Em meados dos anos 60, a carga tributária brasileira atingiu a casa dos 20% e foi bater em 30% no final da década de 90. Foram quase 35 anos para que o poder público abocanhasse mais dez pontos percentuais da riqueza produzida no país. Em 2006, a carga tributária poderá absorver 40% do PIB. É espantoso, mas os mesmos dez pontos percentuais que levaram três décadas e meia para serem transferidos ao poder público foram extraídos, desta vez, em menos de dez anos. Não há país no mundo que tenha absorvido tamanha fúria fiscal em tão pouco tempo. A carga tributária de 40% do PIB iguala o Brasil, com sua miserável renda per capita anual na casa dos US$ 3.500, aos países ricos da Europa e o coloca no topo quando comparado com os Estados Unidos, o Canadá e o Japão, apesar de essas economias registrarem renda anual por habitante dez vezes maior. Em relação aos demais países emergentes, o peso dos tributos no Brasil está muito acima da média de países como Argentina, Chile, México, Rússia, China e Índia. O atual modelo tributário brasileiro foi desenhado pela Constituição Federal de 1988, que ensaiou por aqui a instituição do Estado do bem-estar social ao mesmo tempo em que os países ricos começaram a desembarcar dessa malfadada aventura. Essa nova estrutura de gastos pressiona as contas públicas e ajuda a derrubar o PIB brasileiro para os atuais níveis, pífios quando comparados à evolução histórica brasileira. Quatro foram os tributos que mais cresceram em relação ao PIB e contribuíram para acelerar a carga tributária entre 1998 e 2005. São eles: Cofins (1,9% para 4,5%), ICMS (6,7% para 7,9%), IR (4,5% para 5,8%) e as contribuições previdenciárias (5,1% para 6,4%). Esses tributos determinaram a elevação da incidência de impostos sobre os bens e serviços (de 12% para 15,7% do PIB), sobre a renda (de 5,2% para 7,1% do PIB) e sobre a folha de salários (de 6,9% para 8,1% do PIB). Nas últimas eleições, Lula assumiu o compromisso de levar adiante a reforma tributária, mas fez apenas o que interessava a ele e ao governo federal. Quem pagou a conta foram a classe média e os assalariados, que arcaram com mais Imposto de Renda na fonte e mais tributo indireto, e as empresas locais que atuam em mercados competitivos. Repetindo o dramático círculo vicioso das últimas décadas, a reforma tributária irá entrar novamente na agenda econômica e política do país. Movimentos organizados da sociedade civil surgem para mostrar as disfunções da atual estrutura, mas não apresentam propostas que mudem a situação. Por outro lado, entidades têm insistido em projetos que alteram a forma, mas mantêm a essência de um sistema declaratório de arrecadação que estimula a deterioração das bases tradicionais de incidência em razão do estímulo à sonegação e à evasão de tributos, como a criação de um IVA nacional abrangente. Já passou da hora de o país resolver esse impasse. Contudo não dá para imaginar que a carga de impostos possa cair, como seria necessário, de um ano para o outro. A saída seria manter o patamar de arrecadação, porém melhorar os padrões de incidência e de distribuição da carga tributária. Nesse sentido, a saída é utilizar a movimentação financeira para unificar os tributos declaratórios em uma base não-declaratória, insonegável, ampla, universal e de baixo custo. A CPMF representa 1,5% da carga tributária e poderia ter essa participação aumentada gradualmente por meio da absorção de outros tributos, a começar pelas contribuições previdenciárias incidentes sobre a folha de salários. Outros tributos federais, como a Cofins, o IR, a CSLL e o IPI, seriam substituídos da mesma forma até que um imposto federal sobre a movimentação financeira se tornasse a base da arrecadação da União. A nova estrutura reduziria a carga tributária individual por conta do aumento da base de incidência e tornaria remota a sonegação. A queda dos tributos sobre os salários e sobre as margens das empresas estimularia a atividade produtiva. Ademais, a redução do custo para gerenciar a arrecadação e o aumento absoluto da receita por conta do estímulo à produção gerariam recursos adicionais para o governo aplicar em projetos sociais e de infra-estrutura.
MARCOS CINTRA, doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA), e professor titular da Fundação Getulio Vargas.