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Marcos Cintra

A avenida da modernidade

É difícil justificar o injustificável. Os opositores do projeto de extensão da Av. Brigadeiro Faria Lima fazem das tripas coração para explicar por que são contra. Não conseguem. Desfilam um rol de argumentos que evidenciam, com crescente nitidez, que as razões contrárias não são técnicas, mas, essencialmente, políticas. Buscam justificar o estilo de governo obscurantista da gestão do Partido dos Trabalhadores. Não se conformam em ver que a Cidade de São Paulo continuará progressista e ousada e que o projeto consubstancia o dinamismo paulistano que desejam abafar. Mas vamos aos argumentos.


Do ponto de vista urbanístico, a principal crítica refere-se ao modelo de cidade que se deseja construir. Afirma um arquiteto, futuro desapropriado, que o modelo de crescimento induzido pelo projeto está ultrapassado, pois estimula o uso do transporte individual, quando os recursos escassos deveriam ser canalizados para o transporte coletivo.


Em primeiro lugar, cabe apontar que a obra tem como uma das suas preocupações adequar o sistema viário às necessidades impostas pela 4ª linha do Metrô, em estudos pelo governo estadual. Trata-se de permitir a construção de uma grande estação intermodal na área de influência da Faria Lima e melhores condições de transbordo de ônibus na região congestionada do Largo da Batata, em Pinheiros.


O custo do empreendimento será totalmente bancado pela iniciativa privada, desde que a Câmara Municipal aprove a emissão e a venda dos Cepacs. Logo, não procede a crítica de que os recursos financeiros deveriam ser alocados para outras prioridades, pois o orçamento municipal não será onerado pelo projeto.


Mas os argumentos apresentados pecam pelo voluntarismo típico dos dirigistas. Afirmam que melhorar as condições de tráfego e acessibilidade da região da Faria Lima irá, a médio e longo prazos, criar novos focos de congestionamento, pelo aumento da densidade populacional que a nova avenida irá produzir.


Antes de mais nada, não poderá ficar pior do que já está. Mesmo que o alívio seja temporário, dez ou 20 anos, será uma grande conquista, pois melhorará as condições de vida e de trabalho de metade de uma geração.


O argumento merece uma crítica ainda mais contundente. Será que permitir a instalação do caos na região da Faria Lima alterará o modelo econômico mundial e brasileiro? Deixar que as atividades econômicas da região sejam asfixiadas criará um novo modelo de crescimento, livre das características indesejáveis das megalópoles atuais, como São Paulo? Poder-se-á, mediante o abandono do sistema viário da região à própria sorte, arrecadar recursos públicos suficientes para dotar a área com um sistema de locomoção subterrânea que custa, por quilômetro, mais do que todo o projeto da Faria Lima?


O ingênuo voluntarismo embutido nesta argumentação reflete uma visão pobre dos condicionamentos básicos da moderna economia capitalista. Se desejam uma sociedade diferente, não é pelos congestionamentos viários que o individualismo próprio das economias de mercado desaparecerá em favor de sociedades coletivistas. Querem fazer o rabo abanar o cachorro!


Os principais críticos do projeto estão mesmo é defendendo seus interesses grupais. Exercem seus legítimos direitos. O inaceitável é que tentem confundir a defesa de seus interesses com a da coletividade paulistana. Nunca se assistiu aos moradores da região de Vila Olímpia, Itaim e Pinheiros defenderem os milhares de desapropriados na periferia da Cidade. Fosse verdade o que apregoam, deveriam ter lutado com o mesmo entusiasmo contra a construção de outras avenidas, como a do Córrego do S, na Zona Sul; e a da Jacu-Pêssego, na Zona Leste.


Quanto às desapropriações, os mecanismos propostos na operação urbana Faria Lima são inovadores e buscam minimizar os traumas inerentes a projetos que implicam desocupações volumosas.


Os Cepacs, além da construção de moradias para a população desalojada (10% do volume total de recursos arrecadados) e para a classe média que desejar nela permanecer, serão emitidos também para oferecer aos desapropriados uma compensação adicional de até 50% do valor de mercado, transformando-os em parceiros no empreendimento. Busca-se, ademais, a desapropriação amigável, com a formação de uma comissão independente (apenas um representante da Prefeitura) que fixará as ofertas de indenizações aos desapropriados.


Cumpre dizer, ainda, que a Justiça já vem adotando procedimentos capazes de garantir plenamente os direitos dos desapropriados. Se as ofertas iniciais da Prefeitura são baixas, deve-se exclusivamente ao fato de os proprietários permitirem que os valores venais de seus imóveis em seus cadastros fiquem abaixo dos de mercado.


Dois pesos e duas medidas. Na hora de pagar, beneficiam-se do IPTU abaixo do que a lei considera a justa contribuição de cada proprietário no custeio das atividades públicas, prejudicando, entre outras, as atividades sociais que os críticos da obra consideram prioritárias, como saúde, saneamento e habitação. Mas reclamam deste mesmo valor venal quando se trata de receber. Ora, o único critério objetivo de oferecimento de indenização inicial é o valor venal. Outros poderiam permitir abusos e locupletação.


Registre-se por fim que a administração de uma cidade como São Paulo, repleta de problemas angustiantes, descartará métodos simplórios de gestão. Os critérios de escolha social são complexos.


Simples ordenamento de prioridades não implica alocar os recursos disponíveis, integralmente, ao primeiro colocado, de acordo com a sequência adotada. Em realidade, recursos escassos devem ser distribuídos entre as várias prioridades, de forma que o último cruzeiro alocado em cada uma delas seja igual para todas as atividades públicas. Este princípio elementar exige, no mínimo, maiores qualificações antes de se afirmar que a Faria Lima não é prioridade na administração da Cidade.


Essa operação representa um marco na gestão urbanística brasileira. É pena que as paixões políticas tenham ofuscado as grandes inovações do projeto. Trata-se de mecanismos de intervenção urbana que serão úteis para a Cidade, nesta ou em próximas administrações.


 

O AUTOR Marcos Cintra é professor da GV e vereador (PL) em São Paulo.


Publicado no Jornal da Tarde

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