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Marcos Cintra

A regularização de uma aberração fiscal

No mês de agosto foi editada a Lei Complementar (LC) 160 regularizando benefícios concedidos no âmbito de uma das maiores aberrações do sistema tributário nacional, que é a guerra fiscal praticada pelos Estados, usando o ICMS. Ela também prorroga esses incentivos tributários instituídos sem a devida aprovação no Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).


A guerra fiscal é uma das muitas deformações do sistema tributário brasileiro e a aprovação da LC 160 atende ao interesse de muitos governadores que veem nela um meio para atrair empresas. Havia um risco do Supremo Tribunal Federal (STF) decidir que todos os benefícios de ICMS concedidos sem a aprovação pelo Confaz são inconstitucionais. Infelizmente, a edição da referida lei mantém uma ideia distorcida que opta por um método mais fácil de gestão, o de abrir mão de receita para que firmas se estabeleçam em determinado território, que não se preocupa com investimento em infraestrutura e qualificação de mão de obra.

Em primeiro lugar, cumpre dizer que a LC 160 está em total desacordo com as necessidades tributárias do país. Mantêm-se regras do ICMS, um dos impostos mais complexos e nocivos à produção e de maior custo de fiscalização para os estados, quando a sociedade clama por uma reforma tributária simplificadora e capaz de estimular a competitividade da economia brasileira.

Em relação à guerra fiscal cabe destacar que esse é um fenômeno típico da atual estrutura tributária brasileira. A autonomia dos Estados para legislar sobre o ICMS, o principal tributo do país, cria anomalias severas no sistema produtivo nacional e compromete as finanças públicas. As disputas com o objetivo de conceder benefícios fiscais é jogo de soma negativa, uma vez que resulta em distorções no processo de tomada de decisão para localização industrial e, com isso, comprometem-se a eficiência e a competitividade da produção nacional.

Para os estados os efeitos da guerra fiscal são a dilapidação das contas públicas e o comprometimento da capacidade de investimentos em médio e longo prazos. A restrição orçamentária decorrente dessa disputa acaba limitando as inversões na ampliação e manutenção da infraestrutura, o que, por sua vez, prejudica o desempenho das empresas que se beneficiaram dos incentivos.

Portanto, a guerra fiscal é uma anomalia que compromete tanto o poder público como os agentes privados. Os benefícios imediatos acabam gerando custos de grandes proporções mais adiante.

Outro aspecto a ser destacado diz respeito à concessão de benefícios, sem a aprovação do Confaz. Hoje, esse órgão já não é capaz de mediar de modo satisfatório os interesses conflitantes de seus membros. A guerra fiscal desgastou sua autoridade.

Dentro do atual sistema tributário brasileiro, a guerra fiscal é previsível e inevitável. Faz parte de sua natureza. Não há como evitá-la se se continua adotando como parâmetro de conduta o sistema tributário convencional, baseado em impostos declaratórios como o ICMS.

Acabar com a fratricida guerra fiscal, combater a sonegação, simplificar a estrutura de impostos e resolver os conflitos federativos são medidas cruciais para o Brasil. Infelizmente, a LC 160 vai justamente no sentido contrário.

 

Doutor em Economia pela Universidade Harvard, professor titular de Economia na FGV. Foi deputado federal (1999-2003) e autor do projeto do Imposto único. É Presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP).



Publicado no Jornal SPNorte: 17/11/2017



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