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Marcos Cintra

Algumas considerações sobre a reforma agrária


MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE Professor do Departamento de Economia da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, produziu esta coletânea de artigos publicados na Folha de S. Paulo, entre os meses de julho e agosto de 1985, e aqui divulgada por iniciativa do INSTITUTO TANCREDO NEVES da República Federativa do Brasil e da FUNDAÇÃO FRIEDRICH NAUMANN da República Federal da Alemanha.



Seria interessante indagar por que a ideia de reforma agrária é tão frequentemente trazida à discussão nas sociedades capitalistas. Inicialmente, é preciso lembrar que a reorganização da estrutura fundiária tem como principal característica o esforço de estender a posse e o uso da terra ao maior número de pessoas e, portanto, tende a reforçar a instituição da propriedade privada. Evidentemente, o processo ocorre em detrimento dos interesses específicos de certos segmentos sociais, o que explica a tentativa, por parte daqueles que se sentem prejudicados, de dar-lhe conotação de ameaça ao sistema econômico constituído. Mas, se bem-sucedida, a reforma agrária tem como resultado final o fortalecimento das pequenas e médias propriedades agrícolas, uma espécie de lei "antitruste" rural. Dessa forma, seria errôneo considerá-la necessariamente uma ameaça ou uma reação ao sistema capitalista e à instituição da propriedade privada.

Outro ponto que surge no debate da reforma fundiária é a questão da equidade e da justiça social. Intrigante, contudo, é a assimetria no tratamento do problema, comparando-se as políticas adotadas no setor rural face aos demais. É pouco discutível, pois acha-se absolutamente consagrado nas economias capitalistas, que justiça social e melhor distribuição de renda podem ser obtidos por intermédio de medidas de caráter fiscal, principalmente por meio de impostos progressivos incidentes sobre a renda ou sobre o valor da propriedade. Assim, a redistribuição dos bens de produção na indústria, no comércio e nos serviços não é reivindicada como tentativa de aperfeiçoamento do sistema capitalista. No setor agrícola, contudo, tenta-se não somente a redistribuição da renda, como também da terra, que é um meio de produção.

A explicação para tal diferença de tratamento pode ser encontrada na concepção de que a terra é um "bem não-produzido". Tal concepção, exemplificada nas palavras de João Paulo II: "A terra é um dom de Deus", justifica que se impeça que alguns poucos se apoderem de um patrimônio comum e que se garantam meios de uso e posse da terra para todos. Nas sociedades modernas, a concepção da terra como um "bem não-produzido" é anacrônica, uma reminiscência de origem atávica.

A terra é um meio de produção cujas características econômicas não a diferenciam das demais, exigindo que nela se façam investimentos e melhorias. Contudo, ao ser deixada ociosa, sem utilização produtiva, torna-se então justificável, e mesmo necessária, a intervenção governamental para garantir sua função econômica.

A discussão sobre o projeto de reforma agrária, embora limitada pela exiguidade de tempo imposta ao governo para sua implantação, já produziu conclusões sobre as quais há ampla concordância.

A primeira: o projeto foi mal lançado. Seus idealizadores e eventuais executores falharam em apresentar à sociedade brasileira um projeto factível, capaz de aglutinar o apoio político que tal tarefa exigiria. O prazo para discussão é curto, e o projeto foi mantido em sigilo; poucos foram consultados previamente até sua espalhafatosa apresentação em Brasília, no dia 27/05/85, dando margem à conclusão de que o governo não parece ter a real intenção de incorporar críticas e sugestões ao texto enunciado. Criou-se, portanto, um desnecessário clima de apreensão no meio rural, com danosos reflexos nas perspectivas da produção agropecuária.

Igualmente polêmicas são as propostas de atuação prioritária em áreas de conflito social (que, quando presentes, devem ser tratadas exclusivamente pelo processo judicial), bem como a intenção de atuar-se nas áreas de maior concentração populacional rural, o que, na grande maioria dos casos, coincidirá com as regiões de agricultura mais poderosas e produtivas.

A segunda conclusão refere-se à falsa identificação entre o atual projeto de reforma agrária e o Estatuto da Terra. A leitura daquele texto, publicado em 1964, deixa claro que eram previstas várias formas de aprimoramento do setor agropecuário brasileiro, tais como a colonização, a assistência técnica, políticas de desenvolvimento rural e, principalmente, a taxação progressiva da propriedade fundiária; dentre tais medidas, incluía-se também a desapropriação, que, segundo a mensagem que acompanhava o Estatuto ao Congresso, seria utilizada "se e quando necessário". O atual projeto, entretanto, vê nesta forma de intervenção sua principal estratégia operacional. Não procede, portanto, a afirmação de que se trata da mera aplicação de legislação pré-existente, mas antes, de uma substancial alteração nos meios de ação propostos pelo Estatuto.

A terceira conclusão é que o projeto não foi financeiramente dimensionado; portanto, sua aplicação, da forma proposta, tornar-se-á uma remota possibilidade. É leviano afirmar-se, como feito pelo governo, que milhões de famílias serão assentadas em propriedades de tamanho médio de 35 hectares, principalmente pela via da desapropriação, ao custo unitário de US$ 3.500 por família.

Ou o assentamento se dará nas regiões de fronteira, onde o custo da desapropriação da terra é reduzido — no entanto, os investimentos serão excessivamente elevados —, ou então ocorrerá em regiões onde já existe a infraestrutura de produção, mas o custo da terra excederá a previsão de recursos. Em ambos os casos, o projeto de reforma agrária poderá ser inviabilizado. Torna-se patente, portanto, que respeitados os mecanismos legais existentes, o dimensionamento financeiro do projeto não permitirá sua implementação.

Nota-se, assim, que o projeto de reforma agrária apresentado pelo ministro da Reforma e Desenvolvimento Agrário é de difícil execução. Ademais, em pouco contribui para a identificação de linhas de ação que efetivamente tornem possível o aumento da produção, principalmente de gêneros alimentícios para o mercado interno, ou a redução do êxodo rural.


MITOS NO DEBATE DA REFORMA AGRÁRIA

1) A RETENÇÃO ESPECULATIVA

A pauta de discussão a favor ou contra a reforma agrária no Brasil sempre girou em torno de alguns conceitos ou dogmas, aceitos sem maiores questionamentos acerca de sua validade empírica. Apontei acima o equívoco implícito na concepção de que a terra seria um bem não produzido e que, sendo um "dom de Deus, legado a toda a humanidade", devesse ser distribuída de forma mais equitativa. Obviamente, como qualquer outro meio de produção, a terra é originariamente um produto da natureza, o que não implica que possa ser utilizada sem investimentos e melhorias. Portanto, tal argumentação para justificar o acesso à terra ao trabalhador rural não é sustentável em economias capitalistas, assim como não seria plausível distribuir bancos aos bancários ou indústrias aos operários que nelas trabalham.

Em relação à reforma agrária, existem outras "verdades absolutas" que precisam ser melhor analisadas. Uma delas refere-se à utilização da terra como reserva de valor e como meio de especulação, em detrimento de sua função produtiva.

O problema precisa ser analisado em duas partes. A primeira refere-se ao potencial produtivo da terra, à política agrícola adotada e às condições gerais do mercado agrícola, que são fatores condicionantes da rentabilidade dos investimentos na agricultura. A segunda diz respeito à evolução do preço da terra, justificando ou não sua utilização como forma de especulação e reserva de valor.

Com a evolução da conjuntura econômica brasileira nos últimos anos, caracterizada por profunda recessão, alta inflação e elevados juros, torna-se relativamente simples justificar a queda nos investimentos, a redução na produção per capita de produtos para o mercado interno e o mau aproveitamento das terras disponíveis. Essa demonstração se torna ainda mais clara ao se verificar que, nas culturas de exportação ou substituição de importações, onde as condições de mercado permitiram maior rentabilidade, o crescimento da produção, da produtividade e do aproveitamento de área foi bastante elevado.

Quanto ao segundo fator, a especulação com terras, é importante destacar que, segundo uma análise recente da Fundação Getulio Vargas, os preços de venda de terras vêm caindo em termos reais desde 1975-77. O quadro abaixo mostra que os preços da terra aumentaram sensivelmente entre o período de 1971-72 e 1975-77, possivelmente como reflexo do crescimento das políticas de investimentos visando à interiorização da agricultura brasileira. Contudo, a partir de 1975-77, os preços sofreram um declínio real, tornando-se, portanto, menos atrativos para aplicações especulativas de capital, o que refuta a alegação de que teria prevalecido no Brasil a prática de sua retenção improdutiva.


As variações nos preços da terra foram muito mais elevadas nas áreas de lavouras e campos do que nas glebas de pastagens e matas. Dessa forma, manteve-se uma correlação entre o potencial produtivo da terra e a evolução de seus preços, demonstrando que a demanda por terra não foi preponderantemente condicionada pela prática de especulação. Caso contrário, a tendência seria uma relativa uniformização na variação de seus preços.

Cabe apontar ainda que a retenção especulativa da terra só foi justificável entre o período de 1971-72 e 1975-77, quando efetivamente os preços se elevaram bruscamente. A partir de então, a retenção de terra improdutiva visando unicamente a valorização fracassou inexoravelmente (exceção feita, obviamente, a casos específicos com fortes vantagens locacionais), resultando em pesadas perdas aos eventuais especuladores. Vale lembrar que, considerando um custo de oportunidade de 12% ao ano para o investimento na aquisição de terra — equivalente ao retorno alternativo do capital em aplicações financeiras —, no período entre 1966 e 1977, quando os preços da terra atingiram valorização máxima, as aplicações financeiras teriam gerado um retorno bruto de 348%. Somente o valor das terras de lavouras e campos superou aquele índice, e mesmo assim, apenas ligeiramente, enquanto o preço de pastagens e matas evoluiu em níveis inferiores às aplicações financeiras.

Não há, portanto, como sustentar que a evolução dos preços no Brasil tenha sancionado uma prática generalizada de retenção especulativa da terra agrícola. Contudo, é necessário ressaltar que glebas com vantagens locacionais específicas certamente comportariam uso especulativo, principalmente em regiões próximas a centros urbanos e áreas de grandes investimentos públicos.

Assim, a existência de áreas agrícolas ociosas deve ser explicada pelas baixas perspectivas de rentabilidade do mercado agrícola em geral; porém, quando ocorram isoladamente com fins especulativos, justificam-se plenamente medidas corretivas.


2) TAMANHO DA PROPRIEDADE E GRAU DE OCIEOSIDADE

Um segundo mito na discussão da reforma agrária refere-se à hipótese de que, nas propriedades de maior área, os índices de ociosidade da terra são mais elevados. Curiosamente, tenta-se fundamentar essa hipótese por comparações, como a percentagem da área total ocupada por propriedades em um determinado estrato de tamanho e a percentagem do valor da produção global nelas originada. Esse raciocínio é evidentemente falacioso, pois eventuais discrepâncias nas proporções observadas podem decorrer da utilização de funções de produção distintas, ou seja, nos diferentes graus de intensidade com que a terra é explorada. Convém ressaltar que a ordenação de índices de produtividade parcial não implica uma correspondente ordenação nos índices de eficiência econômica, um ponto elementar de teoria microeconômica frequentemente ignorado por estudiosos da reforma agrária no Brasil.

A tabela 2 mostra o padrão de utilização da terra por estratos de tamanhos dos estabelecimentos agrícolas. Do total das terras de estabelecimentos agropecuários brasileiros, 13,3% estão sob cultivo de lavouras, 27,7% são pastagens, e 59% estão "sem utilização", ou seja, áreas efetivamente não aproveitadas (agricultáveis ou de potencial produtivo), bem como a parcela da área total que seria liberada caso a ocupação do solo, especialmente na pecuária, atingisse os padrões médios nacionais de eficiência. Estima-se que cerca de 218 milhões de hectares não estão sendo utilizados para fins produtivos, pois, segundo o Censo Agropecuário de 1980, a área total dos estabelecimentos agrícolas era de 369 milhões de hectares.

De acordo com a tabela 3, as terras em descanso, florestas e terras improdutivas chegam a aproximadamente 107 milhões de hectares, que, segundo nossas estimativas, estariam efetivamente ociosas e aptas a serem utilizadas de forma produtiva. Isso indica que aproximadamente 30% das áreas agrícolas poderiam ser colocadas em uso imediato, sem necessidade de maiores investimentos em infraestrutura física.

Contudo, analisando a não utilização da terra segundo grupos de área dos estabelecimentos, nota-se que a alegada diferenciação nos índices de utilização, segundo classes de tamanho, é mais nítida do que comumente se supõe. Nas propriedades de menos de 10 hectares, 10,4% da terra não é utilizada para cultivos ou pastagens. Essa porcentagem é pequena, considerando-se a existência de terras não agricultáveis e a necessidade de áreas para construção de edificações e estradas. Assim, esses estabelecimentos utilizam praticamente a totalidade das áreas disponíveis para fins produtivos.

Por outro lado, nas propriedades com mais de 1.000 hectares, 72,5% de sua área total permanece sem aproveitamento. Esse fato pode ser parcialmente justificado, especialmente em áreas de fronteira agrícola, pela necessidade de grandes investimentos para torná-las produtivas, como os custos de derrubada, construção de estradas, aquisição de equipamentos e restrições impostas pela legislação ambiental.

Nas categorias intermediárias, entretanto, o problema da terra produtiva não utilizada torna-se socialmente pernicioso, pois nelas se concentra a maior parte dos investimentos realizados no passado. No grupo de estabelecimentos entre 10 e 100 hectares, 50,7% da terra permanece ociosa, enquanto no grupo entre 100 e 1.000 hectares essa porcentagem é de 48,5%. É interessante observar que essa porcentagem é menor no grupo entre 100 e 1.000 hectares do que no grupo imediatamente abaixo, o que contraria a visão comumente aceita de que esse fenômeno ocorre apenas nos extremos da distribuição de tamanho de propriedades.

Convém ainda notar que os índices de ociosidade da terra observados nos estabelecimentos entre 20 e 500 hectares — que, segundo o IBGE, representavam, em 1980, 71% da área total e 35% do total de estabelecimentos — situam-se entre os valores extremos de 46,5%, indicando diferenças que provavelmente não são estatisticamente significativas.

Essas constatações indicam claramente que a solução para o problema deve ser buscada na escolha de uma política econômico-agrícola adequada, e não necessariamente em modificações na estrutura de posse da terra, embora, em casos específicos, esta última possa tornar-se imprescindível. Assim, políticas de preço, comercialização e incentivo ao crescimento do mercado consumidor interno podem ser eficientes para induzir a maior utilização das áreas disponíveis, mesmo mantendo-se o atual padrão de propriedade de terra.



3) TOTAL E PRODUTIVIDADE

O terceiro mito se refere a uma alegada relação entre o tamanho do estabelecimento agrícola e a produtividade. Os defensores da reforma sustentam que as pequenas propriedades têm índices mais elevados de produtividade parcial da terra, enquanto os opositores afirmam que os grandes estabelecimentos são mais modernos e, portanto, mais eficientes.


Antes de tudo, é preciso recordar que índices de produtividade parcial – como produtividade da terra, da mão de obra ou do capital – não medem o conceito relevante, que é a produtividade total, ou seja, a eficiência econômica, que é o conceito chave na análise do desempenho da produção agrícola, já que incorpora uma avaliação acerca do uso de recursos e de sua valorização social em relação ao retorno que produzem.


Índices de produtividade parcial, como rendimentos físicos por hectare, medem uma dimensão isolada do processo produtivo, podendo refletir métodos de produção diferentes, o que impossibilita comparações de eficiência. Apenas se as medidas de produtividade parcial fossem mais elevadas para todos os fatores de produção (trabalho, terra e capital) seriam justificáveis afirmações inequívocas a respeito de níveis comparativos de eficiência econômica.


As produtividades parciais da terra referentes a dez produtos agrícolas estão reproduzidas na Tabela 4. Com exceção do trigo, as produtividades das pequenas propriedades são inferiores e, exceto o feijão, substancialmente inferiores às das propriedades de maior porte. Na verdade, para o algodão, arroz, cana-de-açúcar, milho, soja, café e laranja, as produtividades mais elevadas foram encontradas nas propriedades com mais de 100 hectares. Conclui-se que, em relação aos coeficientes de rendimentos físicos da terra, o quadro mostra-se bastante diferenciado por tipo de produto, tornando inadequada qualquer afirmação genérica acerca da relação entre o tamanho do estabelecimento e a produtividade da terra.


Outros índices de produtividade encontram-se na Tabela 5. Nota-se que, à medida que o tamanho aumenta, cresce a produtividade da terra e do capital (medida pelo número de tratores utilizados), e aumenta a produtividade da mão de obra.


Isso se justifica perfeitamente, pois a terra é um fator relativamente escasso em propriedades menores, o que motiva seus operadores a aumentar a renda por unidade de área. Também a utilização da mão de obra por unidade segue a mesma lógica, já que quanto mais escassa for a disponibilidade de mão de obra, maior será a renda por unidade de trabalho empregada. Finalmente, a elevação da renda por hectare está em perfeita concordância com as teorias de localização e uso da terra, que enfatizam que o valor por unidade de produto tende a aumentar em áreas mais próximas dos “lugares centrais” e que, como se sabe, o tamanho das propriedades diminui à medida que estão localizadas mais próximas desses “lugares centrais” e de outras áreas consumidoras.


Com relação à utilização do capital, o quadro torna-se menos claro. Seria de se esperar que, à medida que a mão de obra se torna mais escassa com o aumento do tamanho da propriedade, a utilização de capital (tratores) também aumentasse. Na verdade, ela aumenta até o segundo grupo de tamanho e depois decai nos dois grupos seguintes. Isso pode ser explicado pelo fato de que a pecuária, que utiliza tecnologia menos intensiva em equipamentos, concentra-se nos dois grupos de maior tamanho. De maneira geral, contudo, dada a disponibilidade relativa de fatores, a produtividade do capital segue o padrão esperado, sendo mais alta para propriedades menores do que para os demais tamanhos.


Conclui-se que os produtores rurais, em todos os grupos, são alocativamente eficientes no sentido de que suas medidas de produtividade parcial estão de acordo com a disponibilidade relativa de fatores. Além disso, nenhum dos grupos tende a apresentar um padrão tecnológico dominante em relação aos métodos de produção dos demais. Conforme descrito, nenhum grupo tende a apresentar medidas de produtividade mais elevadas para todos os fatores de produção, tornando impossível, com base nessas informações, comparar os padrões de eficiência econômica das diferentes classes de tamanho das propriedades rurais.


A Tabela 5 também mostra o lucro em relação aos ativos totais dos estabelecimentos agrícolas, um indicador mais confiável de eficiência econômica do que a análise de produtividades parciais. O primeiro grupo, formado por propriedades com menos de dez hectares, teve a mais alta taxa de retorno sobre os ativos totais, seguido pelo grupo de tamanho entre dez e cem hectares. O grupo das grandes propriedades veio a seguir, com uma taxa de retorno um pouco acima da média global, que foi de 9%. De maneira geral, as taxas de retorno sobre o ativo não se desviaram significativamente da média, com exceção do grupo de propriedades entre cem e mil hectares, que mostrou taxa consideravelmente mais baixa, de 6%.


Conclui-se que, embora as produtividades demonstrem uma pequena vantagem dos estabelecimentos de grande porte em relação aos menores, elas oferecem apenas um quadro parcial da eficiência econômica, tornando bastante difícil classificar os grupos de tamanhos em termos de eficiência. Pode-se dizer que todos os grupos são alocativamente eficientes e que, dadas as limitações impostas por suas funções de produção (isto é, sua tecnologia), todos parecem alcançar níveis semelhantes de eficiência econômica.


4) TAMANHO E PRODUÇÃO

Aqui tentarei mostrar quem são os responsáveis pela produção agrícola no Brasil.

Os mais ardorosos defensores da reforma agrária alegam que os pequenos estabelecimentos agropecuários são os grandes responsáveis pela produção de gêneros para o mercado interno, sugerindo que a redução do tamanho das propriedades agrícolas resultaria no incremento de oferta de produtos para o consumo doméstico.

Deixando de lado a óbvia necessidade de alargar o mercado interno para tornar possível a absorção de acréscimos na produção, tentaremos detectar qual a participação, no total produzido, dos vários grupos de tamanho das propriedades agrícolas.

O Censo de 1980 contém informações sobre o valor da produção de algumas das mais importantes lavouras, por grupo de tamanho dos estabelecimentos agrícolas. Estes produtos foram classificados em duas categorias: uma denominada alimentos e produtos para o consumo interno (que inclui também produtos esporadicamente exportados ou importados) e a outra denominada produtos de exportação e substitutos de importação (que inclui produtos que, embora consumidos internamente, são itens importantes no comércio exterior brasileiro). A tabela 6 apresenta o valor de produção referente a estes dois grupos, por tamanho de propriedade.

As propriedades até dez hectares produzem 20,4% do total de alimentos e produtos para o consumo interno, enquanto os dois grupos seguintes produzem, respectivamente, 44,3% e 26,1%. Embora substancial, a participação tanto das pequenas quanto das grandes propriedades (mais de 1.000 hectares) perfaz, em conjunto, 29,6% do total, enquanto os dois grupos de tamanho médio chegam a uma participação considerável.

No que se refere a produtos de exportação e substitutos de importação, a participação das propriedades com menos de dez hectares e do grupo de dez a cem hectares reduz-se, respectivamente, para 7,1% e 37,9%, enquanto nos grupos seguintes aumenta para 39,8% e na mesma ordem de grandeza.

Nota-se que o grupo das pequenas propriedades, que ocupa 5,32% da terra agrícola, é responsável por 20,4% da produção dos itens alimentícios básicos e bens para o mercado interno. Assim, este grupo tem uma participação na produção 3,83 vezes superior à sua participação no total de terras agrícolas. Esta mesma medida relativa aos outros três grupos é, respectivamente, de 2,11, 0,60 e 0,30.

Com relação à produção de produtos para exportação e substitutos para importação, estas mesmas medidas ficam em 1,33, 1,81, 0,92 e 0,49, indicando um aumento na importância relativa dos grupos de propriedades de maior porte.

Caso o critério de fixação do tamanho ótimo de propriedade agrícola seja a maximização da produção para o mercado interno relativamente à parcela da área total dos estabelecimentos ocupada pelas propriedades em um determinado grupo de tamanho — critério implícito no raciocínio de alguns importantes estudiosos da reforma agrária no Brasil — chega-se à absurda conclusão de que o tamanho ideal da unidade de produção agrícola seria inferior a dez hectares, já que sua parcela na produção, como mostrado abaixo, é 3,83 vezes superior à sua participação no total das terras disponíveis.

Os dados abaixo mostram, em primeiro lugar, que mesmo no caso do mercado interno, todos os grupos de tamanho ofertam parcelas substanciais do total produzido. Ademais, não se dispõem de dados do Censo Agropecuário de 1980 sobre criação de gado bovino, que, se incluídos nas informações constantes da tabela, poderiam alterar substancialmente o quadro apresentado, reduzindo discrepâncias observadas entre produção e área ocupada nos grupos de maior tamanho.

Embora, de fato, as pequenas propriedades produzam proporcionalmente mais do que sua ocupação relativa da terra agrícola, sua contribuição para a produção total não é tão grande que possam ser consideradas produtoras dominantes, tanto para o mercado interno quanto para o externo. Esse papel é desempenhado, claramente, pelos estabelecimentos de porte médio.

O que fica evidenciado, portanto, é que, embora os estabelecimentos tenham sido agrupados de forma a maximizar a probabilidade de surgimento de diferenças de comportamento econômico, tais diferenças não apareceram de maneira acentuada. Todos os grupos parecem seguir padrões de comportamento econômico compatíveis com suas disponibilidades de fatores, alcançando níveis praticamente equivalentes de eficiência na produção agrícola.


  1. CAMPONES OU AGRICULTOR

Comentarei aqui a esdrúxula justificativa apresentada pelos que defendem uma política de opção preferencial pelo pequeno produtor pré-capitalista, em detrimento da exploração comercial (familiar ou não).

Vários economistas têm afirmado que a taxa de retorno do setor agrícola tem sido sensivelmente reduzida pelas estruturas oligopolistas de seus mercados de insumos e de produtos, inviabilizando o processo de acumulação capitalista nas propriedades agrícolas comerciais, já que estas últimas mostram-se incapazes de gerar, na agricultura, a taxa média de lucro normalmente obtida em outras atividades.

Afirma-se que nas propriedades de tamanho familiar torna-se possível a compreensão da taxa de lucro para níveis próximos a zero, sendo exigida, tão somente, uma remuneração na forma de salários. A partir desta constatação, concluem que, "havendo uma substituição das grandes pelas pequenas propriedades, a curva de custo da oferta de produtos agrícolas situar-se-á em nível mais baixo, e com isso, os preços dos produtos agrícolas no mercado deverão também situar-se em nível pouco inferior."

Tais conclusões têm sido utilizadas para substanciar a necessidade de um programa de reforma agrária, na medida em que as propriedades familiares não necessitariam gerar a taxa de retorno competitiva para sua reprodução. Trata-se, sem dúvida, de uma justificativa para a implantação da reforma agrária calcada na pauperização do pequeno proprietário rural, e não, como seria de se esperar, apoiada em esforços no sentido de garantir-lhe melhores condições de rentabilidade e de investimento na produção agrícola; apregoa-se, portanto, a reversão à produção pré-capitalista, a generalização de práticas agrícolas de subsistência.

Nada poderia ser tão contrário ao esperado, pois tais sugestões chocam-se com uma desejável política agrícola orientada para o aumento da produção comercial, principalmente para o mercado interno, e para a modernização dos métodos de produção rural.

Antes, seria mais recomendável a adoção de uma política de incentivo ao pequeno produtor, capaz de possibilitar-lhe uma taxa de retorno comparável à dos demais segmentos produtivos. Assim, uma política econômica objetivando compensar e/ou enfraquecer as estruturas oligopolistas que envolvem o setor agrícola é certamente mais efetiva, e menos onerosa, do que a reforma agrária. Aliás, a questão da posse de terra está mais na proliferação de minifúndios do que na resistência dos latifúndios. Uma política econômica objetivando a aglomeração dos minifúndios e a manutenção de taxa de lucro competitiva para todos os produtos agrícolas seria, nas atuais circunstâncias, mais apropriada do que programas de reforma agrária.

Concomitantemente, urge a obtenção de maior eficiência através do progresso tecnológico, uma base sólida para o aumento da produção e da renda do setor agrícola. As reduções de custos poderiam recuperar a taxa de lucro na agricultura, incrementando a competitividade nos mercados externos, e ampliando o potencial aquisitivo do mercado interno de produtos alimentícios e de matérias-primas.

A reforma agrária envolve, frequentemente, considerações que fogem do âmbito da análise econômica. Deve-se dizer, contudo, que as duas principais economias a seu favor não foram confirmadas. A primeira refere-se à existência de economias de escala na produção. Os dados empíricos apontam para a existência de uma curva de custos médios de longo prazo bastante plana, quase horizontal, indicando custos unitários constantes em relação ao volume de produção; a segunda é a maior eficiência dos pequenos estabelecimentos em comparação com os grandes, uma conclusão também não confirmada.

Sem dúvida, a reforma agrária é necessária, especialmente em algumas regiões do país, onde o acesso à terra produtiva é efetivamente um fator de impedimento ao crescimento da produção agropecuária. Estas regiões, no entanto, são relativamente pouco importantes como produtoras agrícolas. Além disso, programas localizados de reforma agrária não serão suficientes para dinamizar a agricultura como um todo, pois as regiões do Sul e do Centro-Sul do País, responsáveis pela maior parte da produção, não comportariam semelhantes programas de reforma fundiária.



Publicado em julho/agosto de 1985.

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