Economista festejado, estudou no MIT, onde o famoso professor Dornbusch afirmava ter sido seu melhor aluno em toda a sua carreira. Cercado de admiradores influentes, como Mário Henrique Simonsen, galgou degraus no mundo empresarial durante os anos 90. Foi confidente, consultor e quem sabe até co-autor na elaboração dos planos de estabilização econômica com importantes economistas, como André Lara Rezende e Pérsio Arida. Enfim, uma carreira brilhante, mas que tragicamente descambou para o lado oculto da vida empresarial. Contudo Daniel Dantas e seus sequazes podem deixar um legado didático para o país. Sua prisão abriu uma intensa discussão sobre a Justiça. O cidadão sente-se inseguro quando sua privacidade e sua liberdade são subitamente ameaçadas por grampos e por ações policialescas espalhafatosas. Mas, por outro lado, o homem comum sente-se agredido ao ver que o mal campeia solto e que a impunidade estimula a criminalidade. O mais notável na discussão que seguiu as prisões e solturas sucessivas de Daniel Dantas é que, de todas as posições do espectro ideológico, ouvem-se manifestações tanto de apoio como de crítica à Polícia Federal, ao STF, aos métodos autoritários da polícia e à excessiva complacência da Justiça. Todos têm suas razões. Quem pode criticar o ministro Gilmar Mendes quando afirma que “é necessário que o ato judicial constritivo de liberdade especifique, de modo fundamentado, elementos concretos que justifiquem a medida”? Como discordar de Vinicius Mota, na Folha do dia 13 último, quando afirma que “a prisão, antes de uma sentença, deveria ser exceção, e não regra, como está se tornando”? Ou como não dar crédito ao alerta de Alberto Zacharias Toron, que na mesma edição relembra que “o combate à criminalidade deve ser feito dentro dos marcos da legislação e com a rigorosa observância do devido processo legal, pois, do contrário, campeará o autoritarismo de quem se julga intérprete dos interesses do povo”? Por outro lado, ante a inoperância, a ineficiência e a incrível morosidade do Poder Judiciário brasileiro, o princípio basilar dos direitos dos cidadãos, de não ser punido sem julgamento, assume ares de privilégio e na prática garante impunidade aos criminosos. Estão certos, portanto, os que exigem mais rigor e se insurgem contra a leniência da Justiça, pois concretamente implica impunidade, principalmente para os ricos e poderosos. Assim, como discordar de Frei Betto, que também na mesma edição da Folha diz: “Agora nem o flagrante merece punição (…) o círculo vicioso se confirma: a polícia prende, a Justiça solta. E alguns disso se aproveitam e fogem. Ou a pena prescreve, sacramentando a impunidade”? Como não dar ouvidos a Eliane Cantanhêde, ainda na mesma edição do jornal, quando afirma que “o povão está cansado de lero-lero e de ver os céus coalhados de gaviões e as gaiolas entupidas de pardais”? O trágico nessa situação é que todos estão certos. A situação é que está dramaticamente errada. Com Justiça morosa e ineficiente, o devido processo legal, que é precioso direito dos cidadãos, acaba se transformando em privilégio dos malfeitores. Se a Justiça fosse mais rápida e mais eficaz, certamente essa ânsia por punições midiáticas exemplares seria saciada pela certeza das condenações tempestivas e a crise entre magistrados e opinião pública não teria razão de ser.
MARCOS CINTRA, doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA), e professor titular da Fundação Getulio Vargas.