Nenhuma reforma é tão consensual, quanto à sua necessidade, como a tributária. Há, porém, uma enorme frustração gerada pela incapacidade de levar adiante um projeto viável. Nessa discussão, os diagnósticos são repetitivos e as soluções são geralmente embasadas no que meu saudoso mestre John Kenneth Galbraith chamou de "conventional wisdom": propostas corriqueiras, enlatadas e distantes da realidade fática do Brasil real. Utilizam-se de paradigmas de duvidosa validade prática. Nesse sentido, cabe destacar duas propostas de reforma apresentadas recentemente. Uma pela Fecomercio e outra pela Fiesp. A Fecomercio propõe uma reforma tributária em duas etapas. A primeira unificaria o ICMS, o IPI, o ISS, o PIS/Pasep, a Cofins e o Simples em um imposto sobre o valor agregado (IVA) com alíquota de 12%. A segunda fase uniria o IR (pessoa física e jurídica), a CSLL e as contribuições previdenciárias em um imposto geral sobre a renda com alíquota de 17%. Quanto à proposta da Fiesp, prevê-se a criação de um IVA federal para substituir IPI, ICMS, PIS, Cofins, ISS e outros tributos. Ambos os projetos enfatizam a necessidade de simplificar o sistema e de reduzir a carga tributária. É inquestionável que o sistema é complexo e o peso dos impostos é elevado para o nível de renda brasileiro. Não há como discordar quanto a essa meta. Porém a redução da carga de impostos só pode ocorrer com a concomitante redução dos gastos públicos, e isso é uma ação compreendida no âmbito da reforma do Estado. A magnitude dos gastos está atrelada ao tipo e ao tamanho do poder público que a sociedade deseja. O que deve ser melhorado é o padrão de incidência tributária, e aí, sim, pode-se falar em redução da carga tributária individual, já que a global é uma decisão política de uma sociedade. Outro aspecto fundamental a ser destacado é que as duas propostas dão seqüência a uma sucessão de projetos que evidenciam que o pensamento econômico do país encontra-se estagnado. As idéias são apresentadas tendo como base os preceitos contidos nos livros-texto de finanças públicas, úteis por seu valor heurístico, mas que devem ser relativizados quando se pretende transformá-los de conceitos teóricos em conceitos aplicados. A reforma tributária não deve endeusar os impostos sobre valor agregado. Tornou-se uma obsessão afirmar que a solução das mazelas econômicas seria acabar com os tributos cumulativos. Operacionalmente, o IVA funciona bem em países unitários e onde a ética tributária prevaleça. Mas há poucos exemplos, quase todos malsucedidos, de aplicação de IVAs sob responsabilidade de governos subnacionais em países federativos. Recentemente, a União Européia começou a questionar o IVA. Estima-se que as fraudes com esse tributo cheguem a 60 bilhões, principalmente por meio do que os europeus chamam de "carrossel". A solução apresentada pelo Comissário para Assuntos Fiscais da União Européia, László Kovács, para combater as fraudes seria a cobrança do IVA no país de origem, e não no de consumo. Porém países como Alemanha, Luxemburgo, Malta e Portugal já se colocaram contra a proposta. O IVA está sendo questionado no mundo, mas por aqui continuam acreditando ser a única solução para o nosso caótico sistema tributário. Até mesmo a unanimidade brasileira de buscar um IVA de destino, para acabar com o nosso atual IVA de origem, está sendo questionada quanto à burocracia e à complexidade que geram. Os principais problemas tributários no Brasil são a burocracia e a sonegação fiscal. O ICMS, tributo parcialmente não-cumulativo, é o imposto mais sonegado do país. É tributo declaratório, burocratizado, que não se ajusta a uma economia de dimensões continentais como o Brasil, onde predominam a sonegação e fraudes. O Brasil precisa reciclar sua forma de pensar os tributos e aprender com os erros de economias como a européia, que não sabem o que fazer com o IVA; e aprender com os EUA, que jamais entraram nessa aventura.
Insistir em criar um IVA nacional será, como alertava o saudoso Roberto Campos, uma "tentativa de aperfeiçoar o obsoleto".
MARCOS CINTRA, doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA), e professor titular da Fundação Getulio Vargas.
Publicado na edição de julho da CONJUNTURA ECONÔMICA.
Publicado na Folha de S.Paulo 12/06/2006