A novela da reforma tributária começa a se tornar tragicômica. O governo nomeia comissões sem lhes dar condições de atuar. E diferentes órgãos e escalões da administração apresentam, cada qual, sua própria versão da "reforma" tributária que desejam. O Congresso, por sua vez, se encontra em "corner". Pressionado pelas ameaças de inadimplência do Executivo, pelo tempo e pelas alegadas exigências de elevação de arrecadação pelo FMI, o parlamento acha-se na obrigação de encontrar uma solução para as mazelas do Executivo, que teve todo o tempo do mundo para preparar projetos de reforma, mas não o fez.
Se se deseja efetivamente criar algo que possa ser funcional, é preciso aceitar a premissa de que a atual estrutura tributária brasileira é irrecuperável. Não se questiona sua coerência teórica original, que foi o ponto forte da reforma ocorrida no Brasil na década de 60. O ponto criticável é que, por um pertinaz padrão de comportamento semelhante ao que se verifica agora, o governo acabou criando uma colcha de retalhos, comprometendo seriamente a consistência e a eficácia do sistema tributário nacional.
O sistema tornou-se inexcrutavelmente complexo e impeliu o contribuinte à marginalidade. Na tentativa de recuperar a arrecadação que vem se mostrando cronicamente declinante, as autoridades recorrem ao velho e ineficaz método de aumentar alíquotas e criar novos tributos. Resultado: premiam a sonegação e a evasão.
Mais grave ainda é que, do ponto de vista do administrador público, nota-se que o contribuinte criou mecanismos de defesa contra os absurdos perpetrados com notável insistência pelo governo. Defendeu-se e achou meios de burlar o fisco. Incorporou em seus padrões éticos licenças que justificariam continuar agindo da mesma forma, mesmo dentro de um contexto tributário mais justo e racional. Um "ratchet effect" tributário, que inviabiliza caminhar no sentido contrário ao da Curva de Laffer quando se reduzem alíquotas ou o número de impostos.
Os impostos sobre os fatos geradores clássicos perderam robustez. "A evasão tributária generalizada mostra que o sistema, e não o contribuinte, necessita de reforma radical" (Nicholas Kaldor). "A questão (da sonegação) não tem merecido a devida atenção dos administradores tributários (que acreditam ser um pecado original, sem possibilidade de ser controlada), nem dos economistas, que têm considerado o estudo da evasão menos atrativo intelectualmente do que o relaxamento dos pressupostos dos teoremas sobre a otimização tributária."
De fato, a discussão de temas administrativos relacionados com reformas tributárias tem sido, na maioria das vezes, deprimente: apenas o que é familiar é tido como possível; considera-se bom o que existe, e o que não existe é tido necessariamente como 'difícil' (J.A.Kay).
Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, 45, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), professor da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas, consultor de economia da Folha e presidente regional do PDS.