Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque
Poucos temas na história das relações internacionais têm sido tão controversos quanto os padrões de comércio entre as nações. As discussões vêm ocorrendo desde que os meios de transporte tornaram as trocas comerciais de longa distância possíveis.
No início, as controvérsias tiveram origem nos problemas relacionados ao controle e monopólio das fontes de abastecimento e das rotas de transporte. Em seguida, centraram-se nas disputas referentes a ganhos ou perdas internos relacionados ao comércio internacional, de um lado, e a concorrência de produtos importados, do outro; neste caso, todavia, as questões comerciais estavam relacionadas com a opção que os países teriam que fazer — produzir internamente ou importar. Este ponto ainda é objeto de discussão, embora já venha sendo debatido há muito tempo, como o demonstram as sucessivas rodadas do GATT (Acordo Geral sobre Comércio e Tarifas).
Em épocas mais recentes, entretanto, esta questão vai alcançando níveis diferentes, que incluem não apenas a questão de produzir ou comprar no exterior, mas também os problemas mais complexos da dependência tecnológica e do direito — ou da possibilidade de aprender a produzir. Este é um problema dinâmico, que se torna particularmente preocupante quando se trata de discussões sobre comércio entre países em estágios desiguais de desenvolvimento.
Se no passado as questões giravam em torno de ganhos e perdas de renda interna e de redistribuição da renda — que, em princípio, podem ser corrigidos por mecanismos de compensação, na medida em que a renda global aumenta, agora elas envolvem problemas estruturais, como as relações de dependência entre nações e, consequentemente, não passíveis de serem solucionadas pelos mesmos mecanismos potenciais de compensação.
Assim, as discussões sobre os problemas e as políticas de comércio entre nações num mesmo nível de desenvolvimento econômico não criam as mesmas controvérsias como as que ocorrem entre países em estágios tecnológicos diferentes.
Esta é uma diferença fundamental, que deve ser levada em conta na análise dos padrões e políticas de comércio internacional.
A doutrina clássica do comércio
O paradigma da doutrina clássica do comércio diz que os países podem se beneficiar do comércio e da divisão internacional do trabalho. Esta é uma teoria do longo prazo, que atravessa o ' 'véu monetário' ' e salienta o fato de que tanto as vantagens absolutas de custo quanto as comparativas dão margem a possibilidades de comércio que potencialmente podem ser proveitosas para todos os parceiros; a especialização eleva o padrão de vida, tornando um número maior de bens e serviços disponíveis para o consumo.
Inicialmente, a ideia fundamental da vantagem comparativa se apoiava na hipótese de que as funções de produção eram diferentes de um país para outro; em sua formulação moderna, salienta-se que, se as proporções dos fatores de produção disponíveis forem diferentes entre os países, isto seria o suficiente para tornar o comércio vantajoso.
Não se pode levantar qualquer objeção lógica contra este modelo de comércio. Ele requer, entretanto, que certas premissas sejam verdadeiras: concorrência perfeita, ausência de rigidez salarial e de preços, ausência de ' 'reversão de intensidade dos fatores", retornos constantes de escala, ausência de externalidades e de outras formas de falhas do mercado. Se tudo isto for verdade, pode-se dizer com segurança que um país vai se beneficiar especializando-se na produção daquela mercadoria que utiliza com mais intensidade o fator disponível mais abundante; além disso, o comércio pode substituir a mobilidade dos fatores, desde que seus preços sejam igualados entre os países.
É possível demonstrar, também, que a direção do comércio vai depender dos preços relativos de equilíbrio anteriores à abertura do comércio e estes dependem das possibilidades de produção e das de demanda interna; além disso, as possibilidades de produção dependem também da tecnologia e da disponibilidade de fatores.
Presume-se, via de regra, que todas estas premissas estejam asseguradas e, por conseguinte, a ideia do livre-comércio é apresentada como um objetivo imediato, cuja execução requer apenas vontade política e bom senso.
Entretanto, a doutrina do livre-comércio pode ser desafiada em relação a suas próprias premissas básicas. Em termos estáticos, que caracterizam a estrutura principal da doutrina clássica do comércio, pode-se demonstrar que o livre-comércio e a especialização nem sempre representam a melhor alternativa para a economia de um país, especialmente se ele for ' 'grande" e puder, por suas próprias ações, induzir uma mudança favorável em seus termos de intercâmbio. Embora o comércio possa levar a um aumento na disponibilidade mundial de bens e serviços, não há qualquer garantia de que os benefícios do comércio irão atingir todos os participantes. Dependendo dos termos de intercâmbio, os ganhos do comércio podem ser integralmente absorvidos por um dos países deixando o outro, no que concerne ao bem-estar social, na situação anterior ao início das trocas comerciais. Na verdade, o comércio pode até provocar uma situação pior do que antes dele.
Portanto, não basta mostrar que o comércio é capaz de aumentar o bem-estar global — é necessário igualmente mostrar que a distribuição dos ganhos vai beneficiar todos os parceiros, o que a teoria clássica do comércio não consegue fazer, mesmo partindo de suas próprias bases teóricas.
Em geral, tarifas de importação e outras formas de protecionismo diminuem o volume de comércio e aumentam a produção interna da indústria protegida às expensas dos produtos exportáveis. Levada ao extremo, a taxação alfandegária pode ser proibitiva, impedindo o comércio. Ele também redistribui renda em favor dos fatores utilizados de forma mais intensiva na indústria protegida, às custas da prosperidade da economia como um todo. Todos estes resultados são verdadeiros, desde que os postulados básicos da teoria econômica sejam obedecidos, e que o país seja um tomador de preços no mercado internacional.
No caso de um país "grande", porém, as tarifas alfandegárias podem alterar os termos de intercâmbio e aumentar seu bem-estar social. Para países "pequenos", a tarifa ótima é zero — mas isto não é necessariamente o caso num país "grande", que pode lucrar às custas de outros, mesmo que o bem-estar mundial diminua em consequência de sua política protecionista. Como, porém, o comércio internacional ainda não é um jogo cooperativo, se é que alguma vez o será, podem ocorrer retaliações que reduzem a produção mundial de mercadorias por meio de uma reversão da divisão internacional do trabalho, forçando uma alocação subótima de bens entre os produtores e consumidores.
Os argumentos em favor do protecionismo ficam ainda mais poderosos quando se colocam em questão os postulados da teoria neoclássica. Duas das mais importantes distorções — referentes à hipótese da concorrência perfeita — são as economias externas e os diferenciais nos preços dos fatores. Podendo-se comprovar sua presença, é possível provar a necessidade de tarifas alfandegárias.
Rigidez nos preços e imobilidade dos fatores também podem justificar a adoção de uma política protecionista, a fim de evitar o desempenho interno. Desta forma, nos termos da teoria estática, o laissez-faire é a melhor política para uma economia perfeitamente competitiva, sem a presença de monopólios vendedores e compradores; é igualmente a política preferível para o mundo como um todo. Entretanto, para um país "grande", a melhor política pode ser alcançada por meio de tarifas adequadas.
Há, portanto, atritos e distorções quanto às condições ideais, causadas pelos traços monopolísticos e oligopolísticos dos mercados, economias externas, rigidez nos preços e salários, falta de informação, etc. Considerando a questão do ponto de vista puramente econômico, cada uma delas pode revelar-se uma justificativa adequada para um desvio da política de livre-comércio.
Identificar as possíveis consequências de tais distorções econômicas é fácil. Mas é uma coisa totalmente diferente quando se trata de identificar estes fenômenos nos casos concretos, medir a frequência com que ocorrem e suas possíveis consequências e, finalmente, indicar a política econômica correta para lidar com estes desvios.
A questão torna-se ainda mais complicada quando se aborda a teoria do comércio de um ponto de vista dinâmico. Como escreveu uma vez o professor Edgeworth, "Um movimento ao longo de uma curva de oferta e procura de comércio internacional deve ser visto como ligado a rearranjos do comércio interno; da mesma forma que o movimento do ponteiro de um relógio corresponde a um número considerável de movimentos invisíveis no interior da máquina". Embora se refiram a mudanças na alocação interna de recursos causadas pelo comércio internacional, estas observações podem ser estendidas para incluir a teoria da indústria nascente que, de fato, é um caso de externalidade dinâmica. A essência desta discussão reside no fato de que todo movimento ao longo da curva de transformação induzido pelo comércio internacional vai causar um deslocamento para cima da própria curva. Isto pode ser considerado como uma aplicação ao comércio internacional do "aprender fazendo" de Arow, em associação com outros efeitos dinâmicos, tais como o crescimento da oferta dos fatores e o progresso tecnológico.
Uma vez comprovada a existência de uma ligação causal entre a produção de bens e o progresso tecnológico — seja ela representada por uma maior eficiência dos fatores ou por um deslocamento da função de produção —, o custo atualizado da proteção deve ser comparado com o valor presente dos benefícios futuros; se houver um ganho líquido, mais uma vez o protecionismo é a política correta. Conclui-se que o princípio da vantagem comparativa — e o princípio do livre-comércio — é apenas uma teoria estática, que ignora inúmeros elementos dinâmicos.
Comércio e desenvolvimento
A teoria do desenvolvimento preocupa-se com as interações entre consumidores, produtores e investidores ao longo do tempo. A ênfase desloca-se das considerações sobre o equilíbrio geral para uma sequência de caminhos de expansão da produção e do consumo. Conforme afirmações do professor Chenery sobre alocação de recursos, a teoria do desenvolvimento ou ignora completamente a vantagem comparativa e as possibilidades oferecidas pelo comércio, ou leva só em consideração seus aspectos dinâmicos, tais como o estímulo dado por um aumento das exportações ao desenvolvimento dos setores correlatos, ou, então, o papel das importações como veículo para novos produtos e tecnologia avançada. Partindo deste ponto de vista diferente, os teóricos do crescimento muitas vezes sugerem critérios de investimento que são bastante divergentes daqueles derivados das considerações da vantagem comparativa.
O conflito entre a teoria do comércio e a teoria do desenvolvimento é devido à diferença entre as pressuposições básicas de cada modelo e à inclusão, por uma das abordagens, de fenômenos que a outra exclui. A teoria do desenvolvimento assume, ou pelo menos dá particular atenção, algumas características básicas das economias subdesenvolvidas: os preços dos fatores não refletem adequadamente seu valor social, os fatores de produção podem sofrer modificações substanciais com o tempo — tanto em termos de quantidade quanto de qualidade, muitas vezes como resultado do próprio processo de produção —, além do fato de seus processos produtivos exibirem frequentemente economias de escala e vários tipos de externalidade tanto na produção como no consumo.
Tais constatações desafiaram a simplicidade da teoria clássica do comércio, resultando em um argumento robusto a favor do "crescimento equilibrado", em contraposição à divisão internacional do trabalho e à especialização. No que diz respeito à política econômica e à alocação de recursos, tornou-se necessário comparar padrões alternativos de crescimento, e regras simples, como aquelas sugeridas pelo modelo de Hecksher-Ohlin, já não são mais aplicáveis.
Uma vasta literatura tem surgido sobre os efeitos dinâmicos dos padrões comerciais sobre o crescimento e desenvolvimento econômicos. Esta abordagem, geralmente feita em termos de análise histórica, procura explicar o processo de subdesenvolvimento em termos de dependência econômica resultante do comércio internacional, da especialização na produção e dos termos desiguais de intercâmbio entre os países.
De certa maneira, Adam Smith alertou contra os perigos do comércio internacional entre a "metrópole" e os países periféricos (esta terminologia não é dele). Ele alertou quanto aos efeitos desagregadores que o comércio poderia exercer sobre as sociedades mais atrasadas, salientando que a desleal selvageria dos europeus transformou algo que poderia ser vantajoso para todos (o comércio) em algo destrutivo para alguns desses países desafortunados (são seus os adjetivos).
Segundo os economistas da escola estruturalista, a difusão do livre-comércio era de interesse específico do setor industrial britânico. A doutrina não é uma verdade científica, como ficou provado, mas representava uma possibilidade concreta de comércio lucrativo. Depois de séculos de forte intervencionismo estatal nos padrões comerciais mundiais, os ingleses criaram condições nas quais seus interesses pessoais seriam melhor atendidos pela remoção das políticas protecionistas no resto do mundo; naturalmente, o setor de produção de manufaturados britânico estava preparado para entrar em todos os mercados, aproveitando-se de seus poderes de virtual monopólio. Ainda segundo o mesmo ponto de vista, o livre-comércio nunca foi o resultado natural do laissez-faire, mas exigiu o uso de considerável força política e militar para se sustentar; as nações que não conseguiram resistir à doutrina do livre-comércio tornaram-se vítimas do subdesenvolvimento, induzido pela especialização em produtos primários, como aconteceu na África, Ásia, América Latina e algumas partes da Europa. Aquelas que conseguiram resistir, como os Estados Unidos e a Alemanha, evoluíram para economias industriais maduras.
O presidente Grant, dos Estados Unidos, constatou com sarcasmo que, depois de dois séculos, os ingleses acharam conveniente adotar o livre-comércio porque o protecionismo não tinha mais nada para oferecer; e prosseguiu dizendo que, pelo que ele sabia, os Estados Unidos também iriam adotar o livre-comércio dois séculos mais tarde, depois de terem tirado toda a vantagem possível da política protecionista.
De fato, as pesquisas realizadas na maioria dos países subdesenvolvidos da atualidade mostraram que os padrões comerciais impostos pelos poderes coloniais tiveram efeitos profundos sobre suas economias internas, tal como sugerido pelo professor Edgeworth em sua referência ao movimento de um ponteiro de relógio e a máquina invisível em seu interior. A especialização na produção determinou as relações internas de produção: haja visto os sistemas de plantações ou os enclaves econômicos na América Latina. O intercâmbio desigual pelo qual era conduzido o comércio servia de garantia de que os lucros resultantes favoreceriam os exportadores de produtos manufaturados. O grau de dependência dos países subdesenvolvidos em relação ao comércio internacional pode ser levado mais longe ainda, como eu mesmo expus na análise do caso brasileiro utilizando a "hipótese do produto principal", ao sugerir que os padrões de desenvolvimento dependeriam não somente de relações estruturais de produção, mas também de efeitos para frente ou para trás, gerados pelos produtos exportados.
Resumindo, a relação entre comércio e crescimento favorece fortemente os países desenvolvidos, e os benefícios advindos do comércio e da especialização não são uma verdade científica, como se acreditava antes.
O Livre-Comércio Hoje
Sendo impossível provar, quer em bases teóricas, quer empíricas, que o livre-comércio aumenta o bem-estar social, por que ele continua sendo um dos mais fundamentais dogmas do mundo ocidental?
Em parte, por simples inércia; ou seja, porque é fácil continuar falando de algo que se supõe que todo mundo já conheça. O livre-comércio é uma espécie de senha que pode ser usada contra outras nações todas as vezes que interesses comerciais se chocam. Outra razão da imortalidade dos ideais do livre-comércio é o fato de poder usá-lo sempre que isto seja conveniente, sem ter realmente que se comportar de acordo.
As nações modernas estão se afastando continuamente do intervencionismo estatal doméstico: companhias controladas pelo Estado estão sendo vendidas ao setor privado e os ideais do sistema de iniciativa privada estão recuperando a respeitabilidade de outrora. Por toda parte, recomendam-se a abolição de regulamentações e as soluções de mercado em vez da mediação pelo Estado. Mas isto acontece principalmente quando se trata do mercado interno. A presença do Estado como negociador, mediador e retaliador parece ficar mais forte quando se trata de relações internacionais.
No fim do ano passado, havia no Congresso dos Estados Unidos cerca de quatrocentos projetos de lei referentes à imposição de políticas protecionistas destinadas a reduzirem o déficit comercial norte-americano. Houve países que foram induzidos a cortar voluntariamente suas exportações de produtos têxteis, automóveis e produtos eletrônicos. A Europa e o Japão também ergueram barreiras alfandegárias contra as importações, a fim de protegerem suas próprias indústrias; estima-se que, nos Estados Unidos e na Comunidade Econômica Européia, serão gastos este ano mais de 44 bilhões de dólares em subsídios à agricultura. Faz pouco tempo que os Estados Unidos venderam 140 mil toneladas de açúcar à China a 4,75 centavos de dólar por libra (453,6 g). O produto havia sido depositado na Corporação de Crédito Mercantil dos Estados Unidos e financiado pelo preço mínimo de 17 centavos de dólar por libra; no mercado internacional, o preço de setembro era de 6,30 centavos de dólar por libra. Negócios desse tipo são realizados frequentemente pelos países desenvolvidos, com consequências devastadoras para os exportadores de produtos primários do Terceiro Mundo.
O intervencionismo estatal tem aumentado também no sentido punitivo, através de fortes pressões exercidas sobre os países do Terceiro Mundo que ainda protegem seus setores terciários contra a concorrência estrangeira. Foi este o caso, por exemplo, nas reuniões que tiveram lugar em 1986 no Uruguai, onde os países desenvolvidos tentaram forçar a inclusão das atividades bancárias, do software, seguros, navegação, auditoria e consultoria, empresas, construção civil e outros serviços — que, juntos, representam 25% do comércio mundial de US$ 2 trilhões — na lista de produtos a serem regulamentados pelos acordos do GAT. Estes são setores que quase certamente não conseguiriam resistir à concorrência de países desenvolvidos, de modo que a produção das barreiras significaria o fim praticamente certo da produção local e sua substituição por importações ou pela entrada de grupos estrangeiros em seus mercados domésticos.
Situação típica é aquela encontrada no Brasil, onde o mercado de alta tecnologia dos microcomputadores e computadores pessoais foi praticamente fechado às empresas estrangeiras, ao capital estrangeiro e à tecnologia estrangeira. A discussão ultrapassa os limites da questão da indústria nascente. A proteção somente durante um período no qual a indústria nacional esteja aprendendo um determinado processo produtivo não é válida realmente no caso de produtos de alta tecnologia como os computadores. A verdadeira razão reside no fato de que a pesquisa e o desenvolvimento nessas indústrias alcançam bilhões de dólares anuais, tornando-as um segmento do mercado no qual sobreviver não significa produzir eficientemente um determinado item, mas sim lançar produtos novos, tecnologicamente mais sofisticados e tão frequentemente quanto possível. Dez anos atrás, a indústria de computadores norte-americana gastou US$ 2 bilhões em pesquisa e desenvolvimento (a IBM sozinha gastou US$ 1,1 bilhão). Esta quantia representa o total atual das vendas do mercado brasileiro de computadores. Nestas circunstâncias, como abrir o mercado à concorrência estrangeira sem inviabilizar inevitavelmente as empresas nacionais?
A decisão de fechar o mercado não somente aos produtos estrangeiros mas também ao capital estrangeiro baseia-se na crença de que a transferência internacional da combinação capital-tecnologia pode acarretar elos permanentes de dependência administrativa e tecnológica e de que, numa indústria tão dinâmica, nunca se consiga alcançar uma tecnologia e um controle da produção nacionais. É todavia altamente improvável, por mais correto que esteja o raciocínio formal, que a produção interna alguma vez se equipare à dos principais fabricantes estrangeiros, pelo menos enquanto esta indústria continuar incorporando alta tecnologia. No ínterim, os fabricantes nacionais dos produtos tradicionais arriscam-se a perder competitividade nos mercados externos, devido à impossibilidade de incorporarem componentes de alta tecnologia em seus produtos ou por não terem à disposição os modernos bens de capital disponíveis em outros países. Eis aí o caso de uma externalidade poderosa e extremamente dinâmica que a teoria clássica da vantagem comparativa não abrange. À medida que o mundo evolui para processos de produção mais sofisticados, o problema torna-se mais complexo. Os postulados básicos da doutrina do livre-comércio tenderão a perder sua validade e as tendências do comércio internacional passarão a ser, cada vez mais, um fenômeno negociado. A teoria dos jogos pode muito em breve vir a ser mais útil nos processos de compreender e estabelecer os padrões comerciais do que a própria teoria econômica.
Mercado Interno versus Mercado Externo como Fontes de Crescimento no Brasil
O comércio internacional é mencionado frequentemente como uma "máquina de crescimento" para as economias em desenvolvimento. Assim, a remoção das barreiras comerciais serviria como um mecanismo de expansão da demanda efetiva para todas as nações. No caso histórico do Brasil, de fato, o comércio internacional criou o impulso inicial para o desenvolvimento de um mercado interno. Mas tal cadeia de eventos somente ocorreu efetivamente durante o ciclo do café, na segunda metade do século XIX, ao passo que não se observou qualquer ligação entre comércio e desenvolvimento durante os ciclos precedentes.
Além disso, em países com as dimensões do Brasil, o crescimento do mercado interno induzido pelas exportações tende a enfraquecer-se, chegando a um ponto em que a participação no comércio internacional pode perder importância como fonte de expansão tanto da produção como do nível de emprego. No Brasil, o impulso das exportações como fonte de crescimento foi substituído, de 1930 a 1960, pela industrialização com fins de substituição das importações e, depois, pelo aumento da própria demanda interna. Em conjunto, o valor total das exportações e importações soma apenas 17% do PNB. Atualmente, mais de 75% do crescimento industrial das empresas brasileiras de manufaturados são induzidos pelo mercado interno; o restante pode ser atribuído em partes praticamente iguais ao crescimento das exportações e à substituição de importações.
O mesmo padrão básico pode ser observado quanto ao nível de emprego no setor industrial. A economia brasileira baseia-se em seu próprio mercado interno para sustentar seu crescimento. Não se pode ignorar, todavia, a importância estratégica do comércio exterior. O petróleo, os bens de capital, matérias-primas e trigo perfazem quase 95% do total das importações e há apenas alguns anos uma crise do balanço de pagamentos provocou uma recessão que levou quase quatro anos para ser superada. A capacidade de ajustamento da economia pode ser avaliada pelo fato de que o déficit da balança comercial de quase 3 bilhões de dólares em 1980 foi transformado num superávit de 6,5 bilhões de dólares em 1983 e de aproximadamente 12,5 bilhões de dólares em 1984, 1985 e provavelmente mais de 11 bilhões em 1986.
Atualmente, o balanço de pagamentos está equilibrado, mas a economia brasileira está exportando capital à razão de quase 4% do PNB por ano: 9,5 bilhões de dólares em serviço da dívida e 1,5 bilhão de dólares em remessa de lucros. Em decorrência disso, a poupança nacional baixou dramaticamente, de 27 do PNB em meados dos anos 70, para 16% em 1985. A menos que se reduzam os fluxos de capital, o país não terá condições de investir o necessário para manter sua taxa histórica de crescimento de 7% ao ano. É a tomada de consciência deste fato que está por trás dos atuais esforços para reduzir a saída de capitais a não mais que 2,5% do PNB ao ano. O Brasil precisa remover este obstáculo ao seu crescimento através da renegociação de sua dívida externa — 105 bilhões de dólares e da redução do pagamento de juros por meio de cortes de taxas, comissões e spreads. Somente a redução deste fluxo de capital permitirá ao Brasil abrir seu mercado interno aos exportadores estrangeiros.
O comércio e a dívida tornaram-se questões intimamente relacionadas, uma vez que o Brasil somente poderá importar mais se conseguir reduzir os custos de sua dívida. Este ponto tornou-se uma questão que somente negociações capazes de atender aos interesses mútuos do Brasil e de seus parceiros comerciais podem resolver de maneira satisfatória. Na realidade, os padrões de comércio internacional nunca estiveram distanciados da política, das negociações, da chamada "diplomacia econômica". A arte de conduzir negócios de Estado sempre se utilizou de instrumentos econômicos e, segundo especialistas neste assunto, a regulamentação do comércio exterior tem sido utilizada como técnica diplomática ao longo de toda a história. Segundo David Baldwin, "o uso feito pelos americanos da política do comércio para construir uma ordem internacional baseada na liberalização não-discriminatória do comércio, no período depois da Segunda Guerra Mundial, foi uma das mais bem-sucedidas tentativas de exercer influências utilizando instrumentos de política econômica jamais empreendidas".
Corroborando este ponto de vista, Albert Hirschman demonstrou que o comércio internacional tem implicações políticas potenciais, "quer tenha lugar num sistema de livre-comércio, quer de proteção, de comércio estatal ou de iniciativa privada, de cláusula de nação mais favorecida ou de tratamentos discriminatórios". Portanto, até mesmo a política comercial pode ser uma técnica de diplomacia econômica; o livre-comércio pode ser negado e o protecionismo adotado, legitimamente, como meio de implementá-la. Não é minha intenção defender o protecionismo. Na realidade, estou tentando salientar que a doutrina do livre-comércio, quer dizer, a ausência de controles e de regulamentações, levará inevitavelmente ao protecionismo de todos os tipos, tanto por parte dos que podem ganhar com isso, quanto por parte daqueles que irão tentar não perder. Em alguns casos, como evidenciado anteriormente, o livre-comércio é, do ponto de vista nacional, uma decisão política irracional.
Por outro lado, há ganhos potenciais a serem extraídos do comércio internacional. O único modo de torná-los reais é por meio de um processo negociado, no qual as distorções e falhas do mercado estejam plenamente compreendidas, de modo que estes ganhos possam ser distribuídos de forma justa, no interesse de todos os parceiros em todo o mundo.