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Marcos Cintra

A nova economia (Proposta de uma nova política econômica para o PFL)


Sugestões apresentadas pelo professor Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, da Escola de Empresas de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas, para discussão na próxima Convenção Nacional.


I - INTRODUÇÃO

Uma análise objetiva do desempenho da economia brasileira nas últimas décadas — especialmente no pós-guerra — revela que o país assumiu uma posição de destaque no cenário mundial. O Brasil cresceu a uma taxa média histórica entre 6% e 7% ao ano, consolidando-se como a sétima ou oitava maior economia do mundo, com um produto interno bruto próximo a trezentos bilhões de dólares anuais.


Com vastas dimensões geográficas, o Brasil já está entre as nações mais influentes em termos de peso e relevância. Tornou-se um país altamente industrializado e, salvo em alguns setores de ponta, é capaz de produzir praticamente tudo o que consome, incluindo a maioria dos bens de capital. Recentemente, alcançou também o quarto maior superávit comercial do mundo.

Apesar dessas conquistas, a renda per capita ainda é inferior a dois mil dólares anuais, e o país carrega muitos dos estigmas do subdesenvolvimento. Persistem grandes desigualdades, ameaçando as conquistas estruturais já alcançadas. Assim, a sociedade brasileira ainda é marcada pelo dualismo econômico, geográfico, social e cultural.

Como superar essas disparidades? Como urbanizar o campo, humanizar as cidades, equilibrar a distribuição de renda, manter o crescimento econômico e ampliar as oportunidades para o povo brasileiro? Até que ponto a continuidade do atual modelo de crescimento poderá superar essas contradições internas?


II - O ESGOTAMENTO DO MODELO DE CRESCIMENTO


Desde a Segunda Guerra Mundial, o Brasil experimentou diferentes modelos de expansão. Nas décadas de 50 e 60, o principal impulso veio dos investimentos privados — nacionais e estrangeiros — em substituição às importações nos setores de bens de consumo. Nos anos 70, o país passou a depender do endividamento externo e da crescente participação do Estado na produção, especialmente em insumos básicos e infraestrutura, o que impulsionou um dos períodos mais dinâmicos da economia brasileira.

Contudo, a década de 80 evidencia o esgotamento desse modelo. Há uma crescente falta de confiança nas perspectivas do país, marcada pela queda nas taxas de crescimento, dificuldades externas, deterioração dos salários reais — sobretudo na base da pirâmide — e decepção após o fracasso dos planos de estabilização.

Pela primeira vez, o setor privado se mostra desmotivado para investir, apesar de ter recursos. O setor público, que antes atuava como motor de crescimento, perdeu sua capacidade de poupança e enfrenta dificuldades para financiar-se interna e externamente.

É necessário redefinir um novo modelo, com novas frentes de investimento e papéis mais bem definidos para os agentes econômicos.


III - LIMITAÇÕES DO SISTEMA ECONÔMICO BRASILEIRO


Antes de tudo, é preciso identificar os aspectos da atual estrutura econômica que dificultam a transição para um modelo de crescimento autossustentado. O sucesso dessa transição depende da superação desses obstáculos.

A asfixiante presença do Estado

O crescimento do setor público reflete uma visão centralizadora e autoritária, na qual o governo controla a economia sem priorizar os objetivos sociais. Em algumas fases históricas, essa intervenção era justificável; porém, as condições que exigiam essa atuação já não existem. Hoje, é preciso evitar que a presença estatal se torne um obstáculo ao desenvolvimento acelerado.

A intervenção excessiva do Estado transformou-o em um empecilho ao desenvolvimento, um competidor desleal com a iniciativa privada e um foco de monopólios e privilégios explorados por burocratas e grupos de interesse. Como empresário, o Estado ignora a racionalidade econômica, e sua ação torna-se um exercício frustrante de conciliação política. Com recursos escassos, negligencia também seu papel de provedor de serviços sociais essenciais.

A hipertrofia estatal gerou déficits elevados, entre 3% e 6% do PIB. Embora pareça pouco em comparação com países desenvolvidos, esses países têm mecanismos de financiamento que o Brasil não possui. A dívida pública brasileira é rolada em prazos curtíssimos, o que torna seu financiamento instável e impacta as taxas de juros.

Considerando ainda a correção monetária e cambial da dívida pública passada (cerca de 50% do PIB), o déficit nominal que o setor privado precisará financiar excede 20% do PIB, um dos maiores desequilíbrios orçamentários do mundo.

Sem capacidade de poupança, o Estado pressiona o setor privado por financiamento, e a alternativa de empréstimos externos se torna inviável. Além disso, mais de dois terços dos gastos públicos ocorrem no setor produtivo, afastando-se das funções governamentais típicas e prejudicando a população de baixa renda, que mais depende dos serviços sociais.


Tendências de Concentração do Capital

A abundância relativa de mão de obra tende a elevar a parcela da renda nacional apropriada pelo capital. Além dessa valorização causada pela sua escassez relativa, existem outras condicionantes que exacerbam essa tendência. Tais fatores surgem não apenas do poder de fixação de preços desfrutado por empresas atuantes em mercados altamente concentrados — como oligopólios e até monopólios —, mas também na atuação do próprio setor público.

A centralização relativa do capital — seja nas mãos do governo ou de alguns grupos privados poderosos — é um fenômeno que pode ser considerado normal em países em desenvolvimento, onde essa concentração se torna necessária para o aproveitamento de economias de escala. Contudo, torna-se inaceitável quando surge a partir de práticas econômicas predatórias, complacentemente observadas tanto pelo governo quanto pelos consumidores e outros produtores.

No Brasil, falta uma efetiva legislação antitruste, capaz de garantir um mínimo de competitividade nos setores mais concentrados do sistema produtivo. Não apenas essa legislação inexiste de fato, como ainda são incentivadas formas de ação conjunta entre empresas que deveriam competir entre si pelo mercado. As tradições corporativistas brasileiras induzem os setores produtivos a desenvolver mecanismos de convivência excessivamente pacífica, que, em última análise, resultam em comportamentos cartelizados, aprofundando uma já natural tendência de concentração do capital.

A sociedade, por outro lado, incapaz de discernir a origem da alta remuneração do capital no Brasil, volta-se contra a ideia do lucro, confundindo a legítima remuneração do capital e do espírito empresarial com práticas injustificáveis em um regime concorrencial. Controles de preços, entraves burocráticos e excessiva intervenção no funcionamento do mercado são reflexos dessa generalizada desconfiança na atividade empresarial.

É preciso distinguir as práticas lesivas aos interesses dos consumidores do legítimo lucro empresarial que, se elevado, pode ser apenas um sinal de orientação para o fluxo de investimentos. O risco empresarial precisa ter o lucro como contrapartida, mas não aquele gerado pela exploração do consumidor ou pela eliminação fraudulenta de competidores, e sim o que resulta da busca por eficiência, progresso tecnológico, inovação e concorrência legítima.

Estreiteza do Mercado de Capitais

Em parte, a concentração do capital reflete a relativa inoperância dos mercados de capitais. Nos países desenvolvidos, a propriedade das maiores empresas é pulverizada por meio das bolsas de valores, uma tendência que se espalha por quase todo o mundo.

No Brasil, ainda não se conseguiu desenvolver esses mercados como meio de obter liquidez para os investidores, nem como fonte de recursos para a capitalização das empresas. O pouco que existe carece de credibilidade em função da inoperância da legislação reguladora dessas operações. Sem confiança nas instituições, dificilmente se obterá a desejável conversão de rentistas em acionistas, de empresas familiares em companhias abertas, e de crédito em capital de risco.

É importante lembrar que parte da desconfiança dos investidores nas bolsas decorre da presença maciça de empresas de capital misto. Tais empresas, operando como monopólios estatais, conseguem, não raramente, obter alta lucratividade, transferindo a seus acionistas privados lucros que, na realidade, deveriam pertencer à coletividade. Por outro lado, essas empresas são frequentemente forçadas a grandes sacrifícios financeiros, seja por serem obrigadas a transferir recursos ao Tesouro ou a outras empresas do Estado, seja por terem seus preços fixados com base em critérios alheios à eficiência e à rentabilidade.

Dessa forma, as oscilações nos preços das ações dessas empresas tendem a refletir as incertezas administrativas e gerenciais que caracterizam a gestão pública, transmitindo uma sensação de risco e incerteza excessivos a todos os investidores. Nas atuais circunstâncias, não se conseguirá criar mecanismos que levem à democratização do capital nem a um verdadeiro capitalismo participativo.

O mercado de capitais precisa de liberdade para se desenvolver, mas, ao mesmo tempo, não pode prescindir de regras de conduta que garantam a lisura das operações. Para coibir abusos, o Estado deve ser rigoroso e inflexível em seu papel fiscalizador, mas deve se manter ausente dos legítimos mecanismos de formação de preços.


Subexploração do Mercado Interno

Com uma população de mais de 140 milhões de pessoas, o Brasil possui um grande mercado. Contudo, esse enorme potencial tem sido subestimado.

Por razões que não cabem aqui discutir, sabe-se que o Plano Cruzado fracassou. No entanto, o ano de 1986 mostrou que um processo de redistribuição de renda a favor dos salários é um potente mecanismo de crescimento do mercado interno. Esse efeito torna-se ainda mais notável quando a redistribuição ocorre dentro do agregado dos rendimentos do trabalho, ou seja, diminuindo a dispersão que caracteriza a pirâmide salarial.

Embora ainda não haja dados definitivos, estima-se que a massa salarial brasileira aumentou aproximadamente 30% durante aquele ano, e que os salários reais subiram cerca de 15%. É evidente que nem todos os aumentos nos ganhos do trabalho ocorreram às custas dos rendimentos do capital. As empresas, evidentemente, tentaram compensar o aumento dos custos salariais por meio de esforços para elevar a produtividade e das economias de escala que ainda podiam ser aproveitadas. Contudo, é inegável que houve uma alteração nos padrões de distribuição de renda, resultando no crescimento do mercado consumidor interno, especialmente para produtos de consumo de massa.

O mercado interno potencial está estrangulado pela forte concentração de renda, característica da economia brasileira. Uma ampla reforma tributária, capaz de reverter essa situação de forma permanente, seria um poderoso instrumento de crescimento e desenvolvimento econômico, ao contrário da visão daqueles que acreditam que um programa de redistribuição de renda resultaria em evasão de capitais e desestímulo ao investimento.

Queda da Poupança

Nos últimos anos, a poupança interna foi complementada pelo contínuo afluxo de recursos do exterior. Em conjunto, as poupanças interna e externa chegaram, em meados da década passada, a cerca de 27% do PIB, possibilitando a manutenção de uma elevada taxa de investimento.

Na década de 80, contudo, houve uma clara deterioração da poupança disponível para investimentos internos. A poupança pública decresceu fortemente, e a partir de 1982 tornou-se negativa; a poupança externa, que em 1982 ainda representava 6,1% do PIB, caiu para praticamente zero a partir de 1984. Apenas a poupança privada interna se manteve constante ao longo dos últimos anos, em torno de 16% do PIB. De fato, a poupança privada mostrou um certo crescimento recente, mas esse acréscimo apenas ocorreu devido à necessidade de financiar os déficits públicos.

Os números da tabela evidenciam as dificuldades para concretizar uma nova fase de investimentos no Brasil. A crise externa, deflagrada a partir de 1982, forçou o país a gerar enormes superávits comerciais, o que foi realizado às custas de quedas no consumo e no investimento. De outro ângulo, houve queda na poupança, principalmente devido à redução da poupança do setor público e ao virtual desaparecimento da poupança externa.

Como o fluxo de capitais para o Brasil foi interrompido, surgiram dificuldades para pagar os juros da crescente dívida externa. A partir de 1982, a renda líquida enviada ao exterior situou-se próxima de 5,5% do PIB, exigindo superávits comerciais crescentes. Quando esses superávits também desapareceram durante a vigência do Plano Cruzado — resultando na rápida deterioração das reservas brasileiras —, a moratória de fevereiro último tornou-se inevitável.

Dessa forma, ao reconhecer a necessidade de reiniciar o pagamento dos juros aos credores externos e a urgência de retomar vigorosamente a formação de capital, não há como prescindir do ingresso de novos recursos no país. Somente assim será possível honrar os compromissos externos assumidos e, ao mesmo tempo, aliviar as pressões para a obtenção de grandes superávits no comércio internacional.

É urgente, portanto, chegar a um bom termo nas negociações externas em andamento e criar condições propícias para um novo afluxo de capitais de risco e de empréstimo. Isso só será realizado dentro de uma nova inserção do Brasil na comunidade financeira internacional. O isolacionismo e o nacionalismo cego, junto com a perda da capacidade de poupança do setor público, são o caminho certo para a estagnação crônica, a qual já se começa a vislumbrar no Brasil.

Inflação e Conflito Distributivo

A convivência com a inflação no Brasil deixou clara a diferença entre salários nominais e reais. Hoje, não se confunde mais a reposição de perdas com aumentos reais.

A explicitação dessa diferença reflete a existência de um conflito distributivo, que agora assume novas proporções. Antes, ele resultava de esforços para evitar uma perversa transferência de renda para aqueles que se beneficiavam da inflação; hoje, se transforma em reivindicações sobre a renda nacional. Em outras palavras, a má distribuição de renda exacerba o conflito distributivo, tornando-se um foco estrutural de pressões inflacionárias.

O impacto das pressões salariais ocorre, a curto prazo, na redução das margens de lucro ou na tentativa de repasse aos preços. A primeira opção é o caminho para um capitalismo maduro, por meio de aumentos compensatórios de produtividade; a segunda perpetua o subdesenvolvimento e a espiral salários-preços.

No Brasil, a resistência dos empresários a perdas de rentabilidade é reforçada pela concentração industrial, que lhes permite repassar custos aos preços sem grandes dificuldades. O conflito distributivo surge, assim, como um importante foco de pressões inflacionárias.

Um programa de redistribuição de renda em todos os níveis, por meio de uma ampla reforma tributária, torna-se, portanto, uma necessidade urgente. Além de eticamente desejável e de fortalecer o mercado consumidor interno, ainda funcionaria como uma importante medida de combate à crônica inflação brasileira.

Por fim, cabe observar que, no Brasil, a continuidade do crescimento econômico é um poderoso antídoto contra a inflação, pois torna o conflito distributivo menos explosivo. Sem controle, ele se transforma rapidamente em altas taxas inflacionárias. Crescimento e distribuição precisam vir juntos, pois, isoladamente, não neutralizam o ímpeto inflacionário característico da economia brasileira.

Uma Proposta de Política Econômica

Qualquer plano de estabilização da economia e, ainda mais importante, a recuperação da capacidade de investir, exigirão mudanças. Não bastará montar novos pacotes econômicos; sem alterações mais profundas nas instituições e diretrizes da economia brasileira, essas tentativas apenas reforçarão a descrença da população.

De certa forma, já se torna perceptível que a sociedade brasileira deseja uma nova orientação econômica, uma nova definição de papéis e responsabilidades. Contudo, a inércia da classe política dominante e, consequentemente, do governo, continua a impor uma visão ultrapassada do processo econômico, obstaculizando as necessárias reformas.

Caso essas reformas não ocorram, a Nação continuará prisioneira de circunstâncias políticas, econômicas e culturais absolutamente incompatíveis com o ingresso do país em uma nova fase de crescimento e desenvolvimento. São precisamente essas alterações institucionais que os brasileiros têm dificuldade em realizar.

Há necessidade de uma política de ajustamento conjuntural capaz de: a) reverter o estrangulamento externo; b) conter as pressões inflacionárias; e c) manter taxas equilibradas de crescimento. Existem, contudo, focos de distorções e desequilíbrios que configuram uma das mais desfavoráveis situações conjunturais que o país já atravessou.

Desajustes macroeconômicos podem ocorrer por causas internas (expansão excessiva da demanda interna, desaceleração do crescimento da capacidade produtiva, choques exógenos de oferta) ou por fatores externos (deterioração nos termos de troca, elevação dos juros reais externos, corte abrupto na disponibilidade de créditos internacionais). De fato, todos esses eventos ocorreram quase simultaneamente na economia brasileira.

Essa combinação de fatores, aliada a políticas econômicas internas inadequadas, resultou em grandes distorções nos preços relativos, endividamento crescente, desaceleração do crescimento, perda dos superávits comerciais quase totalmente recuperados, fortes pressões inflacionárias, descontrole do déficit público e elevação dos juros nominais e reais.

O objetivo de um programa de ajustamento conjuntural é garantir, no curto prazo, o reequilíbrio entre oferta e demanda, evitando a continuidade das distorções mencionadas. Para isso, torna-se necessário um conjunto de medidas econômicas que atue nas seguintes variáveis-chave da economia:

  1. Nos níveis de absorção do produto, administrando a demanda interna;

  2. Na composição de produção entre bens comerciáveis externamente (traded goods) e bens não-comerciáveis (non-traded goods), com o uso de uma política cambial adequada;

  3. Na geração e absorção de poupança externa, compatibilizando as necessidades de financiamentos externos com o perfil e a capacidade de transferir recursos ao exterior.

Note que a concretização dessas metas não atuaria diretamente nos determinantes da taxa de crescimento a longo prazo. Isso exigiria amplas reformas, que só poderiam ser efetivamente contempladas após a implementação de um programa de ajustamento conjuntural.

Reformas estruturais precisariam fazer parte de um programa de crescimento de longo prazo, visando a expansão auto-sustentável, a obtenção de maior justiça social e a redução da inflação. Para tanto, exige-se um conjunto de medidas de política econômica que atue:

  1. Na contenção das pressões inflacionárias, evitando a introdução de fatores que desestabilizem o equilíbrio macroeconômico obtido na fase de ajustamento;

  2. Na expansão da capacidade produtiva, atual e potencial, com um conjunto de políticas estruturais que atuem pelo lado da oferta;

  3. Nas reformas estruturais, como a reforma tributária, bancária, agrária, habitacional, etc.

Esboço de um Programa de Ajustamento Conjuntural

O Programa de Ajustamento não pode durar mais do que alguns meses, uma vez que a sociedade brasileira passou a formar rapidamente expectativas sobre novos congelamentos de preços e salários. O essencial é criar rapidamente as condições para que o ajuste comece a ocorrer, tranquilizando os agentes econômicos e oferecendo-lhes regras e perspectivas claras sobre a política econômica.

Há consenso quanto ao forte conteúdo político da atual crise brasileira. Certamente, programas econômicos de curto prazo, por mais consistentes que sejam, não bastarão sem uma clara disposição do governo em implementá-los. Neste sentido, dificilmente um programa de ajustamento terá efeitos positivos se não vier acompanhado de profundas modificações nas diretrizes gerais da condução econômica, conforme sugerido a seguir, como parte de um programa de crescimento de longo prazo.


Administração da Demanda

a) Política Monetária: No Brasil, o uso de variáveis monetárias para controle da demanda é de difícil aplicação, geralmente resultando em fortes oscilações no nível de atividade sem maiores impactos de curto prazo na inflação. Ademais, não se conhece com precisão o nível da demanda por moeda, e sem isso não há como estabelecer metas explícitas de oferta monetária.

O mais sensato seria a fixação de uma meta para as taxas de juros, adotando uma política monetária essencialmente acomodativa, o que não significa, necessariamente, ser passiva.

A fixação de juros reais em níveis positivos, mas adequadamente baixos, precisa ser acompanhada por uma política fiscal rigorosa que não sobrecarregue as autoridades monetárias. Disciplina fiscal é essencial nesta fase do programa de ajustamento. A redução dos juros também poderia ser auxiliada pelo corte da "cunha fiscal".


Cabe observar, ainda, que a meta de crescimento econômico não pode ser alta, em face da redução da taxa de formação de capital nos últimos 5 ou 6 anos.Observe-se, finalmente, que uma das maiores limitações a uma política monetária excessivamente rígida encontra-se no alto grau de endividamento presente na economia brasileira. Tanto dentro do setor privado quanto entre as empresas estatais, e ainda entre estas e o setor privado, os altos coeficientes de endividamento fragilizam as empresas e o governo, tornando-os extremamente suscetíveis a qualquer elevação nas taxas de juros.Essa característica da economia brasileira torna a política monetária um instrumento muito delicado e evidencia a necessidade de um amplo projeto de consolidação do pesado endividamento ocorrido no Brasil.

b) Política Fiscal: a curto prazo, a única forma de praticar uma política fiscal apertada, como é essencial para o controle das pressões inflacionárias, é pela contenção dos gastos, já que, sabidamente, a recuperação da carga tributária e da capacidade de poupança do governo exigem políticas estruturais de mais longo prazo. Neste ponto, torna-se imprescindível uma clara manifestação de vontade política do governo. O corte efetivo de dispêndios precisa ocorrer, mesmo que a curto prazo gere distorções indesejáveis, mas que poderão ser corrigidas posteriormente.Finalmente, há urgente necessidade da total recomposição das tarifas públicas defasadas, idealmente de uma só vez, para que fique claro que se trata de uma efetiva redistribuição de renda a favor delas.

c) Política de Preços: com o objetivo de restabelecer o mais rapidamente possível o reequilíbrio dos preços relativos, incluindo-se salários e preços públicos, e assim estabilizar a inflação, urge liberar o mercado.Salários deverão ser livremente negociados, mantendo-se apenas a obrigatoriedade de correções semestrais; o CIP deverá atuar fortemente em alguns poucos, porém importantes, preços industriais, em setores oligopolizados; tarifas públicas deverão ser rapidamente recompostas; aluguéis devem ser rapidamente flexibilizados.Em realidade, já existem expectativas de que um novo congelamento de preços e salários deverá ocorrer, ainda que por período predeterminado. Assim, para evitar que os agentes econômicos tentem se antecipar na corrida de preços, o melhor é liberar a economia e, assim, neutralizar tal tendência de elevação preventiva de preços.Cabe salientar que este processo de liberação poderá contar com um fato favorável no sentido de dificultar nova escalada inflacionária — o desaquecimento da economia.


2) Política Cambial

O objetivo da política cambial é reajustar a composição do produto entre bens comerciáveis e não-comerciáveis, de modo a recompor e manter um dado superávit comercial. A política cambial (desvalorização) resulta não apenas numa redução de absorção interna, mas também numa alteração estrutural do perfil de produção. Afeta, portanto, a demanda e a oferta agregadas. A política cambial, para surtir os efeitos desejados, exige: identificar o grau de sobrevalorização da moeda; atingir a desvalorização real desejada; e definir o regime cambial.A utilização de medidas baseadas na paridade do poder aquisitivo das moedas externas não leva em conta fatores como discrepâncias nos índices de produtividade entre o Brasil e seus concorrentes no mercado internacional, inovações tecnológicas, introdução de novos produtos, etc. Como o Brasil leva desvantagem em quase todos estes critérios, presume-se que os produtos de exportação estejam perdendo competitividade, mesmo que a paridade entre moedas seja mantida.Assim, as desvalorizações reais da moeda devem objetivar um determinado superávit e devem ocorrer até que a meta seja atingida, quando então a sua indexação a um índice de preços adequado deve ser assegurada.

3) Financiamento Externo

Desde meados do ano passado, quando o Brasil começou a sofrer pesadas perdas de reservas, o setor externo passou a ser um severo ponto de estrangulamento. Como visto acima, a poupança externa sempre representou importante fonte de financiamento para a formação de capital. Cabe, portanto, recuperar a capacidade de pagamento em divisas do país, para com isto reiniciar um novo processo de entrada de recursos externos na economia brasileira.Sem qualquer sombra de dúvida, a renegociação da dívida brasileira não pode mais ser feita nos moldes tradicionais. Redução de "spreads", capitalização dos juros e aporte de novos recursos são ingredientes essenciais para que se chegue a bom termo com os credores. Em realidade, é preciso insistir na tese de que a superação do atual impasse não poderá ser conseguida com a transferência dos custos do ajustamento apenas para os países devedores, pois, de fato, enorme parcela de responsabilidade cabe aos bancos credores, bem como à política econômica desenvolvida pelos países industrializados.


Esboço de um Programa de Crescimento

A longo prazo, para estabilizar a inflação em níveis aceitáveis, criar mecanismos de financiamento interno e externo que promovam o crescimento a médio e longo prazos, e retomar os investimentos públicos e privados, nacionais e estrangeiros, é essencial efetuar algumas mudanças estruturais que possibilitem uma nova percepção sobre a realidade brasileira.

O diferencial das medidas sugeridas aqui, em relação a uma política de administração da demanda, é o foco em aumentar a eficiência e promover o crescimento econômico por meio do aperfeiçoamento dos mecanismos de alocação de recursos e do incentivo à poupança e ao investimento.

No que diz respeito à eficiência, é crucial identificar e corrigir situações em que há discrepâncias entre preços e custos marginais. Nesse sentido, deve-se eliminar subsídios (a menos que sejam explicitamente desejados e socialmente necessários, como no caso das políticas habitacional e agrícola), evitar a compressão de preços e tarifas públicas e, sobretudo, conter práticas abusivas de fixação de preços nos setores altamente concentrados.

Para o crescimento econômico, é importante aumentar os investimentos, garantir um maior fluxo de poupança interna e externa, recuperar a capacidade de poupança do setor público, incluindo as estatais, e implementar amplos programas de investimentos sociais.

O que diferencia esta proposta não são propriamente seus objetivos; o que se destaca é a tentativa de sugerir um novo arcabouço institucional, dentro do qual as metas específicas de política econômica possam ser viabilizadas.

Trata-se, antes de mais nada, de definir um novo modelo de crescimento, com um novo padrão de relacionamento entre indivíduos, entre indivíduos e o Estado, e entre o Estado e o resto do mundo. Trata-se de reconhecer a necessidade de uma ruptura com os padrões de crescimento anteriores, para gerar comportamentos e expectativas que levem a novos estilos de gestão empresarial e pública.

O Novo Papel do Estado em um Modelo Concorrencial

Apesar de todas as demonstrações em contrário, o Brasil ainda não se convenceu de que está prisioneiro de uma máquina estatal obsoleta, distorcida e profundamente impeditiva de esforços para superar os atuais impasses econômicos. A concepção arcaica do Estado como agente modernizador ainda persiste, justificando a teoria do "big push" a despeito das evidências que mostram exatamente o contrário.

Não é apenas pela ineficiência, clientelismo, corrupção e déficits financeiros que a participação do Estado na economia precisa ser reavaliada; é também pelos enormes canais de investimento que poderiam ser abertos ao capital privado, gerando um novo ciclo de formação de capital que o setor público mostra-se cada vez mais incapaz de promover. Além disso, é urgente que o Estado assuma responsabilidades em áreas onde sua atuação é insubstituível, como educação, saúde, saneamento e habitação, onde a negligência alcança níveis com consequências irresponsáveis e desumanas.

Atualmente, o maior desafio para as autoridades econômicas é o controle do déficit público, que é essencial para possibilitar a estabilização da economia brasileira.

Não se pretende negar a validade do uso do déficit como instrumento de política econômica. Ele pode, sem dúvida, ser utilizado para aumentar a demanda agregada em situações de desemprego de fatores de produção. O problema é que os agentes econômicos veem o déficit não como um instrumento manejável, mas como um desequilíbrio estrutural de difícil controle, que, mesmo em situações de pleno emprego, continuará pressionando a demanda.

Isso explica a falta de lógica que muitas vezes deixa economistas perplexos ao afirmar que o déficit público pressiona a inflação; na verdade, trata-se da capacidade de antecipação dos agentes econômicos, que não se deixam enganar pela alegação de que o déficit é uma medida anticíclica e não uma das causas do aumento de preços.

Qualquer tentativa de conter os gastos públicos será ineficaz sem uma reavaliação do papel e das funções do setor estatal na economia. É uma ilusão imaginar que seja possível comprimir ainda mais os gastos do que já vem sendo feito há anos. Novos cortes, sejam de custeio ou de investimento, terão apenas um impacto de curto prazo ao reduzir a demanda agregada. Contudo, restrições orçamentárias mais severas tornarão o setor ainda mais frágil, agravando um problema que ressurgirá com mais força no futuro.

É preocupante observar a intenção de lidar com o problema do setor público por meio de cortes lineares nos gastos de custeio (e também de investimentos). Não faz sentido cortar o número de funcionários ou reduzir salários sem considerar as necessidades específicas de cada atividade. Tal medida só se justifica no curtíssimo prazo, pois, na prática, apenas torna o setor público ainda mais despreparado para competir com o privado em termos de eficiência.

O ideal é que os órgãos e empresas governamentais ofereçam bons salários e possam contratar o pessoal necessário para produzir com níveis de eficiência iguais ou até superiores aos do setor privado.

Ao concentrar esforços apenas nas restrições orçamentárias impostas à administração direta e às estatais, o governo não está resolvendo o problema do déficit público. Controlá-lo não significa asfixiar a atividade estatal; o essencial é que o setor público seja forte e atuante, mas restrito às áreas onde sua presença seja necessária.

A retração do Estado nas atividades produtivas é a única forma viável de lidar com o déficit público. Ao transferir atividades para o modelo de gestão privada — mais eficiente do ponto de vista econômico — também se eliminaria uma das principais fontes dos desequilíbrios orçamentários do governo.

Isso não significa um Estado fraco ou necessariamente pequeno. A presença estatal na economia brasileira tem uma história de sucessos: foi através da atuação pública que o país se industrializou. Nos anos 1970, o setor estatal foi o principal motor do desenvolvimento, por meio de investimentos em infraestrutura e da substituição de importações de insumos básicos.

Hoje, contudo, o papel do Estado precisa ser reorientado para uma atuação mais convencional. O setor produtivo estatal está hipertrofiado em relação às atividades típicas de governo. Ele alcança, atualmente, uma dimensão que o coloca como concorrente do setor privado. A intervenção pública fortaleceu os capitais privados a ponto de que, hoje, a maioria das áreas em que o Estado atua empresarialmente poderia ser adequadamente explorada pela iniciativa privada. Nada mais natural, portanto, que o governo se retraia dessas atividades, já que cumpriu seu papel de catalisador do desenvolvimento industrial.

Essa mudança é ainda mais urgente ao considerar que o Estado não possui meios para financiar sua expansão no setor produtivo, enquanto o setor privado dispõe de capital excedente. Um amplo processo de privatização das atividades atualmente desempenhadas pelo Estado abriria um novo canal de investimento para o empresariado, ao mesmo tempo em que ampliaria o espaço para o governo atuar nas áreas sociais, hoje o maior gargalo da economia brasileira.

A necessidade de privatizar a economia não tem a ver com o tamanho do Estado. A privatização se justifica pela busca de eficiência, pela luta contra a inflação e, no caso brasileiro, pela criação de um Estado mais atuante nos serviços básicos de que a população necessita.

É desanimador ver que os planos atuais de privatização se restringem a empresas periféricas, sem relevância dentro do setor estatal. São empresas falidas que foram parar nos bancos públicos, centrais de abastecimento, hospitais, hotéis e algumas siderúrgicas sem grande significância. O governo pretende combater um déficit considerável, atuando na periferia do setor produtivo estatal.

Faltam a coragem e a determinação vistas em outros países que privatizaram grandes monopólios estatais (como no caso da Inglaterra), o que, no Brasil, equivaleria a incluir algumas das principais holdings do governo. Sem isso, o déficit público permanecerá elevado, e a inflação não será debelada. Tudo o mais é apenas uma cortina de fumaça.

Além disso, é essencial combater práticas abusivas de mercado, o domínio de setores por grupos de interesse e os privilégios privados concedidos pelo Poder Público. O Brasil precisa de uma legislação rigorosa de proteção ao consumidor, de estímulo à concorrência e de punição severa à corrupção.

Somente assim a ação estatal será um complemento à iniciativa privada, dentro de um verdadeiro modelo concorrencial, focado na eficiência, no progresso tecnológico e orientado pelo incentivo ao lucro legitimado pelo crescimento econômico e pela justiça social.


A Inserção no Capitalismo Internacional

Pragmaticamente, o reinício da entrada líquida de recursos externos é essencial para a economia brasileira. Pretender uma nação moderna e dinâmica sem pesados investimentos do exterior é o caminho certo para a frustração.

Não há o que temer quanto ao propalado e falso perigo que o capital estrangeiro poderia representar. É um fantasma tão fora de moda quanto inofensivo. Há no Brasil um governo forte e uma economia suficientemente grande para impedir que capitais externos ameacem os interesses nacionais.

As grandes empresas estrangeiras tornaram-se praticamente apátridas, sem interesses políticos definidos e sem linhas de subordinação aos seus países-sede. Desejam apenas boas perspectivas de lucro e um ambiente institucional estável. Dentro deste quadro e no atual estágio de desenvolvimento do Brasil, empresas de capital estrangeiro podem se tornar importantes geradoras de empregos, exportadoras privilegiadas e eficientes transmissoras de conhecimento tecnológico.

Nada justifica um nacionalismo tolo que discrimine os investidores estrangeiros. Na medida em que produzem e empregam dentro do país, devem usufruir dos mesmos deveres e privilégios estendidos aos nacionais. Basta uma política industrial e de remessa de lucros estável — que o Brasil tem plena capacidade de definir e impor — para que a entrada de capitais do exterior se transforme rapidamente em um fundamental complemento ao esforço doméstico de desenvolvimento.

A dívida acumulada em divisas não foi em vão. Diferentemente do que ocorreu em outros países, ela foi, com maior ou menor eficiência, investida na ampliação da infraestrutura econômica e no fortalecimento do parque industrial brasileiro.

No entanto, por uma série de razões, sendo a crise de liquidez internacional a mais grave delas, a dívida acumulada na década de 70 deixou como herança um renitente estrangulamento externo. As altas de juros reais, as flutuações nos preços das principais commodities exportadas e a necessidade de constante crescimento interno são fatores de permanente perturbação no equilíbrio das contas externas brasileiras.

Nessas condições, o país estará sempre caminhando no fio da navalha. Se, por um lado, precisa crescer a taxas altas para diluir o peso de seu endividamento, por outro, as remessas de juros continuarão sendo, ainda por longo período, um obstáculo e um grave foco de evasão de fundos disponíveis para investimentos.


Mas, se já começa a haver um melhor entendimento da questão por parte de políticos, banqueiros e autoridades dos países credores, torna-se essencial, em contrapartida, que também dentro das nações devedoras surja um clima de cooperação e de relativa transigência. Neste sentido, uma regulamentação que favoreça a conversão da dívida em capital de risco assume papel de destaque.

Trata-se de uma providência de curto prazo, capaz de auxiliar, ainda que de forma relativamente modesta, no reequilíbrio do balanço de pagamentos do país; porém, ainda mais importante, pode representar uma nova postura frente à comunidade internacional, auxiliando, assim, nos esforços de captação de recursos externos para financiar o crescimento brasileiro.

As recentes perturbações ocorridas nos maiores centros financeiros internacionais não podem ser minimizadas. Elas refletem a urgente necessidade de ajustamentos na economia norte-americana e, consequentemente, irão repercutir negativamente em todo o mundo. Sem embargo, é preciso não perder a perspectiva histórica e falhar em verificar que se trata de um movimento cíclico típico das economias capitalistas. Destarte, não se deve permitir que este contratempo conjuntural impeça a economia brasileira de efetuar sua maior integração à comunidade econômica internacional.

O importante é que o Brasil recupere sua capacidade de pagamento em divisas, abra seus mercados aos capitais externos e se inclua no rol das nações industrializadas modernas e integradas do ponto de vista internacional.

Uma Nova Distribuição de Renda e o Mercado Interno

O desenvolvimento brasileiro, contudo, tem o mercado interno como seu principal sustentáculo. Certamente, há enorme espaço para a transformação do país em uma economia ainda voltada para os mercados internacionais. Mas, seja pelo potencial de consumo, seja pela necessidade de integrar milhões de brasileiros em uma estrutura econômica moderna, é no atendimento à demanda doméstica que devem se concentrar os primeiros esforços.

Neste sentido, torna-se fundamental a realização de profundas alterações nos padrões de distribuição de renda pessoal, regional e funcional. Maior equanimidade entre indivíduos, entre regiões e entre níveis de poder é condição necessária para qualquer programa de valorização e crescimento do mercado interno.

O Brasil precisa de uma ampla e profunda reforma tributária e fiscal. Há necessidade de uma total reformulação nos critérios de arrecadação e distribuição de tributos — uma reforma distributivista em todos os sentidos.

Não se trata de meras transferências de renda, como os subsídios de toda ordem que o Estado já concede em volumes muito acima do recomendável, mas sim de um tardio reconhecimento de que, além de questões de justiça, há interesse de toda coletividade na ampliação do mercado interno. Assim, urge iniciar alterações tributárias que reduzam as enormes distorções hoje existentes.


Não se pode mais suportar os contrastes entre ricos e pobres. A via tributária é um poderoso instrumento para evitar que isso continue ocorrendo. Há que lembrar, contudo, que ela deve ocorrer juntamente com o crescimento econômico, a forma mais eficiente de valorizar o trabalho e reduzir as distorções na distribuição de renda.

Da mesma forma, há necessidade de fortalecer o potencial de arrecadação do Estado para sustentar os enormes gastos de custeio e investimentos em infraestrutura social que precisam ser realizados. Isso se dá também por meio do aprimoramento e diversificação dos serviços públicos, que redistribuem renda, principalmente se o objetivo é favorecer as camadas na base da pirâmide salarial.

É importante lembrar que, nos casos em que o mercado falha ou é ineficiente (como ocorre com habitação de baixa renda, saúde, saneamento, educação, segurança, justiça, transporte de massa e muitos outros), o Estado precisa intervir com disposição e meios, pois geralmente é a população carente que mais depende desses serviços. São serviços que o mercado livre não consegue prover, mas sem os quais, paradoxalmente, o capitalismo moderno não pode sobreviver.

Fala-se que a carga tributária no Brasil é baixa, e usa-se esse argumento para justificar a inoperância da ação do Estado no provimento de serviços sociais ou, então, para justificar os déficits orçamentários. Na realidade, a carga tributária bruta tem permanecido em torno de 25% do PIB nos últimos 20 anos. O que efetivamente vem caindo é a carga líquida, resultante do saldo disponível para gastos públicos após as deduções de subsídios, pagamentos de juros e outras transferências. Caberia, portanto, uma criteriosa avaliação desses gastos como primeira providência para a recuperação da capacidade de prestação de serviços por parte do Estado.

Levando-se em conta a qualidade dos serviços prestados pelo poder público no Brasil, o baixo nível de renda da população que mais paga impostos (o que recrudece o sacrifício implícito no recolhimento dos tributos) e a regressividade na aplicação dos tributos que recaem, sobretudo, nos assalariados, é fácil concluir que o potencial de arrecadação fiscal no Brasil encontra-se próximo do esgotamento. Cabe questionar, assim, a afirmação de que a carga tributária bruta é baixa.

Ademais, o conceito relevante para avaliar o custo do Estado está na taxa global de extração, que certamente é bem superior à carga tributária bruta, pois incorpora aos impostos arrecadados outros itens, como contribuições parafiscais, empréstimos compulsórios e o imposto inflacionário (somente este, superior a 3% ao ano), além do "custo de aquiescência", ou seja, os custos que a sociedade deve suportar para manter os controles e registros exigidos pela legislação tributária.

O Brasil não pode mais conviver com a multiplicidade e falta de transparência que caracterizam seu sistema tributário. Urge implementar o conceito do imposto único, seja sobre a renda ou sobre o consumo. A taxação do consumo não é necessariamente regressiva, e nem a incidente sobre a renda é sempre progressiva.

A aplicação de um imposto único sobre bens finais de consumo, com alíquotas diferenciadas para garantir a progressividade do sistema, tem a grande vantagem de não desincentivar a geração de renda e a poupança. Apenas o ato de consumir — este de caráter estritamente individualista e que extrai recursos da sociedade em benefício pessoal — seria taxado, com o intuito de gerar um retorno à sociedade.

Com possíveis exceções, como o imposto sobre importações, sobre remessas financeiras ao exterior e sobre a propriedade, com características de extrafiscalidade, o número de tributos deveria ser mantido no mínimo indispensável. Além dos volumosos recursos que poderiam ser canalizados para a produção, e que hoje são dispendidos em atividades de fiscalização e controle estritamente improdutivas, obter-se-ia ainda uma transparência fiscal que hoje absolutamente não existe.

Reformas Estruturais

Como exposto acima, o Brasil precisa executar algumas importantes reformas estruturais. Profundas mudanças tributárias e fiscais já foram discutidas. Existem outras áreas, contudo, que também carecem de urgente atenção.

A reforma agrária, por exemplo, é uma delas. Certamente, a estrutura fundiária brasileira precisa ser alterada, principalmente na medida em que regiões de grande concentração da propriedade da terra passam a ser incorporadas no processo produtivo comercial. Neste sentido, a desconcentração fundiária pode ser obtida não apenas por meio de desapropriações e assentamento de famílias — um processo oneroso e de difícil execução — mas deve contar, sobretudo, com o uso de instrumentos de indução fiscal.


Da mesma forma, urge disciplinar a propriedade urbana no sentido de colocar em uso glebas que permanecem ociosas, sem qualquer função social. A contribuição de melhoria e o imposto territorial e predial urbano progressivos são importantes instrumentos que precisam ser urgentemente colocados em ação.

Urge também implementar uma reforma bancária capaz de criar condições para o financiamento da formação de capital no Brasil, além, evidentemente, do incentivo ao mercado de capitais. Crédito de médio e longo prazos precisa ser oferecido pelas instituições financeiras brasileiras.

A política habitacional necessita também de profundas alterações, com uma clara redefinição de tarefas entre os setores privado e estatal. Trata-se de um caso típico de falha de mercado, no qual a intervenção pública, no segmento de interesse social, precisa ser reformulada para garantir resultados que o setor privado não tem condições nem interesse de obter.

Uma forte lei antitruste deve ser aplicada, e os mecanismos de controle de preços (CIP, SEAP, Sunab) devem ser adequados para exercer um efetivo controle sobre os mercados oligopolísticos. Em todos os demais mercados, como o financeiro ou o de bens e serviços não públicos produzidos pelo governo, deve haver liberdade de ação, mantendo o Estado apenas um papel fiscalizador.

Todas as linhas de atuação mencionadas não constituem novidade; já foram apresentadas inúmeras vezes. Contudo, o que é diferente nessas propostas — e em outras não referidas, mas de igual importância dentro do espírito deste manifesto — é o respeito pela liberdade e pela individualidade que se deseja ver amplamente difundido dentro da sociedade brasileira. A meta é valorizar a iniciativa privada, a criatividade pessoal e a integração com as demais economias de mercado; busca-se, ainda, viabilizar o Estado como prestador de serviços públicos e como promotor de justiça social.

CONCLUSÃO

A superação dos obstáculos descritos acima, bem como a implementação das reformas estruturais mencionadas, são condições essenciais para a definição de um novo padrão de crescimento para a economia brasileira. O que diferencia esta nova forma de desenvolvimento é, sobretudo, a ênfase no setor privado, com o correspondente encolhimento do setor estatal produtivo; é também a prioridade concedida ao crescimento do mercado interno pela valorização do trabalho e da resultante redistribuição de renda que será concretizada, não por inócuas legislações salariais ou por práticas de proteção paternalista ao trabalhador, mas sim pelo crescimento efetivo da demanda por mão de obra, que um novo surto de investimento deverá propiciar. É a realização de uma eficaz política de desconcentração dos oligopólios e monopólios, que, no momento, são um empecilho à retomada dos investimentos nacionais e estrangeiros, impedindo que a competição seja um efetivo freio à exploração do consumidor e uma preciosa fonte de progresso tecnológico e de busca de eficiência.

Absoluta prioridade deve ser concedida ao incentivo à poupança; os mercados de capitais devem ser fortemente apoiados para se transformarem em meios de captação de recursos eficientes e baratos para as empresas; mecanismos de atração de investimentos externos precisam ser urgentemente criados.

Somente assim haverá condições para iniciar a erradicação da pobreza e da desigualdade, origem tanto do radicalismo conservador quanto do reformismo revolucionário. Neste processo de revitalização da economia, é preciso um Estado forte, capaz de desempenhar com eficiência e ousadia as funções que lhe são próprias; o que existe hoje, inadimplente e ocupando espaços produtivos vitais, não tem condições mínimas necessárias para dar suporte a uma nova fase de crescimento auto-sustentado.

A superação desses obstáculos estruturais deve nortear toda uma política econômica orientada por um novo modelo de crescimento — livre do complexo terceiro-mundista, aberta, moderna e integrada no mundo contemporâneo — que poderá ser a base para um crescimento equilibrado, sem pressões inflacionárias e, sobretudo, mais justo e humano. Não basta uma Nova República: busca-se uma NOVA ECONOMIA, que poderia ser resumida no lema "Privatização com Redistribuição".


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