana ser de 4% e a brasileira de 13%, os quinze principais produtos de exportação do Brasil se defrontam com uma tarifa média de
45,6% nos Estados Unidos. Ou seja, mais de dez vezes a média tarifária norte-americana, enquanto que os quinze principais produtos norte-americanos exportados para o Brasil contam com uma tarifa média de 14,3%.
Isso é muito importante, Secretário Cohen. É muito importante que o senhor conheça esses dados. O fato de a nossa tarifa média ser muito mais alta do que a norte-americana, cerca de três vezes, não quer dizer muito em matéria de práticas comerciais restritivas.
A economia brasileira, de fato, abriu-se muito. Basta lembrar que a tarifa média do Brasil caiu de 51% para 13%, entre o final dos anos oitenta e o momento atual. Mais até do que a rebaixa tarifária, o fundamental foi a eliminação de cotas e restrições quantitativas. O Brasil eliminou todas. E se algum erro cometeu no período foi não ter preparado, concomitantemente à abertura da economia, mecanismos de defesa comercial – mecanismos antidumping, anti-subsídios (medidas compensatórias) e salvaguardas.
O professor Bhagwati disse em um artigo recente que os países do terceiro mundo, os países em desenvolvimento, não podem reclamar do protecionismo dos países centrais porque também eles não fazem concessões. É possível que ele tenha razão no conjunto, mas no caso brasileiro, não. O Brasil realmente abriu a sua economia de maneira ampla, geral e irrestrita. A contrapartida, no entanto, não aconteceu. Quer dizer, a abertura comercial da economia brasileira não foi acompanhada por nenhuma vantagem especial no que se refere às nossas condições de comércio com os Estados Unidos. E hoje, segundo estimativas da Embaixada do Brasil em Washington, 60% das exportações brasileiras ao mercado norte-americano sofrem restrições tarifárias (como essas dos picos que eu mencionei) e não-tarifárias.
Inclusive, há alguns produtos, no caso brasileiro, que estão no mecanismo de extra-cotas, ou seja, passou da cota estabelecida, aumenta a tarifa. E muitas vezes nós nos enganamos quando olhamos e dizemos “a tarifa aqui é muito baixa”. Sim, mas se aumentar a quantidade, vem tarifa norte-americana maior. O açúcar, o tabaco e o etanol são bons exemplos, para não falar do suco de laranja, cujo caso é o mais conhecido, dos produtos têxteis e dos siderúrgicos.
Portanto, essas são questões que, no nosso entendimento, têm que estar na mesa de negociação. Nós não devemos nos opor a mecanismos que fomentem o comércio nas Américas. Pelo contrário, isso para o Brasil pode ser muito bom, e bom para os outros também, porque nós queremos aumentar o volume de comércio. Nós temos um problema de balança comercial e de déficit em conta corrente. Portanto, para poder importar mais nós temos que exportar mais. E ninguém pede mecanismos especiais de proteção às exportações brasileiras. Apenas pedimos acesso, essa é a questão fundamental.
Regra antidumping tem que existir? Claro que tem, o Brasil mesmo aplica. Só que ela tem que ser comum: o que vale de um lado, vale do outro. E não pode estar sujeita a mecanismos discricionários. O mesmo vale para as medidas compensatórias e para as salvaguardas. Se não, de repente, surge um argumento de que tal indústria está sendo prejudicada e são adotados mecanismos de proteção, inclusive com a consideração de questões não estritamente comerciais.
Então, do ponto de vista das linhas de ação, eu diria o seguinte (teses, aliás, que o Brasil já vem levantando): primeiro, a negociação tem que resultar em um single undertaking (entendimento único). Não pode ser uma coisa assim: agora aqui acertou-se isto, o outro problema nós vemos depois. Isso não. Tem que ser tudo acertado em conjunto, porque os problemas estão relacionados. Segundo, a formação da ALCA tem que se dar de forma gradual, e, neste caso, nós contamos, até, com a cooperação dos Estados Unidos, uma vez que o NAFTA, que é apenas uma área de livre-comércio, está programado para entrar em pleno funcionamento apenas em 2010. Em geral, a pressa em matéria de integração é um patrimônio da América do Sul, particularmente do MERCOSUL, que pretendia reproduzir em quatro anos o que a Europa fez em quarenta com o mercado comum. Uma meta juscelinista!
Nós, quando falamos da ALCA, estamos falando de uma zona de livre-comércio, de tarifa zero para alguns produtos ao longo do tempo, etc. Mercado comum requer tarifa externa comum, o que implica cada país compartilhar a sua soberania em matéria de política comercial, uma vez que tem que acertar com os outros quais são as tarifas com relação ao resto do mundo.
Terceiro, antidumping, medidas compensatórias e salvaguardas têm de entrar na mesa de negociações para a adoção de decisões comuns. Quarto, há um outro problema, que eu ainda não mencionei aqui, que é o das patentes. Na verdade, a questão das patentes foi introduzida na Organização Mundial do Comércio com objeção de muitos, inclusive de economistas partidários do livre-comércio, como o próprio professor Bhagwati, que eu cito sempre porque ele é o melhor economista defensor do livre-comércio, mas sempre se opôs à idéia de que os direitos de propriedade intelectual fossem considerados um assunto relacionado com o comércio. Mas o fato é que o assunto entrou na OMC, em grande medida, por pressão dos Estados Unidos.
Eu defendo a existência das patentes, inclusive para produtos farmacêuticos, embora não considere que seja questão de comércio. Nós somente somos contra os abusos, porque a patente concede um monopólio puro ao seu detentor. No momento em que a patente existe, termina o sistema de formação de preço. Qual é o preço? Não se sabe. Quando há concorrência, há um critério para a formação de preços. Por isso, têm de existir mecanismos para coibir abusos; tem de haver flexibilidade no caso dos países em desenvolvimento. Essa é uma posição que o Brasil tem defendido. Além disso, como disse o presidente Fernando Henrique na Cúpula das Américas, em abril deste ano, em Québec, é preciso proteger a propriedade intelectual, mas, ao mesmo tempo, é necessário que se promova a capacitação tecnológica de nossos países.
Também precisam ser levados em conta os mais de cem acordos firmados no âmbito da Associação Latino-Americana de Integração (ALADI), que criaram margens de preferência importantes, inclusive para as exportações brasileiras. Este é um aspecto que tem que ser avaliado, preservado, porque, dentro de um contexto de formação da ALCA, podem querer eliminar tais preferências sem um período de transição.
Em suma, o que nós temos que fazer com relação à ALCA, como, aliás, com todas as questões de comércio – na Organização Mundial do Comércio, nas negociações com a União Européia, que também é useira e vezeira de subsídios agrícolas, para ficar em alguns exemplos – é ter, como critério fundamental, a defesa do interesse nacional. Um acordo comercial não é uma questão de boa vontade ou de doutrina pura. Um acordo comercial tem a ver com os interesses econômicos dos diferentes países. E o norte da posição brasileira nessa matéria deve ser o interesse nacional. Nós queremos ter mais comércio com o resto do mundo e queremos exportar mais.
Quero repetir que as exportações do conjunto da América Latina (exclusive o México) para os Estados Unidos (o Brasil tem déficit, mas outros países têm superávits) explicam apenas 4% do déficit comercial norte-americano no ano passado, que foi de 452 bilhões de dólares. O que mostra a enorme flexibilidade que está aberta para os Estados Unidos na negociação conosco. Porque se há exportação de empregos americanos para outras regiões do mundo, o mesmo não ocorre em relação à América Latina e muito menos com relação ao
Brasil.
Em matéria de comércio, nós temos que ser pragmáticos como os Estados Unidos. Há várias coisas boas na sociedade norte-americana, no comportamento dos Estados Unidos, que nós devemos, sem a menor dúvida, levar em conta e copiar no Brasil. Um bom exemplo é o pragmatismo deles em matéria de comércio internacional.
Gostaria de concluir dizendo o seguinte:
“A ALCA será bem-vinda se a sua criação for um passo para dar acesso aos mercados mais dinâmicos; se efetivamente for o caminho para regras compartilhadas sobre antidumping; se reduzir as barreiras não-tarifárias; se evitar a distorção protecionista das boas regras sanitárias; se, ao proteger a propriedade intelectual, promover, ao mesmo tempo, a capacidade tecnológica de nossos povos. E, ademais, se for adiante da Rodada Uruguai (rodada de negociações que resultou na Organização Mundial do Comércio) e corrigir as assimetrias (ler desigualdades) então cristalizadas, sobretudo na área agrícola. Não sendo assim, seria irrelevante, ou, na pior das hipóteses, indesejável.”
Isto que eu li é um trecho do discurso do Presidente Fernando Henrique na Cúpula das Américas, em Québec, no Canadá, em vinte de abril de 2001, que continua sendo a posição do governo brasileiro.
No tratado da OMC, o acordo sobre Trade-Related Investiment Measures (TRIMS) proíbe programas de estímulo às exportações, como o BENFIEX feito pelo Brasil no passado.
Tal proibição é uma medida anti-industrializante do ângulo dos países em desenvolvimento, mas não há restrições da mesma natureza ao protecionismo agrícola dos países desenvolvidos. É possível conceber uma desigualdade maior em um acordo de comércio. Portanto, no caso da ALCA, é preciso que evitemos assimetrias deste tipo.
Muito obrigado.