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Marcos Cintra

Diagnóstico correto, mas terapia equivocada

Recente estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), "Justiça Tributária: Iniquidades e Desafios", registra que a renda brasileira continua fortemente concentrada e que o sistema tributário do país possui características altamente regressivas. São verdades incontestáveis. Contudo, os autores propõem remédios errados.


O trabalho pressupõe que a causa desses desequilíbrios distributivos acha-se em grande parte na estrutura tributária brasileira, composta majoritariamente por tributos indiretos, alegadamente mais regressivos que os tributos diretos.


O Ipea propõe como terapia curativa a eliminação de alguns tributos indiretos, como a Cofins. Para compensar a perda de arrecadação, os autores propõem uma marcha a ré histórica: aumentar o número de faixas de alíquotas do Imposto de Renda da pessoa física de três para doze. Segundo a proposta, a extinção de impostos indiretos garantiria menor tributação para os pobres e o aumento da progressividade do IRPF aumentaria a carga tributária das famílias mais ricas, permitindo erradicar parte da pobreza que assola o país.

O presidente do Ipea, Márcio Pochmann, surpreendentemente justifica a proposta dizendo: "Isso não é novo no Brasil, durante o período militar o país tinha doze faixas de tributação". O estudo apresentado para sustentar tais conclusões mostra, contraditoriamente, uma realidade diferente daquela descrita.


Uma constatação que enfraquece a conclusão da proposta do Ipea é a demonstração de que a participação dos tributos indiretos na carga tributária estacionou nos mesmos patamares de 2001 (entre 14% e 14,5% do PIB), ao passo que a participação dos tributos diretos passou de menos de 9% em 2002-03 para quase 10,5% em 2007. Nesse sentido, a conclusão correta é a de que o quadro tributário já vem se ajustando de acordo com as expectativas dos autores, tornando desnecessárias as alterações radicais propostas.


O mais surpreendente no estudo do Ipea são as políticas preconizadas, que contrariam frontalmente algumas importantes tendências verificadas internacionalmente no debate tributário moderno. Por exemplo, Larry Kotlikoff, da Universidade de Boston, usando modelagem de ciclo de vida na avaliação de equidade tributária, afirma "é hora de parar de tributar renda para tributar consumo... a visão de que tributos sobre o consumo são regressivos é simplesmente errada. Tributar consumo equivale a tributar salários mais tributar riqueza".


Outras instituições, como o Institute for Policy Innovation, advogam, por questões de custo e eficiência, a substituição de impostos sobre renda e patrimônio por impostos sobre o consumo. Jeffrey Owens, diretor da OCDE, afirma que "a maioria das reformas (tributárias) tenta mudar a ênfase dos impostos sobre a renda e sobre lucros para o consumo", como comprovado pela adoção dos modelos "flat tax" em vários países europeus e pela queda na participação relativa dos impostos diretos na maioria dos países desenvolvidos.


O estudo do Ipea anacronicamente preconiza o inverso, retomando fórmulas ultrapassadas, e datadas de meados do século passado.


 

Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque é doutor em Economia pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas.

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