Condicionados por ideias preconcebidas, muitos tributaristas repetem que os impostos indiretos, em geral, e a CPMF, em particular, são regressivos, ou seja, o ônus tributário deles se reduziria conforme a renda se eleva. Em função disso, afirmam que eles são perversos e injustos porque oneram mais os pobres. A regressividade tem sido citada intensamente nos últimos meses por conta das discussões envolvendo a prorrogação da CPMF. Os grupos que defendem sua extinção têm usado esse argumento para convencer a sociedade de que ela é injusta.
O estudo "Parâmetros Tributários da Economia Brasileira", publicado na Revista de Estudos Econômicos - FEA/USP (out-dez/2006), de autoria dos pesquisadores Nelson Leitão Paes e Mirta Noemi Sataka Bugarin, mostra que a alegada regressividade dos impostos indiretos e da CPMF precisa ser revista. O trabalho compreende 10 faixas de renda mensal familiar, obtida usando a POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares) 2002/2003 do IBGE, e para cada uma delas é calculada a carga tributária de alguns tributos indiretos e o ônus total sobre o consumo.
No tocante à tributação sobre o consumo, o trabalho revela que não há regressividade. Mesmo com a diferenciação na cesta de consumo das famílias e das alíquotas nominais de tributos como ICMS e IPI, a variação na carga final praticamente não existe. Ela gira na casa dos 28%, seja para uma família com renda até 2 salários mínimos ou uma que recebe mais de 30 salários mínimos. Quanto à CPMF, o ônus fica na casa de 1,3% do orçamento familiar para qualquer faixa de rendimento. É um tributo que se revela proporcional, o mais harmonioso dos impostos brasileiros.
O estudo em questão é uma importante contribuição ao debate sobre os tributos no Brasil. Essa é uma área que se mostra carregada de preconceitos, e esse trabalho pode servir para aprofundar as discussões e ajudar a derrubar o mito envolvendo a regressividade dos impostos indiretos e da CPMF. Cumpre dizer que o trabalho em questão é mais um ponto favorável à CPMF. Nos mais de 10 anos de existência do tributo, ele foi capaz de desmentir previsões pessimistas que se faziam quando da sua discussão em meados dos anos 90. Dizia-se que ela provocaria inflação e que haveria desintermediação bancária, e nada disso se confirmou. Agora a alegação de que ela pesa mais sobre os pobres também começa a se mostrar falsa.
Este artigo não tem a intenção de defender a CPMF ou a tributação sobre o consumo. Ele busca apenas mostrar que a mistificação de determinados conceitos dificulta a discussão racional de um tema fundamental para o país, que é a reforma tributária. A CPMF tem sido um dos tributos mais criticados, mas isso deriva do fato de que a sociedade já está saturada com a situação tributária de um modo geral. Na realidade, ela vem mostrando qualidades e deveria ser a base para a implantação de uma estrutura mais justa e eficiente. É um imposto que deveria ser utilizado para substituir tributos de alto custo e ineficientes como o Imposto de Renda, a Cofins e as contribuições previdenciárias recolhidas pelas empresas.
Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque é doutor em Economia pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas (FGV).