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Marcos Cintra

Erros e Perspectivas do Plano Collor


O desrespeito aos cidadãos está sendo levado ao paroxismo com os repetidos pacotes de estabilização. A sociedade se desorganiza cada vez que contratos firmados deixam de ter validade, ou a cada decreto do governo que fere o direito de propriedade e as regras do estado de direito.


A cada passo dessa crescente insensatez, a economia se desorganiza e o país perde parte importante de seu dinamismo e de seu potencial de crescimento. São agressões que não ficam impunes, embora nem sempre a reação da sociedade seja visível a olho nu.


O trágico, porém, é que a lógica da reação às arbitrariedades cometidas pelos planos de estabilização é de ordem estritamente individual, como a fuga de capital, a redução dos investimentos e a retração no consumo. Cada agente econômico cria em torno de si mecanismos de proteção e de controle de riscos que melhoram sua posição individual diante dos desafios e das incertezas da conjuntura. Mas a sociedade como um todo se torna cada vez mais frágil, mais desorganizada e, portanto, mais suscetível ao enraizamento do subdesenvolvimento crônico.


Há uma inequívoca fadiga de pacotes e de congelamentos. A cada nova investida, regras vigentes perdem validade. A repactuação dos contratos implica custos significativos para toda a sociedade. As infindáveis renegociações de preços entre fornecedores, indústrias e varejistas, a ameaça de constante desabastecimento, as perdas e confiscos de rendimentos financeiros, as ameaças policiais da fiscalização, as tabelas de cálculos de médias de salários e de aluguéis... Enfim, não há mais paciência para esta monótona repetição, que seria cômica se não custasse tão caro.


O Plano Collor II será o mais ineficaz de todos os programas de estabilização. Além da total falta de credibilidade da equipe econômica, contém erros graves que farão dele aquele que mais rapidamente será superado pela evolução dos fatos. Menos de trinta dias após o lançamento, as principais medidas do plano já estavam sendo desafiadas e questionadas por toda a sociedade.


Desde seu lançamento, o Plano Collor II não contou com a confiança dos agentes econômicos. Foi quase unanimemente criticado, em parte por inconsistências técnicas, mas principalmente por implicar abuso de poder e custos fatais aos direitos dos cidadãos. É mais um plano a exigir enormes sacrifícios, mas incapaz de resolver a questão inflacionária no país.


É certo, como alegam vários analistas e o próprio governo, que alguma coisa teria de ser feita para evitar que o país caminhasse rapidamente para uma nova crise hiperinflacionária. Há que diferenciar, contudo, uma afirmação que revela conformismo diante da incapacidade do governo para equacionar a questão inflacionária, de afirmações positivas acerca dos méritos do Plano Collor II.


Nas circunstâncias em que foi lançado, dados o quadro político e a configuração da equipe econômica, fez-se o que podia ser feito. O congelamento adiou a crise hiperinflacionária e concedeu ao governo algumas semanas para rearticular um novo projeto de estabilização.


O acerto da movimentação tática, contudo, não garante uma avaliação positiva acerca dos instrumentos utilizados. O repertório das medidas adotadas guarda enorme semelhança com as tentativas anteriores de estabilização. Desindexação, congelamento, promessas de austeridade fiscal e monetária, criação de novos mecanismos financeiros de investimentos de longo prazo. São fórmulas desgastadas que, a cada nova tentativa, transmitem à população uma frustrante sensação de violência contra seus direitos.


O Plano Collor II deve ser avaliado, portanto, como uma estratégia de estabilização que pretende ser completa. Não há como aceitar atenuantes que apenas acentuam suas características de ser mais um paliativo a esconder a incapacidade das autoridades de encaminharem uma solução definitiva para a crise brasileira. Há que se fazer uma avaliação sem qualquer premissa anterior, a não ser a necessidade de extirpar a inflação. Há que se exigir do governo a adoção de medidas que estabilizem a economia sem qualquer tolerância em relação a eventuais constrangimentos ou limitações que se possam antepor à obtenção desta meta.


A Nova Indexação e a Perda da Unidade de Conta


Contrariamente às afirmações oficiais, o Plano Collor II não desindexa a economia. Apenas altera o mecanismo de indexação e o deixa em suspenso em contratos mais curtos. Melhora em alguns aspectos, piora em outros, certamente, mais arriscado em todos.


Antes, a inflação passada era utilizada como base da indexação. Isto impunha enorme rigidez para baixo na variação dos índices de preços. Havia ainda o inconveniente de contaminação de preços correntes por eventos aleatórios ocorridos no passado.


Agora, o indexador passa a ser determinado pela taxa de juros de mercado. Em outras palavras, a taxa de indexação passa a ser, formalmente, o custo de oportunidade do dinheiro. Eventos pretéritos não mais poderão influenciar a inflação futura. Os ganhos ou perdas do passado tornam-se história, e o jogo passa a ser fundamentalmente prospectivo, baseado nas expectativas de inflação.


É evidente que os agentes econômicos poderão utilizar-se da inflação decorrida na formação de suas expectativas ou poderão ser absolutamente racionais e olhar apenas para a frente, dadas as indicações de política econômica que conseguem antecipar. A desvinculação da automaticidade anterior entre inflação decorrida e correção monetária será fator de fundamental importância na geração de novos mecanismos de formação de preços, enfraquecendo a inércia inflacionária.


Contudo, uma avaliação da nova indexação exige qualificações importantes. Em primeiro lugar, cumpre diferenciar a indexação financeira da indexação de preços de produtos e de prestação de serviços. Em segundo, cabe questionar na prática a vinculação da TR aos juros de mercado. Finalmente, é preciso verificar como a reforma pode afetar a execução da política anti-inflacionária do governo.


A indexação financeira de curto prazo com base na taxa de juros flutuante (TR) é um aperfeiçoamento. O capital deve ser remunerado por seu custo de oportunidade, dado pela taxa de juros de mercado, e não por critérios que garantam a manutenção do poder aquisitivo do principal emprestado. Os investidores de curto prazo não exigem essa garantia.


Anteriormente ao Plano Collor II, a indexação com base em índices de custo de vida era oferecida aos investidores de curtíssimo prazo. A certeza de retornos reais era apenas ameaçada em fases de rápida aceleração inflacionária, devido às defasagens dos índices de preço. As de curto prazo ganharam uma segurança e uma rentabilidade que praticamente destruíram o mercado de longo prazo. Foi uma das principais causas da ciranda financeira.


Portanto, a mudança para um sistema de indexação com taxas de juros flutuantes significará desmontar um dos mais importantes mecanismos de encurtamento de prazo das transações financeiras. Nesse sentido, trata-se de um enorme avanço institucional.


Por outro lado, os contratos financeiros de longo prazo não se realizarão sem forte expectativa de juro real positivo. A indexação com base em índices de preços, portanto, é uma necessidade nos contratos de longo prazo, já onerados em seus retornos esperados pela típica instabilidade de economias como a brasileira. A mesma dinâmica determina o funcionamento dos mercados de bens e serviços. Garantir o valor de reposição passa a ser a variável fundamental no pricing dos mercados reais.


Neste caso, a indexação pela taxa flutuante de juros irá introduzir ainda mais instabilidade no valor daqueles contratos, levando ao encurtamento de seus prazos. Dependendo das condições do mercado financeiro e da política monetária do Governo, as taxas de juros próprias de cada setor da economia poderão flutuar violentamente, de muito positivas para fortemente negativas.


Para transações de curto prazo, a indexação com base em índices de preços não poderá ser evitada. Cumpre alertar, contudo, que o uso de índices de custo de vida como padrão de indexação é unânime, pois reforça a inércia inflacionária, rígida nos preços relativos. Há que se introduzir correções, como para acidentes, por outro lado, o uso da indexação nos mercados reais poderá render sérios problemas relativos no futuro.


Mais uma vez, se introduzem critérios rígidos de indexação, sem atender às peculiaridades dos mercados a serem indexados. Tanto no passado como agora, continua-se a utilizar um único sistema de indexação para os dois mercados: financeiro e real. Antes, utilizava-se o critério do mercado real para os mercados financeiros, com enormes ganhos para este último; agora, passa-se a utilizar um critério financeiro para os mercados reais, o que ocasionará grande volatilidade e instabilidade.


A utilização da taxa de juros como indexador ainda representa um perigo: o de que o Governo passe a manipular a taxa referencial de juros, descolando-a das taxas de mercado. A perda de credibilidade seria imediata.


A proposta do Governo de prefixá-la, ainda que com base nas taxas observadas no mercado, poderá introduzir uma defasagem temporal semelhante à que existia no uso dos índices de custo de vida como indexadores. A proposta de uma taxa de juros flutuante seria mais recomendável se fixada inteiramente pelo mercado e captada instantaneamente pelos agentes econômicos. Seria uma indexação corrente, e não um sistema de expectativas adaptativas como se pretende implantar. Ao se determinar que o Governo fixe a taxa referencial válida para a frente, está-se de fato implantando um sistema de prefixação, com todos os riscos que esta alternativa implica.


Outro risco prende-se à política monetária. Deve-se esperar enorme volatilidade da taxa de juros de mercado, o que dificulta sua utilização como indexador. Nos mercados de bens e serviços, esta instabilidade poderá induzir à aplicação de uma margem de risco na formação dos preços, com impacto inflacionário imediato.


Deve-se também atentar para o conflito que passará a existir na execução de uma política monetária contencionista. A austeridade monetária implicará juros elevados, que contaminarão instantaneamente os indexados pela taxa referencial.


Em outras palavras, além do efeito na formação dos custos de produção, os juros de mercado passarão a impactar diretamente a taxa de inflação. Assim, é possível que o Banco Central tenha perdido margem de manobra, dificultando a prática de uma política ativa. Como imaginar o Governo elevando as taxas de juros e indexando paripassu seus débitos? Como ficará o ajuste fiscal? Como imaginar uma política monetária fortemente contencionista se disso resulta imediata repercussão altista em todos os preços, realimentando diretamente a inflação?


Nesse sentido, compreende-se a necessidade de um congelamento de preços. Não como um método de controle da inflação, mas apenas como uma terapia auxiliar de transição. Havendo sucesso, passa-se de um regime de alta inflação para outro de inflação moderada.


Assim, a autoridade monetária pode relaxar sua política monetária e coordenar uma queda na inflação pelo lado inercial, e também pelo lado dos custos de produção.


A introdução da TR é estratégia arriscada e de difícil implementação por uma equipe econômica que não conta com a confiança dos agentes econômicos.


O Novo Overnight: Intervenção, sem Mudar o Essencial


O Plano Collor II pretende introduzir mudanças profundas no overnight. Antes, contudo, convém recordar como eram oferecidos os mecanismos de financiamento da dívida pública no Brasil.


O overnight era sui generis. Era um processo tortuoso de financiamento inflacionário dos gastos governamentais. Na realidade, a administração financiava sua dívida mediante a emissão de títulos indexados, uma distorção causadora da expansão endógena da oferta monetária e dos níveis de liquidez do sistema.


Em tese, o financiamento de um gasto junto ao público exige a transferência real de recursos do financiador para o financiado. O público transfere seu comando sobre uma parcela da disponibilidade de bens e serviços diretamente para o Governo. Durante o prazo de vencimento dos títulos de dívida, a liquidez no sistema não é aumentada pelos rendimentos dos papéis governamentais, supondo-se que a taxa de juros não seja alterada pela colocação de títulos oficiais. Assim, o financiamento não é inflacionário, pois os gastos governamentais são cobertos pela transferência de recursos do público, sem necessidade de expansão monetária.


No vencimento dos títulos, o Governo reinjeta liquidez no sistema, devolvendo ao financiador os recursos anteriormente transferidos, acrescidos de rendimento. Apenas neste momento, o mecanismo poderia tornar-se inflacionário, caso o setor público, na ausência de medidas de cunho fiscal, fosse forçado a emitir moeda para arcar com estes desembolsos.


No Brasil, o mecanismo de financiamento era diferente. As autoridades emitiam títulos que eram vendidos às financeiras. Estas, posteriormente, aceitavam vender por um dia os papéis públicos em suas carteiras. Na prática, aceitavam remunerar os depósitos à vista de seus clientes.


Não haveria problema se as autoridades monetárias ficassem de fora deste mercado, pois se trataria apenas de uma transferência de recursos interna ao setor privado. O nível de liquidez permaneceria constante, e o comando sobre a parcela de bens e serviços transferida ao Governo permaneceria fora do setor privado.


Contudo, o sistema bancário contava com mecanismos de refinanciamento automático junto à autoridade monetária. Na prática, isto significava que a oferta monetária se tornava endógena, pois as reservas do sistema eram automaticamente ajustadas ao montante de títulos nas carteiras das instituições financeiras. Em outras palavras, sempre que o Governo vendia papéis além da capacidade de carregamento, a oferta monetária aumentava, e o financiamento ocorria de forma inflacionária.


Ademais, a valorização dos títulos públicos no mercado ocorria diariamente, mediante a incorporação de rendimentos ao seu preço. Assim, o aumento de liquidez no sistema era permanente, transformando os títulos públicos em quase-moeda, ou em moeda indexada. Em outras palavras, o financiamento era inflacionário. Ademais, o estoque de liquidez no setor privado crescia exponencialmente. A qualquer ameaça de crise, este volume crescente de poder de comando sobre bens e serviços poderia ser exercido no mercado, fazendo explodir uma crise hiperinflacionária.


O Plano Collor I tentou desmontar esta bomba de efeito retardado ao sequestrar liquidez do sistema, congelando-a por 18 meses. Contudo, os erros cometidos na liberação de cruzados — principalmente na permissão aos estados e municípios para converterem automaticamente suas receitas tributárias de cruzados em cruzeiros — e a continuidade dos mecanismos de financiamento público deram prosseguimento às distorções apontadas acima.


Segundo as regras do Plano Collor II, o overnight teria sido extinto. Fica proibida a aquisição de títulos públicos por um dia. Mas pode-se continuar comprando cotas de um fundo que será constituído sobretudo por aqueles papéis. Assim, para todos os efeitos práticos, a quase-moeda continua sendo remunerada, embora em prazos mais longos.



O "fundão" é apenas uma alteração cosmética do ponto de vista da lógica financeira do aplicador, que continua remunerando sua quase-moeda. Para a instituição financeira, o essencial continua intocado, ou seja, continuará financiando o Governo com garantias tácitas de refinanciamento automático, como se viu recentemente em relação a vários bancos estaduais. Apenas um Banco Central independente seria capaz de alterar o comportamento essencialmente político da autoridade monetária.


Nesse sentido, a afirmação do Governo de que estaria acabando com o overnight não corresponde à realidade. Não acaba com este poderoso foco de expansão quase-monetária. As sobras de caixa e as poupanças de curto prazo ainda continuarão aumentando endogenamente a liquidez do sistema.


Do ponto de vista da composição das carteiras das instituições financeiras, o "fundão" é uma importante inovação. O Governo pratica uma brutal intervenção, pois, de fato, passa a determinar o portfólio privado de aplicações financeiras de curto prazo.


Trata-se de um mecanismo conveniente para garantir a colocação de títulos públicos. Permite também que se imponham linhas de crédito de longo prazo, de cunho social, nos moldes do Fundo Nacional de Desenvolvimento, um resquício de ingenuidade do Plano Cruzado, de triste lembrança.


Resta saber se os "fundões" se viabilizarão como alternativa concreta de aplicação de curto prazo. A resposta não será imediata. Contudo, não se pode descartar a possibilidade de que uma forte reinflação inviabilize os "fundões", o que implicará fuga de capitais para ativos reais e para aplicações de risco, como o dólar.


Os Penduricalhos do Programa: Curta Duração


O congelamento de preços é certamente o instrumento de estabilização mais desgastado de todo o elenco de medidas do Plano Collor II. O ceticismo com que foi recebido pela população o condenou a uma vida curta e cheia de percalços.


Crises de desabastecimento, cada vez mais generalizadas, serão inseparáveis companheiras da "trégua". A incompatibilidade entre o tarifaço e a paralisação nos preços será reforçada pela baixa aceitação do congelamento e pela escassa credibilidade da equipe.


Embora absolutamente necessária para a superação da crise fiscal, os setores produtivos não aceitarão a profunda alteração nos preços relativos que o congelamento com tarifaço está exigindo da classe empresarial. Antes, seria necessário que o Governo desse mostras de que ele mesmo estaria empenhado na modernização de seu setor produtivo, mediante programas convincentes de aumento de produtividade e de eficiência.


As medidas de ajustamento que o Governo está impondo ao setor produtivo estatal não guardam semelhança com programas de saneamento econômico-financeiro que a gravidade do quadro daquelas empresas está exigindo. Não se nota seletividade nos critérios de contenção de gastos.


O ajuste fiscal dos últimos governos está sucateando irremediavelmente o setor estatal. Nesse sentido, o governo Collor não se diferencia dos que lhe antecederam. Ao mesmo tempo em que não logra sucesso na modernização do setor público, ainda se torna cada vez mais inviável um processo abrangente de privatização, com evidentes prejuízos para as atividades essenciais de governo, carentes de impulso e crescimento, como educação, saúde, saneamento, habitação e segurança.


O Governo, ao impor cortes generalizados de verbas, contribui para a sequência de verdadeiros atentados à modernização e ao aprimoramento do setor público. Mostra-se incapaz de discriminar o supérfluo e perdulário das funções públicas essenciais e fundamentais, que precisam ser estimuladas e fortalecidas.


No front salarial, o Plano Collor II consegue desagradar patrões e empregados. Em realidade, ao determinar que os salários ficassem congelados na média dos últimos 12 meses — um período durante o qual o salário real atingiu um de seus mais baixos índices — tentou atribuir aos assalariados um encargo com o qual não podem mais arcar. Nem mesmo a indexação salarial ao valor da cesta básica será capaz de neutralizar as perdas já sofridas.


Ao mesmo tempo, alguns setores produtivos teriam de conceder aumentos substanciais de salários, reduzindo-lhes as margens de lucro ante o congelamento de preços. Na verdade, a política salarial proposta reduziria a participação de lucros e de salários no PIB, abrindo-se espaço para a expansão do setor governamental.


A unificação das datas-base foi uma frustrada tentativa de cooptar o movimento trabalhista. Ingenuamente, as lideranças sindicais acreditaram estar obtendo melhores condições de negociação, mas estariam apenas montando um sistema de monopólio bilateral, de solução imprevisível e de grande potencial explosivo.


Por um lado, poderia motivar uma surda e, quem sabe, intencional disputa entre os organismos sindicais. Venceria o que fosse mais radical em suas exigências. Por outro, a representação patronal tornaria mais inflexível diante das trabalhistas, tolhidas pela fragilidade dos setores produtivos mais competitivos da economia e pela representação majoritária dos setores menos dinâmicos e mais tradicionais do empresariado nacional. Provavelmente resultaria em teto negocial mais baixo que a média dos acordos.


Se é verdade que, por um lado, a medida em tese poderia implicar obrigatoriedade de um entendimento nacional e a negociação explícita da taxa de inflação, por outro, na prática, poderia resultar em negociações tumultuadas e conflitos acirrados, sem vantagens claras para os assalariados. Há melhores argumentos para viabilizar um pacto social.


As Reformas Estruturais Esvaziadas pela Inflação


Mas nem tudo no governo Collor tem sido insucesso. Apesar de caminhar lentamente, aos trancos e barrancos, a administração está produzindo importantes reformas estruturais na economia brasileira. Algumas ainda não se mostram visíveis: seus impactos positivos ainda não ocorreram ou foram envoltas nas vicissitudes dos pacotes habituais. Outras acabaram até por conflitar com as metas antiinflacionárias de curto prazo. Mas todas poderão ser úteis em futuras incursões contra a inflação. E ainda há muito mais por fazer.


As taxas flutuantes de juros e de câmbio são importantes inovações institucionais. A externa, por enquanto, só resultou em importação de supérfluos, com pequeno impacto na competitividade global da economia. Mas ainda há que aguardar seus efeitos. Os mercados de aluguéis estão claramente caminhando no sentido de maior liberalização, apesar do retrocesso e da confusão gerada pelas medidas do Plano Collor II, que invalidou contratos e destruiu parâmetros de correção sem colocar outros no lugar.


Também as salariais não se amoldam aos desígnios intervencionistas das autoridades. Tomam-se irrevogavelmente mais livres, a exemplo do ano de 1990. As reservas de mercado estão sendo desmanteladas e o processo de privatização pode sair do papel. Os projetos de investimentos em tecnologia e em aumento de produtividade, as tentativas de acabar com a ferocíssima indexação atrelada aos índices de custo de vida, as iniciativas para canalizar recursos para investimentos de longo prazo, reinício da conversão da dívida nos leilões de privatização, são muitas das modificações importantes que o presidente Collor está introduzindo com muita coragem na economia brasileira.


É certo que várias das reformas preconizadas estão sendo implementadas de forma atabalhoada e em clima de grande turbulência. Porém, se adiadas até existirem condições ideais para sua implementação, corre-se o risco de não fazê-las nunca.


É evidente que todo o programa de cunho liberalizante alardeado pelo Governo está sendo implementado de forma esquizofrênica. Sente-se uma essencial falta de sintonia entre o presidente e sua equipe. Afinal, o plano Collor II acentuou o intervencionismo estatal. É o preço a ser pago quando se tem um projeto sendo implementado por uma equipe de formação diversa. Também é o custo da contradição entre um projeto liberal de longo prazo e uma orientação autoritária e intervencionista a curto prazo.


O programa de Reconstrução Nacional (PRN), lançado pelo presidente Collor no primeiro aniversário de seu governo, é mais uma tentativa de liderar um projeto nacional de desenvolvimento. A sociedade já ouviu as mesmas promessas. Concretamente, porém, ainda não surgiram resultados positivos, embora várias iniciativas já tenham sido tomadas neste primeiro ano de governo.


O PRN busca retomar para o presidente a iniciativa de liderar um debate nacional. Repete as bases de um louvável programa de governo, denotando uma tônica modernizante e liberal. Porém, a mera enunciação de fórmulas já consagradas e a ausência de propostas concretas — que poderiam vir em forma de projetos de lei — tiram mais uma vez do presidente a possibilidade de encaminhar uma discussão abrangente acerca de um projeto de desenvolvimento.


Atos de Coragem


No atual quadro de descrédito da classe política e das instituições políticas no Brasil, urge reagir contra todas as tentações intervencionistas e estatizantes. Aplicar uma política econômica dentro dos limites do respeito absoluto à ordem institucional é condição necessária para a estabilização. Isto implica um compromisso solene com o primado da estabilidade das regras. A autodisciplina seria, neste caso, uma qualidade imprescindível.

O intervencionismo excessivo precisaria ser combatido também por meio do redimensionamento e readequação das funções públicas na economia. Um radical processo de privatização e desregulamentação seria o caminho para valorizar e priorizar as funções sociais do Estado. Hoje, em profunda crise, o Estado encontra-se deslocado em seu papel produtivo, que no passado foi fundamental indutor do crescimento industrial brasileiro. Por idênticas razões, também não cumpre sua função social, falhando em proporcionar à sociedade as condições que garantiriam igualdade de oportunidade e condições de competitividade a todos.

O Estado precisa efetuar uma reforma de papéis; reduzir sua participação no setor produtivo (e assim permitir a expansão dos investimentos privados); por outro lado, investir pesadamente no setor social, preenchendo lacunas na área de educação, saúde, habitação, saneamento básico e transporte. Sem pesados investimentos nessas áreas, o país jamais terá condições de dar mais um salto qualitativo em seu processo de desenvolvimento econômico e social. Nesse sentido, há que haver um primeiro ato de coragem.

Urge compatibilizar metas com operadores e dar uma oportunidade à verdadeira política econômica liberal. Não há como implementar um programa de governo se os responsáveis por sua execução não se mostram capazes de transmitir à sociedade seu inequívoco compromisso com as bases conceituais do projeto que propõem implementar.

Não há mais tempo a perder com experiências que já se revelaram ineficazes no passado. O país clama por mais liberdade econômica, regras claras e estáveis, respeito à ordem jurídica e um efetivo equilíbrio entre os poderes. Há que haver, como pré-requisito básico para o sucesso, uma equipe econômica cujo padrão de comprometimento não deixe a mínima margem de dúvida acerca de seu compromisso com o projeto liberal que o presidente está propondo. Há que haver nomes que, por si, imponham um selo de confiabilidade, que tornem irresponsável qualquer alteração de rumo que arranhe, ainda que de leve, a confiança neles depositada.

Com regras estáveis, pelas instituições e competência técnica, o Governo reconquistaria prestígio para detalhar e implementar o plano. O projeto foi bem recebido, ainda que com grande incredulidade no tocante à sua implementação. Superar a descrença e permitir a reversão das expectativas é o principal obstáculo a ser removido em sua viabilização técnica e política.

Sente-se a economia brasileira pronta para dar mais um salto de crescimento, desde que superada a crise de estabilidade. Ainda não perdeu por completo o potencial industrial e tecnológico existente no país. A economia ainda pulsa e reage de pronto aos estímulos positivos.

A estabilização da moeda e a retomada do crescimento exigem a adoção de reformas estruturais, além de uma política conjuntural consistente com aqueles objetivos. A contenção monetária e fiscal revela-se cada vez mais perfunctória. A inflação persiste, pois não há garantias de que se instaurou no país um novo regime fiscal e monetário.

Portanto, torna-se imprescindível um segundo ato de coragem: decretar a independência do Banco Central.

Em realidade, busca-se um regime que possa garantir o valor da moeda. Atrelá-la a uma moeda externa ou dar-lhe um lastro metálico são espécies do mesmo gênero da autoridade monetária independente. Neste último caso, a responsabilidade de administrar a moeda é do Governo nacional, ao passo que nos outros dois ela é delegada a autoridades de outras economias ou, então, às forças do mercado internacional.

O fundamental, contudo, é que se elimine o vínculo político da atual administração monetária. Usar as reservas de moedas conversíveis e ouro para lastrear o cruzeiro é uma alternativa de política econômica que merece análise mais detalhada.

Complementarmente, a adoção de políticas que visem fazer retornar à economia brasileira parte do capital que se encontra no exterior (fala-se em até US$ 50 bilhões), e com isso gerar lastro para o cruzeiro, é alternativa que parece viável, desde que implementada por uma equipe econômica confiável e identificada com as regras do mercado livre e com o repúdio ao intervencionismo.

Apenas uma administração monetária que tenha como única meta a preservação do valor da moeda será capaz de reconquistar a confiança do público. O Executivo e o Legislativo devem desempenhar papel de fiscalização e acompanhamento. Desvincular a administração monetária de qualquer conteúdo político é condição dolorosa, porém fundamental para o rápido término da inflação no Brasil.

Um terceiro ato de coragem é admitir a necessidade de indexação enquanto houver inflação significativa. Nenhuma economia consegue sobreviver com taxas mensais como as brasileiras. Inevitavelmente, e à revelia de qualquer regulamentação governamental, a economia se reindexará sempre que a inflação aumentar. Ignorar este fato resultará em paralisação de atividades, fuga de capital e retrocesso tecnológico irrecuperável.

O Plano Collor II não fugirá desta regra, e as pressões pela reindexação tornar-se-ão cada vez mais fortes. Ela ocorrerá mesmo à revelia de economistas que insistem em confundir causa e efeito. A indexação é tanto causa quanto efeito da inflação. É preciso combatê-las simultaneamente, jamais sequencialmente.

Enquanto houver inflação, a indexação é uma âncora sem a qual não há como balizar as economias. Em realidade, é a única forma de evitar que os preços nominais se tornem destituídos de qualquer conteúdo de informação econômica. É a única forma de evitar a dolarização caótica e a consequente ejeção de uma economia no espaço hiperinflacionário.

Finalmente, cabe exigir do Governo ato de coragem para imprimir maior racionalidade, equidade e eficiência na área tributária. Desburocratizar a arrecadação tributária, aumentando sua eficiência, combatendo a sonegação, distribuindo a carga fiscal com maior equidade são tarefas inadiáveis em uma sociedade que se sente ameaçada pela corrupção, pela sonegação e pelos altos custos impostos pela plêiade de mais de meia centena de tributos e taxas existentes no país.

Nesse sentido, a coragem de propor radicais, como o Imposto Único sobre Transações (que não cabe discutir neste espaço), insere-se no rol de medidas audaciosas e inovadoras, sem as quais a economia brasileira dificilmente se livrará da rede de contradições e distorções a que foi submetida ao longo das últimas décadas.

Não se trata de quimeras imaginar o Brasil readquirindo seu dinamismo e seu ímpeto de crescimento auto-sustentado. Trata-se, sim, de coragem para impor soluções que podem contrariar interesses incrustados na estrutura do poder estatal, mas que certamente atendem aos anseios de uma população que, a cada dia, se torna mais fortemente ameaçada de perder sua capacidade de formular um projeto para o país.


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