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Marcos Cintra

Livro: Economia Agrícola - O Setor Primário e a Evolução da Economia Brasileira (parte 2/2)

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O Algodão

"Está hoje verificado que já os povos indígenas o cultivaram antes mesmo da chegada dos portugueses." O produto obtido era utilizado na confecção de redes e alguns outros apetrechos simples para a pesca e a moradia. "Chegando aqui, os portugueses começaram a cultivá-lo em certa escala para o consumo da colônia. Nisso se ocuparam os escravos, assim como as mulheres escravas teciam e fiavam em casa panos grossos para vestuário e sacos. Exportação não se fazia."13 Segundo Normano: "Na época colonial, o algodão era cultivado na zona norte do País, especialmente na Bahia, Pernambuco e Maranhão, primeiro para suprir as necessidades dos distritos e gradualmente, para fornecer a outras partes do mundo."

Existe certa controvérsia sobre qual foi a primeira província a exportar o produto. Lindolpho Xavier sustenta que foi a Paraíba em meados do século XVI.

William W. Coelho de Souza afirma que foi o Maranhão alguns séculos mais tarde, no que é corroborado por Ildefonso Albano. Qualquer que tenha sido a primeira província a exportar, o fato é que com o grande desenvolvimento da indústria de tecidos de algodão na Inglaterra a partir de meados do século XVIII, a produção brasileira para exportação começou a aumentar. Podemos acompanhar seu crescimento no Maranhão algodão. Muito diminuta era, porém, essa exportação e só de 1781 em diante tomou ela maior impulso. Tal foi, em compensação, daí em diante, esse comércio para o exterior que o porto de Recife se tornou, em breve, o mais importante da colônia, excedendo mesmo em movimento ao da metrópole, isto é, Lisboa."

Já em fins do século XVIII e início do século XIX, o algodão era um dos nossos principais produtos de exportação estando sua produção concentrada, como acabamos de observar, nas províncias do Norte e Nordeste. Ainda, segundo Simonsen, "em 1796 representava 20% da exportação brasileira (2.200 contos em 11.400); em 1805, 28% (4.000 contos em 14.000); em 1819, 18%". Do total das exportações de algodão para o ano de 1796 que, segundo o mesmo autor, atingiram 2.743 contos, o Maranhão contribuiu com 30,84%; Pernambuco, com 30,15%; a Bahia, com 12,61%; o Pará, com 2,59%; e a Paraíba, com 3,00%. A situação em 1806 pouco diferia da anterior. De um total exportado de algodão correspondente a 3 544 contos, o Norte e Nordeste ainda contribuíram com a quase totalidade das exportações do produto visto que ao Maranhão couberam 32,39% das mesmas; a Pernambuco, 52,04%; à Bahia, 11,28%; e ao Pará, 2,00%.

No início do século XIX quase tanto algodão era exportado do Brasil para a Inglaterra quanto dos EUA para aquele país; e, embora a produção brasileira aumentasse em face do aumento na demanda, os esforços brasileiros foram esbarrar contra a competição norteamericana. De uma situação onde o mercado britânico era dividido meio a meio entre o Brasil e os EUA, rapidamente nós perdemos nossa participação no mercado britânico, deixando-o quase que inteiramente nas mãos dos norte-americanos como bem indicam os dados coletados por Normano.

Mesmo assim, continuou a ser produto importante em nossas exportações durante o século.. A tabela a seguir nos fornece o volume e o valor de nossas exportações do produto em médias decenais até inícios do século, bem como a percentagem relativa que representava no total de nossas exportações.

Durante todo o século as áreas produtoras pouco variaram. Exceção feita a um curto período, durante a Guerra de Secessão norte-americana, quando surgiu uma lavoura algodoeira em São Paulo, as grandes áreas produtoras de algodão continuaram a ser o Norte e o Nordeste - "Pernambuco foi sempre o principal produtor de algodão no Brasil [no século passado] sendo sua exportação superior a de todos os demais produtores reunidos, devendose notar que no cômputo de sua exportação figuram grandes parcelas de algodão vindas do Rio Grande do Norte, Paraiba, Ceará e Alagoas".

Um segundo fato a observar com relação ao algodão é que praticamente até meados do século sua exportação estagnou tanto em quantidade quanto em valor, o que significa que, em termos per capita, deve ter havido sensível declínio em sua produção durante o período. Somente durante a Guerra de Secessão é que notamos uma mudança na situação dessa lavoura. Os mercados europeus cortados de seu tradicional fornecedor-, o Sul dos EUA, se viram forçados a buscar suas fontes de suprimento em outras regiões. Tal mudança, acompanhada que foi por uma violenta redução na oferta mundial de algodão, só podia ter se traduzido numa elevação do preço médio do produto o que incentivou as regiões que normalmente não poderiam competir com os EUA, devido a seus altos custos de produção, a entrarem no mercado. Tal foi o que sucedeu com o Brasil.

É conveniente nos determos um pouco mais nos efeitos da Guerra de Secessão sobre o algodão brasileiro. Primeiramente, com relação aos preços. A tabela abaixo nos dá a variação dos preços do produto no período 1850-1875 (em £ de 1913).

Como podemos observar, o preço médio do produto, se comparado com o período anterior, chegou quase que a triplicar durante a guerra civil norte-americana. Na realidade, finda a guerra, ainda levaria algum tempo para o Sul dos EUA voltar a produzir o produto normalmente, razão pela qual a alta no preço de produto perduraria até os primeiros anos da década de 70.

Bem podemos imaginar o incentivo que tal situação deve ter dado às regiões que podiam produzir algodão no Brasil. No Nordeste a produção cresceu rapidamente, chegando a gerar um clima de euforia. Este clima atravessa as fronteiras regionais vindo atingir regiões tradicionalmente não produtoras de algodão como era o caso de São Paulo. Quanto ao Nordeste, uma citação de Luís Amaral referente ao Ceará nos dá uma boa idéia das mudanças que acarretou . "Dum ano para outro, diz Rodolpho Téophilo, a província cobriuse de algodoais; derrubaram-se as matas seculares do litoral às serras, das serras ao sertão; o agricultor, com o machado na mão e o facho na outra, deixava após si ruínas enegrecidas. Os homens descuidaram-se da mandioca e dos legumes, as próprias mulheres abandonavam os teares pelo plantio do precioso arbusto; era uma febre que a todos alucinava, a febre da ambição. A colheita de 1863 fez duplicarem-se as lavras que, no alio seguinte, produziram 1.135.650 kg. Durante a safra o comércio da capital apresentava uma animação extraordinária: ruas e praças cheias de animais que tinham transportado do interior os fardos de algodão; lojas apinhadas de camboeiros, de freteiros,. de donos de mercadoria, cada qual com seu rol de encomendas a comprar o necessário e o supérfluo. A notícia de grande produção de algodão em breve atraiu, doutros pontos do Brasil e da Europa, especuladores que fundaram novas casas comerciais. Era a idade de ouro." 

Temos certeza de que situações semelhantes se repetiram em quase todas as outras províncias do Nordeste produtoras de algodão. Na realidade, a explicação que damos para o grande salto que observamos nas exportações per capita pela província de Pernambuco está ligada ao desenvolvimento do algodão durante a Guerra de. Secessão (e como veremos mais tarde-a um pequeno aumento na produtividade da produção açucareira). Não devemos esquecer de que Recife não somente exportava produtos do interior da província como também de províncias limítrofes, como já vimos anteriormente e como observou um contemporâneo, Frederico . Burlamaqui. Assim, o aumento em suas exportações em termos per capita refletiria não somente p ,aumento em sua própria produção de algodão como também das províncias vizinhas.

Da tabela acima, podemos tranqüilamente concluir quê o período da Guerra de Secessão e os anos que lhe seguiram foram de prosperidade para Pernambuco e essa prosperidade também, claramente, esteve associada ao aumento nas exportações de algodão.

Com relação a São Paulo, Alice Canabrava nos fornece relatos que reproduzem, até certo ponto, em termos desta província do Sul, o que sucedeu no Nordeste. A mesma euforia, o mesmo desejo de lucros altos e rápidos em vários municípios paulistas onde o algodão podia ser plantado como Sorocaba, Jundiaí, Itu etc., é isto o que vamos encontrar nesses relatos. É típico destes, aquele transcrito por Canabrava de um visitante a Sorocaba em 1865. "O Comendador Fideles admirou-se vendo o constante movimento de carros e cargueiros carregados de algodão, com sementes, que é transportado dos sítios vizinhos para a cidade a fim de ser descaroçado, enfardado e exportado. A mudança operada neste município é maravilhosa: algum tempo antes o café, milho, feijão e arroz eram os únicos ou principais gêneros de exportação. Agora esta mudança pode ser avaliada pelo fato de existirem nas vizinhanças de Sorocaba quatro máquinas tocadas com água descaroçando algodão para exportação." Com relação a Itapetininga, a mesma autora transcreve um relato de um correspondente em 1866. “Aqui tudo vai em progressivo aumento. O algodão vai transformando tudo. Há muito mais animação entre o povo. Tem afluído para aqui muita gente; os aluguéis das casas têm subido; os jornais encarecido; e assim tudo o mais. Talvez que mais de 16 máquinas de descaroçar estejam funcionando, não falando em três vapores que estão assentando, dois mesmo dentro da cidade.”

Mas a euforia tanto no Nordeste como no Sul-teve curta duração. Uma vez terminada a Guerra de Secessão, as exportações de algodão norte-americanas voltaram a crescer rapidamente, eliminando com isso o Brasil, gradualmente, do mercado mundial. Em 1865 os EUA exportaram 4.081 t de algodão. Já em 1869 um total de 465.079 t era exportado; e, em 1876, 695.988 t. Apesar da devastação causada pela Guerra Civil e a mudança na estrutura de produção que trouxe como conseqüência, entre 1860 e 1899 a produção de algodão no Sul dos EUA chegou a dobrar.

Normano, citando Amo Pearse, nos afirma que "[o algodão]... trouxe grande riqueza para os plantadores brasileiros que naquéfe tempo só possuíam, para os seus serviços, escravos; mas ao invés de estimulá-los a realizar maiores esforços com o objetivo de estabelecer permanentemente a nascente indústria algodoeira, os agricultores desperdiçaram as riquezas ganhas sem esforços e permitiram que os norte-americanos recuperassem a antiga preponderância". Ainda segundo o mesmo autor, "até 1875 o Brasil continuava a ocupar o terceiro lugar entre os países exportadores de algodão. No último quartel do século XIX a produção decresceu e em algumas partes do País chegou a desaparecer. No começo do novo século, à produção do Brasil permitiu-lhe ocupar somente o sexto lugar. A corrida para a borracha incrementou migrações da população e, por diversas vezes, deu causa ao abandono das plantações de algodão no Norte. O Brasil, depois de sua brilhante entrada no mercado mundial de algodão, repetiu o papel que desempenhou no mercado internacional do açúcar. Ele é um fornecedor mundial em épocas de emergência, quando uma deficiência de suprimento eleva os preços e permite a competição de produtos de alto custo. A guerra mundial forneceu-nos uma nova confirmação desse fato. O comércio do algodão brasileiro subiu consideravelmente, estimulado pelo alto nível dos preços da guerra. O ponto culminante foi em 1922, quando o Brasil exportou 33.947 t métricas; houve um declínio nessa cifra, depois de oscilações irregulares, baixando até 10.000 t, em 1928".

Excetuando-se a guerra, durante as primeiras décadas deste século houve uma ligeira expansão na produção de algodão, mas tal expansão não visava tanto ao mercado externo quanto ao mercado interno. "Os mercados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro passaram a consumir o algodão que [antes se exportava] para o estrangeiro... Dessa forma o Norte do Brasil tornou-se o reservatório de matéria-prima para os Estados do Sul mais industrializados. Alagoas, Ceará, Maranhão, Paraiba, Rio Grande do Norte, Sergipe, todos eles dependem do mercado nacional para o consumo do ouro branco. Mesmo assim, o aumento na produção de algodão não parece ter sido nada espetacular a julgar pelos dados coletados por Normano.


Enquanto entre 1910 e 1929 a população brasileira aumentou em cerca de 48%, durante o mesmo período a produção de algodão aumentava em 47%. Isto significa que, em termos per capita, a produção de algodão parece ter estagnado durante o período.

Em síntese, o que acabamos de descrever é o quadro típico de uma cultura que pouco evoluiu num século. A não ser em condições excepcionais de mercado, quando qualquer que fosse o método utilizado em sua produção esta se tornava compensadora, favorecendo, portanto, seu desenvolvimento a todo custo, o algodão foi uma das culturas. que tecnicamente, pelo menos até a década de 20, pouco evoluiu no Brasil. Foi, em outras palavras, uma cultura onde o desenvolvimento tecnológico não se fez presente.

Normano, ainda citando Pearse, com relação ao estado da cultura do algodão no início da década de 20, tem o seguinte a nos relatar. "Quase nada foi feito para melhorar o cultivo do algodão no Brasil. O Departamento de Algodão do Ministério da Agricultura é um empreendimento inteiramente novo e, naturalmente, pôde, até aqui, tocar apenas a orla do problema no seu ano e meio de atividade, se bem que tenha trabalhado arduamente. Pode parecer surpreendente, mas quase em todos os lugares eu tinha de explicar aos plantadores, fazendeiros, ainda mais, aos próprios negociantes de algodão, o que constituía a qualidade e o valor do algodão; eles não sabiam que o comprimento, uniformidade, resistência, cor etc. eram os principais fatores de que dependiam os preços." Especialmente no Ceará, os métodos modernos da agricultura científica são desconhecidos. "A maior parte do algodão é cultivado por agricultores pobres e ignorantes. Mesmo os agricultores mais instruídos preferem os métodos de plantação mais simples e empíricos, não obstante saberem que com um pouco mais de cuidado e ciência poderiam obter colheitas maiores e melhores. O arado é completamente desconhecido, as doenças do algodoeiro não são combatidas, a seleção de sementes não é adotada e descaroçadores de serra são usados, partindo as longas fibras. Os descaroçadores especialmente construídos para beneficiar o algodão de fibras longas são completamente desconhecidos no Estado."

Nos Anais da 1ª Conferência Algodoeira vamos encontrar uma completa unanimidade por parte dos conferencistas quanto ao atraso geral da cultura do algodoeiro no Brasil na época (1922). Ildefonso Albano nos dá um quadro típico dos métodos de plantio que ainda imperavam na segunda década deste século:

"A maior parte do algodão é produzida pelo sertanejo pobre e ignorante que para esta lavoura nqo precisa de capitais avultados e a ela se entrega, observando religiosamente as regras empíricas adotadas pelos indígenas; por isso é a cultura do algodoeiro chamada a lavoura do pobre.

Mesmo os lavradores mais instruídos ignoram, em geral, os processos modernos da agricultura ou, quando não os desconheçam, preferem seguir os métodos rotineiros de seus antepassados, embora pudessem, com pouco mais trabalho, conseguir safras maiores e melhores.

O arado é quase desconhecido, as moléstias das plantas não são combatidas, a seleção da semente não é adotada.

No mês de dezembro o agricultor escolhe o terreno para o 'roçado'; demarca-o, abate o mato, guardando os troncos e galhos mais grossos para a cerca. Alguns dias depois, toca fogo no mato seco, cerca o terreno já adubado com. cinza e aguarda as primeiras chuvas.

Estas, em anos regulares, vêm em dezembro, janeiro e fevereiro. O lavrador, então, abre as covas, distante uma da outra dois passos para cada lado, e planta uma carreira de milho e de feijão e a outra de algodão e. de mandioca, até cobrir todo o roçado.

Se as chuvas continuam, se não aparecem lagartas, desenvolve-se bem o roçado. O lavrador precisa, unicamente, fazer as limpas, para que o mato não prejudique o desenvolvimento de suas culturas, e alguns meses depois o sertanejo colhe os frutos de seu trabalho.

No ano seguinte, ele faz suas plantações no mesmo terreno, até notar que a terra está cansada. Então abre outro roçado pelo processo já descrito, único conhecido, que lhe foi ensinado pelos seus maiores."

O mesmo autor faz certas recomendações quanto ao método que deveria ser utilizado na cultura do algodão o que nos dá uma visão mais completa das deficiências por ele encontradas na época.

"A terra deve ser lavrada por meio de arado, cujo trabalho, além de mais rápido que o do homem, destrói os ovos da lagarta curuquerê, favorece a decomposição das matérias orgânicas, aumentando, assim, e pelo arejamento, a fertilidade da terra, e pela pulverização do solo permite às raízes irem buscar em maior profundidade o alimento da planta, cujo desenvolvimento é assim favorecido. Sendo o algodoeiro um grande consumidor de ácido fosfórico e potassa, a terra, que continuamente produzir algodão, ficará com o tempo esgotada e desfalcada desses elementos; será, então, necessário, por meio de adubação apropriada, restituí-los à terra; a rotação das culturas retarda esse depauperamento, mas, por fim, será preciso recorrer ao adubo ou deixar descansar a terra.”40

Aconselha, ainda, o uso do descaroçador de cilindro rotativo que não prejudica as fibras longas como acontecia com o descaroçador de serra (saw gin), então em franco uso.41

As mesmas observações de Albano, com pouquíssimas variações, são repetidas pelos outros conferencistas. Leopoldo Penna Teixeira ao descrever a situação da cultura do algodão no Pará nos transmite a mesma visão de atraso generalizado deixado patente por Albano.

"A grande maioria dos roceiros, infelizmente, mantém o hábito deplorável de cultivar, simultaneamente, mais de uma espécie de algodoeiro, o que resulta na degeneração e depreciação das fibras e das sementes por esse abastardamento das hibridações espontâneas; a isto junta-se a ignorância e descaso das práticas da seleção, mesmo rudimentar, e as deficiências da cultura empírica.”42

José Eurico Dutra Martins discorrendo sobre o algodão no Nordeste tem pouco a adicionar às críticas acima relacionadas.43 Juvenal Lamartine faz eco aos observadores anteriores quando menciona o emprego generalizado da enxada no Rio Grande dó Norte em vez do arado e observa a falta de capinadores mecânicos, duas deficiências básicas que, no seu entender, muito encareciam o produto obtido.44 Quanto ao Estado da Paraíba, José Rodrigues Carvalho observaque "como há 100 anos, a agricultura paraibana [do algodão] é rotineira".45

Com relação a Pernambuco, Apollonio Peres afirma que, embora o algodáo desse Estado fosse muito bom, “a diferença de preços, porém, do americano do norte, apesar de inferior em fibras, e do Egito em 30% e 50% menos, junto ao mau estado do Pernambuco misturado com caroços quase sempre esmagados, cascas, imundícies, até areia e folhas, condições não observadas naqueles, inferiores, é certo, porém tratados com cuidado, bem Não nos devemos iludir que esse atraso só se referia ao Nordeste brasileiro na época. Nas outras regiões algodoeiras do Brasil, a situação pouco diferia. Em Minas, por exemplo, Daniel Carvalho só pôde notar uma diferença num século de cultura do algodoeiro: "Em 100 anos o progresso consiste em fazer capina a enxada em vez de roçar a foice." Ainda com relação a Minas, Lindolpho Xavier observa todos os métodos rotineiros já citados com todos seus inconvenientes em pleno século XX.

Para termos uma idéia do atraso brasileiro com relação ao maior produtor da época, basta mencionar que já em 1902 na região algodoeira dos EUA “predominava o sistema de rotação de três culturas: algodão, milho, pequenos grãos (trigo, aveia, cevada, centeio) e leguminosas” bem como o uso intensivo de fertilizantes, de capinadores mecânicos, do arado, da prática da seleção de sementes, de descaroçadores apropriados etc.

Tal descrição das condições em que era produzido o algodão em 1920 pouco diferia daquela relatada um século antes por Henry Koster em suas Viagens ao Nordeste do Brasil: a mesma falta de conhecimentos de' como produzir um produto melhor, os métodos primitivos de limpeza de terra e de plantio, a falta de métodos adequados para a recuperação de terras exaustas, a falta de cuidado no processo de descaroçar o algodão etc.

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As descrições são quase que idênticas. Se houve alguma mudança na produção de algodão entre 1817 e 1920, esta certamente não se deu na área exclusivamente agrícola (plantio, colheita, recuperação da terra etc.) mas na área do processamento final do produto, isto é, na fase do descaroçamento onde provavelmente no século XX a utilização de máquinas (por mais inadequadas que estas fossem) deveria ser mais freqüente do que no século XIX, mas, corno os observadores contemporâneos não deixaram de apontar, mesmo aí as máquinas utilizadas não eram as mais apropriadas para o fim.

O Açúcar

Luís Amaral, aparentemente baseado nas compilações de Simonsen, afirma que:: "De 1500 a 1822, do descobrimento à independência, o Brasil exportou mercadorias num total de 536.000.000 libras esterlinas... Houve... um produto que, sozinho, rendeu mais que todos os outros reunidos, aí incluindo-se os da mineração: o açúcar, do qual exportamos 300.000.000 de libras esterlinas" Tal foi a importância do açúcar nas etapas iniciais de nosso desenvolvimento políticoeconômico que Celso Furtado sustenta, referindo-se à agricultura da canade-açúcar no Brasil,, que "o êxito da grande empresa agrícola no século XVI... constituiu... a razão de ser da continuidade da presença dos portugueses [no Brasil] ".

Entretanto, o efeito não foi mais que passageiro. À semelhança do que aconteceu com o algodão, como bem observou Normano, a primazia brasileira no mercado açucareiro nunca foi recuperada. Isto não quer dizer que a produção e as exportações brasileiras do produto não aumentaram. Na realidade, durante quase todo o transcorrer do século passado nossas exportações aumentaram tanto em volume quanto em valor. Na tabela a seguir reproduzimos os dados referentes ao comércio externo brasileiro de açúcar entre 1821 e 1920.

Agora, o que a tabela também aponta é que em termos per capita nossas exportações de açúcar mostraram uma tendência secular a estagnar, mostrando sensível queda no início deste século quando o mercado interno talvez se tivesse tomado mais importante que o externo desviando deste a maior parte do que antes lhe era destinado.

A segunda indicação que a tabela a seguir nos fornece é de que a cultura do açúcar no século passado não parece ter sofrido nenhuma mudança, em termos tecnológicos, fundamental. Houve um aumento na produção que simplesmente acompanhou o crescimento populacional. O que provavelmente houve foi uma "inchação" da produção com a expansão demográfica, sem apreciáveis mudanças nas técnicas de plantio e de colheita. Aqui cabe um parêntese. Em termos de produção, Peter Eisenberg referindo-se a Pernambuco observa que este "dobrou de uma média anual de 61.000 t no fim da década de 1840 para 136.000 t no fim da década de 1880". Ora, esse aumento na produção pernambucana, realmente, em termos per capita, representa um ligeiro aumento na produtividade (cerca de 43%), visto que nesse período de 40 anos a população daquela província deve ter aumentado em cerca de 40%. Temos indicações, seguras, entretanto, de que tal aumento na produtividade não foi devido a mudanças nas técnicas do plantio da cana, mas decorreu de melhorias na etapa final de processamento do produto, isto é, de melhorias na sua etapa puramente industrial (ver abaixo).

Já em princípios do século XIX, Koster em suas peregrinações pelo Nordeste abrasileiro havia observado o atraso da lavoura canavieira em comparação com a situação reinante em outras regiões produtoras. O atraso podia ser notado tanto nos métodos de plantio como na obtenção do produto final - as máquinas empregadas em tais processos lembravam, em geral, as que se costumavam empregar nas Antilhas meio século antes. Para termos uma idéia do tipo de agricultura que o referido autor aqui encontrou reproduzimos algumas de suas observações.

"A agricultura no Brasil por muitos anos não tinha recebido qualquer melhoramento a não ser mui recentemente e, mesmo agora, é somente devagar e com muita dificuldade que as inovações são feitas. É inteiramente debalde esperar mudança rápida do sistema entre homens que nem sequer ouviram falar que existiam outros agricultores além deles próprios; que ficaram admirados ao saber que não era o Brasil o único país no qual se produzia açúcar."

Quanto ao método de cultivo nota que "As terras do Brasil não são jamais destocadas nem para plantar canas nem para qualquer outro fim agrícola. As inconveniências desse costume são notadas com maior saliência nos terrenos altos porque, nestes terrenos; todos os que são de algum valor estão naturalmente cobertos por mato fechado. A cana é plantada entre os numerosos tocos, pelo que muito terreno é desperdiçado, e como brotos desses tocos rebentam quase imediatamente, tal a rapidez da vegetação, as limpas se tornam muito trabalhosas... O mato é abandonado sobre o solo até que as folhas sequem. Em seguida toca-se fogo e aquelas são destruídas com o matagal e os galhos menores das árvores. Agora a madeira resistente é amontoada e queimada. Este processo é universalmente adotado no preparo da terra para o cultivo de qualquer planta..."

Observa a falta de uso do arado: "O processo geral de preparo da terra para os canaviais é cavá-la com enxada" e o uso do "olhômetro" como instrumento de medida: "As terras no Brasil não são medidas e cada distância é calculada pelo olhar." Quanto à adubação, observa que muito raramente os fazendeiros recorriam a tal método: "Soube que muito raramente se pratica a adubação. O bagaço, que é a cana de onde se extraiu o sumo, é inteiramente perdido, excetuando uma pequena porção que é comida pelo gado. O excremento do gado é também desprezado... Presentemente o agricultor acha mais conveniente mudar de um trecho de terra para outro, quando esse se torna improdutivo...”59

O fabrico do açúcar não recebe muitos elogios da parte de Koster: “Pelas informações que pude reunir, penso que a administração dos engenhos de açúcar nas ilhas colombianas (Antilhas) no meado do século último (XVIII) era igual à que vi praticar-se nas regiões visitadas por mim no Brasil.”60 E a opinião que formou acerca dos fazendeiros que se dedicavam à destilação não parece ter sido das melhores também. "Os plantadores brasileiros são menos diligentes no manejo de suas destilarias que noutra qualquer espécie de negócios."61

Não devemos por um momento pensar que tal situação de atraso generalizado se restringia ao Nordeste. Como bem observou Maria Schorer Petrone, em fins do século XVIII e início do século XIX, a situação da então capitania (depois província) de São Paulo era estarrecedora. Diz a referida autora:

"É realmente patética a descrição que esse governador [o Morgado de Mateus (1765-1775)] faz do estado da capitania em 1766. Diz que a população vive dos frutos que a natureza dá, da pesca e que, quando a terra não produzia mais muito, derrubavam nova mata, `desta sorte se achão as Campinas desta vizinhança de São Paulo sem dar fructo, do mesmo modo as de todas as villas dessa Capitania e o peyor he que por conseguirem o engodo do mato virgem, largão a habitação das povoações e vão atraz do mato afastando-se cada vez mais da Sociedade Civil'... Essas observações do Morgado de Mateus são de valor extraordinário, mostrando a presença de um sistema de agricultura itinerante."62

A referida autora também menciona o desconhecimento do uso do arado na província, no início dó século XIX.63 Embora no início do século XIX a província estivesse É bem verdade que a etapa puramente "industrial" de obtenção do açúcar foi consideravelmente sofisticada no Brasil, especialmente a partir do decreto de novembro de 1875, através do qual o governo imperial "intervém para ajudar a atrasada açucareira, seguindo o exemplo de Cuba [garantindo juros de 6% a 7% a.a. sobre o capital investido] para a construção de engenhos centrais nas diferentes províncias do Império".65 "A função do engenho central [seria] auxiliar os banguês em decadência, para o melhor aproveitamento do caldo de cana e melhoria do processo de fabricação... Paralelamente à formação dos engenhos centrais, inicia-se a instalação de usinas. Os primeiros consistem em modernas fábricas de moagem, de propriedade particular, mas de caráter semi-oficial, e obrigados a moer cana de terceiros; a usina, por sua vez, apresenta as mesmas características técnicas, mas é totalmente particular, possui sua própria lavoura e mói cana de fornecedores se quiser"66

Grande parte dessa modernização na etapa industrial da produção de açúcar, através da criação de engenhos centrais e usinas, foi produto de empréstimos que nunca foram saldados com o governo central. A princípio os resultados não parecem ter sido nada alentadores visto que na mensagem presidencial de 1891 ao Congresso Nacional, Deodoro da Fonseca assim se exprimia: "A indústria açucareira atravessa desde muitos anos crise profunda, que a influência dos engenhos centrais, em razão de seu pequeno número, não tem logrado atenuar. Os resultados obtidos do sistema de garantia de juros, estabelecido pela Lei de 6 de novembro de 1875, não têm correspondido de modo algum à expectativas pelo que propunha uma mudança no sistema de auxilio à lavoura açucareira. Parece que nos anos subseqüentes as mudanças continuaram a se processar lentamente, assim "em 1901, existiam em Pernambuco cerca de 1.500 engenhos [tradicionais] e pouco mais de 40 usinas. Até 1927, a produção dos engenhos é maior do que a das usinas, mas daí por diante estas últimas superam progressivamente aqueles".68 Embora lentamente, um fato permanece incontestável, isto é, de que a partir de 1875 parece ter havido mudanças que se foram acentuando com o correr do tempo na etapa final do processamento da cana, isto é, na sua etapa industrial, o que certamente deve ter levado a um aumento na produtividade do setor. Assim, L. E. Elliott, escrevendo em 1916, podia afirmar que:

"Uns poucos anos atrás, podia-se afirmar que os métodos empregados na produção e refinação do açúcar no Brasil eram antiquados e que a produtividade era baixa porque as máquinas empregadas eram inferiores; mas quem repetir esta história hoje em dia é porque não viu as grandes fazendas e usinas administradas cientificamente de Pernambuco, as usinas da região de Campos, onde a linha do horizonte encontra-se marcada por finas chaminés, nem tampouco o belo equipamento moderno de São Paulo." L. E. Elliott, O mesmo, entretanto, já não podemos dizer acerca dos aspectos puramente agrícolas da atividade açucareira. Embora a lavoura açucareira tivesse expandido sua área de cultivo no decorrer do século passado de forma. tal que o Centro-Sul no início do século parece ter. sido uma das áreas mais importantes da produção do produto, chegando a competir com Pernambuco, mesmo assim, os métodos de produção agrícola pouco evoluíram e a produtividade permaneceu baixa como não deixou de observar Elliott com relação aos Estados do Rio e de São Paulo. Este autor, embora atribuindo parte do fenômeno à qualidade do solo, não se podia furtar a atribuir boa parte do mesmo aos métodos inadequados de cultivo do produto, como bem demonstra a seguinte passagem:

"A produção média de cana-de-açúcar por hectare no Rio de Janeiro e em São Paulo é de cinqüenta toneladas, ou seja, um pouco mais que vinte toneladas por acre; esta média não se compara com a produção da área litorânea das Antilhas, onde de oitenta a noventa toneladas por acre são obtidas de terras impregnadas com cinzas vulcânicas... os solos brasileiros compostos principalmente de aluviões de origem granítica, oxidados pelo sol até adquirirem uma cor vermelho brilhante, são algumas vezes muito ricos, mas são freqüentemente solos de qualidade média que não podem ser utilizados excessivamente sem que ocorra uma exaustão; com uma adequada rotação de culturas estas terras produzirão generosamente, mas não deve surpreender a ninguém o fato de que em regiões onde o açúcar tem sido cultivado quase que ininterruptamente por um par de séculos, a produtividade por acre das plantações de açúcar seja relativamente baixa." Op. cit., p. 244 (o grifo é nosso).

Outros observadores são também unânimes com relação ao atraso do cultivo do açúcar nas primeiras décadas de nosso século. Moreira Machado por exemplo afirma que: "A cana-de-açúcar encontra em todos os Estados do Brasil os mais seguros elementos para ser cultivada com êxito e para apresentar rendimentos superiores a qualquer outro. Ela pode constituir um artigo de exportação brasileira muito mais importante que o café. Entretanto, é patente o atraso da exploração da indústria açucareira... há terras onde há longos anos se cultiva ininterruptamente a mesma variedade de cana-de-açúcar, sem nunca se haver procurado restituir-lhes a mínima parcela dos elementos delas sugados. Daí resulta se tornarem minguados os rendimentos culturais por hectare e muito inferiores aos outros países.

Contrastando a cultura do algodão com a da cana, somos forçados a chegar aproximadamente às mesmas conclusões: no que se refere aos aspectos puramente agrícolas estas foram duas culturas que, aqui, no Brasil, durante todo o século passado e até as primeiras décadas do século XX, não sofreram grandes mudanças tecnológicas. Os métodos descritos por Koster no início do século XIX eram aproximadamente os mesmos empregados nos anos 20 de nosso século: ainda a cultura era itinerante por natureza, ainda se usava o fogo para limpar as matas, ainda raramente se usava o arado, ainda se desconhecia quase que por completo todos os métodos para manter a fertilidade da terra, desconhecia-se o processo de seleção de sementes ou de variedades mais produtivas, enfim, desconheciam-se todas as inovações que em outros países tinham levado a um grande aumento na produtividade agrícola.

Infelizmente, estas duas culturas retratam bem o estado da agricultura brasileira nesse espaço de 120 anos. Veremos ao analisar o café que as mesmas deficiências apontadas com relação ao algodão e ao açúcar estavam presentes nessa cultura. Ora, essas eram as três culturas que em termos de mercado eram as mais significativas e que, por conseguinte, esperaríamos que estivessem mais propensas a sofrer os impactos das inovações externas e adaptá-las ao meio brasileiro, forçadas pela competição. No entanto, o que verificamos, pelo menos no tocante ao algodão e ao açúcar (e mais tarde verificaremos com relação ao café), é que nada disso aconteceu. Tecnologicamente essas culturas estagnaram. O que dizer da agricultura não voltada para o mercado externo? A situação desta não deve ter sido nada alentadora.

Como vimos as únicas inovações introduzidas nas lavouras analisadas o foram na fase final do processamento do produto, isto é, na sua fase industrial e mesmo essas inovações, como tivemos oportunidade de observar para o caso do algodão, não foram as mais adequadas para a nossa situação.

No início do nosso século, escreve Normano: "A produção de açúcar e de algodão [só] foi salva de um sério declínio graças ao nascimento do mercado interno. Incapazes de competir no mercado mundial, esses produtos forçaram o mercado doméstico a pagar o preço de seu trabalho ineficiente e caro, sendo defendido da concorrência estrangeira por tarifas proibitivas.."

Nessas condições de produção como observa o mesmo autor: "Quando os mercados mundiais criam nova necessidade de um produto, que o Brasil já produziu, o País responde a essa procura com um febril aumento de produção. Mas trata-se de uma economia frágil, 'Raubwirtschaft', um aumento de quantidade, e não de qualidade. Os altos preços desses períodos... estimulam-no a produzir mais, mas não a produzir mais barato. Os proventos são oriundos da quantidade, e não devidos a melhores métodos de produto".

O Café

Como afirma Viotti da Costa "é impossível datar exatamente o início da produção cafeeira nas províncias que se [tornaram] os principais centros exportadores desse produto". Mesmo assim, Roberto Simonsen se aventura a afirmar que a planta foi primeiramente introduzida no Pará em 1727, -vinda das Antilhas ou, talvez, da Guiana Holandesa, tendo chegado ao Centro-Sul, mais especificamente à região do Rio de Janeiro, por volta de 1770. Essa mudança do Norte para o Sul seria o início segundo Constantino Fraga "duma extraordinária expansão e do desenvolvimento de uma riqueza que iria dali até os dias atuais plasmar a civilização e a vida econômica do País"

Simonsen divide a história do café em cinco fases: "A primeira que se refere à implantação do seu uso e à sua propagação pelos principais centros culturais da Europa antes da existência, entre nós, de sua lavoura de exportação. Estávamos, então, inteiramente absorvidos pela mineração e preocupados com a cultura do açúcar e do fumo, e com a exportação do couro e especiarias. A segunda abrangendo o período entre 1727 e 1810, que chamaremos adaptação do cafeeiro ao País. A terceira compreende o espaço entre 1810 e 1870, e se destaca pelo desenvolvimento e abundância de nossa produção que no segundo quartel concorreria com mais da metade do consumo mundial. Assinalase ainda esse período pela expansão da cultura no Vale do Paraíba, unindo as antigas lavouras de cana-deaçúcar, da costa às velhas regiões mineradoras de além Mantiqueira. A quarta fase se destaca pela expansão da cultura no planalto piratiningano, onde o café havia penetrado desde o começo do século XIX, mas onde só passou a ter grande surto a partir de 1870. 0 ano de 1890 marca o princípio do predomínio da produção paulista. A exportação pelo porto de Santos ultrapassaria, em muito, de 1894 em diante, a do Rio de Janeiro. O quinto período, finalmente, iniciado em 1897,. assinala-se pela acelerada e desordenada expansão da cultura nas regiões paulistas, acarretando a superprodução."76

Quanto à primeira fase não há nada a acrescentar ao que Simonsen observa. Na segunda fase de Simonsen, parece que o cafeeiro ainda não havia encontrado seu habitat ideal no Brasil, permanecendo pouco mais que uma planta cultivada a título de curiosidade. Nesse período, o consumo mundial de café era suprido principalmente pelas Antilhas Francesas. Mas, com a Revolução Francesa, a produção das Antilhas decresce rapidamente, oportunidade da qual se aproveitam especialmente os holandeses e os ingleses, os primeiros para, desenvolverem a cultura do café em Java e os ingleses para desenvolvê-la no Ceilão. Já no final dessa fase, entretanto, o café encontraria nos arredores do Rio condições para se desenvolver. A princípio sua produção cresce lentamente, mas em fins do século XVIII e início do, século XIX já era suficientemente grande para atrair a atenção de alguns observadores. Assim, "Balbi,. em 1796, indica [uma] produção de 8.495 arrobas para o Rio de Janeiro. Já nos primeiros anos do século XIX começa a aumentar também a exportação pelo porto de Santos. Spix e Martins e Eschwege referem que ela oscila entre 1.000 (1804) e 10.000 (1813) arrobas, nos primeiros anos deste século. Mas o resultado das tentativas que se fazem nos arredores do Rio de Janeiro e nas regiões paulistas, onde ó agricultor ensaia o plantio do café ao lado do açúcar e do algodão, só se torna significativo pouco tempo antes da independência. Em 1818, o Rio de Janeiro produzia de 300 a 400 mil arrobas. Nessa época, entretanto, ainda estamos longe da produção maciça de meados do século".

A partir dessa época, entramos na terceira fase de Simonsen, qual seja a do rápido desenvolvimento do cafeeiro no Brasil. De uma situação inicial na qual, como observa Constantino Fraga, o Brasil produzia pouco mais do que o necessário para seu próprio consumo (em 1815) passa no espaço de pouco mais de uma década a suprir 19% da produção mundial e, num crescendo sempre constante, termina essa fase suprindo cerca de 50% do consumo mundial, como atestam os dados coletados por Normano.

Vários fatores são apontados para esse rápido desenvolvimento do café no Brasil. Primeiramente ha a considerar o aumento. na demanda mundial para o produto. Nas palavras de Viotti da Costa: "O plantio do café foi estimulado pela solicitação crescente do produto por parte dos países europeus, principalmente depois de cessadas as convulsões político-econômicas provocadas pelas guerras napoleônicas e pelo Bloqueio Continental. No mesmo sentido agiu a demanda dos Estados Unidos que atravessavam um período de progresso e melhoria geral do nível de vida." Podemos acompanhar esse rápido crescimento na demanda mundial de café através dos dados coletados por Simonsen. Este autor afirma que o valor da produção mundial do produto que em 1800 não alcançava £2.000.000 (quando o volume total do comércio internacional atingia mais de £3.000.000.000), já em 1825, "o comércio mundial do café atingira 1 1/2 milhão de sacas no valor de mais de 3 milhões de libras" e em 1850 a produção e o consumo já atingiam a cifra de 4 1/2 milhões de sacas.

Um segundo fator que facilitou o desenvolvimento do cafeeiro no período teria sido o colapso da economia de mineração em Minas que liberou a mão-de-obra para a pecuária e para a agricultura. Esta parece ter sido quase uma condição sine qua non para o desenvolvimento do cafeeiro visto que a planta só produz depois de quatro anos e "se já não existissem outras culturas e mão-de-obra oriunda da mineração, não [teria sido] possível promover o seu incremento em um país onde escassearam capitais e que se achava a braços com crises econômicas e lutas políticas verificadas após a independência". A mineração, como bem observou Simonsen, não somente forneceu a mão-de-obra como havia

"concentrado avultados capitais investidos em escravaria e gado", o que permitiu o desenvolvimento da cultura do café a partir do início do século XIX.

Um terceiro fator, certamente não desprezível, é que o cafeeiro parece ter encontrado nos arredores do Rio não diríamos seu habitat ideal, mas algo que se aproximava de tal. E, finalmente, a própria transferência da corte para o Rio parece ter influído no plantio do café. Nos dizeres de Simonsen; "D. João VI e os fidalgos que o acompanhavam estimularam o uso do café e seu plantio. Taunay, em sua .Propagação da Cultura Cafeeira, relata um episódio interessante sobre a distribuição de sementes pelo próprio monarca, aos nobres da corte, insistindo para que as cultivassem".

E, assim, foi em "território fluminense que a cafeicultura se firmou definitivamente no Brasil", especialmente na zona do Vale do Paraíba, nas encostas das serras atlai ficas e nos contrafortes da Mantiqueira, zonas mais altas, com altitudes variáveis entre 200 m e 600 m, mais propícias ao cultivo do café, zonas estas cobertas por matas e habitadas por índios que dali foram repelidos ou exterminados pelos cafeicultores para dar lugar à nova cultura. Dessa forma se iniciou o desenvolvimento da cultura do café através do Vale do Paraíba na zona do Rio e foi "pela margem esquerda do grande rio que as plantações invadiram a zona da Mata em Minas Gerais".

Devemos observar que nessa primeira fase de seu desenvolvimento o café se fixou especialmente na zona ocidental do Vale do Paraíba e foi em decorrência do desenvolvimento de sua cultura que se desenvolveram cidades como Vassouras, São João Marcos, Passa Três, Sant'Anna, Rezende etc. "Entre 1830 e 1860, foi a região ocidental do Vale do Paraíba que deteve a hegemonia econômica da província." Por volta de 1860 "começa a zona a cair em decadência e as culturas foram se deslocando para a parte oriental da bacia do Paraíba, na região compreendida entre Cantagalo e Paraíba do Sul... [e] ... à medida que declinava a produção na face ocidental do Paraíba crescia a da zona da Mata em Minas Gerais e a da zona nordeste da província fluminense" "A hegemonia cafeeira se deslocou, assim, para a parte oriental do Paraíba, continuando, todavia, a mantê-la o grande vale." O café já nesse período, entretanto, havia penetrado pelo Vale do Paraíba, na região de São Paulo, e mais tarde começaria a ser cultivado na zona de Campinas e Jundiaí mas aparentemente sua cultura não teve grande impulso na área de São Paulo na primeira metade do século por razões que veremos logo mais. Chega nesta província, é bem verdade, a competir como cultura com a canade-açúcar, a tal ponto que na década de 40, Santos que era primordialmente um porto exportador de açúcar passa a ser um centro exportador de café. Mesmo assim, o volume produzido era reduzido se comparado com o da zona fluminense. Simonsen aponta para as dificuldades de transporte e a baixa densidade populacional como os principais fatores que obstaculizaram o desenvolvimento dessa cultura na Província de São Paulo até a segunda metade do século.

Nessas circunstâncias, durante a maior parte do Império foi a província fluminense o grande centro produtor de café no Brasil. Segundo Simonsen "a sua produção cafeeira a partir de 1835 ultrapassa a média anual de 1 milhão de sacas. Excedeu a 1500.000 a partir de 1840. Em 1870 já era superior a 1.800.000. Em 1822 atingiu seu apogeu com 2.600.000 sacas. Declinou a seguir, caindo em 1889 a 1.800.000; na década de 1890 a 1900 conservou a média geral de 1.400.000 sacas. [Só] a partir de 1901 [é que] " a média cai a menos de 1 milhão de sacas.

Ainda segando o mesmo autor, "na década de 1870-1880 a produção fluminense representava 60% da exportação brasileira; Minas Gerais fornecia 25%; São Paulo, 10%; Espírito Santo e outras regiões, 5%".95

A cultura do café começa a adquirir maior importância na região de São Paulo só a partir da segunda metade do século XIX. Partindo de uma situação onde esta província produzia, segundo Simonsen, somente 10% da produção nacional [década de 70-801, em pouco tempo ultrapassava o Rio, tomando-se na década de 90 a maior produtora nacional da rubiácea.

O desenvolvimento da cafeicultura em São Paulo se deu em duas etapas. A primeira destas seria o período que iria até meados do século, em que as zonas paulistas produtoras de café estavam concentradas no Vale do Paraíba e no litoral Norte. A segunda etapa seria o período de 1850-1860 em diante, a partir do qual a zona Oeste do planalto paulista torna-se o maior centro produtor do Estado. É justamente o desenvolvimento do café na zona Oeste que permitirá duplicar sua produção entre as safras de 70-71 (quando produziu 535.000 sacas) e a de 80-81 (quando a produção já se elevava a 1.204.000 sacas), e triplicar novamente entre 80-81 e 91-92 para um total de 3.616.000 sacas. Assim, num período de 20 anos a produção do Estado aumentou em mais de seis vezes, estabelecendo definitivamente a hegemonia paulista quanto à cultura do café. Duas perguntas surgem com relação a essa hegemonia que se estabelece a partir da década de 90 em relação às outras zonas produtoras. Primeiramente, como foi possível esse rápido aumento na produção paulista no espaço de cerca de duas décadas? Em segundo lugar, por que as outras regiões não acompanharam o desenvolvimento paulista, fato esse da maior relevância visto que permitiu que houvesse um deslocamento do centro geográfico da produção do produto?

Até certo ponto as respostas a essas duas perguntas estão inter-relacionadas. Examinemos primeiramente os fatores que tornaram possível a rápida expansão da cultura do café em São Paulo a partir de 1870. Lembremos que até meados do século a cultura já era conhecida na província, chegando a competir e inclusive a substituir a cultura da canade-açúcar em muitas áreas. Maria Schorer Petrone enfatiza em sua obra sobre a cultura de cana-de-açúcar em São Paulo que, muito provavelmente, foram os capitais acumulados no período de produção de açúcar que permitiram aos fazendeiros paulistas se dedicarem, quando o momento oportuno surgiu, à produção de café, relegando a cana a um segundo plano. Acreditamos que essa mudança da produção de açúcar para a de café foi primordialmente uma decorrência direta de dois fatores de natureza econômica. Primeiramente, "ao passo que a média de produção de açúcar por escravo não alcançaria talvez 50 arrobas, a de café se elevava praticamente ao dobro" enquanto os preços mantinham uma certa paridade. Isto quer dizer que o café representava a possibilidade de uma considerável elevação dos lucros por escravo em relação ao açúcar. Em segundo lugar, o café era de transporte mais fácil, menos sujeito à deterioração que o açúcar, chegando aos portos, conseqüentemente, em melhor estado de conservação, o que certamente refletia no seu preço. Em síntese: já existiam antes de 1870, em São Paulo, áreas onde se cultivava o café, o que certamente iria facilitar sua expansão após 1870.

Em segundo lugar, um fator que parece ter dificultado enormemente o aumento na produção do produto na província até 1870 era a inexistência de um bom sistema de transporte, ligando as zonas produtoras ao porto de Santos. Ora, esse problema foi resolvido a partir do término da Santos Jundiaí em 1867 e da construção das ferrovias que, partindo desse tronco, se lançaram pelo interior adentro.


Em terceiro lugar podemos mencionar a escassez de mão-de-obra. Enquanto persistiam os métodos de cultura baseados no regime escravocrata, a expansão da cultura do café estava intimamente relacionada com a possibilidade de obtenção de um maior número de escravos.100 Ora, a partir de meados do século, o tráfico de escravos é abolido e o preço da mão-de-obra começa a se elevar. Embora a lavoura de café tivesse conseguido atrair escravos do Nordeste e de outras regiões para o Centro-Sul do País, a escassez relativa destes e seu preço sempre em ascensão colocava um limite à expansão da cultura. O que temos aqui, portanto, são dois problemas contidos num só: a carência de mão-de-obra e o alto investimento que esta representava para qualquer fazendeiro que quisesse expandir sua produção de café. Ambos problemas representavam mais uma barreira à expansão da cafeicultura. Foi só quando começaram os grandes fluxos imigratórios europeus para o Centro-Sul do País, especialmente para São Paulo, a partir de 1870101 é que simultaneamente ambos os problemas o da escassez de capital para a aquisição de mão-de-obra e a própria falta de mão-de-obra foram resolvidos permitindo um aumento na produção de café.

Em quarto lugar não devemos esquecer a famosa terra roxa, que permitiu um grande aumento na produção da lavoura do café. Nos dizeres de Simonsen "o cotejo da produção dos 'cafezais' do oeste paulista e o de sua qualidade, com os do Vale do Paraíba, evidencia a superioridade das condições econômicas em que se encontrariam os lavradores de São Paulo. As manchas de terra roxa, principalmente nos terrenos tirados à mata virgem, davam uma produtividade assombrosa, havendo exemplos de colheita de mais de 300 arrobas por mil pés",102 enquanto a produção média em outras áreas por mil pés deveria, em 1873, estar regulando por volta de 50 arrobas, segundo Louis Couty, e "as qualidades obtidas gozavam de preferência e alcançavam cotações mais altas que os cafés duros do Paraíba".

Finalmente, não devemos nos esquecer que o grande aumento na produção do café em grande parte foi devida à especialização das unidades produtoras, isto é, das fazendas. As fazendas, que até fins da primeira metade do século passado eram unidades razoavelmente auto-suficientes, tornaram-se cada vez menos auto-suficientes tendendo à especialização. Stanley Stein referindo-se ao problema da escassez da mão-de-obra depois da abolição do tráfico assim se expressa: "Antes da década de 1850 tanto a grande como a pequena lavoura plantavam gêneros alimentícios para o consumo particular, vendendo para fora os excedentes. Atraídos pelas altas cotações do café nos começos daquela década, e temerosos da [escassez) da mãode-obra... diminuiu a grande lavoura suas áreas de produção de mantimentos, dedicando toda sua mão-de-obra à produção de café... A pequena lavoura, por outro lado, se desinteressava também pela produção de víveres, porque a elevação do preço de escravos lhe tornava difícil sua aquisição, levando-a a vender os poucos que possuía aos grandes fazendeiros ou aos construtores de estradas.” O resultado dessa especialização na produção de café foi a elevação nos preços dos mantimentos como bem atestam os dados compilados por Stein para o Rio e para Vassouras (Tabela 15).

Viotti da Costa observa o mesmo fenômeno nos seguintes termos: "Tschudi assinalava que os altos preços atingidos pelo café haviam seduzido os fazendeiros que aumentavam seus cafezais em detrimento de outras lavouras. Com isso, muitos escravos eram retirados de outros afazeres e concentrados na cultura desse produto. Os fazendeiros preferiam comprar ou importar os víveres necessários. O resultado era que o Brasil se vira a importar milho, arroz e feijão dos Estados Unidos e da Europa." Essa situação deve ser contrastada com a visão de auto-suficiência geralmente presente nas fazendas brasileiras da época. Stein, citando Couty, nos afirma que: "Na fazenda... tudo ou quase tudo é feito pelo negro: foi ele quem construiu as casas, fez os tijolos, cerrou as tábuas, canalizou a água etc.; as estradas e a maior parte da maquinaria do engenho são, assim como as terras cultivadas, produto de seu trabalho. Também ele criou o gado, os porcos e outros animais necessários à fazenda. Muitos eram empregados nas tarefas relativamente improdutivas da sede, como arrumadeiras e copeiras, moços de estrebaria e cozinheiras, e pajens dos homens livres, de suas mulheres e filhos." Na primeira metade do século, quando a especialização ainda não tinha chegado ao auge, o pouco comércio existente entre a fazenda e o "mundo exterior" consistia "na troca de café e de outros produtos despachados [geralmente] para o Rio [recebendo em troca] ferramentas necessárias para as derrubadas, assim como os escravos para manejá-las, e, também, sal e tecidos de algodão". Em outras palavras, só recebiam de fora os produtos que não podiam de forma alguma ser produzidos dentro da própria fazenda. Stein em outra parte de sua obra sobre o café descreve com grande minuciosidade a austeridade que a auto-suficiência impunha às primeiras fazendas de café, auto-suficiência e austeridade que foram desaparecendo à medida que a cafeicultura adquiria vulto.

Quanto ao segundo problema levantado: o porquê do deslocamento geográfico da'' cultura do café, isto está intimamente relacionado com dois aspectos já levantados, quais sejam: o problema de mão-de-obra e o problema das terras apropriadas ao cultivo do café, com a adição de mais um - as técnicas de plantio então utilizadas. Primeiramente vejamos o aspecto da mão-de-obra. Como observamos, a primeira região a estabelecer sua hegemonia com relação ao café foi a fluminense. Ora, nessa área o café chega ao seu período áureo bem antes das grandes imigrações européias para o Brasil que se iniciaram na década de 70. Nessas condições, o desenvolvimento da cultura do café na região estava irremediavelmente preso à obtenção de mão-de-obra escrava. A partir de 1850 o tráfico de escravos praticamente cessa. Nessas circunstâncias, havia duas possibilidades para a obtenção de mão-de-obra escrava. Primeiramente desviá-la de outras atividades ou áreas para a cultura do café. Em segundo lugar, através de um aumento natural na população escrava. Com relação à primeira alternativa ocorreram ambos os fenômenos: uma maior concentração dos escravos na produção de café, o que levou, como vimos, a uma diminuição na auto-suficiência das fazendas e, em segundo lugar, à transferência de mãode-obra escrava do Norte/Nordeste para a zona do café, como bem enfatizam Stein e Viotti da Costa. Mas ambas essas possibilidades tinham seus limites. Uma vez concentrados todos os escravos no plantio do café e transferida a maior parte do Norte/Nordeste para a zona cafeeira, pouco se podia esperar por esse lado.

Restava a alternativa de o crescimento vegetativo da população escrava suprir a deficiência de mão-de-obra. Mas no tocante a esse aspecto, o que notamos no século passado foi uma taxa de crescimento negativa da população escrava. Segundo Viotti da Costa "o Barão de Piabanha, fazendeiro da Paraíba do Sul, na Província do Rio de Janeiro confessava... que, apesar do bom tratamento e cuidados, o número de escravos reduzia-se em cinco por cento ao ano, dada a elevada mortalidade infantil e ao pequeno número de mulheres que, nessa época, estavam na proporção de uma para cinco". Em geral, o tratamento concedido aos escravos não era nada bom como nos faria crer o testemunho do Barão de Piabanha. As condições higiênicas em que viviam deixavam muito a desejar; eram freqüentemente sujeitos a maus-tratos; e a alimentação parece ter sido, em geral, bastante deficiente visto que são freqüentes as alusões a escravos comerem terra, o que inegavelmente só pode ser um indício de uma dieta desequilibrada. Não é de se estranhar, portanto, que a população escrava tenha mostrado durante todo o período da escravidão uma taxa de crescimento vegetativo negativo. Na realidade, tão precárias eram as condições de saúde dos negros que, mesmo após a abolição, astaxas de mortalidade entre estes permaneceram bem superiores às dos brancos.

Ora, a extensão da cultura cafeeíra estava intimamente ligada à possibilidade de obtenção de mão-de-obra. Na realidade, o café é uma das poucas culturas onde as possibilidades de substituição de mão-de-obra por máquinas são razoavelmente limitadas. Existe tal possibilidade nas etapas finais do processamento do café, mas não na etapa propriamente agrícola. Nessas condições não é de se estranhar que numa época e numa área onde o sistema de produção predominante era aquele baseado na mão-de-obra escrava, esta área (a região fluminense) visse suas possibilidades de expansão da cultura limitadas.

Vamos encontrar um segundo fator limitativo nas terras. É sabido que o café requer terras de um determinado tipo quanto à altitude (entre 200m e 600m), quanto a insolação, aeração etc. As áreas na zona fluminense propícias ao café eram aquelas que Simonsen define como sendo as terras médias do Vale do Paraíba. Uma vez ocupadas essas terras (o que já havia ocorrido por volta de 1860), não havia mais áreas onde o café pudesse ser plantado na zona fluminense, isto é, o limite de produção dessa zona havia sido atingido.

Com relação a São Paulo, essas duas limitações praticamente inexistiam no período estudado. O problema da mão-de-obra começa a ser resolvido a partir da década de 70 com os grandes fluxos migratórios europeus. Em segundo lugar a área apropriada ao cultivo do café era bem superior à da zona fluminense. O único fator limitativo à exploração dessas terras era a inexistência de meios adequados de transporte, problema que, como vimos, começa a ser solucionado a partir de 1867 com o término da construção da Santos-Jundiaí e com o início da construção das demais ferrovias que a esta se ligaram abrindo vastas áreas do Estado nas quais o café podia ser produzido.

Finalmente, irão devemos esquecer talvez o fator mais importante na determinação do deslocamento geográfico da cultura do café: ao cabo de alguns anos os métodos de plantio utilizados levaram ao esgotamento da terra e forçosamente ao deslocamento geográfico da cultura. Com relação a este aspecto as referências são por demais numerosas e bem conhecidas para nos delongarmos num relato minucioso. Contentar-nos-emos em reproduzir um trecho de Stein acerca do empobrecimento na zona fluminense. Este autor nos afirma que "Um relatório provincial [de 1859] censurava o `espírito de rotina que domina muitos de nossos fazendeiros'. Perguntava um outro comentador: `com a mesma mão-de-obra como poderíamos produzir em terras agora esgotadas e supostamente sem valor o mesmo que produzíamos em terras virgens, sem mudar o sistema ao qual nossos fazendeiros se acham tão apegados? Raro e incisivo foi um protesto local contra' o espírito de rotina... [os] preconceitos enraizados... [a] completa repulsa pelo exame e estudo científico da agricultura. Alguns anos antes, um comerciante com negócios tanto em Vassouras como no Rio desesperava do sistema de converter encostas férteis em morros áridos: já que não se faz nenhum esforço para melhorar o solo por meio de adubação, de irrigação ou de qualquer outro sistema, a terra se esgota rapidamente'. Concluiu comentando que o solo é cultivado por métodos e instrumentos de trezentos anos atrás ."

Com o esgotamento das terras na zona fluminense e a abertura de terras novas na região de São Paulo não podia senão se processar a mudança do eixo geográfico da cultura do café, já mencionada.

Foi dentro do contexto que acabamos de descrever que se desenvolveu rapidamente a cultura do café no Brasil a partir de 1830. Na tabela a seguir sintetizamos os dados mais importantes relacionados com a cultura do café no século compreendido entre 1820 e 1920.

O que observamos pela tabela a seguir não é nada mais do que uma confirmação do que foi exposto. Verificamos que durante o período em que a zona fluminense deteve sua hegemonia, a produção de café cresceu até atingir um máximo de 3,6 milhões de sacas. Durante esse período a produtividade provavelmente deve ter permanecido constante, com, talvez, um ligeiro declínio no final do período indicado pelo número de sacas exportadas per capita se compararmos o nível da década 51-60 com o nível das duas décadas seguintes (6170 e 71-80).


A partir da década de 80, quando a produção das terras roxas paulistas começa a aumentar, não somente a produção dá um salto como a produtividade parece ter aumentado substancialmente, o que confirma as asserções de Simonsen e de outros autores sobre a superioridade das terras do Oeste paulista em comparação com as do Vale do Paraíba.

O resultado da expansão da cafeicultura foi um rápido aumento no nível de renda na zona Centro-Sul, até certo ponto refletida pela 74 coluna de nossa tabela (anterior), que de um nível de £ 3,5 de café exportado per capita nas décadas de 50 e 60 mais que dobra para um nível de £ 7,2 em fins do século, com importantes conseqüências para o desenvolvimento do Centro-Sul, como veremos oportunamente.

O que gostaríamos de enfatizar agora, entretanto, é que esse aumento no nível de renda na zona Centro-Sul não decorreu de nada que pudéssemos chamar de uma revolução agrícola (quanto ao cultivo do café) nos moldes que ocorreu na Europa.120 Houve um aumento na produtividade e certamente, em parte, devido a esse aumento na produtividade, um aumento na renda-per capita como a última tabela e a Tabela 5 dão claramente a entender. Mas esse aumento na renda per capita foi, digamos assim, fortuito. Decorreu primeiramente do deslocamento do centro geográfico da produção de café. Tal deslocamento deveu-se aos métodos antiquados de produção do produto que tornaram inclusive essa cultura, a mais importante, aqui no Brasil, uma cultura itinerante. O deslocamento provocado fez o café sair do Vale do Paraíba, onde, em geral, a produção média talvez não alcançasse 100 arrobas por mil pés, e entrasse numa zona de terras bem mais férteis, onde não era difícil encontrar níveis de produção, como menciona Simonsen, de 300 arrobas por mil pés. Em segundo lugar, o aumento na renda per capita na zona Centro-Sul decorreu de uma maior concentração da mão-de-obra na produção de café, produto mais rendoso do que o açúcar ou do que os outros produtos de exportação ou subsistência. Houve, portanto, uma especialização na produção de café o que contribuiu para a elevação no nível de renda. Em terceiro lugar, não devemos esquecer os fatores externos que provocaram, a partir da década de 70 até fins do século, o aumento do preço do café em termos reais em cerca de 50%. Podemos atribuir parte dessa elevação no preço à melhor qualidade do produto decorrente da utilização de máquinas nas etapas finais do processamento do produto, à melhor qualidade das terras bem como aos métodos mais eficientes de transporte que estragavam menos o produto. Mas, em grande parte, esse aumento nos preços foi conseqüência do aumento na demanda para o produto mais rápido que o aumento na oferta.121 Como observa Simonsen: "Durante o século XIX, o comércio mundial subiu de 300 milhões para cerca de 8 bilhões de libras em princípios do século XX. Cresceu, pois, o comércio internacional cerca de 20 vezes, crescendo também o comércio mundial do café na mesma proporção.”122 Ocorre que o crescimento na demanda, como já observamos, parece não ter sido acompanhado na mesma proporção pelo crescimento na oferta. Uma das razões para tal fenômeno é a redução da oferta de países concorrentes do Brasil, como foi o caso do Ceilão. Em 1817, [esta] ilha produzia 150 toneladas [de café] e em 1868, cerca de 50 mil, quase 1 milhão de sacas. Em 1867 vítima de 'Hemileia Vestatrix', terrível praga que lhe devorou os cafezais, de tal arte que em 1880, se extinguindo por completo sua produção, Ceilão passou a ser grande cultivador de chá."123 Ora, uma demanda em franca ascensão com uma oferta que não a acompanhava provocou uma alta dos preços, e disso se beneficiou o Brasil.


Em síntese: dentre os fatores citados não encontramos nenhum que se assemelhe aos fatores que levaram a um aumento na produtividade agrícola nos países europeus nos séculos XVIII e XIX, fatores esses que em seu conjunto levaram ao que Bairoch, P. Deane e vários outros historiadores econômicos europeus chamam Revolução Agrícola.

O que acabamos de analisar foi a evolução da cultura dos três principais produtos agrícolas exportados pelo Brasil até as primeiras décadas deste século. Na análise da evolução dessas culturas observamos sempre a presença de um mesmo fenômeno: a ausência quase total de inovações técnicas na etapa puramente agrícola. Verificamos que nas etapas industriais algumas inovações chegaram a ser introduzidas, mas não nas fases agrícolas, a não ser talvez em escala modesta nas primeiras décadas deste século. Basicamente durante todo o período analisado (1820-1920), as técnicas de produção agrícola que eram empregadas em seu início (1820) eram ainda empregadas em seu término (1920). Isto aconteceu nas três culturas de maior importância econômica para o País e para as quais seríamos levados a esperar um maior interesse e uma maior propensão à introdução de inovações. Se tal não ocorreu nessas culturas, o que dizer daquelas de menor importância econômica. Aqui a evidência empírica não falta. Em 1925 um técnico do Serviço de Expansão e Fomento Agrícola, do Ministério da Agricultura, nos informa acerca do "predomínio de sistemas culturais extensivos, moldados em tradição empírica". José Francisco Camargo, escrevendo na década de 50, nos relata que..: "A racionalização das culturas, como um dos aspectos principais do funcionamento orgânico dos elementos produtivos, encontra-se ainda numa fase experimental entre nós." E prossegue o mesmo autor afirmando que "a derrubada e a queima das matas e o emprego subsidiário de aparelhos rudimentares para a plantação e o trato dos vegetais eram a regra por ocasião do recenseamento de 1920". Ainda é Camargo que nos afirma: "os resultados gerais do censo da lavoura, levado a efeito no Brasil em setembro de 1920, permite registrar que, num total de 648.153 estabelecimentos rurais recenseados, apenas 97301, ou cerca de 15%, possuíam investimentos ou maquinismos destinados à cultura dos campos". E, continua: "Convém notar que a quase totalidade desses instrumentos achava-se concentrada, em 1920, nas Regiões Sul e Sudeste - nos Estados do Rio Grande do Sul e São Paulo: 97,8% do_ número total... Arados, grades, semeadeiras, cultivadores, em maior escala e tratores, em menor. Observe-se ainda que 44,5% dos estabelecimentos agropecuários do Rio Grande do Sul possuíam instrumentos agrários em 1920; índice igual a 18,3%, no Paraná; 17,4% em Santa Catarina e 16,9% em São Paulo."

Exceção feita, portanto, ao Rio Grande do Sul, onde talvez devido ao tipo de imigração recebida (européia, mas da Itália e Alemanha em sua grande maioria) os agricultores estavam mais propensos a se valer de instrumentos agrícolas. O que encontramos, mesmo nas regiões mais prósperas como São Paulo, é um baixo índice de utilização de máquinas. Tudo isso nos leva a concordar com J. F. Normano quando no início da década de 30 perguntava: "Por que motivo o Brasil perde continuamente a supremacia mundial nos diferentes produtos [agrícolas]? Por que motivo a produção não pode competir com a concorrência estrangeira? O principal motivo do sucesso do Brasil, nos primeiros tempos do aparecimento de um produto, reside no fato de a produção brasileira poder satisfazer a uma procura nova de matéria-prima. A História mostra que a supremacia do Brasil usualmente corresponde aos períodos do primeiro aparecimento de um produto em grandes quantidades nos mercados mundiais. Foi isso o que sucedeu com o açúcar, o algodão, o cacau, o fumo, a borracha, o café. Da mesma forma que os Estados Unidos da América do Norte baseiam a sua supremacia industrial do século XX na produção maciça de seus novos artigos, a supremacia do Brasil tem sido baseada em produtos novos de matéria-prima. Quando os mercados mundiais criam nova necessidade de um produto, que o Brasil já produziu, o País responde a essa procura com um febril aumento de produção. Mas trata-se de uma economia frágil, `Raubwirtschaft', um aumento da quantidade, e não de qualidade. Os altos preços desses períodos de primeiro aparecimento de novos produtos estimulam-no a produzir mais, mas não a produzir mais barato. Os proventos são oriundos da quantidade, e não devidos a melhores métodos de produção.” Uma vez cessado o período de altos preços a cultura entra em retrocesso econômico em decorrência da falta de introdução de inovações nos seus métodos de produção.

Talvez uma das poucas culturas que conseguiu escapar a esse padrão identificado por Normano foi o café. Mas o café é uma das poucas culturas onde as possibilidades de introdução de inovações tecnológicas, a não ser nas fases finais de preparo do produto, são bastante limitadas. Aí talvez resida a razão para uma vez o Brasil ter atingido a supremacia_ na produção desse produto e nunca tê-la perdido. Mas voltamos a enfatizar que embora o aumento no nível de renda per capita a partir da segunda metade do século passado estivesse intimamente ligado ao progresso da cultura cafeeira, não podemos de forma alguma identificar esse "progresso" como sendo semelhante à "Revolução Agrícola" que ocorreu antes da (ou segundo alguns autores concomitante com) a Revolução Industrial nos países europeus e no Japão. É bem verdade, como já vimos, que houve um aumento na produtividade da mão-de-obra, mas as causas desse aumento, como também vimos, foram bem diferentes dos fatores que levaram a Europa à sua Revolução Agrícola.

De qualquer forma á cultura do café foi a mola propulsora do desenvolvimento brasileiro, a partir da segunda metade do século passado. Convém, portanto, que estudemos em maior detalhe do que no capítulo anterior as implicações e o interrelacionamento do desenvolvimento da cafeicultura com os demais setores econômicos.

Vejamos os efeitos da elevação do nível de renda no Centro-Sul através da cafeicultura. O desenvolvimento da cultura do café com o conseqüente aumento no nível de renda nesta região permitiu primeiramente uma aceleração no processo de acumulação de capital. É interessante observar que num regime escravocrata, como enfatizam Viotti da Costa e Roberto Simonsen, as inversões iniciais necessárias para o desenvolvimento do café eram relativamente elevadas porque o fazendeiro necessitava não somente de terras, o que já envolvia um certo investimento (em alguns casos, diríamos mesmo, vultosos investimentos), como também necessitava de capital para a aquisição de encravaria. Como vimos, na zona fluminense, o capital necessário para o início da cultura na região parecia já existir no início do século XIX, após o colapso da mineração em Minas, principalmente na forma de escravos concentrados na região. Já em' São Paulo, como demonstra Maria Schorer Petrone em sua tese sobre a lavoura canavieira, parece ter sido o desenvolvimento desta até os anos 40 nesta província que permitiu a acumulação do capital necessário ao desenvolvimento inicial do café na região. Mais tarde, com o início da imigração européia, provavelmente os investimentos iniciais para uma fazenda de café devem ter caído, visto ter-se tornado cada vez mais desnecessária a aquisição de escravos para desenvolvê-la.

Mas uma vez iniciada a cultura do café esta se tornou uma potente máquina geradora de capitais. Os lucros envolvidos em tal empreendimento eram altos e assim permaneceram durante todo o período analisado (exceção feita a curtos períodos de crise). Acreditamos mesmo que talvez tenham aumentado a partir dos anos 60 ou 70 em decorrência primeiramente da redução nos custos de transporte - devido ao desenvolvimento das ferrovias, fator já observado -, e, em segundo lugar, devido à crescente utilização de mãode-obra livre. A mão-de-obra livre em comparação com a mão-de-obra escrava parecia ser mais produtiva e implicava custos de manutenção mais baixos. Além do que, apesar dos aumentos nas cotações mundiais do café, os salários dos colonos entre os anos 50 e 90 parecem ter permanecido estacionários, o que certamente deve ter contribuído para uma elevação do lucro dos cafeicultores.


Diversificação da Economia Primária Exportadora

A acumulação de capital não somente permitiu a expansão da própria cafeicultura como levou a uma crescente diversificação da economia. Essa diversificação, produto da "transferência" dos capitais gerados no setor cafeeiro para outros setores, se processou de forma direta em alguns casos, porém, na maior parte das vezes, de formas indiretas. Tais transferências se processaram primeiramente pela criação de uma infra-estrutura ferroviária. A tabela abaixo sintetiza o crescimento da rede ferroviária nacional no período.

Devemos observar que o crescimento da rede ferroviária foi produto e, até certo ponto, mola propulsora da cafeicultura como bem observou Alberto Salles com relação a São Paulo. Também iremos encontrar apoio para tal afirmação em outras fontes, como por exemplo no relato minucioso de Castro Carreira sobre a situação das ferrovias brasileiras no fim do Império.133 Este autor conseguiu fazer um levantamento quase que completo das estradas de ferro então existentes, deixando apenas de mencionar alguns ramais então em construção. De um total que encontrou de 7.165 km de ferrovias construídas até a época, estas se encontravam distribuídas da seguinte forma do ponto de vista geográfico:

A partir dos dados da Tabela 18 podemos constatar que 62% da quilometragem então existente, isto é, quase 2/3 de nossas ferrovias, achavam-se concentrados no Centro-Sul do País, isto é, na zona cafeeira. Sintomático também da estreita vinculação entre o desenvolvimento da cafeicultura e o desenvolvimento ferroviário é o fato de a primeira estrada de ferro a ser construída em São Paulo ter tido por objetivo facilitar primordialmente o escoamento da safra de café. O historiador econômico norte-americano Richard Graham, ao se referir às estradas de ferro do Centro-Sul do País, assim se expressa:

"Todas as ferrovias no Centro-Sul do Brasil estavam intimamente ligadas ao café. Um explorador norte-americano comentou que a Estrada de Ferro D. Pedro II `foi construída para transportar café, este é seu negócio principal e quase que sua única fonte de receita'. De igual maneira, nos primeiros dois meses de operações da São Paulo Railway Company mais da metade da carga transportada foi café. Quando no ano seguinte o tráfego na linha aumentou em 36%, a explicaçao podia ser encontrada no `rápido desenvolvimento' da produção de café. Quando as exportações de café aumentavam, os lucros subiam; e quando diminuíam, os lucros caíam. Foi, portanto, a demanda do mercado internacional que fez do café um produto importante, e foi a busca desse produto cuja cotação subira recentemente que levou as ferrovias a entrar pelo interior." Op. cit., pp. 66, 67.

É interessante comparar os resultados financeiros das estradas de ferro construídas no Centro-Sul com as estradas de ferro construídas no Nordeste. Enquanto no Centro-Sul as ferrovias no mais das vezes fizeram lucros, e no caso da SantosJundiaí estes foram extraordinários a ponto de Graham considerá-la uma verdadeira mina de ouro, no Nordeste a situação era bem diversa. As estradas de ferro construídas nessa região em sua grande maioria não chegaram a ter o sucesso econômico esperado. Parece-nos claro que tal contraste só pode ser explicado em função das transformações econômicas que se operavam nestas duas regiões. Enquanto no Nordeste, a economia, o que quer dizer a produção per capita, estagnava, no Centro-Sul observamos exatamente o inverso. Ora, o êxito das ferrovias não podia senão estar preso ao desenvolvimento da estrutura produtiva, especialmente daqueles setores voltados para a exportação. Assim, não é de se estranhar que no Nordeste as ferrovias não fossem bem-sucedidas, enquanto no Centro-Sul o êxito de algumas delas chegou a ser impressionante.

Embora intimamente relacionadas com o desenvolvimento do café, as ferrovias desempenharam papéis diferentes nas diferentes zonas cafeeiras. Como observou Simonsen: "Ao passo que na Província do Rio de Janeiro, o grande surto cafeicultor se operou anterior à construção das vias férreas, acarretando a abertura de numerosas estradas de rodagem e portos marítimos e fluviais para o escoamento de sua produção, a grande expansão da zona ocidental do planalto cresceu paralelamente à expansão ferroviária. Enquanto a rede ferroviária fluminense foi servir às zonas já produtoras, a rede paulista, ao invés, foi como que despertá-las. Os cafezais da província fluminense estavam muito mais próximos do litoral e se confinavam com o que Laerne classificou de zona `marítima'. Os do planalto paulista estariam compreendidos na zona continental."

É conveniente observar como essas ferrovias foram construídas. Algumas delas foram construídas por empresários britânicos na forma de investimento direto estrangeiro. O caso mais famoso de uma companhia diretamente controlada pelos ingleses é sem dúvida alguma a Santos-Jundiaí. Mas, no fim do Império, como mostram os dados coletados por Castro Carreira, os investimentos diretos estrangeiros nessa área não ultrapassavam a 30% do total, sendo que o grosso das inversões estrangeiras em ferrovias estava concentrado no Norte/Nordeste e no Sul do País. Na zona cafeeira a quilometragem diretamente controlada pelos britânicos era mínima. Isto quer dizer que A segunda razão para não concordarmos com a ênfase que Graham dá à participação britânica no desenvolvimento de nossas ferrovias é que, com pouquíssimas exceções, todas as ferrovias construídas no período tiveram apoio governamental na forma de garantia de juros sobre o capital investido o que reduzia consideravelmente os riscos de tais empreendimentos. Na realidade quem acabou arcando com tais riscos foi o governo imperial e não os empresários britânicos. Este último ponto levanta um problema interessante de caráter mais geral, qual seja o da participação das inversões estrangeiras na diversificação econômica do Brasil. Há aqueles que como Graham (op. cit.) e Eric Bakianoff ("Fatores Externos no Desenvolvimento do Brasil", in R.B.E., n9 4, 1967) acreditam que o capital estrangeiro foi extremamente importante e, em termos globais, contribuiu positivamente para a diversificação econômica brasileira. Há autores de tendências esquerdizantes que também acreditam ver em tudo a mão do imperialismo, isto é, do capital estrangeiro, embora divirjam de Graham e Baklanoff quanto ao efeito positivo dessa participação estrangeira. Em vista da impressão generalizada entre autores tanto de direita como de esquerda quanto à importância, a nosso ver um tanto quanto exagerada, do capital estrangeiro no Brasil, convém colocar a participação das inversões estrangeiras em sua devida perspectiva para não atribuirmos às mesmas, por razões. ideológicas, ura papel que não lhes cabe.

O que pretendemos fazer é quantificar aproximadamente a participação das inversões diretas estrangeiras no total dos investimentos existentes no Brasil, para termos uma idéia aproximada de sua importância. Para tal tomamos como ponto de partida as estimativas de N. Leff ("Estimativa da Renda Provável no Brasil no século XIX com base nós dados sobre a Moeda", in R.B.E., n9 2, 1972) da renda brasileira. Adotando-se o valor médio das estimativas de Leff, a renda total brasileira entre 1880 e 1914 deverá ter sido a seguinte, em £ de 1913:

Entre 1880 e 1900 a renda brasileira cresceu, segundo as estimativas que adotamos, em 2,55% a.a. Para uma relação capital/produto igual a quatro isto implica uma taxa de inversão de 10,2% a.a. Como a maior parte da poupança, na época, provinha de fontes nacionais (mais de 95% do capital investido era nacional) isso significa que a taxa de poupança interna não deveria estar muito abaixo de 10% a.a. Admitamos uma taxa mais modesta de somente 7% a.a. A partir dessas suposições, chegamos à conclusão que, em 1900, o valor total do capital investido no Brasil em mãos nacionais deveria ser da ordem de £ 511,5 milhões; £ 604 milhões em 1908 e £ 689 milhões em 1914 (tudo em £ de 1913). Para os mesmos anos, por interpolação dos dados fornecidos pelo trabalho das Nações Unidas (op. cit. pp. 9 e seguintes), o volume total das inversões diretas estrangeiras deveria ser (em £ de 1913) £60,4 milhões em 1900; £ 145,6 milhões em 1908 e £ 245 milhões em 1914. Somando o capital nacional ao capital estrangeiro, podemos constatar que a participação das inversões diretas estrangeiras no total do capital investido no País deveria ser de 4,3% . em 1880; 10,6% em 1900; 19,4% em 1908 e 26,2% em 1914.

Devemos observar que nossas estimativas acerca da participação do capital estrangeiro devem estar um pouco inflacionadas. Acreditamos que essa participação, que atingiu seu apice em 1914, nunca tenha superado os 23%. Nossa crença de que nunca superou os vinte e pouco por cento se prende a estimativas que podem ser feitas acerca do capital total existente em São Paulo logo no início da Primeira Guerra Mundial. A Secretaria de Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas em seu relatório de 1916 estima a produção dos oito principais produtos agrícolas do Estado para a safra 1915-1916 em 569.609 contos (Secretaria dos Negócios da Agricultura,

na zona cafeeira as ferrovias foram o fruto da iniciativa nacional. Tal iniciativa contou com o apoio do governo central e muitas vezes de governos provinciais na medida em que estes garantiam à grande maioria dos empreendimentos ferroviários os juros sobre o capital empatado. Tal garantia variava de 5% a.a. a 7% a.a. e visava essencialmente fornecer as condições pelas quais os empresários interessados em construir ferrovias pudessem contrair empréstimos no exterior (o que na época significava obter empréstimos no mercado financeiro londrino). Na medida em que o governo central garantisse o pagamento dos juros sobre os empréstimos contraídos, é óbvio que a obtenção de tais empréstimos era muito facilitada. Uma pergunta que se poderia fazer seria o porquê da necessidade de se contrair empréstimos no exterior. A resposta para tal pergunta vamos encontrar no fato de que grande parte do equipamento para as ferrovias necessitava ser importada. Eram os trilhos, as locomotivas, o equipamento de sinalização, o ferro e o aço para as obras-de-arte etc. Todos produtos que em sua grande maioria importávamos da. Inglaterra e para a importação dos quais -precisávamos levantar empréstimos em Londres, algo que só poderia ser conseguido com o aval governamental.O apoio governamental ao desenvolvimento ferroviário não se restringiu a garantir os juros do capital empatado, indo além através de inversões diretas do governo no setor. Essas inversões poderiam dar-se por iniciativa do próprio governo ao querer construir uma estrada de ferro que considerasse de certa importância, como também podia ocorrer através da encampação de estradas já existentes e que por algum motivo se encontravam em dificuldades financeiras, e sendo a encampação estatal a única saída para tal situação. Assim é que, ainda segundo Castro Carrçira, dos 8.930 km de ferrovias que o Brasil possuía em 31 de dezembro de 1889, cerca de 25% pertenciam diretamente ao Estado, 29% gozavam de garantia de juros do governo central, 21% gozavam de garantia de juros de governos provinciais e só 24% aproximadamente não gozavam de nenhuma espécie de apoio governamental. Quanto ao capital empatado nas ferrovias até aquela data o mesmo autor nos fornece os seguintes dados: "O capital até o ano de 1888 conhecido que se achava empregado nas estradas de ferro do País importa [va] na soma de 517.856:479 $ 620 assim distribuídos:

Até 1887, o Estado ainda tinha gasto em garantia de juros um total de 113.317 contos. Para termos uma visão da magnitude do esforço que o Estado despendeu no auxilio ao desenvolvimento ferroviário brasileiro basta comparar as cifras acima citadas com a média das despesas governamentais nos últimos oito anos do Império. Essa média, segundo os dados de Castro Carreira, andava ao redor de 155.000 contos anuais. Ora, o que o Estado gastou até 87-88 na encampação e/ou construção de ferrovias e na garantia de juros é aproximadamente igual a duas vezes o gasto anual do governo central no período.

A participação estatal na construção de ferrovias não foi senão um dos métodos de transferência indireta de recursos provenientes do setor cafeeiro em expansão para o aumento na capacidade produtiva do País, o que implicava por sua vez (embora indiretamente) uma maior diversificação de seu aparelho produtivo. Esta participação governamental no aumento e/ou diversificação de nosso aparelho produtivo além das ferrovias incluiu uma grande gama de do atividades. Entre estas podemos citar os esforços com colonização, as subvenções às companhias de navegação e aos engenhos, a construção de encanamentos e a instalação de iluminação pública para os centros urbanos, as obras contra as secas,141 os gastos com instrução e demais atividades culturais, a construção e melhoria de portos etc. É difícil darmos dados exatos acerca montante das transferências governamentais na forma de gastos públicos na diversificação e/ou expansão de nossa capacidade produtiva antes do início da República, mas os dados da tabela a seguir acerca da receita e despesa do governo central podem nos auxiliar a aquilatar o esforço que o governo desenvolveu nesse sentido.

Como podemos observar, durante o período estudado a arrecadação e as despesas governamentais aumentaram substancialmente. Em termos per capita aumentaram aproximadamente seis vezes, enquanto em volume total, cerca de 25 vezes. Convém observar que esse aumento verificado em sua maior parte proveio do comércio exterior. Pela tabela abaixo podemos constatar que, a partir de fins dos anos 30, mais de 2/3 da receita do governo imperial teve por origem os direitos de importação e exportação.

A situação não se alterou substancialmente com a proclamação da República, permanecendo mais ou menos a mesma percentagem até a Primeira Guerra Mundial, como podemos constatar através dos dados coletados por Annibal Villela e Wilson Suzigan. Dessa maneira não podemos fugir à conclusão de que foi através do desenvolvimento do setor exportador, e quando falamos do setor exportador no século passado a partir dos anos 40 basicamente estamos falando do café, que permitiu o grande aumento na arrecadação governamental. Este considerável aumento por sua vez foi o que permitiu ao governo conceder incentivos aos diversos setores já mencionados anteriormente, no sentido de expandir e/ou diversificar a estrutura produtiva da Nação. Em outras palavras, o que temos é uma transferência indireta do setor exportador/importador da renda gerada por este setor, para a expansão e/ou diversificação da economia. do País.

Com relação ao período imperial, é difícil quantificar o total gasto pelo governo em investimentos fixos, ou em termos mais genéricos os "gastos produtivos" (exceção feita aos gastos já mencionados com relação às ferrovias e, talvez, com relação aos telégrafos, às subvenções aos engenhos centrais e às companhias de navegação, bem como certas obras públicas) que, portanto, representariam as transferências indiretas da cafeicultura para o desenvolvimento do País. Mas, de qualquer forma, mesmo com os dados disponíveis, que certamente não representam o total dos investimentos governamentais com o "desenvolvimento" do País, tomando-se por exemplo somente os gastos em ferrovias e cotejando tais gastos com o orçamento do governo imperial, podemos verificar que o esforço governamental foi bastante elevado.

Com relação ao período republicano, já contamos com os levantamentos feitos por Villela e Suzigan. De acordo com os dados coletados por esses dois autores, a formação bruta de capital fixo do governo federal - que seria um índice do esforço que este desenvolveu em prol da diversificação de nossa estrutura produtiva - variou bastante durante o período que vai até 1920. Até 1903, o governo central gastou entre 2,5% (em 1900) de sua despesa total na formação de capital fixo e 10,8% (em 1890). A partir de 1904, entretanto, embora acusando um mínimo de 13% para o ano de 1909, a média, em geral, foi bem mais alta, girando ao redor de 20% de seus gastos totais.

A pergunta que surge é se tal esforço por parte do governo poderia ter sido maior. Aqui temos duas alternativas a considerar. Primeiramente, se teria sido possível ao governo, com a receita de que dispunha, diminuir seus gastos "não produtivos" e aumentar seus gastos que visavam a um aumento na capacidade produtiva. Em segundo lugar, temos de analisar se teria sido possível ao governo aumentar sua carga tributária aumentando assim sua capacidade de realizar gastos "produtivos".

Com relação à primeira alternativa, o que poderíamos tentar fazer é comparar a alocação dos recursos governamentais por setor com a mesma distribuição em períodos posteriores quando a política governamental supostamente poderia ter mudado com o objetivo precípuo de "desenvolver" determinados setores (como poderia ter sido o caso, segundo alguns autores, do período do Estado Novo). Ora, se fizer-mos tal comparação para o período republicano através dos dados coletados por Villela e Suzigan, o que iremos notar é que não houve grandes variações na alocação de recursos em termos percentuais (ver os dados de Villela e Suzigan que reproduzimos in Nicol, op. cit., Apêndice). É claro que em alguns períodos a percentagem de gastos "produtivos" foi maior do que em outros.

Mas, geralmente, os períodos em que tal percentagem caía abaixo da média eram de crise econômica, como certamente foi o período inicial da República: nos primeiros anos às voltas com levantes militares, a Guerra dos Canudos e o Encilhamento, e no início do século com problemas monetários.

Quanto ao período imperial já não temos uma série estatística comparável à de Villela e Suzigan, mas temos algumas indicações de que os gastos "produtivos" governamentais (exceção feita aos períodos de crise) não foram, em geral, inferiores aos do período republicano.145 Isto significa necessariamente que com os recursos disponíveis o Estado fez as transferências que estiveram ao seu alcance para aumentar e/ou diversificar nossa estrutura produtiva.


Quanto à segunda alternativa levantada, qual seja se teria sido possível ao Estado aumentar sua carga tributária e, dessa forma, aumentar sua capacidade de realizar gastos produtivos, nossa tendência seria também no sentido de negar tal possibilidade. Nossa afirmação se baseia em estimativas da renda per capita para o período em questão. Leff estima que a renda per capita brasileira entre 1920 e 1925 deveria ser da ordem de US$ 98,00 (a preços de 1950).146 Admitamos, portanto, que a renda per capita brasileira fosse a que Leff estima em seu artigo. Esta quantia transformada em £ de 1913, dependendo do índice de deflação que utilizarmos para o dólar e da taxa de conversão, nos dará uma estimativa da renda per capita em 1920 entre £ 8,0897 e £ 10,1469.147 Supondo-se que a taxa de crescimento da renda per capita entre 1820 e 1920 estivesse compreendida entre um mínimo de 0,1% a.a. e um máximo de 0,8% a.a., como sugere Leff em seu artigo148 teríamos as seguintes estimativas da renda per capita brasileira entre 1825 e 1915.


Com relação ao Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, os 46.874 contos a ele destinados assim se encontravam distribuídos:

A partir das estimativas fornecidas pela tabela anterior e pela tabela da receita e despesa do governo podemos calcular a receita per capita do governo como percentagem da renda per capita brasileira.

Ora, o que observamos é que, se as estimativas de Leff forem razoáveis, o que nos parece ser, visto que seriam compatíveis com um grau de abertura para o exterior no período foral entre 19% e 30%, ou seja, uma média de 25% - algo que se coaduna com as estimativas de outros autores149 -, então a receita média do governo como percentagem da renda brasileira parece ter sido elevada para o período. H. Hinrichs em um estudo sobre a estrutura tributária de economias em desenvolvimento na década de 1950 nos fornece as seguintes informações: para um grupo de 15 países com uma renda per capita inferior a US$ 150,00, cuja média era na realidade de US$ 84,00, a percentagem da renda nacional correspondente à receita governamental variava de 5% a 23% sendo sua média de 13,07%. Para um segundo grupo de 15 países com uma renda per capita entre US$ 150 e US$ 300, cuja média era de US$ 209,00, a percentagem correspondente à receita governamental era de 16,54%.150 Como podemos observar, o Brasil apresenta para as últimas décadas do período estudado receitas governamentais como percentagem da renda nacional superiores à média dos dois grupos. Assim, nos parece que o esforço governamental no sentido de transferir recursos do setor exportador/importador para a expansão e/ou diversificação de nossa estrutura produtiva foi bem mais alto que a média para os países subdesenvolvidos em meados de nosso século. Devemos não esquecer que em meados de nosso século a máquina administrativa, inclusive dos países subdesenvolvidos, para a arrecadação de tributos era bem mais desenvolvida (devido aos novos recursos técnicos à disposição da administração - especialmente melhores meios de comunicação) do que os países em fins do século passado. Tal fato permitiria a países na década de 50 com a mesma renda per capita que o Brasil em 1900 ou 1920 provavelmente arrecadar uma maior percentagem da renda nacional que o Brasil no início do século. Isto quer dizer que se fôssemos fazer uma comparação mais realista, isto é, do Brasil em fins do século passado com países em situação semelhante na mesma época, iríamos verificar. que :certamente o esforço governamental brasileiro deve ter sido bem superior à média dos países subdesenvolvidos. Tal hipótese é comprovada no próprio Hinrichs. Na obra já citada deste autor vamos verificar que para o Japão - um dos países onde o governo sem dúvida alguma mais contribuiu para a diversificação da estrutura produtiva - este último arrecadava na década de 80 entre 13% e 18% da renda nacional.


Poderíamos criticar o governo por não ter tido, na época, uma política desenvolvimentista estilo japonês, mas certamente não o podemos criticar com relação à percepção, embora vaga, da necessidade de se auxiliar o aumento e/ou diversificação de nossa capacidade produtiva. Estão os dados anteriormente apresentados a confirmar nossa conclusão.152

Outro ponto que não devemos esquecer é que também o simples fato de durante o decorrer do período estudado a maior parte da arrecadação governamental provir do setor exportador/importador, mais especificamente das taxas de importação, isto faz com que, mesmo que não tivesse sido objetivo do governo proteger um nascente setor manufatureiro nacional, o resultado final foi uma crescente proteção a este.153

Façamos uma breve recapitulação do que foi visto até este ponto. Mostramos que o café foi urna grande máquina geradora de excedente econômico que podia ser utilizado na expansão e/ou diversificação de nossa estrutura produtiva. Até agora nos preocupamos com as formas relativamente indiretas para atingir tais objetivos quais sejam: através da construção de ferrovias e pelas ligações diretas que estas tiveram com o governo, tal caminho nos levou a considerar todas as transferências que o governo poderia ter feito do setor importador/exportador para a diversificação e/ou expansão de nossa estrutura econômica. Para completarmos nossa análise das "transferências indiretas", falta somente considerar a criação da infra-estrutura financeira e comercial que o café indiretamente provocou, bem como a crescente urbanização e as divisas externas que gerou, sem as quais não teria sido possível uma diversificação de nossa estrutura produtiva.

Quanto à geração de recursos externos, não tivesse sido o desenvolvimento do café e não teríamos tido o grande aumento nas divisas externas que permitiram o aumento das importações de todos os tipos de produtos inclusive aqueles destinados à diversificação de nossa estrutura econômica. Exemplos típicos seriam as importações do equipamento necessário às ferrovias e as máquinas para o setor industrial que começou a aparecer após 1880. Nas palavras de Villela e Suzigan: "Era a agricultura que, através do comércio exterior, gerava os recursos em moeda estrangeira necessários para o consumo e a formação de capital da economia, e para o pagamento da dívida externa", boa parcela da qual, é bom que se diga, se originou com os *encargos que o governo assumiu para acelerar a construção de nossa infra-estrutura ferroviária, portuária, bem como os melhoramentos urbanos.

No tocante à infra-estrutura financeira e comercial, consideremos primeiramente o crescimento dos bancos. No trabalho preparado para a Exposição Universal de Filadélfia de 1876 são listados 36 estabelecimentos bancários para o ano de 1875, com a seguinte distribuição geográfica das sedes:

Como podemos observar, naquela época a maioria dos bancos tinha sua sede na capital do Império, seguida de perto pela Bahia, sendo que São Paulo só contava com dois bancos ali sediados. Em 1887 segundo podemos inferir através dos dados coletados por Alberto Salles, a Província de São Paulo deveria contar com uns cinco bancos ali sediados. Em 1887 segundo podemos inferir através dos dados coletados por Alberto Salles, a Província de São Paulo deveria contar com uns cinco bancos ali sediados.157 Em dezembro de 1889, de uma lista de 35 bancos e caixas filiais ou agências que funcionavam no Rio de Janeiro, compilada por Castro Carreira, vamos encontrar filiais de seis bancos paulistas: o Comercial de São Paulo, o Crédito Real de São Paulo, o da Lavoura de São Paulo, o Mercantil de Santos, o Popular de São Paulo e o São Paulo.158 O que observamos, pois, com o desenvolvimento do café em São Paulo, a partir dos anos 70 é o crescimento da estrutura crediticia ou financeira. Partindo de uma situação onde, em 1875, só contava com dois bancos, 12 anos mais tarde já contava com cinco, e no fim do Império com pelo menos seis. Em 1917, São Paulo já tinha ultrapassado todos os outros Estados como centro financeiro, exceção feita ao Distrito Federal.

Ora, isto é o que esperaríamos em função do desenvolvimento do café. Ás primeiras regiões a se destacarem como centros financeiros em meados do século passado simplesmente desapareceram (em termos relativos) em decorrência da estagnação de sua base econômica (a agricultura) diante do desenvolvimento agrícola da região Centro-Sul. É bem verdade que, embora São Paulo no fim do século tivesse ultrapassado o Rio como produtor de café, o grande centro financeiro ainda continuou a ser por mais meio século o Rio. Tal fenômeno pode ser explicado facilmente em função de ter sido esta cidade a capital da República até recentemente. Mas o importante a notar em tudo o que foi exposto é o rápido desenvolvimento das instituições bancárias, especialmente em São Paulo, em decorrência do desenvolvimento do café, o que colocou logo este Estado como segundo centro financeiro do País.

Não foi somente o setor bancário que se desenvolveu mas todos os serviços relacionados direta ou indiretamente com o setor exportador/importador. Assim, os serviços de navegação marítima se expandiram rapidamente através do porto de Santos. Enquanto em 1884 das 15 linhas marítimas de vários estados europeus (liderados pela Inglaterra) que serviam ao Brasil somente seis faziam escala em Santos, em 1893 Élisee Reclus constata que "vinte linhas regulares de navegação a vapor têm Santos por escala". Os ingleses e os noruegueses faziam ali a maior parte do comércio centrado no café. E, em 1906, 31 companhias de várias nacionalidades aportavam no local.

Os serviços de exportação de café implicaram também o estabelecimento de uma vasta rede de casas exportadoras/importadoras. A princípio as exportações eram efetuadas por negociantes-fazendeiros individuais, mas com o correr do tempo esta área foi sendo invadida por grupos estrangeiros, especialmente a partir de meados da década de 90, a tal ponto que em 1913 apenas duas firmas brasileiras se incluíam entre as 15 maiores casas exportadoras de Santos como assevera Dean. Na lista que B. Belli elaborou dos 44 principais exportadores de Santos para o período 1895-1896 a 19071908 vamos encontrar somente seis nomes brasileiros, sendo que o maior exportador era a firma alemã de Theodore Wille & C. que negociava em média quatro vezes mais que a maior firma brasileira da época.

Seria de se esperar que o setor exportador/importador eventualmente caísse, como realmente caiu, em mãos estrangeiras visto que eram os grupos estrangeiros que esses exportadores/importadores representavam que tinham conhecimento do mercado externo. Não somente isso, como também eram eles que detinham as ligações com as companhias marítimas de navegação, estrangeiras em sua maior parte, como vimos anteriormente. As casas de importação e exportação estrangeiras gozavam ainda de uma outra grande vantagem em comparação com as congêneres nacionais: tinham ligações com o setor bancário estrangeiro que lhes fornecia crédito mais facilmente que os bancos nacionais. Não se pode comparar o mercado financeiro britânico em termos de capacidade de fornecimento de crédito (ao qual os bancos britânicos estabelecidos no Brasil estavam ligados) com o nosso mercado financeiro nascente. E não devemos esquecer que era a esse mercado que as companhias de importação e exportação nacionais tinham de recorrer, no mais das vezes, visto não disporem dos contatos com o sistema bancário britânico.

R. Graham aponta para alguns entraves que o fato de o setor exportador/importador (bem como grande parte do setor bancário) ter caído em mãos estrangeiras representou para o desenvolvimento do País após o fim do século. Mas o fato é que estando ou não esses setores nas mãos de estrangeiros, o aparecimento destes em decorrência do desenvolvimento do café foi um passo essencial para qualquer futura diversificação produtiva da economia nacional. Pode-se argumentar que esses setores, estando em mãos de grupos estrangeiros, conseguiram desviar parte do excedente econômico que estava sendo gerado no Centro-Sul do País, exportando-o para fora na forma de remessa de lucros, controle dos fretes e dos preços do café etc., e dessa maneira reduziram nossa capacidade de diversificar nossa estrutura produtiva. Sem dúvida alguma esse tipo de argumentação tem seu peso. Não pretendemos contestar tal argumentação pois precisaríamos de dados através dos quais pudéssemos quantificar as perdas que decorreram de tal fenômeno - algo que não dispomos. Mas gostaríamos de levantar dois pontos. Primeiramente, se teria sido possível o desenvolvimento desses setores sem a participação estrangeira que efetivamente houve? Em segundo lugar, gostaríamos de enfatizar o que já afirmamos anteriormente, isto é, de que mesmo com grande parte do setor importador/exportador nas mãos de estrangeiros, o fato é que tal setor surgiu, o que foi um passo essencial em nossa diversificação econômica.

Imigração e Urbanização

Até agora examinamos, embora sumariamente, as transferências indiretas que se processaram da cafeicultura para outros setores. Na realidade, o que andamos examinando foi como o desenvolvimento da cafeicultura levou a uma série de transformações na estrutura econômico-social do País - algo que, mais adiante, teremos oportunidade de mostrar como levou a uma incipiente industrialização entre 1880 e 1920. Se virmos a análise que estivemos fazendo sob esse prisma, ainda faltariam dois aspectos a considerar antes de nos preocuparmos com as transferências diretas da agricultura cafeeira para os outros setores. Estamos nos referindo à imigração e à crescente urbanização que ocorreram no período de desenvolvimento do café na zona paulista.

Não pretendemos afirmar que a imigração que tomou vulto a partir dos anos 70 teve por causa única o desenvolvimento da cafeicultura no Sul do País. Foge ao âmbito de nosso estudo uma análise dos fatores de atração e repulsão que sempre estão presentes em qualquer movimento migratório. Mas não devemos esquecer de que o café desempenhou um papel importante nesse fluxo migratório para o Brasil; não devemos esquecer das tentativas de Vergueiro e de outros em meados do século passado no sentido de incentivar a imigração para São Paulo como também não devemos esquecer de que "com o declínio da imigração de escravos do Nordeste para o Sul, ao redor dos anos de 1870 [a própria Província de São Paulo, a partir de] 1876 organiza seu serviço de imigração para suprir o déficit de mão-de-obra nas fazendas de café. De 1889 a 1928, o Estado vota verbas anuais para o serviço de imigração, totalizando 1.781.306:888$ (de 1888 a 1889 gasta 8.287:014$), enquanto o governo federal só abre créditos esporádicos (14, entre 1893 e 1924), que somam 19.247:155$. A grande leva de imigrantes subsidiados dirige-se, assim, para São Paulo.

Os imigrantes são de preferência italianos, portugueses, espanhóis, alemães, russos, sírios. A predominância dos italianos na mão-de-obra agrícola... é total. Calcula-se, em 1908, que 7/10 dos trabalhadores do café são italianos; o resto distribui-se entre portugueses e espanhóis. Em 1920, o recenseamento continua a confirmar a percentagem".


Por outro lado, ao mesmo tempo em que se processa esse grande fluxo migratório, o desenvolvimento do café, através dos serviços que criava, acarretou no Centro-Sul um outro fenômeno importante, o da crescente urbanização. A seguir reproduzimos os dados referentes ao período 1872-1920 correspondentes às populações das cidades do Rio de Janeiro e São Paulo.


O interessante a observar com relação a essas duas cidades é que enquanto as outras capitais brasileiras mantiveram durante o período a mesma posição percentual com relação à população dos respectivos Estados, nessas duas cidades processou-se o fenômeno da crescente participação de suas populações na população total do Estado, o que caracteriza o fenômeno da urbanização observado, no período, no Centro-Sul, mas não nas outras regiões do País. 167 Estes dois fenômenos acima mencionados, os da crescente imigração e da urbanização no Centro-Sul, ocorreram ao mesmo tempo e não seria de surpreender, portanto, que à medida que cresciam as cidades, especialmente as do Centro-Sul, estas se tornassem nas palavras de Graham cada vez mais européias. Os imigrantes, em sua grande maioria, vinham para o Centro-Sul para trabalhar na lavoura mas muitos ficavam nos centros urbanos sem nunca chegar ao seu destino. Muitos, também, uma vez terminados os contratos que os prendiam às terras estabeleciam-se nos grandes centros urbanos criando um fluxo migratório campo-cidade.168 Tal migração rumo às cidades vai-se intensificar com o correr do tempo, especialmente após os primeiros sinais de superprodução de café no início do século. Não é de se estranhar, portanto, a crescente europeização de cidades como São Paulo e Rio. Por volta de 1920, segundo Dean, quase dois terços dos 580.000 habitantes de São Paulo eram forasteiros ou descendentes de forasteiros.169 Um maior número de imigrantes no Centro-Sul e crescente expansão e europeização dos grandes centros urbanos da região não poderia senão se refletir numa mudança na estrutura da demanda. Não somente as expectativas de consumo seriam mais elevadas para os imigrantes em comparação com a mão-de-obra servil como, também qualitativamente os produtos que consumiam seriam diferentes. Mais adiante teremos oportunidade de explorar como tais mudanças condicionaram o tipo de industrialização que ocorreu no Brasil na época estudada. Com isto terminamos nossa breve análise das transferências e/ou modificações indiretas que a agricultura cafeeira acarretou em outros setores da economia. Cabe-nos, agora, analisar as transferências diretas da agricultura para esses outros setores. Warren Dean em seu trabalho sobre a industrialização paulista defende a tese de que o início de nossa industrialização teve por origem transferências diretas de capitais oriundos do café para o setor industrial. Segundo ele três grupos teriam formado nossa classe de empresários industriais; primeiramente os fazendeiros, em segundo lugar os importadores/exportadores e finalmente os imigrantes com recursos. Tais grupos surgiram na cena industrial em São Paulo na ordem cronológica apresentada. Assim, encontraríamos, segundo Dean, as origens de nossa industrialização na década de 80 nas transferências diretas de capitais do setor cafeeiro para o setor industrial então nascente. Pode ser que a tese de Dean seja verdadeira. O problema é que ele não consegue quantificar nem aproximadamente o que sustenta. Apresenta uma série de empresários que passaram do setor cafeeiro para a indústria mas a quantificação necessária para corroborar sua tese está faltando. E, a nosso ver, é bastante compreensível que falte, visto que os dados estatísticos para a época (estamos falando do período 1880-1900) eram bastante precários. Além do que, mesmo com os dados existentés, chega-se a conclusões diferentes. Tomemos o caso de um levantamento feito por A. F. Bandeira Jr. no início do século. Ë um levantamento parcial das indústrias ou empresas fabris existentes no Estado, na época. Segundo os cálculos de Dean, Bandeira Jr. catalogou 170 fábricas. Já segundo Heitor Ferreira Lima, Bandeira catalogou 165 estabelecimentos. Nós consultamos o livro de Bandeira Jr. e só conseguimos contar 141 estabelecimentos fabris. É geralmente baseado nesse levantamento pioneiro de Bandeira Jr. que se tenta estabelecer as origens do empresariado paulista da época. Calculamos que esse levantamento deva ter sido a base para Carone afirmar que: "Segundo estatísticas do Estado de São Paulo, em 1901 havia 38 propriedades industriais de brasileiros e 70 de estrangeiros."173 A afirmação de Carone dando uma maior participação para o empresariado estrangeiro no início do século se aproxima bastante de nossos cálculos: dos 141 estabelecimentos fabris listados por Bandeira conseguimos verificar que 71 eram de propriedade de estrangeiros, 55 eram de propriedade de pessoas com nomes brasileiros e 15 não tinham o nome de seu proprietário especificado. Ora, as 51 empresas de propriedade de pessoas com nomes "brasileiros" podiam incluir um bom número de portugueses bem como brasileiros que não tinham suas raízes em fazendas de café. Assim, o que conseguimos constatar é que em 1901 os estrangeiros detinham a maior parte da indústria paulista incluída no levantamento de Bandeira, no que concordamos plenamente com Carone. É claro que houve alguns casos de transferências diretas de capitais do setor cafeeiro para o setor fabril. Dean aponta para uma série de famílias de fazendeiros que tinham investimentos no setor manufatureiro: os Sousa Queiroz, os Álvares Penteado, os Silva Prado, os Rodrigues Alves e muitos outros. Mas daí a afirmar que no início de nossa industrialização esse grupo foi o que mais se destacou, empregando mais de 50% dos trabalhadores fabris em 1901,174 é um pulo e tanto. Em síntese : certamente, houve transferências diretas do setor cafeeiro para o setor industrial no início de nossa industrialização mas com os dados disponíveis é difícil se avaliar o peso de tais transferências em comparação com as transferências indiretas. Conclusão Façamos um apanhado geral do que foi exposto até o momento para, a seguir, investigarmos como surgiu nossa indústria manufatureira. Primeiramente vimos que diferentemente dos países europeus e do Japão, nada houve aqui no Brasil que pudéssemos chamar de "Revolução Agrícola", estrito senso. Houve, sim, um grande desenvolvimento da cafeicultura a partir da segunda metade do século passado por uma série de motivos os quais já tivemos oportunidade de expor anteriormente, motivos esses não ligados a nenhuma revolução tecnológica na agricultura. O produto de tal desenvolvimento foi um aumento considerável na renda per capita no Centro-Sul. A cultura do café tornou-se uma grande máquina geradora de excedente econômico que na medida em que foi captado e desviado direta ou indiretamente para o desenvolvimento de outros setores - via governo, via desenvolvimento daqueles setores ligados à cafeicultura como as ferrovias, o setor bancário, as casas de importação/exportação, e os próprios centros urbanos - permitiu uma diversificação de nossa base econômica. Ao mesmo tempo em que esses fenômenos ocorriam, a agricultura ia formando um mercado para o setor industrial nascente. Houve primeiramente, como já vimos, um aumento generalizado na renda per capita no Centro-Sul. Em segundo lugar, com o desenvolvimento da cafeicultura, houve crescente especialização das fazendas na produção de café, algo que por si só já teria gerado um mercado para produtos industriais que antes do advento do café eram produzidos artesanalmente nas próprias fazendas. Em terceiro lugar, as próprias ferrovias aumentaram geograficamente o mercado para produtos manufaturados. Ao mesmo tempo em que houve o surto de desenvolvimento ferroviário, o aparecimento e desenvolvimento das casas exportadoras fez aumentar consideravelmente nossa estrutura de distribuição de produtos manufaturados.175 Não podemos esquecer, ainda, os efeitos da imigração com a crescente urbanização do Centro-Sul em "termos europeus". As expectativas dos imigrantes com relação ao nível de consumo eram, em geral, mais altas que aquelas da mão-de-obra servil. Também os produtos que queriam consumir eram, em geral, os produtos que estavam acostumados a consumir na Europa, sendo grande parte destes de origem fabril. E, finalmente, a própria concentração desses imigrantes em centros como São Paulo e Rio criou um mercado altamente concentrado para essas manufaturas. Até agora, vimos que o desenvolvimento da cafeicultura levou à geração de capital necessário à nossa diversificação econômica bem como à criação de um mercado. Falta averiguar se, segundo o esquema de Mellor, a agricultura gerou as divisas externas, as matérias-primas e permitiu a transferência de mão-de-obra para que essa diversificação ocorresse. Quanto à geração de divisas externas, acreditamos que não precisamos enfatizar demasiadamente o papel que a cafeicultura desempenhou na geração destes, com os quais não somente importamos bens de consumo final da Europa como também importamos a maior parte de equipamento necessário à diversificação de nossa estrutura produtiva. Com relação às matérias-primas, exceção feita a um ou dois casos flagrantes (ex.: trigo), a agricultura da época, embora tecnologicamente atrasada, parece não ter tido dificuldade em prover o setor industrial nascente do que precisava. Poderíamos criticar a agricultura com relação ao fornecimento de matérias-primas no sentido de que sendo "ineficiente" só poderia fornecê-las a altos custos e isto só se tornou viável com a introdução de tarifas para "proteger" a produção nacional contra a competição estrangeira (ex.: algodão). Concordamos plenamente com essa crítica. Mesmo assim, o fato é que a agricultura ainda conseguiu fornecer as matérias-primas de que o setor manufatureiro nascente necessitava. E, finalmente, quanto à mão-deobra, a imigração e a alta taxa de crescimento vegetativo da população se encarregaram de fornecê-la aos setores emergentes. Além do que, os setores emergentes necessitavam de numericamente poucas pessoas. Com a primeira crise do café no início do século a absorção de mão-de-obra pela agricultura entra numa fase de declínio. A partir daí começa a absorver proporcionalmente menos mão-de-obra, permitindo influxo de imigrantes para as cidades, aumentando a oferta de mão-de-obra para os novos setores.


Capítulo 4: O CAFÉ E OS PRIMÔRDIOS DA EVOLUÇÃO INDUSTRIAL NO BRASIL


O cerne de nossa tese é de que uma industrialização auto-sustentável só pode ocorrer em regiões ou países onde a agricultura esteja em franco desenvolvimento e esteja em condições, portanto, de preencher a maior parte das funções a ela atribuídas pela corrente de autores que Mellor representa. O que pretendemos analisar a seguir é como o desenvolvimento da cafeicultura e somente o desenvolvimento desta permitiu que houvesse um início de industrialização auto-sustentável a partir dos anos 1870-1880, no Brasil.

É verdade que antes dessa época já existiam alguns estabelecimentos que poderiam ser considerados industriais, mas, em geral, eram poucos e pequenos. Heitor Ferreira Lima citando G. Freyre acredita que "já em 1850 o Brasil possuía 72 fábricas para manufaturas de chapéus,. velas, sabão, cerveja, cigarro e tecidos de algodão, das quais 50 estavam localizadas na Província do Rio de Janeiro, dez na Bahia, quatro em Pernambuco, duas no Maranhão e as demais espalhadas por São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul. Eram fábricas pequenas, usando poucas máquinas que ainda eram muito caras, mas que apresentavam produtos de notável acabamento, embora fossem de âmbito apenas local, não se realizando quase intercâmbio entre as províncias. Dentre estes estabelecimentos industriais, destacava-se, sem dúvida, o da Ponta de Areia [de Mauá], que produzia tubos para encanamentos, caldeiras, pontes metálicas, navios, guindastes etc. ".

O importante a observar com relação a essa industrialização "precoce" é que vai ocorrer nos centros urbanos, tendo a tendência a se desenvolver proporcionalmente mais nos centros de maior expressão: Rio, Salvador e Recife. As empresas manufatureiras que irão surgir serão tipicamente empresas pequenas voltadas para suprir um mercado urbano bastante restrito, pouco diferindo de um artesanato um pouco mais sofisticado. Tomemos como exemplo o caso do Rio de Janeiro. A prefeitura daquela cidade mandou publicar um pequeno ensaio sobre seu desenvolvimento industrial para ser distribuído durante a Exposição Nacional de 1908. Neste ensaio os autores desdobram o desenvolvimento da indústria manufatureira em três fases: a primeira abrangendo de 1808 até a independência; a segunda de 1822 a 1889; e, a terceira, de 1889 até a data da publicação (1908). Embora os autores deste trabalho reconheçam que os dados levantados não são completos, eles nos fornecem uma listagem bastante ampla das diversas "indústrias" que surgiram nos três períodos em que resolveram dividir a obra. Analisando essa lista, o que vamos encontrar até meados do século são, na realidade, "empresas artesanais" com o nome de fábricas.

Dessa forma, até 1822 vamos encontrar várias fábricas de tecidos de algodão, uma fábrica de galões de ouro e prata, uma de massas alimentícias, uma de chocolate, duas fundições, uma destilaria, uma fábrica de pólvora, uma de papel, uma de rapé e uma de couros envernizados. Para o período compreendido entre 1822 e os anos 60, a lista prossegue com diversas "fábricas" dos mais diversos tipos aparecendo: de objetos de tartaruga, de couro, de chapéus, fundições, serralherias, tipografias, fábricas de papel, de produtos farmacêuticos, móveis, e, mesmo, uma de vidro. Mas percebe-se imediatamente seu caráter artesanal quando classificam como fábricas uma plêiade de pequenas instalações que produziam diferentes tipos de chapéus. Também percebe-se o caráter artesanal através de algumas informações que nos dão acerca do número de operários para alguns desses estabelecimentos. Assim, uma das "fábricas" de tecidos mencionadas pelos autores, de propriedade de um certo Frederico Guilherme, operou durante 23 anos, mas o número de operários empregados nunca ultrapassou a 22. E, inclusive, os próprios autores reconhecem que "só a partir de 1840 é que começa no Brasil a montagem de fábricas mais importantes, dotadas de maquinismos mais aperfeiçoados, algumas delas com motor hidráulico ou a vapor e com trabalho dirigido por mestres e contramestres contratados na Europa. Dentre todas as especialidades sobressai neste período a fabricação de tecidos de algodão anteriormente limitadas aos processos manuais com o auxílio de instrumentos simples. Ora, a industrialização é justamente o crescimento da "manufatura moderna" e esta só pode ser entendida nos termos em que Hicks a coloca, como envolvendo a utilização de bens de capital mais variados e sofisticados. Nestas circunstâncias, tomaríamos como marco divisor, embora arbitrário, entre o artesanato e a indústria, a utilização de máquinas hidráulicas ou a vapor. Ora, até a década de 40 os autores do referido trabalho concordam que as citadas "fábricas" não utilizavam esses tipos de bens de capital. Isto quer dizer que a nosso ver não passavam de empreendimentos artesanais.

A indústria brasileira vai ensaiar seus primeiros passos a partir desses empreendimentos artesanais urbanos que com o correr do tempo (alguns) chegam a se transformar em verdadeiras fábricas, começando pela indústria de tecidos de algodão. Quanto a esta indústria, é difícil precisar quando apareceram as primeiras fábricas propriamente ditas (em contraste com a fiação e tecelagem manuais), mas Stanley Stein em sua obra sobre a indústria algodoeira no Brasil, com dados que aproximam muito dos fornecidos por Simonsen, nos afirma que em 1866 existiam nove fábricas; em 1875, 30 e em 1885, 48. A Tabela 1, compilada a partir dos dados de Stein e de outras fontes, nos dá uma visão do aumento do número de fábricas de produtos têxteis de algodão e sua distribuição geográfica até inícios de nosso século.

Segundo Simonsen, as nove fábricas existentes em 1866 trabalhavam com "14.875 fusos, 385 teares mecânicos [e empregavam] 768 operários produzindo 125.600 kg de fio e 3.944.600 m de pano, valendo tudo 2.116:2003 000... Nessa indústria eram aplicados motores a vapor gerando 36 HP e rodas hidráulicas produzindo 288 HP".8

O interessante a observar nos primórdios de nossa indústria algodoeira é que iniciou fortemente concentrada na Bahia sendo que com o correr do tempo se desloca para o

pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Diogo Velho Cavalcante de Albuquerque, Rio de Janeiro, Typ Laemmert, 1870, pp. 82, 83. Os grifos são nossos.)

8

R. Simonsen, A Evolução Industrial no Brasil, p. 23.

Centro-Sul. O que é de causar espécie é que tivesse justamente iniciado com maior impulso numa área onde a agricultura estava em franca estagnação, como já tivemos oportunidade de verificar. Stein explica esse paradoxo nos seguintes termos: "O fato de a indústria ter se concentrado primeiramente nesta área pode ser atribuído à presença de matérias-primas, fontes de energia, e mercados urbanos e rurais. Desde os fins do século XVIII, Salvador exportava algodão cultivado nas áreas vizinhas, além do que desde a época colonial Salvador tinha adquirido importância como área de cultivo de cana, entreposto comercial e capital administrativa. A despeito do atraso da indústria açucareira baiana em meados do século XIX e da mudança de capital para o Rio, Salvador ainda era uma grande cidade para os padrões brasileiros. Contava com um amplo suprimento de algodão bem como de capital financeiro local e estrangeiro; seu excelente porto facilitava o desembarque de máquinas pesadas; a cidade bem como o interior contava com uma numerosa população escrava e uma reserva de mão-de-obra livre para consumir pano grosseiro; e, finalmente, dispunha de excelentes fontes de energia." Stanley Stein, The Brazilian Cotton Manufacture, pp. 20 e 21 (os grifos são nossos). Estes fatores teriam sido os principais responsáveis para que a Bahia mantivesse a liderança da. indústria têxtil até fins da década de 60. A partir dessa época, com o florescimento do Centro-Sul não poderia senão haver um deslocamento dó centro têxtil para essa área, como pode ser facilmente constatado pelos dados de 1875. Se formos à fonte dos dados de Stein verificaremos que o deslocamento ocorrido até esse ano foi bem mais pronunciado do que seus dados nos levariam a supor visto que das 11 fábricas existentes na Bahia em 1875, conhecia-se o capital de sete delas, e este capital se elevava tão-somente a 1.143 contos, enquanto para as cinco do Rio conhecia-se o capital de duas delas estimado em 2.600 contos, ou seja, mais do dobro das sete empresas baianas.

Fenômeno semelhante ocorreu dentro da própria área Centro-Sul, isto é, o que notamos com o correr do tempo é que a indústria têxtil irá se concentrar, dentro da área Centro-Sul, no grande centro produtor de café, qual seja o Estado de São Paulo. Se tomarmos simplesmente os dados relativos ao número de fábricas existentes ficamos com a impressão errônea de que Minas até 1915 era o maior centro produtor de artigos têxteis. Na realidade tal não era o caso. O que ocorria é que os empreendimentos têxteis mineiros eram, em geral, pequenos se comparados com os dos outros Estados do Centro-Sul. Já na década de 80 a produção mineira parecia ser inferior à de São Paulo e esta superioridade paulista nunca mais foi perdida. Pelo menos é isto o que podemos depreender dos dados apresentados na Tabela 2 para o período 1905-1921.

Pela Tabela 3 podemos não somente confirmar a tendência à concentração da indústria têxtil na região Centro-Sul durante o período estudado como também a crescente concentração desta indústria em São Paulo. Como vimos, já na década de 80 São Paulo havia ultrapassado Minas na produção de artigos têxteis. O mesmo irá suceder com relação ao Distrito Federal. Até 1905 parece que este último deteve a hegemonia da produção de artigos de algodão. A partir dessa data, entretanto, São Paulo começa a ultrapassar o Distrito Federal como o maior centro produtor têxtil.

É dentro desse contexto de deslocamento geográfico da indústria têxtil, que só podemos entender como produto da crescente prosperidade cafeeira no Centro- Sul, especialmente em São Paulo, que se deu o crescimento da referida indústria. Os dados das Tabelas 3 e 4, coletados por Stein, nos dão uma visão global do desenvolvimento da indústria até 1948.

Como podemos observar, a indústria teve rápido desenvolvimento até a Primeira Guerra Mundial, aumentando a produção em cerca de seis vezes entre 1866 e 1882 e em dez vezes entre 1882 e 1905, dobrando entre 1905 e 1915. A partir da Primeira Guerra Mundial a taxa de crescimento cai substancialmente. Isto significa que já na década de 20 a indústria havia completado sua fase de "desenvolvimento fácil".


Industrial realizado no Brasil em 1907.12 Para analisarmos o desenvolvimento dos diferentes setores neste período temos de recorrer a métodos indiretos, valendo-nos dos dados de importação para diferentes categorias de produtos e de dados referentes à fundação de diferentes tipos de empreendimentos fabris. O que observamos com relação às importações é uma queda considerável destas para os itens correspondentes a produtos alimentícios manufaturados como cerveja, banha, biscoitos, chocolate, doces, massas alimentícias, bem como outros produtos de consumo doméstico como produtos de cerâmica, fósforos etc. e ainda em alguns materiais de construção.


Observamos também nesse período a fundação de diversos estabelecimentos fabris nesses e noutros ramos. Na lista compilada por Bandeira Jr. em 1901 para o Estado de São Paulo vamos encontrar várias fábricas de produtos alimentícios como massas, biscoitos, doces, cerveja, licores e outras bebidas alcoólicas, carnes salgadas etc. O referido autor também lista várias de produtos químicos tais como ácidos bórico, nítrico e sulfúrico, formicida etc. Há, ainda, algumas fábricas de vidro, de papel e um grande número para a produção de materiais de construção: tijolos, telhas, canos de chumbo, pias, banheiros, latrinas, pregos etc.

Como produto desse desenvolvimento, por volta de 1907 o Brasil contava com cerca de 3.258 estabelecimentos fabris dos mais variados tipos, dando trabalho a 151.841 operários e produzindo mercadorias no valor de 741.536 contos segundo apurou o Centro Industrial através do levantamento que mandou realizar naquele ano. Essas empresas estavam distribuídas segundo o valor da produção, capital e número de operários empregados da seguinte forma:

O que observamos se analisarmos os resultados do inquérito de 1907 é uma preponderância das indústrias: alimentícia e têxtil. Estes dois setores sozinhos eram responsáveis por mais de 50% da produção industrial empregando 65,4% de todo capital e 54,5% do operariado do setor fabril. Todos os demais setores eram. bastante insignificantes se comparados com esses dois. Assim, o setor de bens de capital talvez não ultrapassasse a 7% da produção industrial. Quanto à distribuição em termos geográficos, o que observamos em 1907 é a seguinte tabela:

Como podemos observar, o Centro-Sul (DF, SP, RJ e MG) detinha 54,22% dos estabelecimentos fabris, que representavam cerca de 64,65% do capital empatado no setor manufatureiro, empregando 57,66% dos operários que produziam 61,28% dos totais do referido setor, em 1907. Em outras palavras, já no início do século a região que mais se desenvolvera no período anterior, em função do café, era a que detinha a hegemonia da produção manufatureira.

Interessante também constatar que, já em 1907, de uma lista de 30 principais produtos de consumo cotidiano tais como tecidos de algodão, gravatas, aniagem, ladrilhos, chapéus, fósforos, luva, biscoitos etc., a produção nacional naquela época supria 78,20% do mercado interno.

O segundo Censo Industrial a ser realizado no Brasil foi o de 1920. Podemos comparar os resultados do inquérito de 1907 com os do Recenseamento de 1920 para termos uma idéia do que ocorreu nesses 13 anos no setor manufatureiro. A seguir reproduzimos os dados globais de ambos inquéritos industriais para termos uma visão global da mudança ocorrida.

Devemos acautelar-nos ao tentar fazer uma comparação entre os Censos Industriais de

1907 e 1920 visto, como os próprios elaboradores do censo de 20 enfatizaram, não haver "muita semelhança entre os dados estatísticos coletados em 1907 e 1920. Tanto num como noutro inquérito figuram, por exemplo, em proporções assaz diferentes as, pequenas e as grandes empresas, representando conjuntamente, as primeiras (até quatro operários por fábrica), em 1907, pouco menos de 25% do total apurado, contra 51,9%, ou pouco mais da metade, no total verificado em 1920. Explica-se a divergência por ter sido a última indagação censitária muito mais extensa e minuciosa, abrangendo não só as grandes explorações, como também os estabelecimentos de menor importância, o que provavelmente não se deu na estatística anterior, na qual, de preferência, foram arroladas as primeiras fábricas. É disso, ainda, uma prova, o fato de ser a média geral dos operários por fábrica, em 1907, maior do que a média geral dos operários, por fábrica, em 1920. No que concerne ao capital da empresa, não é, igualmente, perfeita a homogeneidade entre os dados estatísticos coligidos em 1907 e 1920. No primeiro inventário os algarismos censitários correspondem tãosomente ao capital nominal ou realizado, ao passo que no segundo inventário, refere-se ao capital empregado (terras e edifícios pertencentes às fábricas, maquinismos e utensílios diversos, mercadorias, estoque em transformação, matéria-prima, combustível, tudo de acordo com o último balanço)". Além do mais, vários setores industriais parecem ter sido ignorados no censo de 1907.

Levando-se, entretanto, todas essas discrepâncias na devida conta, uma comparação entre os dois censos não deixa, de ser interessante e de nos fornecer valiosas informações. A tabela a seguir nos fornece informações relativas ao valor da produção, capital e número de operários empregados pelos setores mais importantes. Podemos comparar os dados dessa tabela com aqueles para o censo de 1907, apresentados na Tabela 5.

O que verificamos comparando os censos de 1907 e 1920 é que parece ter havido um crescimento mais rápido na produção da indústria de alimentação do que nas outras, visto ter sua participação percentual no total aumentado. Enquanto a produção de todos os setores industriais cresceu, em termos nominais, em 4,62 vezes entre 1907 e 1920, a indústria alimentícia cresceu em 5,68, no mesmo período. Poderíamos tentar explicar esse crescimento mais rápido da indústria alimentícia em termos de o censo de 1920 ter sido mais completo do que o de 1907, abrangendo um maior número de firmas pequenas, como já foi observado acima. Ora, poderíamos imaginar que a indústria alimentícia fosse tipicamente composta por pequenas empresas, mais que os outros setores onde predominariam empresa de maior porte. Poderíamos ser levados a concluir que o fato: de o censo de 20 ter abrangido um maior número destas pequenas empresas explicaria o grande aumento percentual desta indústria.

Entretanto, tal não parece ter sido o caso:21 o que parece ter ocorrido foi um aumento muito rápido no valor da produção de setores importantes da indústria alimentícia como a moagem de cereais, a fabricação de massas alimentícias, a refinação de açúcar, a produção de conservas de carne e peixe etc.22 Enquanto em 1907 a indústria alimentícia produzia em termos de valor pouco mais que a indústria têxtil, sendo superada por esta em termos de capital e número de operários empregados, em 1920, em termos de produção a indústria alimentícia se havia distanciado bastante da têxtil embora ainda fosse superada por esta última em termos de capital empatado e número de operários empregados. Mas, independente dessas mudanças relativas, em 1920 nosso parque industrial ainda era dominado por essas duas grandes indústrias: a têxtil e a de alimentação, que eram responsáveis por 60,3% da produção industrial, detendo 65% do capital e empregando 54,1% do operariado do setor fabril. Igualmente, observamos que, ainda em 1920, o setor de bens de capital era relativamente pequeno se comparado aos outros setores. No máximo era responsável por 6,3% do valor adicionado pela indústria manufatureira brasileira.


Quanto à distribuição em ternos geográficos do setor manufatureiro em 1920, a situação era a seguinte:

Pela tabela anterior, podemos constatar que, em 1920, o Centro-Sul detinha 55,36% dos estabelecimentos fabris, os quais empregavam 55,86% do capital e 63,72% dos operários do setor manufatureiro, sendo responsável por 67,20% da produção total desse setor. Se compararmos esses resultados com os de 1907 (na Tabela 6) não podemos deixar de observar uma maior concentração industrial no Centro-Sul no período intercensitário, qualquer que seja o critério utilizado para fazer tal comparação (nº de estabelecimento, nº de operários, capital empregado ou valor de produção). E, dentro do Centro-Sul, o que sobressai do cotejo entre os dados de 1907 e 1920 é a crescente concentração da atividade industrial na área de São Paulo. Novamente, voltamos a frisar que ambos fenômenos só podem ser entendidos em função do desenvolvimento mais rápido da região Centro-Sul até as primeiras décadas deste século, produto por sua vez do desenvolvimento, nessa área, da lavoura do café para exportação, já analisado anteriormente.

Quanto ao crescimento do setor industrial como um todo, dispomos de alguns dados que, embora em certos aspectos muito deficientes, nos permitem chegar a algumas conclusões. As deficiências dos referidos dados prendem-se ao fato de as estimativas existentes da produção industrial no período intercensitário, isto é, entre 1907 e 1920, terem sido baseadas em fontes indiretas tais como o valor arrecadado através do imposto de consumo, e, em segundo lugar, ao fato de o mil réis ter sofrido grande desvalorização no período. Antes de se poder utilizar as estimativas obtidas indiretamente é necessário corrigi-las para um valor constante. Ocorre que tabelas que permitiriam corrigir os dados para a inflação só começaram a ser elaboradas a partir de 1912 com a tabela de custo de vida para o Distrito Federal. Ora, tal tabela não é o deflator mais adequado para a produção industrial. Assim sendo, os estudiosos que têm trabalhado na área utilizam os deflatores os mais variados para chegarem a estimativas que julgam ser razoáveis da variação da produção industrial em termos reais (ou seja, a preços constantes).

O índice mais freqüentemente utilizado para o período 1914-1938 é aquele elaborado por Roberto Simonsen, que reproduzimos abaixo, até o ano de 1930.

É, geralmente, baseado nesses índices de Simonsen que vários autores têm afirmado que durante a Primeira Guerra Mundial nossa produção industrial cresceu rapidamente (inferência perfeitamente válida se aceitarmos os índices de Simonsen). Estes autores, a partir dessa constatação, acreditam que a industrialização brasileira só tomou impulso com a crise no setor exportador de café. Em outras palavras, segundo os referidos autores, só com a crise no setor primário exportador é que surgiram as condições propícias para uma aceleração no nosso desenvolvimento industrial.

Acreditamos, entretanto, que Simonsen superestimou a elevação da produção industrial brasileira durante o período por ter subestimado a inflação brasileira, e que conseqüentemente não são válidas as inferências do tipo que acabamos de reproduzir.

Os dados de que dispomos, reproduzidos na Tabela 11, acerca da produção industrial, indicam que a elevação da produção do referido setor não foi tão alta como estima Simonsen. Na realidade, durante a guerra parece ter aumentado muito pouco, voltando, logo após seu término, isto é, por volta de 1920, a mais ou menos o mesmo nível em que se encontrava em 1914.

O que parece ter ocorrido durante a Primeira Guerra Mundial foi uma utilização mais intensa, durante alguns anos, do equipamento existente, mas o nível de inversão no setor industrial parece ter permanecido baixo. Pelo menos isso é o que podemos inferir pelos dados coletados por Villela e Suzigan e que reproduzimos na Tabela 12.

Pela Tabela 12 podemos constatar que os períodos de, maior desenvolvimento industrial parecem ter sido os períodos de 1900 a 1912-1913 e de 1921 a 1928-1929, que correspondem a períodos de ascensão do nosso comércio exterior de produtos primários, como demonstra a Tabela 13.

Podemos cotejar os dados da Tabela 13 com os., dados da Tabela 11 acerca de nossa produção industrial em preços constantes de 1913 (contos de 1913) e o que observamos é o seguinte: no período em que as exportações estavam crescendo mais rapidamente, a indústria também estava se desenvolvendo mais rapidamente e, inversamente, uma retração no aumento das exportações era acompanhada por um crescimento industrial mais lento. Assim, no período de 1901 a 1905 nossas exportações cresceram a uma taxa de 4,83% a.a. Nesse mesmo período a produção industrial paulista parece ter crescido a uma taxa de 16,6% a.a. Já no período de 1905 a 1913 nossas exportações continuaram a crescer, mas a uma taxa um pouco inferior à do período anterior, isto é, cresceram a 2,03% a.a. A diminuição na taxa de crescimento das exportações foi acompanhada por um crescimento da indústria paulista de 8,66% a.a. De 1914 a 1920 nossas exportações caíram em cerca de 34,5% e a indústria paulista teve um crescimento mais lento, ao redor de 5,09% a.a. Acabado o conflito nossas exportações voltaram a crescer mais rapidamente: entre 1920 e 1929 cresceram a uma taxa de 7,66% a.a. Isto foi acompanhado por um desenvolvimento mais rápido da produção industrial paulista, que cresceu no período a uma taxa média de 6.25% a.a. Nossas estimativas nos levam a concordar com W. Dean quando afirma que a Primeira Guerra Mundial provavelmente representou um fato negativo com relação ao nosso desenvolvimento industrial embora levante dúvidas acerca de um desenvolvimento mais lento por ele identificado no período 1900-1905.


Em síntese, cremos ter demonstrado através do material apresentado que a industrialização neste país, pelo menos até os anos 20, esteve intimamente relacionada com o desenvolvimento agrícola. Foi somente com o desenvolvimento da cultura do café no Centro-Sul que se criaram as condições para o início de uma industrialização. Foi o café que possibilitou primeiramente a criação de um mercado para produtos manufaturados. Este mercado foi, por sua vez, o resultado de três fatores principais: a) a elevação na renda per capita no Centro-Sul, b) uma maior especialização das unidades econômicas e c) a extensão em termos geográficos do mercado através da criação de uma infra-estrutura ferroviária. Todos esses fatores, como vimos, foram subprodutos da introdução e desenvolvimento do café no Centro-Sul. Foi o café, ainda, que através da criação de um setor importador/exportador permitiu o aparecimento de uma estrutura de distribuição para produtos industrializados como enfatiza Dean, sem o qual é pouco provável que tivesse surgido uma indústria nacional. Foi o café - através das correntes migratórias que provocou, especialmente de imigrantes europeus - que forneceu a mão-de-obra para a indústria nascente. E, ainda, foi o café que indiretamente possibilitou a importação de matériasprimas que a indústria nascente necessitava, como por exemplo o carvão, o trigo, produtos químicos etc. Foi também o café que, vinculado com a crescente urbanização, em termos europeus, modificou qualitativamente o mercado no sentido de aumentar a demanda potencial para produtos mais sofisticados, no mais das vezes, industrializados, o que criou as condições para que algumas indústrias surgissem no Centro-Sul. E, finalmente, foi o café que possibilitou a importação de equipamentos sem os quais não poderia ter acontecido nossa industrialização.28

Com relação a este último ponto surge uma pergunta: não teria sido possíveÀ nossa industrialização ter procedido segundo o modelo europeu? Em outras palavras, não teria sido possível o desenvolvimento de um setor de bens de capital ao mesmo tempo que surgia e se expandia um setor de bens de consumo final? Acreditamos ter mostrado que um setor de bens de capital surgiu logo no início de nossa industrialização, especialmente empresas ligadas a produção de máquinas para o beneficiamento do café. Ao analisarmos os censos de 1907 e de 1920 chegamos a estimar entre 5% e 6% a participação do setor de bens de capital na produção industrial, o que implicava a produção de, talvez, 1/3 de nossas necessidades em termos de equipamentos, por volta de 1920. A pergunta que surge é se essa participação não poderia ter sido maior? Por exemplo, por que não surgiu uma indústria siderúrgica, no Brasil, no período? A época em que essa indústria poderia, proveitosamente, ter surgido teria sido, a nosso ver, durante o período de desenvolvimento ferroviário, isto é, entre 1860 e fins do século. Se uma indústria siderúrgica tivesse sido implantada no período, certamente teria tido um amplo mercado para seus produtos, o que, sem dúvida, teria facilitado seu surgimento. A razão para não ter surgido, acreditamos não ter sido devido especialmente ao fato de os, produtos siderúrgicos importados serem mais baratos que eventuais similares nacionais. Nem tampouco acreditamos que se deva ao fato de grande parte das ferrovias ter sido construída pelos ingleses, o que poderia implicar uma preferência por parte destes pela importação de produtos siderúrgicos para a implantação das referidas ferrovias, de seu país de origem, isto é, da Inglaterra. Acreditamos que chegamos a mostrar que talvez a ênfase que tem sido dada aos ingleses nesse aspecto é um pouco exagerada, e que se tem relegado a um segundo plano um elemento que, a nosso ver, foi de capital importância: o papel do Estado no nosso desenvolvimento. Não parece ter faltado apoio governamental aos diversos empreendimentos que surgiram na época, desde as ferrovias até mesmo à indústria siderúrgica. Acreditamos que uma indústria siderúrgica não apareceu no período devido a um problema de geografia econômica: os depósitos de ferro estavam em Minas, longe, portanto, do litoral. Nessas circunstâncias para que Minas pudesse criar uma indústria siderúrgica, na época, necessitava de ferrovias ligando-as aos mercados consumidores e aos portos através dos quais poderia obter os insumos de que carecia, como, por exemplo, o carvão. Mas as ferrovias só chegaram a Minas em fins do século, e quando lá chegaram já não havia mais a grande demanda inicial que as próprias ferrovias geraram.

Nosso desenvolvimento industrial decorreu dentro dos padrões que poderíamos esperar de um país como o nosso em fins do século passado. A primeira indústria a ter relevância foi, à semelhança dos países europeus, a indústria de tecidos de algodão. Mais tarde, com a crescente urbanização e europeização de nossas cidades, a indústria alimentícia assume a liderança. É o período do desenvolvimento dos moinhos de trigo, das fábricas de massas alimentícias, das cervejarias etc. Liderado por essas duas indústrias, nosso desenvolvimento industrial prosseguiu até o final do período estudado sempre ligado por um cordão umbilical ao setor primário-exportador. Quando este último entrava em crise, o setor industrial tinha sua taxa de crescimento reduzida; quando, ao invés, este entrava em ascensão, a taxa de crescimento industrial subia.

Esse é o padrão de desenvolvimento industrial vinculado a um desenvolvimento agrícola que esperaríamos encontrar em função da Teoria Econômica apresentada e da experiência européia e japonesa, adaptada às condições de um país exportador de produtos agrícolas. Entretanto, voltamos a enfatizar que, embora a in dustrialização no Brasil, a nosso ver, começou e esteve durante o período estudado sempre presa a um desenvolvimento mais rápido da agricultura, esse desenvolvimento agrícola não foi em nada parecido com a "Revolução Agrícola" dos países europeus ou do Japão. A agricultura no Brasil aumentou sua produtividade, especialmente no Centro-Sul, não devido à introdução de inovações no próprio setor agrícola, mas, sim, primordialmente devido a outros fatores cuja natureza acreditamos ter demonstrado a contento no decorrer deste trabalho. E é aí que nossa experiência poderia contribuir para um aprimoramento da Teoria Econômica, no sentido de que esses outros fatores deveriam ser considerados quando de uma análise do desenvolvimento agrícola e de suas relações com o desenvolvimento industrial. No caso específico do Brasil os mais importantes dentre esses fatores foram, como vimos: a) a especialização das unidades econômicas, b) o desenvolvimento ferroviário, c) o deslocamento geográfico da agricultura e d) a mudança da alocação de recursos de atividades agrícolas menos lucrativas para atividades agrícolas mais lucrativas como foi o caso da substituição do açúcar pelo café no Centro-Sul. Vimos, ainda, que a indus-' trialização brasileira até a década de 20 poderia enquadrar-se perfeitamente dentro do modelo de industrialização que denominamos de "industrialização por simples especialização". Se recordarmos os elementos básicos de tal modelo constataremos que todos eles estão presentes no caso brasileiro com a adição de mais um que poderíamos considerar como, talvez, específico ao nosso país. Estamos nos referindo ao item e, acima, ou seja, ao deslocamento geográfico da cultura do café para terras mais produtivas, fenômeno este que grandes, influências teve no aumento da rentabilidade da cultura cafeeira como já tivemos oportunidade de observar. Todos os outros elementos integrantes do modelo de industrialização por especialização acreditamos que estiveram presentes, sem exceção, no processo de desenvolvimento brasileiro até os anos 20.

Num certo sentido cremos ter conseguido mostrar que o Brasil se encaixa dentro dos padrões de desenvolvimento postulados por Gerschenkron.30 Este autor enfatiza dois aspectos ligados ao desenvolvimento econômico: primeiramente, a possibilidade de certos "pré-requisitos da industrialização" serem substituídos por outros, e em segundo lugar a participação do Estado, no mesmo processo, especialmente nos países mais atrasados. Vimos que, do ponto de vista teórico, um desenvolvimento industrial normalmente teria como um de seus pré-requisitos uma revolução agrícola. Entretanto, foi também visto que esta revolução poderia, até certo ponto, ser substituída por uma maior especialização no setor agrícola. A comprovação. empírica dessa possibilidade encontramos no Brasil. Quanto à participação do Estado, cremos ter mostrado que,dentre os fatores normalmente apontados para explicar o processo de industrialização, foi, no caso do Brasil, dos mais significativos. No tocante a este aspecto, encaixa-se o caso brasileiro dentro dos padrões observados por Gerschenkron para a Europa.


Capítulo 5: AGRICULTURA NO BRASIL INDUSTRIALIZADO 1960-1980


I - Principais Características do Setor Agrícola Brasileiro Introdução

Este capítulo é uma breve analise do papel e da importância do setor agrícola na economia brasileira. Será mostrado que, neste período de 20 anos, desde o final da década de 50 até o início da década de 80, o setor agrícola brasileiro teve um desempenho bastante satisfatório apesar de suas grandes deficiências estruturais. O setor conseguiu dar suporte ao crescimento econômico observado, no período, neutralizando suas dificuldades estruturais, devido a três motivos básicos:

a) a expansão da fronteira agrícola;

b) condições favoráveis no mercado internacional para produtos agrícolas durante a

década de setenta;

c) a grande disponibilidade de crédito rural altamente subsidiado.

A profunda recessão, tanto no mercado mundial como no mercado interno brasileiro, a partir do início da década de 80, esgotou os três fatores acima descritos. Dentro deste novo, e menos favorável, cenário, a agricultura deve hoje enfrentar dois desafios que foram ignorados no passado, isto é, o progresso tecnológico e uma reavaliação do sistema atual de posse de terra. A. consideração destes dois fatores é fundamental no sentido de que eles são freqüentemente citados como as duas únicas alternativas viáveis para a continuidade do crescimento da agricultura no Brasil.

Importância Relativa da Agricultura:

Como esperado, o setor agrícola brasileiro tem representado parcela decrescente do Produto Interno Bruto. Conforme demonstrado inicialmente por Kuznets (1959, 1967, 1974), o moderno crescimento econômico implica uma participação cada vez menor da produção agrícola no PIB total.

A Tabela 1 indica que a participação do produto interno líquido correspondente às atividades agrícolas caiu aproximadamente para a metade no período entre o fim da Segunda Grande Guerra e o início da década de 80. Durante este período, a participação da produção agrícola caiu de 27,6% em 1974 para 13% em 1980, enquanto a participação do setor industrial aumentou de 19,9% para 34%. O setor terciário (atividades comerciais e outras atividades) manteve uma participação razoavelmente constante, de pouco mais de 50% durante todo o período.

Chama a atenção o alto coeficiente de correlação negativa entre a participação da agricultura e a da indústria, estimada em -0,981. O Gráfico 1; onde foram estimadas médias móveis em três anos, indica que o padrão histórico esperado - uma participação crescente da indústria e uma participação decrescente da agricultura - ocorreu com razoável suavidade até 1964, um acontecimento não surpreendente, considerando-se o impulso na substituição de importações ocorrido no Brasil após 1930. Até então, apenas durante o período de 1956-1959, que coincidiu com a deliberada política de industrialização no governo do Presidente Kubitschek, a participação da agricultura caiu abaixo de sua tendência histórica.

No entanto, a partir de 1965 houve uma alteração surpreendentemente simétrica nas participações da agricultura e da indústria. Esta tendência não foi alterada, mesmo em pequenas proporções, até o fim do "milagre brasileiro" de 1968-1973.

Castro (1982), ao comparar as participações da agricultura brasileira no PIL, desde 1930 até 1979, com as de algumas nações industrializadas que, na época, tinham uma renda per capita equivalente, concluiu que a participação do Brasil era consideravelmente menor, indicando uma forte tendência para uma redução na taxa , de participação das atividades primárias. Esta tendência para uma redução prematura da participação da agricultura manteve-se no início da década de 80. O setor agrícola brasileiro contribui com uma renda interna líquida em uma proporção significativamente menor do que no Canadá, Estados Unidos e mesmo em países de notória falta de vocação agrícola como o Japão e a GrãBretanha, tomando-se como referência épocas em que seus níveis de renda equivaliam aos brasileiros.

Certamente, à medida que a renda nacional cresce, as menores elasticidadesrenda da demanda dos produtos agrícolas causam esta reversão das participações relativas. Assim, à medida que cresce a renda, a participação da produção agrícola tende mais a ser pressionada por menores índices de crescimento da demanda de produtos primários, especialmente de produtos alimentícios. Além disso, conforme demonstrado por Langoni (1973), Bacha (1978) e outros, o crescimento econômico brasileiro, especialmente a partir do início da década de 60, foi particularmente concentrador de renda, resultando em elasticidades-renda da demanda de produtos agrícolas ainda mais baixas e reduzindo ainda mais a participação da agricultura na renda nacional.

Rossi (1982) e Hoffman (1983) estimaram as elasticidades-renda da demanda para dez classes de produtos e para vários grupos de renda, conforme indicado na Tabela 2. Em ambos os casos, as estimativas indicaram que os gastos com produtos de forte base agrícola são inelásticos com relação à renda, enquanto os produtos manufaturados, com exceção dos gastos com moradia e transporte, indicaram elasticidades consideravelmente maiores. Desta forma, mesmo mantendo-se a distribuição relativa de renda constante, a demanda por produtos agrícolas cresceria em ritmo mais lento do que a demanda por outras classes de produtos. No entanto, considerando-se que a renda tornou-se cada vez mais concentrada desde meados da década de 60, e que a elasticidade-renda da demanda por produtos agrícolas caem consideravelmente nas famílias de faixas de renda mais elevada, não nos surpreende o fato de que a participação relativa da agricultura na renda nacional tenha decaído tão drasticamente e que a participação relativa da indústria tenha aumentado correspondentemente.

A Tabela 3 indica padrões de distribuição da renda no Brasil, evidenciando sua alta concentração. Os 5% da população de renda superior receberam 27,7% da renda total em 1960 e 34,9% em 1970 e 1980, um aumento de 26%; 1% superior da população teve sua participação de renda aumentada em 23%, enquanto, com exceção das duas classes mais altas, todas as outras tiveram uma diminuiçãc em sua participação na renda, chegando a cerca de 30%, como ocorreu no quintc decil na ordem ascendente. Os 20% da população de renda inferior apresentaram um decréscimo na participação da renda de 3,5% em 1960 e de 3,2% em 1980. Ao mesmo tempo, a participação dos 20% da população de renda superior aumentou rio total de 54,4% em 1960 a 63,2% em 1980 - um acréscimo de mais de 16%.

Desta forma, de 1960 a 1980, o padrão de distribuição de renda apresentou uma tendência para maior concentração. O padrão de desigualdade, medido através dos coeficientes Gini, demonstra índices de 0,50 em 1960 e 0,56 em 1970 e 1980.

A Tabela 4 apresenta estimativas da taxa de crescimento da demanda interna por produtos agrícolas. Quando defasado em dois anos, o crescimento estimado da demanda acompanha com precisão a taxa real de crescimento da produção agrícola. As elasticidades-renda da demanda estimadas com referência a produtos agrícolas foram calculadas, conforme indicado na Tabela 4,.. levando-se em consideração o processo de concentração da renda observado entre 1960 e 1980. Caso o processo de distribuição da renda tivesse permanecido; inalterado desde 1960, a taxa de crescimento da demanda teria sido maior, pois as elasticidades-renda da demanda não teriam caído como conseqüência da concentração da renda. As estimativas "corrigidas" referentes ao crescimento da demanda de produtos agrícolas são apresentadas na Tabela 4.

Corno se observa, a taxa geral de crescimento .da demanda de produtos agrícolas teria sido, caso não houvesse uma maior concentração da renda, de 178% para o período de 1960-1980, pouco acima da taxa estimada de 172%, que leva em consideração a pior distribuição da renda. A diferença é bem pequena, o que nos leva à conclusão de que o crescimento da renda, a inelasticidade-renda da demanda por produtos agrícolas, os mercados externos e, é claro, a política econômica adotada no período, são mais importantes do que a concentração da renda, no sentido de justificar o declínio da participação da agriculturá na produção total.

A diminuição da participação agrícola na renda nacional ocorreu pari passu com um decréscimo da participação da população residente em áreas rurais. A Tabela 5 indica que, de 1940 a 1980, a percentagem da população residente em áreas rurais caiu de 69% para 36%. A taxa de crescimento da população agrícola apresentou-se cada vez menor, chegando a uma taxa negativa de -0,61% durante o período de 1970-1980; por outro lado, o processo de urbanização ocorreu em ritmo acelerado, como evidenciado pelas taxas de crescimento da população urbana consideravelmente superiores ao crescimento geral da população.

As seguintes razões podem explicar a queda da população rural, tanto em termos relativos como absolutos:

a) queda da participação da agricultura na renda nacional, dado um certo nível de

produtividade agrícola,

b) aumentos na produtividade agrícola, e

c) outros fatores, econômicos e não-econômicos, responsáveis pelo processo do êxodo rural /atração urbana, um fenômeno de importância crescente, especialmente em países já industrializados, mas em desenvolvimento, como o Brasil.

A primeira razão já foi analisada e pode ser considerada como tendo causado um impacto significativo na diminuição da pr pulação rural, especialmente nas décadas de 60 e 70. Conforme pode-se notar na Tabela 5, tanto a taxa de crescimento da população rural quanto a participação relativa da força de trabalho agrícola diminuíram drasticamente no período de 1960-1980 comparando-se com as décadas anteriores. Este fenômeno coincidiu com o grande declínio na participação da agricultura na renda nacional, conforme demonstrado na Tabela 1.

Comparações de Produtividade

Com respeito à produtividade do setor agrícola, é importante notar que as baixas produtividades parciais de um dado fator, quando comparadas com medidas semelhantes em outros países, não significam, necessariamente, a existência de ineficiências.

É preciso diferenciar os conceitos de eficiência técnica, eficiência alocativa e eficiência econômica.6 Considera-se um processo de produção7 tecnicamente eficiente quando este está representado na mais baixa isoquanta unitária possível, isto é, se dada uma certa escala de produção, e dados certos índices de produtividade parcial para n fatores de produção, não for possível se produzir com maior produtividade, com referência a pelo menos um fator, mantendo-se os outros índices pelo menos iguais; assim, um processo de produção só é considerado tecnicamente ineficiente se for dominado por um outro tecnicamente eficiente; é considerado tecnicamente eficiente quando não é dominado por outro processo. Desta forma, poderá haver muitos processos de produção tecnicamente eficientes, sendo que as comparações individuais de produtividade parcial nada revelam a respeito da eficiência geral.

A eficiência alocativa está relacionada ao processo de minimizadão de custos, dado um nível de eficiência técnica. Há eficiência alocativa sempre que as condições de minimizadão de custos são atendidas, isto é, quando para todos os fatores os preços relativos são equacionados com as relações de produtividade marginais.

Desta forma, é possível que a eficiência alocativa coexista com a ineficiência técnica, isto é, podem ser usados fatores de forma que os custos sejam minimizados, dado um conjunto de processos alternativos de produção que não sejam tecnicamente ineficientes.

Eficiência econômica, por outro lado, pressupõe os dois tipos de eficiência apresentados acima, isto é, o processo de produção deverá minimizar os custos, dados os preços de fatores e, ao mesmo tempo, estar na fronteira tecnológica disponível.

Então, dados diferentes conjuntos de preços relativos de fatores, as comparações de índices de produtividade parcial não fornecem informações suficientes para a classificação dos processos de produção, nem em termos de eficiência técnica nem em termos de eficiência econômica, mesmo supondo-se que as condições de eficiência alocativa sejam atendidas.

Após estas advertências, algumas medidas de produtividade da agricultura brasileira serão apresentadas, tendo em mente que as tendências, e não os valores absolutos, são indicadores mais relevantes de eficiência econômica.

Schuh (1974) demonstrou que a produtividade no Brasil é baixa comparada com outros países. No entanto, os resultados no Estado de São Paulo mostram-se consideravelmente superiores à média brasileira e são comparáveis, e, em muitos casos, superiores, à maior parte de grandes produtores agrícolas no mundo. Portanto, a heterogeneidade, típica da situação brasileira, em termos da fertilidade do solo, umidade, tecnologia, infra-estrutura física, produtividade e assim por diante, fazem as comparações, que utilizam médias nacionais, ser nada mais do que fracos indicadores das tendências gerais.

A Tabela 6 (pp. 244 e 245) apresenta os números da produtividade da terra referente aos maiores produtores do mundo de alguns produtos agrícolas. O Brasil indica uma alta produtividade de acordo com os padrões internacionais apenas em dois produtos: amendoim, e, em grau menor, a mandioca.

Os resultados estão na média para o algodão, cana-de-açúcar e feijão, abaixo da média para a soja e milho, e bastante abaixo no caso da batata, café, arroz, carne, cebola, tomate e trigo.10

Embora as tendências de produtividade tenham apresentado melhorias consideráveis na maior parte dos produtos, a agricultura brasileira como um todo apresenta baixos níveis de eficiência técnica.

A baixa produtividade pode ser explicada não apenas em termos de ineficiência ao

nível produtivo nas fazendas, mas também, bastante significativamente, pela inadequação da infra-estrutura de transporte e armazenamento disponível no País. A Tabela 7 indica a percentagem da produção total perdida durante o ano agrícola, em decorrência de deficiência no transporte e armazenamento dos produtos.

A Tabela 8 mostra estimativas da produtividade parcial da mão-de-obra e do capital na agricultura brasileira. A produtividade da mão-de-obra aumentou, durante o período de 1960-1962 até 1977-1979, em aproximadamente 35%, uma. das taxas mais baixas de crescimento em comparação com os países amostrados. Com exceção da África do Sul, Portugal e Índia, o Brasil indicou o menor índice de aumento. Ao mesmo tempo, em termos absolutos, a produtividade da mão-de-obra brasileira durante o período foi a mais baixa em comparação com os países citados, com exceção da Líbia. e Índia, sendo consideravelmente inferior aos números encontrados em países com um nível semelhante de desenvolvimento econômico, como a Colômbia, Venezuela, Irã e Coréia.

Com relação à produtividade de tratores, uma proxy para a produtividade parcial do capital, o Brasil tem mostrado uma tendência ao aumento da intensidade de capital na agricultura, tendo multiplicado seu número de tratores em uso, em aproximadamente três vezes.

A intensidade no uso de tratores aumentou substancialmente em alguns países de renda per capita mais elevada, como a Espanha e Portugal, diminuindo seus coeficientes de produtividade do capital. Certamente, estes movimentos podem ser entendidos em termos de aumento da escassez de mão-de-obra relativa, resultando no aumento da produtividade da mão-de-obra e da terra.

Por outro lado, além do Brasil, apenas a Líbia, Iñdia e Irã tomaram o mesmo rumo, abaixando sua produtividade do capital sem aumentos substanciais na produtividade da mão-de-obra. A produtividade do* capital no Brasil caiu pela metade durante o período de 60-62/77-79, sendo a maior queda, com exceção do Irã, entre os países subdesenvolvidos. Os outros indicaram uma tendência para o aumento da produtividade do capital, conforme • esperado pela escassez relativa daquele fator nos citados países. Além disso, a produtividade do capital do Brasil é muito baixa considerando-se seu nível de renda. Com exceção da Libia, é menor do que a de todos os outros países, excluindo-se, obviamente, os países desenvolvidos.

Portanto, considerando-se a disponibilidade macroeconômica de fatores, o Brasil mostrou, durante os últimos 20 anos, um movimento incorreto em direção a uma maior intensidade de capital sem obter aumentos substanciais na produtividade da mão-de-obra. Em outras palavras, as medidas de produtividade indicam que o País opera em nível de ineficiência técnica, dado por uma isoquanta macroeconômica dominada por outras mais eficientes. Não se trata de níveis diferenciais de produtividade causados pela escassez relativa de fatores, coma demonstrado por Hayamy e Ruttan (1971) e justificado pela hipótese da mudança tecnológica-induzida. No caso do Brasil, as produtividades parciais são mais baixas como um todo, indicando claras tendências de ineficiência tecnólógica.

O Processo de Urbanização

Alguns fatos adicionais foram causas importantes para a grande diminuição na participação da população rural, como se pode notar dos dados da Tabela 5.

Talvez um dos aspectos mais importantes deste fenômeno possa ser encontrado nas causas do processo de migração da população da zona rural para as áreas urbanas.

De acordo com os dados do censo demográfico de 1980, indicados na Tabela 9, a população urbana é composta por 53% de migrantes em comparação aos 29,4% na população rural. Além disso, daqueles nascidos no mesmo município e vivendo na área rural, apenas 4,8% já moraram em centros urbanos, ao passo que, dentre aqueles que moram em áreas urbanas, 14% já moraram anteriormente em áreas rurais, indicando êxodo da população das áreas rurais para as áreas urbanas.

Para os nascidos em municípios diferentes daqueles de sua atual residência, estas percentagens chegam a 7,4% e 8,5%. Comparando-se com 4,8% e 14%, respectivamente, estes números indicam um padrão de migração onde os movimentos da população das áreas rurais para as urbanas entre o município de nascimento para outros tomam-se quase que equivalentes aos movimentos entre áreas rurais. Apenas 22% e 18,6% da população migrante nas áreas urbanas e rurais, respectivamente, já moraram, antes, em local de residência diferente.

É possível, então, inferir que o padrão predominante de migração foi, inicialmente, um movimento partindo das áreas rurais para as urbanas, dentro da mesma área municipal, e depois para uma área urbana fora daquele município.

O processo migratório no setor agrícola brasileiro pode ser compreendido como um movimento em duas direções - um baseia-se nos modelos de migração de Todaro, que enfatiza o diferencial de taxas de salários entre trabalhadores urbanos e rurais. De acordo com esta corrente, taxas de salários mais altos em empregos urbanos, ponderados pela probabilidade de que os migrantes sejam contratados para preencher estas vagas, tendem a atrair a população rural, fazendo as famílias mudarem-se para as cidades em procura de melhores condições de vida. Este processo tende a diminuir a oferta de mão-de-obra agrícola e a aumentar a de mão-de-obra urbana a ponto de fazer convergirem as taxas de salário em diferentes setores e de causar o fim do movimento migratório.

A Tabela 10 indica que, nas duas décadas, desde o início dos anos 60, apesar de haver uma flutuação a curto prazo, os respectivos salários dos trabalhadores rurais e industriais favoreceram os primeiros, pressionados pelos movimentos maciços da população para os centros urbanos.

Além disso, a legislação trabalhista fez surgir uma artificial escassez da mãode-obra agrícola, oferecendo fortes incentivos para o êxodo da mão-de-obra do campo. O Estatuto do Trabalhador Rural, tentando estender aos trabalhadores rurais a legislação social existente nos centros urbanos, ignorando e às vezes até eliminando arranjos tradicionais e institucionais existentes, alterou a relação de preços contra- o uso da mão-de-obra. Conseqüentemente, a demanda por trabalhadores rurais residentes caiu significativamente, pressionando os trabalhadores sem terra para as periferias dos centros urbanos. O "bóiafria" tornou-se cada vez mais importante na oferta de mão-de-obra agrícola. Sendo um trabalhador nãoresidente, o "bóia-fria" não estava sujeito à rígida legislação trabalhista aplicável aos trabalhadores com residência permanente, tornando-se uma fonte cada vez mais comum de trabalho na agricultura.16 A Tabela 10 indica que os salários, influenciados pelo êxodo da população rural para os centros urbanos, favoreceram o aumento relativo dos salários rurais. Além disso, os trabalhadores agrícolas nãoresidentes, os "bóias-frias", 'apresentaram, pelo motivo acima mencionado, um aumento relativo de salário, acima dos outros tipos de trabalhadores.

Desta forma, seguindo-se os modelos de Todaro, os diferenciais de salário (além da legislação social) foram fatores explicativos importantes no êxodo da população rural para as cidades, gerando uma tendência para a equiparação de salários nos setores urbano e rural.

Tal êxodo é coerente com a transformação estrutural das economias em desenvolvimento, mas sua aplicabilidade ao caso brasileiro indica um alto nível de incoerência com a disponibilidade macroeconômica de fatores de produção, gerando centros urbanos inchados, altas taxas de desemprego, precoce utilização de técnicas capitalintensivas e aumento da concentração da renda.

Deficiência na Infra-estrutura Social

Graves deficiências do setor agrícola brasileiro podem também ser detectadas ao nível de alguns outros indicadores como saúde, educação e condições de moradia.

A Tabela 11 ilustra o nível de serviços de saúde disponíveis à população rural, comparados ao da população urbana.

Com exceção dos tratamentos dentários, a disponibilidade e utilização de serviços de saúde pela população rural são significativamente inferiores àquelas da população urbana. O número de hospitalizações, em termos relativos, é de aproximadamente a metade do número observado nos centros urbanos; o número de testes médicos, também em termos relativos, é de aproximadamente 17 vezes menor; e o número de tratamentos médicos especializados é um quarto menor do que o dos residentes urbanos.

As Tabelas 12 e 13 indicam um quadro semelhante com relação à educação e condições de moradia; em ambos os casos, o setor agrícola encontra-se em posição clara de inferioridade em relação ao fornecimento destes serviços. Com exceção das escolas primárias, a educação é praticamente inexistente para a população agrícola; as condições de moradia são precárias, sendo que os serviços de esgoto e de fornecimento de água praticamente não existem.

Posse da Terra

A estrutura de posse da terra no Brasil tem sido freqüentemente citada como um sério obstáculo para o desenvolvimento do setor rural, particularmente com relação à produção de alimentos para o consumo interno.

Uma das análises mais recentes e completas da estrutura de posse da terra no Brasil foi realizada por Castro (1982). Sua conclusão foi que o setor agrícola no Brasil tem sentido a falta de incentivos para atividades produtivas, vítima de um padrão de discriminação em favor da industrialização. A excessiva intervenção governamental levou a uma distorção da motivação da posse da terra: tornou-se um tipo de retenção do valor e de proteção contra a inflação, em vez de ser um investimento produtivo. Além disso, prossegue o autor, a concentração fundiária aumentou, como conseqüência de políticas governamentais que favoreciam fazendas de grande porte, causando atrasos na evolução da produtividade nas pequenas propriedades, principais produtoras de alimentos para o consumo interno. Conseqüentemente, a escassez de alimentos tornou-se freqüente, motivando altas de preços neste setor. Finalmente, sua conclusão é que as fazendas de pequeno porte não são, de maneira geral, mais eficientes do que as grandes, tornando-se portanto desnecessário um programa abrangente de reforma agrária. Sua análise, portanto, assim como a de vários outros autores, brasileiros e estrangeiros, chega à conclusão que o setor agrícola no Brasil é caracterizado por uma estrutura deficiente de posse de, terra.

Aqui, analisa-se o padrão da posse da terra utilizando-se dados preliminares do censo de 1980, assim como dados de anos anteriores.

As Tabelas 14 e 15 indicam a evolução do padrão da posse de terra desde 1940 até 1980, ano do último censo agrícola. O número total de estabelecimentos rurais aumentou de 1,9 milhão para mais de 5,1 milhões durante o período, um acréscimo de mais de 171%, ao passo que a área agrícola total aumentou em aproximadamente 87%, de 197 milhões para 369 milhões de hectares. Considerando-se que, durante o mesmo período, a população rural aumentou em aproximadamente 36%, podemos concluir que, no geral, a população agrícola apresentou um aumento significativo na disponibilidade de terra, de 6,9 para 9,6 hectares per capita, uma alteração aparentemente saudável favorecendo unidades de produção agrícolas menores, de tamanho familiar, evoluindo de um tamanho médio de 104 hectares para 71,6 hectares por estabelecimento.

O quadro se altera drasticamente se a análise for realizada em termos da distribuição por tamanho de propriedade, conforme ilustrado nas Tabelas 15 e 16.

Os estabelecimentos agrícolas com menos de 10 hectares, que em 1940 eram responsáveis por 34,4% do total e que ocupavam apenas 1,5% do total da área rural, correspondiam em 1980 a mais de 50% do número de estabelecimentos e vieram a ocupar 2,4% do total da terra. Considerando-se que, durante este período de 40 anos, o País passou por transformações estruturais importantes, chega-se à conclusão que muito pouco foi modificado em termos de estrutura fundiária no que diz -respeito a uma grande parte da população agrícola. Realmente, o tamanho médio das fazendas neste grupo diminuiu de 4,42 hectares em 1940 para 3,45 hectares em 1980, obviamente agravando o problema dos minifúndios.

Por outro lado, as grandes fazendas de mais de 1 .000 hectares, que em 1940 correspondiam a 1,5% do número total de estabelecimentos e ocupavam 48,3% do total da terra, correspondiam em 1980 a menos de 1% das fazendas e mais de 45% da terra disponível. Durante este período, o tamanho médio das propriedades neste grupo aumentou de 3.431 hectares para 3.506 hectares. A dicotomia minifúndios-latifúndios toma-se ainda mais significativa, levando-se em consideração que as propriedades de porte muito grande, acima de 10.000 hectares, em 1980, correspondiam a 0,051% das fazendas (aproximadamente 2.300 propriedades ) e ocupavam mais de 17% do total da terra, com um tamanho médio de 27.000 hectares.

Examinando-se a Tabela 16, fica claro que o padrão estrutural da posse de terra no Brasil permanece seriamente desequilibrado, com problemas óbvios para a economia como um todo.

Por um lado, há um grande número de pequenas propriedades ocupando uma parcela desproporcionalmente pequena do total de terras disponíveis; por outro lado, um número bastante reduzido de propriedades de grande porte, ocupando uma parcela desproporcionalmente grande das terras disponíveis. No meio, as propriedades entre dez e 1.000 hectares caíram proporcionalmente ao número total embora, em termos de ocupação da terra, tenham mantido parcela de aproximadamente 50% do total das terras agrícolas.

Conclui-se que a estrutura desequilibrada da posse da terra no Brasil alterou-se muito pouco no período de 40 anos, entre 1940 e 1980, e as pequenas alterações que ocorreram foram, de maneira geral, para pior, como demonstrado pelos coeficientes de Gini da Tabela 15

Aqui a estrutura de posse da terra no Brasil será analisada frente a três fatores básicos - produtividade, nível de produção e emprego de mão-de-obra. Na medida do possível, os estabelecimentos agrícolas serão divididos em quatro grupos, de área - menores de dez hectares, de dez até menos de 100 hectares, de 100 a menos de 1 .000 hectares e os de mais de 1 .000 hectares.

Este agrupamento é útil na medida em que separa quatro tipos básicos de padrão de posse de terra. Os minifúndios concentram-se no grupo das propriedades com menos de dez hectares. Estas pequenas unidades agrícolas caracterizam-se normalmente por baixos níveis de investimento em equipamentos, construções e capital humano. Conseqüentemente, as mudanças tecnológicas são poucas, embora haja notáveis exceções, como criação de aves e plantações de legumes, próximos aos centros urbanos. Este grupo inclui, ainda, a maior parte da agricultura de subsistência do Brasil. Deste grupo vem uma percentagem significativa de mãode-obra assalariada disponível para grandes fazendas, assim como a maior parte dos locatários e parceiros.

Silva et al (1983) associa os grupos de propriedades de pequenas áreas de terra com ós "camponeses" brasileiros, um conceito que ele não tenta delinear satisfatoriamente. Parece-nos que as características associadas com os camponeses, sendo que uma das mais importantes é a dependência do locatário ou dos parceiros em relação ao dono da terra, não acontece no Brasil, exceto em algumas regiões específicas. A Tabela 17 indica que para o grupo com menos de dez hectares, a percentagem dos estabelecimentos operada pelo proprietário, ou pelo ocupante (isto é, um "dono" sem documento de posse da terra), chega a 76,7%. Os 23,3% restantes incluem terras arrendadas e parcerias, restando uma proporção relativamente baixa que poderia ser caracterizada como cultivada por "camponeses". No geral, portanto, a agricultura brasileira é formada principalmente por estabelecimentos operados por seus proprietários, deixando pouco espaço para a,presença de "camponeses".

O grupo de propriedades com mais de 1.000 hectares está associado aos latifúndios, às grandes propriedades agrícolas, parcial ou totalmente inaproveitadas. As duas categorias do meio estão associadas ao segmento mais dinâmico da população rural e concentram grande parte das atividades modernas existentes no setor agrícola. O grupo de dez a 100 hectares inclui a maior parte das propriedades familiares, enquanto os grupos de 100 a 1.000 hectares congregam a maioria das propriedades exploradas comercialmente.

É fato amplamente aceito entre os economistas brasileiros que as pequenas propriedades têm produtividade mais elevada do que as grandes. Além disso, elas seriam responsáveis por grande parte da produção de alimentos para o consumo interno, enquanto as de grande porte se concentrariam na produção de itens para a exportação e substitutos de importação (ex. cana-de-açúcar para a produção de álcool). Afirma-se, ainda, que a expansão da produção para a exportação e substituição de fontes de energia estaria sendo realizada à custa da produção de alimentos para o consumo interno, tendo como conseqüência a escassez de gêneros e fortes aumentos nos preços de produtos agrícolas. E, também, que o progresso tecnológico teria favorecido principalmente os produtores de itens de exportação, com grande desvantagem para o produtor pequeno, que se concentra na produção para o mercado interno.

Tabela 17 Tipo de Operador como Percentagem do Número Total de Estabelecimentos em cada Grupo, por Tamanho

Castro (1982) demonstrou, de forma bastante conclusiva, que, com referência aos dados do censo de 1975, as maiores produtividades estariam sendo obtidas em propriedades com mais de dez hectares, desfazendo-se a suposição generalizadamente equivocada de que as pequenas são mais eficientes. Com exceção da cana-de-açúcar, as mais elevadas taxas de produtividades alcançadas concentram-se nos grupos de dez a 100 hectares.

As produtividades referentes a dez produtos agrícolas acham-se produzidas na Tabela 18. Os resultados coincidem com os encontrados por Castro (1982). Com exceção do trigo, as produtividades das pequenas unidades de produção são inferiores - e, com exceção do feijão, substancialmente inferiores - aos das de maior porte. Na verdade, as produtividades mais altas para o algodão, arroz, cana-de-açúcar, milho, soja, café e laranja foram encontradas nas propriedades de mais de 100 hectares.

Outras medidas de produtividade parcial acham-se reproduzidas na Tabela 19. Como para as unidades agrícolas de até dez hectares a terra e o capital são recursos escassos, os estabelecimentos deste grupo apresentam maiores níveis de renda por unidade de área, e também por unidade de capital (medida pelo número de tratores utilizados). Por outro lado, como para elas a mão-de-obra é um recurso abundante, as propriedades deste grupo exibem a menor renda por unidade de trabalho. À medida que aumenta o tamanho, decresce a produtividade da terra e do capital, e aumenta a produtividade da mão-de-obra. Desta forma, como esperado, as medidas de produtividade parcial são totalmente compatíveis com a disponibilidade relativa de fatores observada em cada grupo de estabelecimentos.

Considerando-se, no entanto, que as áreas de terra não são totalmente utilizadas, as medidas de produtividade parcial apresentadas na Tabela 19 deveriam ser corrigidas para refletir tal distorção.

A Tabela 20 indica o padrão geral de utilização da terra no Brasil.

Considerando-se que: a) a rotatividade de culturas e o descanso da terra constituem uma necessidade tecnológica, b) as florestas e as vegetações nativas são freqüentemente preservadas por exigências legais, e c) as áreas não-agricultáveis exigiriam altos investimentos para ser utilizadas, conclui-se que as áreas ociosas chegam a apenas 7,2% do total da área disponível nos estabelecimentos agrícolas.

No entanto, há considerável diversidade em termos do grau de intensidade de utilização da terra. Principalmente na pecuária a intensidade no uso da terra é baixa comparada às de culturas, sejam permanentes ou provisórias.

A Tabela 21 mostra o grau de utilização de terras para culturas, por grupo de área.

No grupo de até dez hectares, apenas 4,1% não têm lavouras. Esta percentagem aumenta para 32,4% no grupo de mais de 1.000 hectares. As propriedades de maior tamanho tendem a possuir mais áreas em lavouras do que os estabelecimentos menores. No grupo até dez hectares, apenas 26,8% têm áreas cultivadas representando menos de 10% do limite superior de área do grupo, isto é, menos de um. hectare. Nos dois grupos seguintes, estas percentagens são, respectivamente, de 64,3% e 88,4%. Com relação às propriedades de mais de 1.000 hectares, 73,9% têm menos de 200 hectares de terra cultivada.

Isto não significa, no entanto, que haja má ou pouca utilização da terra pois, à medida nue o tamanho dos estabelecimentos aumenta, uma maior percentagem da área da terra é utilizada para pastagens. A Tabela 22 apresenta uma estimativa da percentagem que as pastagens representam, em cada grupo de área, utilizando-se informações sobre o número de cabeças de gado existentes em cada grupo de área.

Como se pode notar, nas propriedades de menos de dez hectares, 10,4% da terra são mantidas ociosas, isto é, não são utilizadas para culturas ou para pastagens. Esta percentagem é pequena, considerando-se a existência de terra não-agricultável e também a necessidade de áreas para a construção de prédios e estradas. Desta forma, esses estabelecimentos utilizam praticamente a totalidade das áreas disponíveis com fins produtivos.

Por outro lado, as de mais de 1.000 hectares, mantêm na ociosidade 72,5% de sua área total. É possível justificar a existência de áreas ociosas pela necessidade de grandes investimentos para torná-las produtivas, tais como os custos de derrubada, construção de estradas, aquisição de equipamentos, e assim por diante. Este fato é particularmente verdadeiro em áreas de fronteira onde as glebas de terra são colocadas em uso produtivo de forma seqüencial.

É nas duas categorias intermediárias, no entanto, que o problema da terra produtiva não-utilizada toma-se socialmente indesejável, já que nelas concentram-se os investimentos efetuados no passado. Contêm parcelas consideráveis de sua área total em pastagens apresentando, no entanto, índices de eficiência abaixo da média nacional.

No grupo de propriedades entre dez e 100 hectares, 50,7% da terra permanecem ociosas, ao passo. que no grupo entre 100 e 1.000 hectares esta percentagem é menor, isto é, 48,5%.

É interessante observar que esta percentagem é menor no grupo entre 100 e 1.000 hectares do que no grupo imediatamente abaixo, diferentemente do que é geralmente aceito. É também interessante notar que este fenômeno ocorre nos dois grupos não considerados "problemas" dentro da dicotomia minifúndio-latifúndio, uma clara indicação de que a solução deste dilema encontra-se na escolha de uma política econômico-agrícola adequada e não, necessariamente, em modificações na estrutura de posse da terra. Neste caso particular, um programa de reforma agrária é menos necessário do que políticas apropriadas de preço e comercialização, capazes de incentivar a maior utilização da terra disponível mesmo mantendo-se o atual padrão de propriedade da terra.

De volta à Tabela 19, considerando-se que a renda é gerada apenas pelas áreas utilizadas produtivamente - os fatores de produção não são aplicados nas terras ociosas - conclui-se que as medidas de produtividade parcial precisam ser corrigidas para refletir este fenômeno. Desta forma, é possível obter-se medidas de produtividade que reflitam mais precisamente a eficiência dos estabelecimentos de diferentes tamanhos. Essas estimativas acham-se na Tabela 19, entre parênteses, e o fator de correção é a percentagem da área ociosa de cada grupo, conforme apresentado na Tabela 22.

Feitas as necessárias correções, nota-se que a ordenação das produtividades parciais, constantes da Tabela 19, não se alteram, reduzindo-se no entanto as diferenças existentes.

A renda por hectare decresce à medida que aumenta o tamanho do estabelecimenta: Isso se justifica perfeitamente pois, em primeiro lugar, a terra é mais escassa em propriedades menores, o que motiva seus operadores a aumentar a renda por unidade de área. Em segundo lugar, a utilização de mão-de-obra por unidade de área segue a mesma ordem, gerando níveis mais elevados de renda por hectare pari passu com a redução do tamanho. Os valores referentes à produtividade da mão-de-obra, portanto, seguem o padrão esperado, pois quanto mais escassa for a disponibilidade de mão-de-obra maior a renda por unidade de trabalho empregada. Finalmente, a elevação da renda por hectare está em perfeita concordância com as teorias da localização e do uso da terra as quais enfatizam que o valor por unidade de produto tende a aumentar em áreas mais próximas dos "lugares centrais", já que é verdade que o tamanho das propriedades diminui à medida que estejam localizadas mais próximas destes "lugares centrais" e de outras áreas consumidoras.

Com relação à utilização do capital, medida aqui pelo número de tratores em uso, o quadro torna-se menos claro. Seria de se esperar que, como a mão-deobra se torna mais escassa à medida que o tamanho da propriedade aumenta, a utilização de tratores deveria também aumentar. Na verdade, ela aumenta até o segundo grupo de tamanho e depois decai nos dois grupos seguintes.

Isto se explica primeiramente pelo fato tecnológico de que a pecuária, que utiliza menos equipamentos, concentra-se nos dois grupos de maior tamanho. Em segundo lugar, pode ser justificado pelo crédito agrícola subsidiado, especialmente para a compra de equipamentos, que pode ter distorcido o padrão de uso relativo de fatores, um ponto ao qual retornaremos adiante. De maneira geral, contudo, a produtividade do capital segue o padrão esperado pela disponibilidade relativa de fatores, sendo mais alta para propriedades de tamanhos menores do que para os demais tamanhos.

Com base nos resultados descritos acima, conclui-se que os produtores rurais, em todos os grupos, são alocativamente eficientes, no sentido de que suas medidas de produtividade parcial estão de acordo com a disponibilidade relativa de fatores. Além disso, nenhum dos grupos tende a apresentar um padrão tecnológico dominante, sobre a tecnologia de produção dos demais grupos. Conforme descrito, nenhum grupo tende a apresentar medidas de produtividade mais elevadas para todos os fatores de produção, condição necessária para afirmações inequívocas a respeito de níveis comparativos de eficiência.25 Como mencionado acima, a análise de medidas de produtividade parcial, em geral, não oferecem base para conclusões a respeito da "eficiência econômica", em contraposição à "eficiência alocativa" ou "tecnológica".

As margens de lucro dos estabelecimentos podem oferecer bases mais firmes para a análise da eficiência econômica, e como dito anteriormente, os indicadores econômicos devem ser corrigidos para incorporar a existência de áreas ociosas, não ocupadas com atividades rurais.

A posse da terra, mesmo ociosa e gerando retornos nulos ou negativos, pode ser justificada pois, além dos retornos econômicos negativos devido à falta de infraestrutura e ao alto volume de investimentos necessários para tornar a terra produtiva, há outros motivos, não diretamente relacionados às atividades agrícolas. Conforme ressaltado por Castro (1982): "Tal afirmativa não deve ser interpretada como sinônimo de que aterra, como ativo, venha incorporando retornos superiores a outros ativos nos mercados físicos e financeiros. Os fatos contradizem esta falsa interpretação. Ao longo dos anos, as imobilizações em terra têm garantido retornos alinhados com aqueles auferidos por outros ativos. O ponto em questão é outro. Trata-se de afirmar que a rentabilidade da produção rural - esta sim - é que tem estado freqüentemente em desalinho com a posse da terra como bem de valorização, devido ao achatamento da renda líquida das atividades produtivas no campo."

Desta forma, ao julgar os grupos e o tamanho das propriedades de acordo com seu aspecto produtivo, é necessário não computar-se a percentagem da área de terra que não é utilizada em atividades agrícolas.

A Tabela 23 apresenta os principais dados econômicos agrupados por diferentes tamanhos. O primeiro grupo, formado por propriedades com menos de dez hectares, teve a mais alta taxa de retorno sobre os ativos totais, seguido pelo grupo de fazendas com tamanho entre dez e 100 hectares. O grupo das grandes propriedades veio a seguir, com uma taxa de retorno um pouco acima da média geral de 9%. De maneira geral, as taxas de retorno sobre o ativo não se desviaram muito da média, com exceção do grupo de propriedades entre 100 e 1.000 hectares que indicaram uma taxa consideravelmente mais baixa, de 6%.

É interessante notar que a estrutura do ativo é bastante semelhante em todos os quatro grupos. O mesmo se aplica à estrutura de investimentos e à taxa de formação de capital, como se vê na Tabela 23.

Conclui-se que, embora as produtividades demonstrem uma pequena vantagem dos estabelecimentos de grande porte em relação aos menores,28 elas oferecem apenas um quadro parcial da eficiência econômica. Considerando-se outras medidas de produtividade parcial, torna-se bastante difícil classificar os grupos em termos de eficiência. Poder-se-ia dizer que todos os grupos são alocativamente eficientes e que, dadas as limitações impostas por suas funções de produção (isto é, sua tecnologia ou o "estado das artes"), todos parecem alcançar níveis semelhantes de eficiência econômica.

Com relação à participação de cada grupo na produção total, geralmente acredita-se que os pequenos produtores tenham maior participação na produção para o consumo interno, apesar de sua pequena participação em termos do total da área. O corolário desta afirmativa tem sido a generalizada aceitação de sua importância estratégica no suprimento de produtos agrícolas para o consumo interno, especialmente produtos alimentícios. Por outro lado, acredita-se que as grandes propriedades concentram-se principalmente na produção para a exportação e para a substituição de produtos importados, sobretudo a canade-açúcar para a produção de álcool. carburante.

A Tabela 24 apresenta os dados disponíveis do Censo Agropecuário de 1980 relativos à produtividade e valor da produção em algumas das mais importantes lavouras na agricultura brasileira. Estes produtos foram classificados em dois grupos - um denominado alimentos .e produtos para o consumo interno, que inclui produtos consumidos principalmente no mercado interno, embora sejam também intermitentemente exportados e/ou importados - e o outro, denominado produtos de exportação e.; substitutos de importação, inclui produtos que, embora sejam consumidos internamente, são itens importantes de exportação,29 e também produtos que substituem importações.30 A Tabela 25; apresenta o valor de produção referente a estes dois grupos, por tamanho de propriedade.

As propriedades até dez hectares produzem 20,4% do total de alimentos e produtos para consumo interno, enquanto os dois grupos seguintes produzem respectivamente, 44,3% e 26,1%. Embora substancial, a participação tanto das pequenas quanto das grandes propriedades (mais de 1.000 hectares) perfaz, em conjunto, 29,6% do total, enquanto os dois grupos do meio chegam a 70,4%. No que se refere a produtos de exportação e substitutos de importação, as participações das propriedades com menos de dez hectares e do grupo de dez a 100 hectares decaem, respectivamente, para 7,1% e 37,9%, enquanto as dos grupos seguintes aumentam para 39,8% e 1,51 %, naquela ordem.

Ao adotar os procedimentos descritos anteriormente para corrigir as estimativas da participação na utilização de terra, no que se refere à existência de áreas ociosas, nota-se que o grupo das pequenas propriedades, que corresponde a 5,32% da terra agrícola, é responsável por 20,4% da produção dos itens alimentícios bási cos e bens para o mercado interno. Destarte, este grupo tem uma participação na produção 3,83 vezes superior a sua participação no total de terras agrícolas. Estas mesmas medidas relativas, referentes aos outros três grupos, são respectivamente de 2,11, 0,60 e 0,30.

Infelizmente não existem ainda dados disponíveis do Censo Agropecuário de 1980 com referência à criação de gado. Como esta atividade predomina em propriedades maiores, espera-se que estas medidas relativas indiquem menor disparidade do que nossos dados sugerem. No entanto, fica claro que os dois grupos de menor tamanho produzem proporcionalmente mais do que sua utilização relativa da terra agrícola, enquanto os dois grupos seguintes produzem proporcionalmente menos.

Com relação à produção de produtos para exportação e substitutos para a importação, estas mesmas medidas relativas são 1,33, 1,81, 0,92 e'0,49, indicando um aumento na importância relativa dos grupos de propriedades maiores.

Portanto,. conclui-se que, embora nos dois casos as pequenas propriedades produzam proporcionalmente mais do que a sua parte da terra agrícola, sua contribuição para a produção total não é tão grande que possa fazer com que sejam consideradas como produtores predominantes, seja. , para o mercado interno ou externo - sendo que este papel é desempenhado, bastante claramente, pelas fazendas de porte médio.

O que fica evidenciado, portanto, é que embora os estabelecimentos tenham sido agrupados de forma a maximizar a probabilidade de surgimento de diferenças de comportamento e/ou econômicas, estas diferenças não apareceram de maneira acentuada. Todos os grupos parecem seguir padrões de comportamento econômico compatíveis com suas disponibilidades de fatores, alcançando níveis praticamente equivalentes de eficiência na produção agrícola.

Há, no entanto, uma outra dimensão, relativa aos padrões de posse da terra, que merece atenção: o potencial para a realização de superávits agrícolas, necessário para dar suporte à urbanização. O setor agrícola deve produzir um superávit de produtos alimentícios, insumos e matérias-primas, acima e além de suas próprias necessidades, o qual deve alcançar e dar suporte às necessidades urbanas destes produtos.

A Tabela 26, mostra a evolução, durante os últimos 40 anos, da distribuição da força de trabalho agrícola dentro dos vários grupos de estabelecimentos. É surpreendente notar a diminuição na percentagem da força de trabalho absorvida pelos três grupos de tamanhos maiores, compensada pela quase duplicação da participação das propriedades de até dez hectares. Este grupo, que em 1980 ocupa apenas 24% do total da terra agrícola, acomoda aproximadamente 37% da força de trabalho empregada. Os dois grupos seguintes ocupam

51,7% da terra e 58,3% da força de trabalho enquanto as fazendas maiores ocupam 45,8% da terra e apenas 4,3% da

população agrícola empregada.

Sem considerar-se os problemas de eqüidade, esta situação gera sérias dificuldades de absorção da mão-de-obra, que geralmente acabam emergindo nos centros urbanos, conforme já mencionado anteriormente. Além disso, a segmentação existente nos mercados de fatores na agricultura, especialmente da mão-deobra, gera consideráveis dificuldades na criação de superávits agrícolas, com limitações óbvias para o potencial de crescimento do sistema econômico como um todo.

A Tabela 27: amplia os dados referentes ao censo de 1980, indicando que, devido à acentuada concentração da população nas propriedades de até dez hectares, cada unidade de mão-de-obra empregada tem aproximadamente um hectare para trabalhar, sete vezes menos do que a média nacional. Da mesma forma, a disponibilidade do capital medida pela utilização de tratores em uso mostra a relação de um trator para 281 empregados e um trator para aproximadamente 275 hectares de terra cultivada. Sendo a mão-de-obra agrícola combinada com estas quantidades restritas de fatores complementares, comparando-se com a média brasileira, o potencial para a geração de superávits de mercado é concomitantemente reduzido. Assim, em princípio, é aí que as principais dificuldades da agricultura brasileira devem ser buscadas.

Neste sentido, a análise da estrutura da posse da terra no Brasil com base em critérios de eficiência, conforme demonstrado acima, parece ser um passo na direção errada. O tamanho das propriedades é um problema ilusório, pois não são detectadas com facilidade diferenças econômicas significativas33 O problema encontra-se na distribuição inicial de fatores complementares e nos mercados segmentados que impedem um padrão mais uniforme da utilização dos fatores disponíveis, cuja :correção aumentaria o potencial para a geração de superávits.

Portanto, uma política de aglomeração da terra nos grupos de propriedades pequenas, em combinação com uma política de emprego de mão-de-obra e incentivos para a utilização da terra nos outros grupos, parece ser policy mix mais adequado do que os esquemas convencionais de reforma agrária baseados em programas de redistribuição da terra.

Resumo

Algumas conclusões já podem ser obtidas. A agricultura perdeu prematuramente em participação no total das atividades econômicas. A urbanização ocorreu rápido demais e cedo demais em relação ao nível de renda alcançado pelo País, gerando sérios problemas de emprego, concentração da renda e dualismo econômico. A agricultura brasileira apresenta baixa produtividade, é tecnicamente ineficiente e exibe várias deficiências na infraestrutura social, educacional, de saúde, transportes e armazenamento. Além disso, a política econômica partiu para uma direção errada no apreçamento de fatores, favorecendo a intensificação na utilização do capital e gerando índices alarmantes de desemprego e concentração da renda.

Sobrecarregada com estas deficiências maciças, estruturais ou induzidas por políticas econômicas equivocadas, a agricultura deveria ser um setor retardatário, impedindo a consecução de um processo de crescimento auto-sustentado na economia brasileira.

II. O Papel da Agricultura no Desenvolvimento Brasileiro

Introdução

JOHNSTON e MELLOR (1961) analisaram o papel do setor agrícola no crescimento econômico.

Tradicionalmente, os economistas referem-se ao setor agrícola como tendo certas "funções" a desempenhar com o objetivo de dar suporte ao processo de industrialização, normalmente identificado com o processo de crescimento e desenvolvimento econômico. O desenvolvimento agrícola é interpretado como um passo intermediário, necessário para a realização do desenvolvimento industrial e crescimento econômico.

Menciona-se cinco papéis básicos:

a) liberação da mão-de-obra para o setor industrial;

b) fornecimento de produtos alimentícios e matérias-primas a custos constantes ou decrescentes;

c) suprimento de capital para o financiamento de investimentos industriais;

d) suprimento de divisas estrangeiras através da exportação de produtos agrícolas, necessárias ao fmanciamento de importações para o setor industrial;

e) criação de um mercado interno para produtos industriais.

A análise destes cinco papéis servirá como indicadora do desempenho do setor

agrícola.

Liberação da Mão-de-obra

O primeiro papel, isto é, a liberação da mão-de-obra para o setor industrial, deve ser completamente reinterpretado.

Originalmente, ele foi colocado em relação às economias agrárias com baixas taxas de urbanização. Nestas condições, é desejável que o setor agrícola seja capaz de liberar mão-de-obra para ser empregada em atividades industriais. O cerne do problema não é a mera transferência da mão-de-obra de um setor para outro, mas antes a possibilidade de fazê-la sem produzir escassez de alimentos e matérias- primas. Em outras palavras, o setor agrícola teria de ser capaz de elevar o seu excedente econômico para poder fornecer alimentos ao trabalhador urbano, além de matéria-prima para o setor industrial.

No que se refere aos atuais países em desenvolvimento, onde os setores urbanos absorvem a maioria da população (no Brasil, chega a 70%) e a taxa de desemprego (aberta ou disfarçada) é geralmente elevada, o problema é outro. Na verdade, o setor agrícola é considerado como um receptor potencial de mão-de-obra e como instrumental na geração de emprego para habitantes urbanos desempregados. Em vez de medirmos o desempenho do setor agrícola avaliando o grau de efetividade com que libera a mão-de-obra, seu desempenho deveria ser julgado pela maneira na qual ele absorve mão-de-obra. De acordo com este critério, conforme descrito acima, o setor comportou-se mal no Brasil, nos últimos 40 anos,já que não se mostrou capaz de absorver excedentes populacionais urbanos; em realidade, o processo inverso ocorreu com grande intensidade.

Fornecimento de Produtos Alimentícios e Matérias-Primas

O suprimento de produtos alimentícios e matérias-primas é certamente a tarefa principal para dar suporte à urbanização e à industrialização.

A Tabela 28 apresenta dados relativos à disponibilidade per capita de alguns . produtos alimentícios selecionados. Os produtos foram selecionados de forma a evitar distorções na disponibilidade interna causadas por importações e/ou exportações volumosas. Não foram incluídos produtos que são exportados e/ou importados em proporção acima de um décimo da produção interna. Desta forma, a tabela a seguir apresenta um quadro da situação do fornecimento de alimentos básicos para o consumo humano.

Com exceção do milho, um produto que apresentou um comportamento atípico na disponibilidade para o consumo humano na década de 70, devido à política de exportação/importação e não devido a uma produção decrescente, todos os outros produtos indicaram um desempenho satisfatório, conseguindo manter ou até aumentar o fornecimento per capita.

Estas estimativas contrariam a crença comum de que a produção para merca- dos de exportação tenha crescido à custa da produção para o mercado interno. Mais comum ainda é a crença de que a expansão da produção de cana-de-açúcar tenha provocado um declínio na produção de alimentos.

Realmente, a produção para a exportação e para a substituição de importações cresceu mais rapidamente do que a produção de gêneros alimentícios para o mercado interno, mas sem provocar declínio na disponibilidade de alimentos per capita.

A Tabela 29 apresenta taxas anuais geométricas do crescimento da produção referentes à maioria dos mais importantes produtos agrícolas entre 1960 e 1980.

Com exceção do algodão, a taxa anual total do crescimento da produção foi positiva para todos os produtos. Entre 1961 e 1979, o crescimento anual da população foi de 2,63%. A taxa geométrica de crescimento da produção per capita foi estimada deduzindo-se o crescimento da população do crescimento da produção.

As estimativas fornecidas pela Tabela 29 diferem daquelas apresentadas na tabela anterior no seguinte: a) elas oferecem estimativas de produção interna per capita, enquanto as da Tabela 28 são estimativas referentes às quantidades de produto para consumo humano, após a dedução das perdas, consumo animal e utilizações intermediárias como, por exemplo, sementes, e b) não acrescentam as importações às estimativas de produção e nem deduzem as exportações.

Considerando-se que o setor agrícola gera considerável superávit de exportação, as importações devem ser acrescentadas à produção interna a fim de garantir o fornecimento interno estável e de alguns produtos agrícolas; trata-se de critério aceitável contanto que não sejam feitas regularmente, e em grandes proporções relativamente ao produto interno. Só assim é possível obter-se uma avaliação realista do desempenho do setor agrícola como um todo. Além disso. este procedimento se toma mais legítimo lembrando-se a simetria do processo, pois em anos de excesso de oferta os excedentes da produção são exportados.

A produção de arroz e de banana indicou taxas negativas de crescimento, porém não significativamente diferentes de zero. mostrando que a produção per capita permaneceu relativamente constante durante o período. O algodão indicou a maior taxa negativa de crescimento. A produção durante o período de 60-62 foi de 1.779 mil toneladas. A produção aumentou até 1970-1972. quando a produção média foi de 2.245 mil toneladas. Desde então, até o período de 1976-1978, a produção decresceu para urna média de 1.577 mil toneladas. apresentando a partir daí uma tendência para produções maiores. alcançando 1.627 mil toneladas no período 1978-1980. Um padrão semelhante de flutuação da produção pode ser observado com referência ao feijão, onde a produção média foi de 1.728 mil toneladas em 1960-1962.2.531 mil toneladas em 1972-1973 e 2.116 mil toneladas em 1978-1980. Nestes dois casos, as taxas negativas de crescimento médio são um fenômeno de curto à médio prazo, não indicando sinais de ser uma tendência permanente.

Apenas no caso da mandioca parece haver uma clara tendência a longo prazo para taxas negativas no crescimento da produção per capita. A produção média foi de 18.504 mil toneladas no período de 1960-1962, alcançando um máximo de 29.899 mil toneladas em 1969-1972, e apresentando uma tendência decrescente desde então, chegando a uma produção média de 24.629 mil toneladas em 1978-1980. De maneira geral. no entanto, a Tabela 29 indica que. durante o período de 20 anos, de 1960 a 1980, a produção per capita dos principais produtos agrícolas mostrou uma taxa positiva de crescimento.

Há outros fundamentos para sustentar a posição de que o setor agrícola. apresentou um fornecimento satisfatório para o mercado interno: os índices de preço.

Os índices de preços de produtos agrícolas no atacado divididos pelos índices gerais de preços no atacado fornecem indicadores de pressão inflacionária provocada pôr itens agrícolas específicos. Valores destas relações acima da unidade indicam que, em relação ao período-base, os preços dos produtos indicados no numerador aumentaram relativamente mais do que os preços de produtos indicados no denominador e vice-versa. Mais importante, estas relações indicam movimentos nos preços relativos. Valores crescentes indicam aumentos de preços dos produtos no numerador relativos aos preços dos produtos no denominador. Opostamente, valores numéricos decrescentes indicam que os preços estão aumentando menos do que aqueles dos produtos no denominador, embora, em relação ao ano-base, os preços possam ainda estar em altos níveis inflacionários.

Por exemplo, a coluna 7 da Tabela 30 indica índices relativos de preços entre produtos animais e preços no atacado em geral. Durante o período, os índices de preços no atacado cresceram mais rapidamente do que os preços de produtos animais. Dado o anobase de 1977, em 1982 o índice de preços para produtos animais foi de 73% do índice de preços no atacado, indicando que não surgiram pressões inflacionárias do primeiro. Se o setor agrícola tivesse deixado de fornecer produtos alimentícios ao mercado interno, seus preços teriam aumentado proporcionalmente mais do que os outros preços, resultando em índices relativos acima da unidade.

Em geral, os preços de produtos agrícolas cresceram menos do que os preços no atacado, não indicando escassez generalizada de alimentos. Os grãos (exceto no início da década de 70) e, como já foi anteriormente mencionado, os produtos animais também não exerceram pressão sobre o índice de preços no atacado. Os preços das raízes indicaram um aumento relativo drástico em 1980, tendo, desde então, subido menos do que o índice geral de preços no atacado. Os preços de alimentos industrializados apresentaram movimentos mais ou menos comparáveis ao índice geral de preços no atacado. Apenas as frutas e os legumes apresentaram uma tendência permanente de aumentos de preços acima dos preços do atacado, sendo uma fonte autônoma de pressões inflacionárias.

A coluna 2 indica que os produtos agrícolas não exerceram pressões inflacionárias nos índices de preços no atacado, embora, na década de 70, seus preços tenham apresentado uma forte tendência de elevação. No geral, no entanto, seus preços subiram menos do que o índice geral de preços no atacado, não indicando escassez crônica de oferta.

Usando-se o conceito da disponibilidade interna (coluna 8) os preços de gêneros alimentícios indicaram, até 1975, menores aumentos do que o índice geral de preços no atacado, quando começaram a subir com maior rapidez, até 1981. Basicamente, o mesmo aconteceu com os preços dos gêneros alimentícios nos índices do custo de vida referentes â cidade do Rio de Janeiro.

A Tabela 31 mostra o padrão de flutuações entre os aumentos de preços para os agricultores, atacadistas e consumidores.

Os preços recebidos pelos agricultores aumentaram menos do que os preços no atacado, entre 1966 e 1969. A partir de 1970, os preços ao agricultor começaram a subir mais rapidamente, especialmente a partir de 1973, alcançando o maior diferencial de aumento de preços em 1977. Esta tendência modificou-se de 1978 a 1982 quando os preços recebidos pelo agricultor aumentaram, a cada ano, menos do que os preços no atacado. Durante o período total, os preços ao agricultor subiram ligeiramente menos do que os preços no atacado.

Comparados aos preços ao consumidor, os preços recebidos pelos produtores rurais subiram até 1977, revertendo bruscamente esta tendência, desde então. Finalmente, durante o período, os aumentos de preços no atacado flutuaram em torno dos aumentos de preços ao consumidor e, de forma geral, aumentaram mais rapidamente do que os preços ao agricultor e do que os preços ao consumidor.

De maneira geral, os preços ao produtor rural não mostraram tendência de liderar os aumentos de preços, embora, devido às suas próprias características peculiares, tenham indicado forte padrão de flutuações a curto prazo.

Conclui-se que as análises de tendências de preços no período 1960-1980 confirmam as conclusões obtidas acerca do êxito d,o setor agrícola brasileiro em fornecer produtos alimentícios sem crises permanentes de abastecimento ou pressões inflacionárias mais acentuadas.

Transferência de Capital

Outra função do setor agrícola, por ser ele, supostamente, a mais importante atividade econômica nos países subdesenvolvidos, é transferir renda (o excedente econômico) para o setor urbano, a fim de financiar o esforço de industrialização.

Certamente, nos estágios iniciais da industrialização, a economia brasileira ainda estava em grande parte centrada no café, de cuja produção extraía-se o excedente econômico, transferido para o setor urbano e investido em atividades industriais. Esta transferência de renda teve continuidade, mais recentemente, pelo processo ricardiano de mudanças nos termos de troca entre a agricultura e os segmentos urbanos.

A Tabela 32 mostra os termos de troca nos Estados agrícolas mais importantes. A

partir de 1966 a relação entre preços recebidos e preços pagos pelo agricultor foi favorável ao setor rural até 1972-1974, para todos os Estados. Com exceção do Ceará e Pernambuco, que indicaram termos de troca desfavoráveis desde então, os preços relativos pioraram para o setor agrícola até 1975-1976, apresentaram uma melhoria repentina em 1977, e, em seguida, grave deterioração até 1982.

Em relação ao ano de 1966, um período de preços agrícolas deprimidos, não é de surpreender que, com exceção do Ceará, Pernambuco, São Paulo e Rio Grande do Sul, os outros quatro Estados tenham apresentado, até 1982, melhoras em seus termos de troca. É oportuno considerar que em 1966 o setor agrícola havia sido comprimido para apenas 13,4% do produto interno líquido, e que não possuía meios de continuar transferindo renda aos centros urbanos como aconteceu no passado. No entanto, em,relação a 1997, os termos de troca voltaram-se novamente contra o setor agrícola, tendência que prosseguiu até 1982, drenando recursos para fora do setor.

Exportações e Substituições de Importações

Em relação ao mercado externo, o papel do setor agrícola brasileiro foi sempre preponderante, não apenas em termos de geração de divisas pelas exportações, mas também através da substituição de importações.

A Tabela 33 indica que, em 1964, o setor agrícola foi responsável por 80,5% do total das exportações, gerando recursos líquidos no valor de US$ 888,7 milhões. Embora a percentagem de produtos agrícolas no total das exportações tenha apresentado declínio, como conseqüência do crescimento econômico e diversificação ocorridos no Brasil, a agropecuária gerou em média 7.804 milhões de dólares de exportações líquidas no período 1980-1982. Em média, nos anos de 1964-1966 a 1980-1982, as exportações líquidas de produtos agrícolas cresceram em média 13,52% ao ano, uma taxa consideravelmente mais elevada do que o crescimento do produto real brasileiro.

Além disso, o setor agrícola logrou êxito no esforço de substituir importações. Os produtos agrícolas, que correspondiam a 24,2% do total de importações em 1964, tiveram sua participação reduzida para cerca de 8,3% no início da década de 80, embora entre 19661976 e 1980-1982, as importações tenham crescido a uma taxa geométrica anual de 13,77%.

É evidente, portanto, que nas duas últimas décadas o setor agrícola demonstrou um desempenho satisfatório na geração de exportações e de divisas necessárias para manter a taxa de crescimento da produção nacional, e particularmente a expansão das atividades industriais.

Demanda por Produtos Industrializados

Finalmente, o setor agrícola deve gerar demanda por produtos manufaturados. A intensidade comercial entre estes dois setores pode ser medida pela demanda por produtos industriais gerada pelas atividades agrícolas.

A Tabela 34 mostra que, entre 1965 e 1980, o consumo de fertilizantes cresceu a uma taxa média anual de 13,31%, enquanto o número de tratores agrícolas aumentou, entre 1950 e 1980, a uma taxa de 14,83% ao ano. A Tabela 35, por sua vez, mostra que, em 1980, em média, mais de dois terços dos produtores de algumas importantes lavouras usaram fertilizantes químicos e defensivos, denotando uma sólida demanda por insumos do setor industrial. Castro (1982) também revela que a taxa anual de crescimento do total de despesas agrícolas entre 1970 e 1975 foi de 17,41 %; a taxa de crescimento no uso de insumos industriais como defensivos e remédios foi aproximadamente igual, isto, é, de 17,05% e 16,94%, enquanto as taxas de expansão do uso de fertilizantes foi de 26,69%, e as referentes a equipamentos, transporte e sal, de 25,76%. Em geral, o grau de utilização de insumos industriais na agricultura tem sido cada vez mais elevado, especialmente nas regiões do Sul do País, onde a modernização é mais acentuada.

Outras evidências da dependência do setor agrícola em face dos insumos de origem industrial podem ser reunidas através da análise da estrutura dos investimentos agropecuários. A Tabela 36 demonstra que 45% do valor do crédito de investimento para lavouras são gastos com bens industriais; os 55% restantes são aplicados em outros itens onde o setor industrial irá certamente contribuir no fornecimento de insumos.48 49 Investimentos na pecuária mostraram menor concentração de despesas em bens industriais, 18,6%, mas, por outro lado, absorvem apenas 32% do total da oferta de crédito. Em geral, pode-se concluir que o setor industrial recebe 36,5% dos dispêndios do setor agrícola em investimentos, uma indicação da importância da agropecuária na geração de demanda por produtos industriais. 50 51 indicação da importância da agropecuária na geração de demanda por produtos industriais.

Conclui -se que, apesar de todas as deficiências estruturais mencionadas : acima, o setor agrícola brasileiro teve desempenho satisfatório criando condições para o desenvolvimento econômico global e apoio ao crescimento do setor industrial.

III. Causas do Sucesso A Fronteira Agrícola

O primeiro fator a explicar o desempenho razoavelmente satisfatório do setor agrícola brasileiro, em termos de seu papel na promoção do desenvolvimento, é a expansão da fronteira agrícola. A abundância relativa de terra e de mão-de-obra possibilitou o desenvolvimento do setor através da incorporação de novas áreas ao processo produtivo.52

A Tabela 37 indica que, no período de 1940 a 1980, a área dos estabelecimentos agrícolas cresceu 86,92%, ou 1,57% ao ano. O aumento não foi constante durante todo o período, sendo de aproximadamente 17% nos períodos de 1940-50 e 1960-1970, de 7,60% no período de 1950-1960 e 25,65% na década de 70. Além disso, o aumento na área dos estabelecimentos agrícolas não foi distribuído de maneira uniforme entre as regiões. As regiões agrícolas foram classificadas em três grupos: as áreas tradicionais, responsáveis pela maior parte da produção agrícola, incluindo os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo e Rio Grande do Sul; as áreas novas, incorporadas no período entre as décadas de 20 e de 50, incluindo o Estado do Paraná, Santa Catarina, e o que é hoje o Estado do Mato Grosso do Sul; e as áreas muito novas, uma expansão que se iniciou na década de 60, incluindo os Estados de Goiás, Mato Grosso, toda a região Norte do País, especialmente o Pará, Rondônia, Roraima e Acre, assim como a Bahia e Maranhão.

A região tradicional apresentou, como esperado, os mais baixos índices de expansão, crescendo a uma taxa geométrica anual de aproximadamente 0,5%. A expansão da fronteira ocorreu, principalmente, nas áreas novas e muito novas.


A região nova, que começou a ser incorporada na década de 20, apresentou, até a década de 60, uma taxa de expansão razoavelmente alta, apresentando uma redução significativa na década de 70, como conseqüência do esgotamento das terras disponíveis. As regiões muito novas também apresentaram altas taxas de expansão na década de 40 e na de 60, mas foi na década de 70 que chegou ao máximo, como conseqüência da política governamental adotada, crescendo a taxas de quase 4% ao ano, ou de 47,32% na década. As regiões agrícolas restantes tiveram crescimento de 67,01 %, entre 1940 e 1980, as quais, juntamente com as regiões tradicionais, expandiram-se abaixo da média nacional, e consideravelmente abaixo das áreas de expansão da fronteira.

Desta forma, durante o período de 1940 a 1980, mais de 170 milhões de hectares de terras agrícolas foram incorporados ao processo produtivo, possibilitando a expansão da produção acima descrita. Deve-se enfatizar que as regiões tradicionais e novas, na região Sul e Centro-Sul do Brasil, compunham, em 1980, aproximadamente um terço do total das áreas agrícolas. Estas regiões apresentam elevados índices de modernização e de produtividade. O Estado de São Paulo, por si, é responsável por aproximadamente 23% do total da produção agrícola.53 As regiões muito novas representavam, em 1980, aproximadamente 55% do total da área agrícola, e, em parte, ainda estão em processo de integração ao sistema produtivo nacional.

O desenvolvimento da fronteira agrícola deve ser analisado não somente em termos do aumento da área e do crescimento da produção, mas também em termos de possíveis impactos na produtividade.

A Tabela 38 mostra os níveis de produtividade da terra referentes a alguns dos produtos mais importantes nos anos de 1950-1952, 1964-1966 e 1978-1980. Indica que a expansão da fronteira causou impactos na produtividade dá terra apenas em relação ao desenvolvimento das áreas novas.

A produtividade nas áreas novas foi, com exceção da batata em 1950-1952, amendoim e batata em 1964-1966, e amendoim e arroz em 1978-1980, mais alta do que a média nacional, e também mais elevada do que a média nas áreas tradicionais de produção agrícola. A incorporação das áreas novas realizou-se com índices de produtividade da terra iguais ou maiores do que nas áreas tradicionais, mesmo com a elevação da produtividade observada em todos os produtos durante o período 1950-19.80 (com exceção da banana, um produto tropical não muito bem adaptado às regiões interioranas do Sul, e do feijão, como conseqüência do declínio no método tradicional de intercalação com o café).

O mesmo não aconteceu, no entanto, com o desenvolvimento das áreas muito novas. Devido a dificuldades de transporte e armazenamento, além da baixa fertilidade do solo, a incorporação das áreas muito novas, na década de 60 e 70, realizou- se a níveis de produtividade inferiores àqueles obtidos nas áreas tradicionais e nas áreas novas. A produtividade da terra nas áreas muito novas durante a década de 50 apenas mostrou-se elevada em duas lavouras tradicionais - banana, mandioca -, e isto antes mesmo da ocorrência do desenvolvimento da fronteira agrícola nestas regiões. Na década de 70, esta superioridade também desapareceu. Nas décadas de 60 e 70, quando as áreas incorporadas cresceram substancialmente nas regiões muito novas, a produtividade foi baixa comparada àquela obtida nas áreas tradicionais e nas áreas novas, ficando, na maioria dos casos, abaixo mesmo da média nacional. A única exceção foi a produtividade obtida pela soja, acima da média nacional e igual àquela obtida nas áreas novas. Deve-se notar, no entanto, que no período de 1978-1980, este resultado foi obtido principalmente em termos do Estado de Goiás, que representou apenas 2% do total da área cultivada com aquele produto.

Conclui-se que o desenvolvimento da fronteira teve importantes efeitos na produção, mas que, com exceção da incorporação das áreas novas, não houve efeitos positivos na produtividade.

Mercado Internacional

Outro importante fator no êxito do setor agrícola nos últimos 20 anos encontra-se nos mercados internacionais.

A Tabela 39 apresenta a decomposição das exportações de produtos não- manufaturados, de 1959 a 1982, em um índice de quantum, e em um índice de preço.54 Fica claro que, até 1972, apesar das freqüentes oscilações, tanto as quantidades como os preços de produtos não-manufaturados aumentaram em proporções semelhantes. De 1973 em diante, os preços subiram acima dos aumentos de quantidades, e foram responsáveis pela maior parte da elevação no valor das exportações.

Desta forma, os preços favoráveis, especialmente na década de 70, foram os maiores responsáveis pelo crescimento do valor das exportações agrícolas. De fato, a Tabela 39 demonstra que as quantidades de exportações agrícolas decresceram após o período de 1975-1976, sendo compensados por um significativo aumento nos preços, até 1980.

A Tabela 40 exibe índices de preços de alguns importantes produtos agro- pecuários exportados pelo Brasil. São eles: o cacau, o café, o açúcar, a carne bovina, o fumo, os produtos da soja (grão, farelo e óleo), e o algodão. Na década de 50, estes produtos correspondiam, em média, a 86% do total das exportações. O café, por si, correspondia a 65% do total, e, com sua exclusão, as demais mercadorias totalizavam 60% das exportações.

Durante a década de 60, estes oito produtos foram responsáveis por 75% das exportações de não-manufaturados, e por 65% do total do valor das exportações. Excluindo-se o café, foram responsáveis por aproximadamente 50% das exportações de não-manufaturados, e por cerca de 40% do total das exportações. Finalmente, durante a década de 70, o valor das exportações dos produtos citados representou 60% das exportações de não-manufaturados, e 45% do total do valor das exportações, e excluindo-se o café, estes valores foram de 70% e 40% respectivamente. Desta forma, torna-se bastante claro que estes oito produtos tiveram, nos últimos 30 anos, um papel altamente significativo, tanto no desempenho das exportações brasileiras, como no setor agrícola como um todo.

Durante aquele período, os preços internacionais daqueles produtos apresentaram, de maneira geral, uma tendência bastante favorável.

Incluindo-se o café,' os índices de preços indicaram certa estabilidade, até 1956, devido à Guerra da Coréia; de 1957 até 1960 apresentaram uma forte tendência de declínio, e a partir de 1961-1963 começaram a elevar-se substancial- mente, até 1980.

Excluindo-se o café, os preços das commodities indicaram um padrão menos estável; contudo, apresentaram uma tendência igualmente favorável a longo prazo, com exceção dos baixos preços observados no final da década de 50.

Conclui-se que, dada a importância daqueles oito produtos na produção agrícola, assim como nas exportações, a tendência favorável apresentada por seus preços no mercado internacional na maior parte do período entre 1950 e 1980 foi um importante fator explicativo do desempenho satisfatório do setor agrícola, como um todo.

Crédito Rural Subsidiado

Finalmente, mas não de menor importância, o crédito rural subsidiado deve ser mencionado como um forte fator responsável pelo desempenho satisfatório do setor agrícola brasileiro.

Entre outros, Araújo (1969,1983), Barros (1973) e Munhoz (1982) mostraram que o crédito agrícola subsidiado foi, durante as décadas de 60 e de 70, um motivo de grande importância no crescimento da produção e no processo de modernização ocorrido no setor agrícola brasileiro. Tanto a disponibilidade de crédito em si como o subsídio implícito nas taxas de juros reais negativas fizeram o crédito rural ser o único, e mais importante, instrumento utilizado pelo governo para alcançar seus objetivos naquele setor.

As taxas nominais de juros variaram, durante os anos e nas várias linhas de crédito disponíveis, desde zero, aplicadas para a compra de "insumos modernos" (high-pay 011 inputs) em meados da década de 70, até a aplicação da correção monetária plena (aproximadamente igual à taxa de inflação) mais 3%, aplicáveis a partir de meados de 1983. Na verdade, os subsídios decresceram substancialmente, a partir de 1981, com a decisão governamental de eliminar as transferências de renda causadas pelas taxas negativas de juros.

Considerando a taxa da inflação, Araújo (1983) estimou que, durante a década de 70, as taxas reais de juros para a compra de insumos variaram de -3% a -18,7%; para créditos de investimentos variaram de -1,3% a -22,1%, e para os créditos de comercialização, variaram de -ü,3% a -6,2%. Durante todo aquele período, as taxas reais de juros no crédito agrícola nunca foram positivas. O mesmo autor também estimou que, em 1979, para cada cruzeiro da produção agrícola, havia um subsídio implícito de 0,14 cruzeiros.

Em 1982, as taxas de juros agrícolas foram indexadas, seja ao índice de elevação de preços, seja ao índice de correção monetária, acrescidas de uma taxa de juros positiva, porém ainda abaixo da taxa de mercado. Desta forma, embora as taxas reais de juros se tenham tornado positivas, manteve-se um diferencial com relação às taxas de juros do mercado.

Além do subsídio introduzido pela taxa real de juros negativa, o montante dos empréstimos concedidos aos agricultores aumentou substancialmente durante o período de 1960 a 1981, possibilitando melhores condições ao crescimento e modernização do setor agrícola.

A Tabela 41 indica que o número de contratos de empréstimo, através do Banco do Brasil, aumentou de 224.671 em 1961 para 1.879.748 contratos em 1981. O valor dos contratos de crédito aumentou, em termos reais, de um total de 9,6 bilhões de cruzeiros, em 1961, para 140,4 bilhões de cruzeiros em 1980, ten- do, em 1981, diminuído para 130,1 bilhões de cruzeiros. A Tabela 42 mostra que a taxa de aumento dos empréstimos agrícolas foi elevada, no período de 1960-1980. Foi consideravelmente mais alta do que a taxa de crescimento do PIB, do que a taxa de crescimento da produção agrícola, e do que a taxa de crescimento do total de crédito disponível à economia como um todo. Enquanto a taxa média anual do crescimento do crédito agrícola, durante o período de 1961-1976, foi de 17,86%, com referência ao total do crédito, para todos os setores, foi de 11,96%.

Fica claro, portanto, que além de ser altamente subsidiado, o suprimento do crédito rural cresceu mais rapidamente do que o crédito para os demais setores, fornecendo, assim, forte apoio ao crescimento da produção agrícola.

O crédito rural subsidiado tem sido criticado por vários ângulos. Sayad (1977) mostrou que parte do volume dos fundos de crédito disponíveis à agricultura pode ter sido canalizada para outros setores, deixando como retorno líquido financeiro aos produtores a diferença entre a taxa de juros subsidiados e a rentabilidade em aplicações alternativas em outros setores. Como os grandes e médios produtores absorveram a maior parte do crédito disponível, surgiram sérios problemas de concentração de renda, resultado também sugerido por Pinazza (1978), Araújo (1983), Araújo et al (1979). Araújo (1983) também mostrou que efeitos perversos na distribuição de renda estavam sendo introduzidos por grande concentração de crédito em alguns produtos (normalmente em fazendas comerciais produzindo para mercados de exportação), e em algumas regiões (através da grande concentração nas regiões Sul e Sudeste, as regiões agrícolas mais adiantadas). Outros autores como Rask (1969), Nelson (1971), Engler (1971), Barroso et al (1970), Sanders (1973) demonstraram que a política adotada introduziu sérias distorções na alocação de recursos, levando à substituição prematura da mão-de-obra pelo capital. Bulhões (1983), Araújo et al (1979) e Oliveira et al (1982) ressaltaram os fortes impactos inflacionários introduzidos pelo mecanismo de captação de recursos para o crédito rural evidenciando forte correlação entre o 1 crédito agrícola e o aumento da oferta de dinheiro. Esta conclusão foi timidamente desafiada por Barros (1979), e veementemente contestada por Munhoz (1982). Resende (1981, 1982) ressaltou os possíveis efeitos do crédito subsidiado, via preço da terra, como um mecanismo de equalização das taxas-retomo entre os setores subsidiados e não-subsidiados da economia. Ressaltou a relevância da Lei de Gresham, de acordo com a qual o capital financeiro disponível na agricultura é pressionado para fora do referido setor, e substituído por recursos creditícios subsidiados.

No entanto, a crítica mais comum relaciona-se à suposta ineficiência na utilização do crédito rural. Aráújo et al (1979), Vital (1981), Mello (1979a), Araújo (1983), e outros, afirmaram que a relação entre o crédito agrícola e o produto agrícola líquido têm crescido continuamente, alcançando valores extremamente elevados, comparativamente a outros países. Embora os números apresentados não sejam comparáveis entre, si, estes autores evidenciaram um ,drástico aumento na utilização do crédito agrícola por unidade de produção agrícola, alcançando, segundo Araújo (1983), o valor de 1,02 cruzeiros de crédito por unidade de cruzeiro na promoção, em 1975,0,70 em 1976, e 0,88 em 1979.

Munhoz (1982) contestou estes resultados afirmando que o aumento na relação entre o crédito agrícola e o produto agrícola não é uma medida correta de eficiência na utilização de recursos creditícios. Mostrou que a quantia de crédito por unidade de produção tem decrescido, desde 1975-1976, tendo aquela relação quase igualado-se à unidade. Embora estes resultados indiquem uma melhoria na utilização de crédito, Munhoz (1982) alega que, como os contratos de crédito são feitos num ano-calendário, e a produção chega ao mercado no ano-calendário seguinte, são necessárias correções com o objetivo de se obter estimativas adequadas, e com isto as relações obtidas reduzem-se em aproximadamente um terço.

Alegando que a modernização agrícola no Brasil resultou em um processo de produção mais indireto (round-about), Munhoz (1982) afirma, também, que a correta medida de produção agrícola a ser comparada com o valor do crédito rural é o valor bruto da produção agrícola, e não o valor da produção (valor agregado na agricultura). O valor bruto da produção agrícola inclui o valor dos insumos, equipamentos e maquinária adquiridos com recursos creditícios disponíveis. Assim, quanto mais a produção se moderniza, menor é a produção agrícola (isto é, o valor agregado) como proporção do valor bruto da produção.

Feitas essas duas correções, Munhoz (1982) estima que a relação do crédito com o valor bruto da produção agrícola, uma medida mais adequada da eficiência no uso do crédito, fica substancialmente reduzida. A relação cai de 0,976 para 0,448 em 1975, e de 0,792 para 0,30 em 1980, valores estes que, segundo ele, são inferiores aos números comparáveis de outros setores da economia brasileira.

Realmente, a Tabela 43 indica que o valor do crédito rural no crédito total é proporcionalmente menor do que a participação da agricultura no produto interno líquido. Considerando-5e que o crédito rural, suprido pelo Banco do Brasil, atinge aproximadamente 80% do total de empréstimos agrícolas, e que foi apenas por volta de 1970 que os empréstimos agrícolas daquele banco alcançaram a mesma proporção no total de empréstimos que a sua participação do total da produção, conclui-se que a agricultura havia sido mais eficiente na utilização do crédito do que outros setores da economia brasileira. Resultados semelhantes foram encontrados por Piza Ir. (1976), indicando que o crédito por unidade de produção é menor na agricultura do que nos outros setores, embora, devido ao processo de modernização, tenha crescido num ritmo mais acelerado.

IV. Conclusões

Nossas conclusões são no sentido de que o padrão de crescimento da agricultura brasileira terá de mudar nos anos vindouros.

Os três motivos básicos que possibilitaram um bom desempenho, apesar de o setor agrícola ser estruturalmente deficiente, não perdurarão no futuro. Referimo-nos à expansão da fronteira agrícola, às condições favoráveis no mercado externo de produtos agrícolas e à abundante disponibilidade de crédito rural subsidiado.

A expansão da fronteira agrícola revelou-se um processo oneroso para o desenvolvimento da agricultura brasileira. Os vultosos investimentos, necessários para criar, nas áreas de fronteira, e a necessária infra-estrutura produtiva constituem uma enorme barreira para a sua expansão futura. Além disso, o alto custo de manutenção, assim como as grandes distâncias ate os principais centros de consumo e exportação, levantaram sérias dúvidas quanto à viabilidade econômica da manutenção do modelo extensivo de crescimento agrícola.

Os mercados internacionais de commodities não nos oferecem motivos para otimismo. Em primeiro lugar, os mercados de exportação, no início da década de 80, absorveram apenas cerca de 35% da produção agrícola total, motivo de maior ênfase no mercado interno. Em segundo lugar, o Brasil alcançou, em relação aos seus principais produtos de exportação, uma participação de mercado que destruiu a "vantagem de ser pequeno". Em outras palavras, considerando-se a estrutura altamente competitiva dos mercados internacionais de commodities e a inelasticidade preço da demanda internacional, grandes aumentos no volume das exportações agrícolas só poderão ser alcançados à custa de fortes declínios nos preços. E, em terceiro lugar, o início da década de 80 indicou que os mercados de exportação sofrem contrações provocadas pela recessão econômica mundial cujos efeitos deverão perdurar nos próximos anos, resultando em reduções da demanda de exportações agrícolas, e maior protecionismo, especialmente nos grandes mercados dos países desenvolvidos. Além disso, conforme ressaltado por Paiva (1975), os países subdesenvolvidos enfrentam sérias dificuldades na concorrência com os setores agrícolas altamente eficientes dos países desenvolvidos, apoiados por baixos custos das indústrias fornecedoras de insumos e por moderna infra-estrutura de transporte, armazenamento e comercialização.

Finalmente, há uma intenção clara por parte do governo brasileiro de eliminar totalmente os subsídios embutidos no crédito rural. A partir do início da década de 80, a taxa de juros sobre os empréstimos agrícolas tomou-se positiva, e deverá, em breve, equiparar-se às taxas aplicáveis aos outros setores de produção. Devido à política econômica monetarista adotada, visando à solução do sério desequilíbrio na balança de pagamentos e a redução do ímpeto da espiral inflacionária, a disponibilidade de crédito ficou seriamente comprometida, e espera-se que esta tendência se acentue no futuro.

Estas considerações restringem sobremaneira o crescimento potencial do setor agrícola brasileiro, e apontam a necessidade de novas diretrizes de política econômica.

Duas providências são geralmente apontadas. Uma delas é a reforma agrária, e, a outra, o aumento na produtividade via progresso tecnológico.

A reforma agrária envolve, freqüentemente, considerações que fogem do âmbito da análise econômica. Deve-se dizer, contudo, que as duas principais alegações a favor da reforma agrária, interpretada como um processo da divisão de terras ociosas, não foram confirmadas pela pesquisa econômica.

A primeira refere-se à existência de deseconomias de escala na produção agrícola. Os dados empíricos apontam para a existência de uma curva de custos médios de longo prazo bastante plana, quase horizontal, indicando custos unitários constantes em relação à escala de produção a segunda é a maior eficiência dos pequeno estabelecimentos em comparação com os grandes, uma conclusão que nossos resultados não confirmam.

Sem dúvida, a reforma agrária é necessária, especialmente em algumas regiões do País, como no Nordeste, onde o acesso à terra produtiva é efetivamente um fator de impedimento ao crescimento da produção agropecuária. Estas regiões, no entanto, são relativamente pouco importantes como produtoras agrícolas.

Programas localizados de reforma agrária não serão suficientes para dinamizar a agricultura como um todo, pois as regiões do Sul e do Centro-Sul do País, responsáveis pela maior parte da produção, não comportariam semelhantes programas de reforma fundiária.

A reforma agrária, para alcançar êxito, implica a necessidade de crescimento da produção conjuntamente com a elevação da produtividade. Conforme enfatizado por Paiva (1975), a mera redistribuição de terras, sem esforços no sentido de aumentar a eficiência e a produtividade, não resultaria na elevação da produção agrícola per capita. que é, em última análise, o principal objetivo da reforma agrária. Portanto, o progresso tecnológico e a reforma agrária devem ser considerados como esforços complementares.

Contador (1975a) ressalta que o efeito da reforma agrária no progresso tecnológico pode ocorrer em sentidos conflitantes. Enquanto os resultado da redistribuição de terras podem não favorecer a difusão das modernas técnicas de produção, a transformação de parceiros e locatários em proprietários favorece o desenvolvimento e a difusão de progresso tecnológico na agricultura. Resta saber, portanto, se objetivarmos a maximização do progresso tecnológico, qual o tamanho ótimo dos estabelecimentos de produção agropecuária.

Nakano (1981, 1982) afirma que a taxa de retorno do setor agrícola tem c sido sensivelmente reduzida pelas estruturas oligopolistas de seus mercados de insumos e de produtos inviabilizando as propriedades agrícolas comerciais como forma de acumulação capitalista.

Tais conclusões poderiam ser utilizadas na formulação de importante justificativa para a reforma agrária, na medida em que a criação de propriedades familiares, que não necessitam taxas de retorno competitivas para sua reprodução, poderia gerar novo foco de dinamismo no crescimento da produção. A terra seria posta em uso por operadores de estabelecimentos familiares, resultando, portanto, em aumentos da produção enquanto, no momento, as terras permanecem ociosas devido ao pouco interesse dos investidores capitalistas na produção, mais motivados na propriedade da terra como um ativo imobilizado à espera de valorização. Perosa (1982), Raup (1978) e Aidar et al (1981) mostraram que nos Estados Unidos as empresas rurais concentram-se em setores onde existem subsídios e/ou incentivos fiscais disponíveis, garantindo desta forma a obtenção de uma taxa de lucro competitiva.

Contudo, uma política econômica objetivando compensar e/ou enfraquecer as estruturas oligopolistas que envolvem o setor agrícola parece ser mais efetiva, e menos onerosa, do que a reforma agrária. Além disso, a questão da posse de terra localiza-se na proliferação de minifúndios, e não na resistência dos latifúndios. Portanto, uma política econômica apropriada, objetivando à consolidação dos minifúndios e a manutenção de taxa de lucro competitiva para todos os produtos agrícolas – garantida até o início da década de 80 por altos preços internacionais e pela disponibilidade de crédito subsidiado - seria, nas atuais circunstâncias, mais apropriada do que programas de reforma agrária.

A outra saída para o dilema da agricultura brasileira é a obtenção de maior eficiência através do progresso tecnológico.

As reduções de custos poderiam recuperar a taxa de lucros na agricultura incrementando a competitividade nos mercados externos, e ampliando o potencial aquisitivo do mercado interno de produtos alimentícios e de matérias-primas. Além disso, o progresso tecnológico pode fornecer, com ou sem a reforma agrária, uma base forte para o aumento da produção e da renda no setor agrícola.

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