Ampliou o universo de contribuintes, incorporando às receitas públicas a arrecadação de informais, ilegais e sonegadores contumazes. Revelou-se um tributo proporcional em sua incidência sobre o consumo das famílias.
Com uma alíquota baixa, de 0,38%, que poucos correntistas bancários se davam ao trabalho de conferir em seus extratos bancários, a CPMF arrecadou R$ 32 bilhões no ano passado, mais que todo o IPI (R$ 28 bilhões) e o equivalente a 60% do IRPJ (R$ 54 bilhões), sem um único tostão de custo burocrático para as empresas ou para o governo, sem achaques, sem corrupção, sem quadrilhas organizadas para burlar o fisco.
É hora, portanto, de pensar se a movimentação financeira não deveria ressurgir. Não como a CPMF, que foi a desmoralização de um bom imposto, mas como a base de um novo sistema tributário, como inicialmente projetado na proposta do imposto único.
Roberto Campos havia notado que, ao criar a CPMF, o PSDB havia se aproveitado da metodologia arrecadadora da movimentação financeira, mas ignorado sua ideologia simplificadora. Tornou grosseiro um instrumento sofisticado, como se um florete de esgrima tivesse sido usado para cortar grama.
Está na hora, portanto, de recolocar o imposto sobre movimentação financeira em seu devido lugar, ou seja, no centro de um projeto de reforma tributária para o país.
Com o corte súbito de R$ 40 bilhões da CPMF, o governo federal tratou de implementar medidas para ajustar suas contas. Afinal, é impossível o poder público permanecer omisso à violenta redução de receita orçamentária como a praticada pelo Congresso. Como se previa, outros impostos foram aumentados (vide IOF e CSLL) e corre-se o risco de elevação do déficit público.
Apesar de a CPMF ser um bom imposto, como tenho insistentemente afirmado, ela é rejeitada por 75% da população. A oposição poderia ter capitalizado politicamente aceitando a prorrogação (o que seria bom para o país) e, sob protestos, culpar o governo pela "suiosa" manutenção do tributo. Mas preferiu se entrincheirar heroicamente em praça pública.
A teoria de que a única maneira de reduzir a carga tributária tem que ser através de corte de imposto é ingênua e revela desconhecimento da máquina governamental. Os economistas sabem que alguns fenômenos são assimétricos quando vão em direções opostas. Chamam isso de "ratchet effect", ou efeito anzol. Por exemplo, a velocidade no aumento de gastos é sempre mais suave do que sua redução, sempre marcada por atritos e resistências.
Nesse sentido, a luta contra a carga tributária e contra o aumento de gastos exige mais do que atos heróicos de suspensão de receitas, pois os gastos continuarão a ser feitos; exige trabalho persistente para fazer a população entender que o governo não é a solução de todos os seus problemas. É correto lutar contra o aumento de impostos e de gastos, como a sociedade brasileira fez contra a MP 232. Mas isso é diferente de decepar do orçamento público pedaços inteiros já comprometidos, como aconteceu com a CPMF.
A oposição conseguiu o pior dos mundos. Não vai reduzir a carga tributária com o fim da CPMF, deu de bandeja boa desculpa ao governo para justificar sua incompetência na administração dos serviços públicos e perdeu de vez a legitimidade para negociar desonerações tributárias (como a desoneração da folha de salários), a reforma tributária e mais recursos para áreas essenciais (como a saúde).
Os algozes da CPMF conseguiram derrubá-la momentaneamente. Porém as qualidades do imposto eletrônico se impõem de tal modo que o tema deve voltar à baila com a retomada do debate sobre a reforma tributária. Já se cogita no Congresso a recriação de uma nova "CPMF" permanente com alíquota de 0,20%.
A movimentação financeira se revelou um tributo justo, simples, barato, eficiente, e que vem suscitando enorme interesse e curiosidade por parte de tributaristas em todo o mundo. Será a base tributária do futuro. Não causou distorções nos preços, não destruiu exportações e nem gerou desintermediação financeira. Ampliou o universo de contribuintes, incorporando às receitas públicas a arrecadação dos informais, dos ilegais e dos sonegadores contumazes. Revelou-se um tributo proporcional em sua incidência sobre o consumo das famílias. Com uma alíquota baixa, de 0,38%, que poucos correntistas bancários se davam ao trabalho de conferir em seus extratos bancários, a CPMF arrecadou R$ 32 bilhões no ano passado, mais que todo o IPI (R$ 28 bilhões) e o equivalente a 60% do IRPJ (R$ 54 bilhões), sem um único tostão de custo burocrático para as empresas ou para o governo, sem achaques, sem corrupção,sem quadrilhas organizadas para burlar o fisco.
É hora, portanto, de pensar se a movimentação financeira não deveria ressurgir. Mas não como a CPMF, que foi a desmoralização de um bom imposto, e sim como a base de um novo sistema tributário, como inicialmente projetado na proposta do Imposto Único. Poderia-se começar substituindo impostos federais de elevado custo, ineficientes e com grande potencial de sonegação por um imposto eletrônico único.
Roberto Campos havia notado que ao criar a CPMF o PSDB havia se aproveitado da metodologia arrecadadora da movimentação financeira, mas ignorado sua ideologia simplificadora. Tornou grosseiro um instrumento sofisticado, como se um florete de esgrima tivesse sido usado para cortar grama.
Está na hora, portanto, de recolocar o imposto sobre movimentação financeira em seu devido lugar, ou seja, no centro de um projeto de reforma tributária para o país.
Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque é doutor em Economia pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas.