A deterioração do ensino no Brasil foi iniciada na primeira metade dos anos 70, apesar das decisões que a determinaram terem sido tomadas no final da década de 60. A partir de então, a escola pública entrou em declínio e começou a ser deslocada pela escola privada. Com as exceções habituais, encontram-se ainda ilhas de excelência, tanto no ensino público quanto no privado. A regra, entretanto, é de perda drástica da qualidade e o sucateamento da rede pública de ensino.
Embora a Constituição Federal afirme no seu artigo 208-I que "O dever do Estado para com a educação será efetivado mediante a garantia de ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiverem acesso na idade própria", há evidências de que a educação deixou de ser prioridade governamental. Isto é comprovado por alguns dados de excelente estudo de Ib Teixeira, da FGV, a partir da análise de recentes levantamentos estatísticos oficiais e da execução orçamentária do conjunto dos Estados da Federação.
Suas constatações são estarrecedoras: dos cerca de 40 milhões de crianças adolescentes, na faixa etária de cinco a dezesseis anos, somente 34 milhões estão matriculadas no ensino pré-escolar e primário, ou seja, cerca de 6 milhões de crianças não têm acesso ao ensino básico; dos 30,5 milhões de alunos que iniciam o curso primário, apenas 13,4 milhões alcançam a oitava série, enquanto os outros 17,1 milhões de crianças se evadem da escola no período. Daquele contingente de alunos matriculados no início do curso primário, tão-somente 3,6 milhões iniciam a primeira série universitária e a matrícula nos programas de alfabetização de adultos registra queda de 1,7 para 1,5 milhão de inscritos. O resultado é o País contar com cerca de 33 milhões de analfabetos, registrar 9 milhões de chefes de família sem qualquer instrução, e a proporção da força de trabalho com primário completo ter caído de 45% para 40% de 1976 até hoje.
Do lado da aplicação dos recursos, confirma-se o pouco caso pela educação, em comparação com outros setores da estrutura dos Governos Estaduais. Entre 1982 e 1993, as despesas com seus poderes Legislativo e Judiciário revelaram um crescimento médio de, respectivamente, 8% e 13%, quando as rubricas correspondentes à educação cresciam, em média, 3%. Como participação no PIB, os gastos com educação entre 1989 e 1992 caíram de 2,2% para 1,3%, traduzindo uma perda de recursos em torno de 41%.
Do lado dos professores, os efeitos são menos desastrosos. Seus salários - entre os mais baixos do País - estão cerca de 28% aquém da média observada no setor educacional. Há Estados que pagam apenas um salário mínimo para seus professores. Nas regiões Nordeste e Norte existem professores rurais ganhando R$ 40,00 por mês.
Entretanto, não se pode ignorar o deplorável estado físico das escolas, suas instalações e equipamentos e a falta de recursos materiais mínimos, como giz e papel, e de serviços de manutenção.
Se já não bastassem as distorções e as terríveis consequências apontadas até aqui, há que falar de outro aspecto da falha estratégica na política educacional. Trata-se de priorizar o ensino superior em detrimento do ensino fundamental na distribuição das decrescentes consignações orçamentárias. Neste ano de 1995, 60% das verbas do Ministério da Educação estão sendo canalizadas para o ensino superior, ao passo que somente 12% estão indo para o ensino básico.
Aqui está embutida uma violenta transferência de renda das camadas mais pobres para as mais ricas da sociedade brasileira: o perfil sócio-econômico do aluno da universidade pública no Brasil, levantado pelo IBGE, mostra que 72% deles possuem casa própria; 47,3% automóvel; 50% pertencem a famílias que auferem renda superior a 30 salários mínimos; 69% possuem caderneta de poupança; 35% carregam cheque especial; e 25% são portadores de cartão de crédito. Tudo evidenciando que os alunos das universidades públicas pertencem a famílias de alta renda.
Esse quadro mostra que a educação está longe de dar sentido prático ao citado dispositivo constitucional e colher os frutos econômicos e sociais que, fatalmente, produziria. Estudos do Banco Mundial revelam que, em um ano, para cada crescimento de 1% no tempo de escolaridade da força de trabalho, a produtividade aumenta 4%.
O governo federal, recentemente, anunciou um ambicioso programa de recuperação do ensino básico, de contenção da evasão escolar e de valorização profissional dos professores, com cursos de reciclagem e recuperação salarial. Já é tempo de abandonar o preconceito, reconhecer e adotar o que, concretamente, tem dado certo em outros lugares. Caso contrário, ao Brasil será cada vez mais difícil integrar-se na economia global e competitiva das sociedades do conhecimento.
Marcos Cintra é doutor em Economia pela Universidade de Harvard e vereador da cidade de São Paulo.