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Marcos Cintra

Sigilo e imposto “dedo-duro”

Apesar da retórica oficial, o governo considera a CPMF um tributo eficaz, de baixo custo, transparente e, sobretudo, insonegável. Mas não tem coragem de dizer isso, como fez a Receita Federal em 2001, quando afirmou que o tributo é altamente produtivo, tem excelente relação custo-benefício (sua arrecadação ocorre sem praticamente nenhum custo para o governo e para o contribuinte), é o único a alcançar plenamente a economia informal ou ilegal e é moderno (alcança operações que estão se tornando comuns, como o comércio eletrônico). Esse testemunho desmentiu teses pessimistas de que sua cobrança, iniciada em 93 como IPMF, provocaria inflação e desintermediação financeira. Vale lembrar que os males do efeito cascata, sempre apontados pelos críticos, são mais do que compensados pela alíquota baixa e pela impossibilidade de sonegação e evasão, típicas de tributos sobre movimentação financeira, se cotejados com modelos convencionais declaratórios do tipo IVA. A sociedade também já percebeu que a CPMF é um tributo justo, que todos pagam, e que não recai preferencialmente sobre os que não podem se defender da sanha fiscalista do governo, como os assalariados e as empresas formais. Essa constatação ficou clara na manifestação dos leitores da coluna, que declararam preferência pela extinção de outros tributos, e não pela eliminação da CPMF, como pode ser verificado na edição de 30 de abril. Mas não se pode negar que a mobilização contra a prorrogação da CPMF encontra algum respaldo localizado e que pode ter origem mais acentuadamente no que chamei, no passado, de efeito “dedo-duro” (vide artigo “O efeito dedo-duro”, na Folha de 10 de abril de 1994), do que na “cascata” de seu efeito cascata. Quando foi instituída em 1996, a legislação da CPMF proibia, em nome do sigilo bancário, o cruzamento da movimentação financeira com o Imposto de Renda. Dizia o artigo 11 da lei 9.311/96, que “a Secretaria da Receita Federal resguardará (…) o sigilo das informações prestadas, vedada sua utilização para constituição de crédito tributário relativo a outras contribuições e impostos”. Essa proibição foi extinta com a lei 10.174/ 2001, e o leão passou a atemorizar os contribuintes. A partir de então a oposição à CPMF se agigantou. O fato é que um tributo sobre movimentação financeira granjeia simpatia e aceitação se for único -e rejeição e antipatia se for um a mais. A sociedade agradeceria se o governo e a oposição, em vez de discutirem o falso problema da cumulatividade, unissem esforços para apoiar uma ampla reforma tributária. Impostos sobre movimentação financeira deveriam substituir os tributos convencionais, cuja falência, explicitada pela complexidade, sonegação e corrupção do atual sistema,está cada dia mais exposta. No fundo, governo e sociedade já se convenceram de que um imposto cumulativo com alíquota baixa e universal é melhor do que um imposto sobre o valor agregado com alíquota alta, complexo e alvo de forte sonegação. Aperfeiçoar o tributo, desonerando da CPMF os mercados financeiro e de capitais, é o caminho correto, pois preserva as vantagens do tributo sobre movimentação financeira, que, como afirmou Maria da Conceição Tavares em artigo na Folha de 24 de setembro de 1995, é “uma das poucas bases potenciais de arrecadação futura na qual é possível ancorar o aumento da receita pública sem penalizar os setores produtivos e segmentos sociais”.

 

MARCOS CINTRA, doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA), e professor titular da Fundação Getulio Vargas.

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