Dados da Anef (Associação das Empresas Financeiras das Montadoras) mostram que o saldo de recursos para financiamento de veículos saltou de R$ 42,4 bilhões em 2004 para R$ 120 bilhões no primeiro trimestre de 2008, e a expectativa é que essa trajetória ascendente continue. Com tanto dinheiro financiando veículos, as vendas no mercado interno ultrapassaram 1 milhão de unidades em maio deste ano. Em 2007, essa quantidade foi alcançada em junho. O recorde de automóveis vendidos no ano passado será certamente batido neste ano, devendo se aproximar de 2,5 milhões de unidades. Em apenas oito anos, as vendas de veículos no mercado interno brasileiro dobraram. Saltaram de 1,1 milhão de unidades em 1999 para o recorde de 2,2 milhões em 2007. As indústrias automobilísticas têm investido grandes somas em suas linhas de produção para explorar o promissor mercado nacional. Dados da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) mostram que, enquanto a relação habitante-automóvel é de 1,2 nos Estados Unidos, de 3,1 na Coréia do Sul e de 4,7 no México, no Brasil ela é de 7,9. Ou seja, há um contingente enorme de pessoas no mercado brasileiro contido na estratégia das montadoras de expandir mercados, uma vez que nos países ricos essa meta está restrita. Por conta do potencial de expansão da frota de veículos, do volume de crédito crescente e da estabilidade econômica, as montadoras estão investindo neste ano um montante recorde de recursos no Brasil para aumentar a produção. Estão previstos cerca de US$ 5 bilhões em investimentos em 2008, 130% a mais comparativamente ao valor investido no ano passado. O cenário descrito causa apreensão porque, com mais veículos em circulação, a tendência é que, em muitos centros urbanos, a situação do trânsito se torne crítica em pouco tempo e em cidades como São Paulo, que tem a maior frota nacional e já convive com um trânsito caótico, há a perspectiva de um colapso iminente. Os congestionamentos na capital paulista crescem rapidamente e já ultrapassam, com freqüência, 200 qu Nos últimos anos entraram em circulação na cidade de São Paulo quase 700 veículos, em média, por dia, gerando um rápido aumento na demanda por vias de circulação. Como em curto prazo a oferta de vias é inelástica, e os investimentos em infra-estrutura e em transporte de alta capacidade foram insuficientes para criar alternativas de locomoção de pessoas e de mercadorias, a crise de mobilidade foi inevitável na principal economia do país, e o prejuízo que essa situação causa impressiona. O prejuízo anual causado pela lentidão do trânsito na capital paulista é estimado em mais de R$ 33 bilhões. São cerca de R$ 27 bilhões referentes ao tempo que as pessoas perdem nos congestionamentos e mais de R$ 6,5 bilhões de custos relacionados ao consumo adicional de combustíveis, ao impacto dos poluentes sobre a saúde das pessoas e ao efeito sobre o transporte de cargas. A expectativa é que o custo bilionário dos congestionamentos em São Paulo cresça por conta da projeção de mais carros em circulação. Em breve, a cidade pode parar de vez. A luz amarela está acessa aos gestores públicos e isso exige uma posição mais efetiva dos três níveis de governo e a celebração de parcerias entre os setores público e privado para que o caos instalado não se aprofunde.
MARCOS CINTRA, doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA), e professor titular da Fundação Getulio Vargas.