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Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Tapa na cara

A recriação da CPMF, batizada de CSS, revela impressionante inabilidade política do governo e de sua base parlamentar. Apesar de ser um bom tributo, o imposto do cheque foi travestido de vilão. Houve mesquinharia política, e outras razões menos nobres, para explicar por que condenaram a CPMF -referida pelo renomado tributarista Vito Tanzi como uma das mais importantes inovações tecnológicas tributárias dos últimos anos- a assumir o papel de bode expiatório. Análises equivocadas foram manipuladas para serem tidas como verdadeiras e hoje poucos têm a coragem de defender esse tributo, apesar de suas reconhecidas qualidades. No entanto, cabe lembrar que a CPMF é repudiada se for um tributo a mais a elevar a carga tributária brasileira. Porém seria aceita pela sociedade se fosse instituída como substituta de outros tributos. Levantamento realizado pela empresa Cepac – Pesquisa & Comunicação revela que 64% das pessoas a aceitariam se ela substituísse, por exemplo, a contribuição ao INSS incidente sobre a folha de pagamento das empresas. Nesse sentido, há em tramitação na Câmara dos Deputados a PEC 242/08, do Partido da República, que propõe a criação de um tributo de 0,5% sobre débitos e créditos bancários, que permitiria a total eliminação da contribuição ao INSS sobre a folha de pagamento das empresas e também uma significativa elevação dos limites de isenção do Imposto de Renda da pessoa física incidente sobre os rendimentos do trabalho. Com base na arrecadação da CPMF em 2007, a aplicação de 0,5% sobre as movimentações bancárias geraria uma arrecadação anual superior a R$ 48 bilhões. Isso permitiria que o governo aplicasse na área da saúde os recursos adicionais previstos na Emenda 29, cerca de R$ 10 bilhões por ano, e daria condições para que fosse ampliado o limite de isenção do IRPF para os assalariados que recebem em torno de R$ 13 mil por mês, que é a grande maioria dos trabalhadores que tem IR devido. A PEC do PR, batizada de Imposto Mínimo, foi discutida com a cúpula do governo (Dilma Rousseff, Guido Mantega e José Múcio Monteiro). Todos demonstraram interesse na proposta e acenaram com a possibilidade de apoio do governo desde que o projeto tivesse origem no Congresso. O plano foi posto em marcha e o texto encontra-se na Comissão de Reforma Tributária como emenda do partido. Em vez de caminhar nessa direção, que com certeza encontraria apoio da sociedade, principalmente dos assalariados e da classe média brasileira, o governo e sua base parlamentar metem-se numa fria ao optar pela simples recriação da CPMF. A ex-ministra Marta Suplicy, em recente entrevista, afirmou que precisa reconquistar a classe média que a abandonou nas últimas eleições municipais e deu a vitória a José Serra. O presidente Lula não deve se esquecer de que foi a classe média que o levou à Presidência e também que ele perdeu disputas todas as vezes em que a afrontou. Hoje, a criação da CSS representa uma agressão à classe média brasileira. O presidente Lula parece não enxergar o que Marta Suplicy já percebeu: não há como continuar com uma política pública que privilegie apenas os interesses da base e do topo da pirâmide econômica, jogando a classe média assalariada aos leões.

 

MARCOS CINTRA, doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA), e professor titular da Fundação Getulio Vargas.


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