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Marcos Cintra

Dique furado

O Brasil está preso a um sistema tributário ineficiente e corrupto. Não realiza a reforma tributária e continua a aplicar remendos a essa estrutura defeituosa. É como um dique furado que, ao invés de ser reconstruído, permite que a água vaze, oferecendo como resposta para tentar conter o escoamento uma série de barreiras pontuais, sem abordar a raiz dos problemas.


As consequências dessa postura permissiva podem ser observadas na descoberta de mais um megaesquema de corrupção no país, maior do que todos os já vistos. A Operação Zelotes apurou que cerca de R$ 19 bilhões em multas aplicadas a empresas pela Receita Federal foram anuladas no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), um órgão do Ministério da Fazenda que julga em última instância recursos de contribuintes autuados pelo fisco. Em troca, conselheiros que analisavam os casos e consultores que ofereciam o serviço para os contribuintes autuados recebiam propina que variava entre 1% e 10% do valor da dívida.


Esse esquema desarticulado pela Polícia Federal é a consequência direta do complicado sistema tributário que vigora no país. O CARF opera em um ambiente de impostos complexos, repletos de normas mutantes e de difícil interpretação, mesmo para os tributaristas mais experientes.


Isso resulta em um risco constante de autuação pelo fisco, muitas vezes decorrente de conflitos de interpretação de leis complexas, carregadas de obrigações acessórias e que mudam em um ritmo frenético. Além disso, surgem inúmeras brechas para a evasão fiscal e a sonegação. Criou-se, portanto, um ambiente propício para a proliferação de contenciosos, como o que gerou o esquema de corrupção investigado pela Polícia Federal.


Certamente, os resultados dessas investigações levarão a novos procedimentos burocráticos, estabelecimento de múltiplos controles e níveis adicionais de alçadas decisórias. No entanto, ao tentar coibir os crimes de uma minoria, todo o sistema se torna menos eficiente e ágil, prejudicando milhões de contribuintes inocentes e indefesos.


É necessário buscar a criação de um sistema tributário que não seja um terreno fértil para tantos desmandos e que inclua a substituição dos impostos declaratórios burocráticos por um método de cobrança automática e imune à corrupção, como as movimentações financeiras nos bancos. Essa é uma base tributária ampla que não exige a complexa parafernália de obrigações acessórias dos impostos atuais. Vale a pena lembrar a experiência simplificadora da CPMF, que utilizava a movimentação financeira como base de cobrança. Por ser um tributo não declaratório, gerou um número reduzido de disputas judiciais quando comparado aos impostos tradicionais. Em 2009, por exemplo, no Superior Tribunal Federal (STF), houve 375 casos envolvendo o PIS, 359 a Cofins e 156 o IRPJ, enquanto a CPMF teve apenas 51 casos.


O escândalo do CARF choca a todos, mas não é suficiente punir. Aumentar os controles e a burocracia fiscalizatória não resolverá o problema. É preciso uma estrutura de impostos ousada, moderna, simples e, ao mesmo tempo, robusta. A movimentação financeira é a base que deve ser explorada nesta busca por uma reforma tributária mais eficaz.


 

Marcos Cintra é doutor em Economia pela Universidade Harvard (EUA) e professor titular de Economia na FGV (Fundação Getulio Vargas). Foi deputado federal (1999-2003) e autor do projeto do Imposto Único. Atualmente, ocupa o cargo de Subsecretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo.



Publicado no Jornal A Gazeta Regional (Caçapava - SP): 15/05/2015

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