Chronic dollarization: a note
JOÃO MARCUS MARINHO NUNES*
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE
RESUMO:
Esta é uma resposta a Bresser-Pereira e Aldo Ferrer, sobre a questão da dolarização da Argentina e a possível dolarização da economia brasileira. Uma série de testes econométricos mostra que o Brasil nunca teve a iminência de um processo de dolarização. PALAVRAS-CHAVE: Inflação; dolarização.
ABSTRACT:
This is a response to Bresser-Pereira and Aldo Ferrer, on the matter of the dollarization of Argentina and the possible dollarization of the Brazilian economy. A series of econometric tests shows that Brazil never had the imminence of a dollarization process.
KEYWORDS: Inflation; dollarization.
Em artigo recente nesta Revista (volume 11, número l, 1991), os professores Bresser-Pereira e Aldo Ferrer defendem a tese de que a dolarização crônica, definida como uma situação caracterizada: a) pelo uso do dólar como indexador; b) por transações efetuadas diretamente em dólar; e c) por um estoque de moeda estrangeira para transações domésticas que excede o estoque de ativos monetários em moeda nacional é um fenômeno específico da Argentina.
A principal conclusão dos autores é que a estabilização em uma economia que sofre simultaneamente de inflação e dolarização crônicas é tarefa quase impossível. Esta conclusão indica que tentar dolarizar a economia brasileira, como sugerem alguns, teria efeito exatamente contrário ao desejado.
Nosso objetivo nesta nota é examinar mais detalhadamente a existência da primeira característica acima – dólar como indexador – na economia brasileira, já que este é o primeiro passo no processo de dolarização crônica.
Para o caso argentino, baseados nos dados semanais apresentados pelos autores (1989/3 a 1990/3), aplicamos um teste de causalidade baseado na técnica de vetores autorregressivos. São feitas duas regressões tendo como variáveis dependentes, respectivamente, a taxa de inflação (p) e a desvalorização cambial (e). Se na equação explicativa da inflação a desvalorização cambial entra significativamente, enquanto na equação explicativa da desvalorização a inflação não é significativa, aceitamos a hipótese de que a desvalorização causa, no sentido de Granger, a inflação. Isto pode ser interpretado como indicação da existência de uma indexação dos preços ao câmbio.
Os resultados apresentados nas equações 1 e 2, abaixo, indicam que na Argentina existe uma clara conexão da desvalorização cambial para preços.
1) p(t) = 1.52 + .27e(t-1) + .28e(t-2) + .02e(t-3) + .12e(t-4)
(0.49) (2.04) (2.01) (.10) (.85)
+ .40p(t-1) – .18p(t-2) – .22p(t-3) + .35p(t-4)
(2.74) (-1.15) (-1.43) (2.57)
R2 = 0.46 S.E. 12.12 D.W. = 2.13 Estatística t entre parênteses
2) e(t) = 5.58 + .26e(t-1) + .34e(t-2) – .l0e(t-3) + .03e(t-4)
(1.47) (1.6) (l.98) (-.05) (.19)
– .06p(t-1) + .0lp(t-2) – .14p(t-3) + .08p(t-4)
(-.37) (.06) (-.73) (.46)
R2 = 0.06 S.E. 14.84 D.W. = 1.96
Os gráficos 1 e 2 são ilustrativos. O Gráfico 1 mostra que a inflação reage significativamente a um choque no câmbio enquanto choques na inflação – Gráfico 2 – pouco afetam o câmbio.
Teste semelhante para o caso brasileiro, baseado nos dados semanais de inflação (FIPE) e câmbio, não mostrou significância. Neste caso, não podemos rejeitar a hipótese dos autores de que câmbio e inflação são independentes, ou melhor, que não existe correlação significativa entre as duas variáveis.
O fato de não rejeitarmos a hipótese não significa que ela deva ser aceita incondicionalmente, já que o resultado pode estar ligado à forma de levantamento e utilização dos dados.
Deste modo, testamos a hipótese para um período mais longo (1985/1 a 1990/2), utilizando dados mensais. Como pode ser observado pelas equações 3 e 4, aceitamos a hipótese de que no Brasil o câmbio paralelo esteve indexado à inflação, ou mais precisamente, já que trabalhamos com séries estacionárias, que a aceleração das desvalorizações (e’) está ligada temporalmente à aceleração inflacionária (p’). Os gráficos 3 e 4 são uma ilustração onde, ao contrário da Argentina, é o câmbio que reage significativamente à inflação.
3) p’(t) = .01 + .2lp’(t-1) – .22p’(t-2) – .l0ep’(t-3) – .25p’(t-4)
(1.02) (1. 77) (1.69) (.75) (1.96)
+ .08e’(t-1) + .06e’(t-2) + .10e’(t-3) + .03e’(t-4)
(1.60) (.88) (1.42) (.60)
R2 = 0.09 S.E. = .05 D.W. = 1.99
4) e’(t) = .01 + .76p’(t-l) – .10’(t-2) + .49p’(t-3) + .55p’(t-4)
(.97) (2.88) (-.32) (l.78) (1.99)
-l.10e’(t-1) – .85e’(t-2) – .61e’(t-3) – .35e’(t-4)
(9. 5 3) (5.48) (3.91) (2.92) R2 = 0.57 S.E. = 0.10 D.W. = 2.07
Gráfico 1: Resposta a um Choque na Desvalorização Cambial Argentina
Para confirmar este resultado, construímos um modelo ARIMA para a variável desvalorização cambial, equação 5. Este modelo representa toda a informação contida na série de desvalorização, já que os resíduos da mesma são ruído branco, ou seja, são puramente aleatórios.
5) (1 + 0.33L) e’(t) = (1 + 0.62L)a(t)
(3.76) (5.62) onde: L é o operador de defasagem (Lx = x (t-1) e a(t) é uma série ruído branco. R2 = 0.49 S.E. = 0.12 D.W. = 1.96 Q(12) = 4.97
Gráfico 2: Resposta a um Choque
Gráfico 3: Resposta a um Choque na Inflação Brasil
Gráfico 4: Resposta a um Choque
Então, se conseguirmos melhorar a explicação do processo de desvalorização cambial com a introdução da inflação como variável explicativa, teremos uma indicação adicional da indexação do câmbio à inflação.
De fato, a função de transferência entre desvalorização cambial e inflação, equação 6, mostra que além dos coeficientes da inflação defasada serem significativos, o desvio padrão da equação (S.E.) é menor comparado com a equação 5.
6) e’(t) – 0.01 + .60p’(t-1) + .68p’(t-9) -.95 p’(t-10) +
(1.1) (2.42) (4.76) (2.10)
+ ((1 + .83L)/(1 + .24L)) b (t)
(5.4) (2.33)
R2 = 0.59 S.E. = 0.10 D.W. = 1.87 Q(l2) = 5.91
Por estes resultados, podemos concluir que, apesar dos planos econômicos adotados e do processo de descontrole inflacionário vivido no final da década de 80, não houve sequer ameaça de dolarização da economia brasileira, entendida como tentativa de indexação de preços ao câmbio paralelo. Na verdade, aconteceu exatamente o contrário, sendo o câmbio indexado à inflação.
Conquanto possa ter sido utilizado como reserva de valor dentro de um processo natural de diversificação de portfolio, o dólar não foi utilizado, de modo amplo, como unidade de conta (e muito menos como moeda de troca).
Infelizmente, não podemos extrapolar para o futuro esse passado caracterizado pela ausência de ameaça de dolarização. Como os professores Bresser e Ferrer argumentam, as causas que levaram a Argentina a uma situação de dolarização crônica excedem os limites das variáveis estritamente fiscais e monetárias, englobando de forma importante o longo período de estagnação econômica vivido por aquele país.
A situação atual do Brasil tem muito das mesmas características. De outro lado, os alicerces institucionais que impediam a fuga da moeda doméstica não mais existem.
Em primeiro lugar, o confisco de março de 90 abalou profundamente a confiança que os ativos financeiros denominados em cruzeiros até então desfrutavam. Em segundo, o Plano Color II introduziu elementos desestabilizadores no sistema de preços ao impor a desindexação artificial na economia. Com a aceleração inflacionária, há o risco de reindexação informal com base em indexadores múltiplos, entre eles o dólar.
Por estas razões, propostas de criação de uma moeda, definida a priori como estável, não é a solução. Na nossa opinião, se tivermos que passar pela experiência da dolarização (consequência da ausência de políticas eficazes de estabilização), o melhor é que seja do tipo aguda (determinada pelo mercado) e associada a um processo de hiperinflação clássico. Induzir, via política econômica, mais um componente crônico na economia brasileira não parece uma ideia razoável.