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Marcos Cintra

Indexador deve ser o IPC

A decisão de tomar a rentabilidade seguinte, causa profundas distorções das Letras do Banco Central (LBC) como indexador da economia foi uma deliberação correta no momento em que ela ocorreu. As expectativas inflacionárias eram modestas, não se imaginando, ao menos no curto prazo, que pudessem ressurgir com a violência efetivamente observada. Nestas condições, o uso do custo do dinheiro como critério de indexação parecia ser a melhor alternativa.


Com a brusca elevação dos índices inflacionários dos últimos meses, a decisão de indexar a economia pelas LBCs precisa ser revista. Não que o custo do dinheiro seja um mau indexador, pelo contrário, é teoricamente superior a índices de preços, já que o que se pretende é indexar ativos e passivos, e não rendas. Mas com a exacerbação inflacionária, os mecanismos de indexação passam também a ser utilizados para a correção de rendas, de preços e do câmbio. E quando isto ocorre, a taxa das LBC, passa a ser prisioneira dos índices de inflação, perdendo-se graus de liberdade na condução da política monetária. Ao se constatar a necessidade de que a rentabilidade das LBCs reflita os índices de inflação, como o Banco Central vem se esforçando em demonstrar, automaticamente se elimina qualquer justificativa para esta tortuosa ligação entre a correção monetária e a variação no nível de preços.


Mas o principal problema com o uso das LBCs como indexador é de ordem operacional. A defasagem de quinze dias entre a inflação que é observada ao longo de um mês e a taxa das LBCs, que deve refletir esta mesma inflação entre o dia quinze do mesmo mês e o dia quinze do próximo, causa desequilíbrios nos fluxos financeiros. Mesmo com esta defasagem de duas semanas, os dados sobre a inflação são anunciados tardiamente, causando enormes flutuações nas taxas do overnight já que estas, por sua vez, são fixadas de acordo com previsões voláteis da inflação e efetuadas pelo Banco Central. Isto faz com que recursos fluam entre várias alternativas de aplicações de curto prazo, desestabilizando o sistema financeiro como um todo.


Além disso, como os prazos de aplicação são muito curtos, as taxas de juros, tanto para aplicadores como para tomadores, passam a refletir as flutuações do overnight, e negócios são efetivamente realizados a taxas que seriam insustentáveis caso os prazos fossem mais dilatados. Isto exacerba as expectativas inflacionárias, além de contribuir diretamente para a alta da inflação via custos financeiros.


Igualmente preocupantes, são distorções como a ocorrida com os rendimentos da caderneta de poupança, que somente num mês podem chegar a mais de 5% reais, e que motivaram o reajuste da OTN em percentual mais elevado do que o determinado pela legislação em vigor.


Para evitar estas disfunções é urgente que se retorne ao IPC como o indexador básico da economia; e o Banco Central ganharia margem de flexibilidade na definição de sua política monetária, dando ao governo uma manobra que hoje não existe.


 

MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE

Doutor em Economia pela Universidade de Harvard (EUA), professor-titular da FGV-SP e consultor de Economia desta Folha.

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