Há meses, o Brasil vem se arrastando em meio a uma crise política e moral sem precedentes. A descoberta de um gigantesco esquema de caixa dois, abastecido por recursos originários de contratos movidos por interesses obscuros envolvendo políticos, empresas privadas e estatais, expôs as práticas financeiras criminosas que campeiam no mundo da política. Nesse cenário, o TSE, acuado e exposto ao ridículo, diz que pretende fiscalizar candidatos, comitês eleitorais, doadores e fornecedores de campanhas políticas, de forma a dificultar a prática de caixa dois. Contaria com a colaboração da Secretaria da Receita Federal. Novas regras passariam a valer já nas próximas eleições de outubro. A intenção é fazer o cruzamento das doações e das despesas declaradas dos candidatos com as declarações de renda dos doadores e fornecedores. Essa solução surpreende pela ingenuidade. Até membros do grupo de estudo que elaborou a proposta se mostram incrédulos com sua eficácia. A medida não resolve o problema do caixa dois. Não será aumentando a burocracia que esse crime será contido. Novos relatórios, mais frequentes e mais detalhados, exigidos dos políticos e de seus financiadores serão mais uma mera maquiagem em uma estrutura frágil, doente e mentirosa. Requerer declarações no IR dos doadores, relatórios dos prestadores de serviços sobre notas fiscais emitidas e o envolvimento da Receita Federal na fiscalização são disposições que levam os delinquentes a exercitar sua criatividade para dar continuidade às práticas marginais na prestação de contas dos partidos e candidatos. Por mais que queira evitar o caixa dois dessa forma, o TSE não alcançará sucesso, uma vez que novas formas de burlar as restrições serão arquitetadas pelos políticos perversos. O cerne do problema não está nos cruzamentos dos valores gastos com os valores declarados. Isso sempre vai bater. Mesmo nos maiores escândalos financeiro-contábeis do mundo, débito e crédito sempre são iguais. O que precisa ser investigado são os gastos de campanha efetivados, porém não declarados -ou não-contabilizados. Ou seja, uma campanha política apenas será lícita se todos os gastos forem declarados e se todos forem custeados com doações declaradas. E isso o mero cruzamento de declarações não terá como aferir. A solução do problema do caixa dois é mais simples do que parece. Não envolve mudanças pontuais, burocratizantes, como propõe o TSE. Ela tem que ser sistêmica. E pode ser bastante simples. A alternativa para acabar definitivamente com o caixa dois se resume a exigir dos candidatos a abertura de uma conta bancária conjunta, cujos titulares seriam o candidato e o próprio TSE. Pagamentos de campanha só poderão ser feitos mediante movimentação dessa conta única. Com isso, qualquer movimentação financeira poderia ser acompanhada pelo órgão eleitoral a qualquer momento. Todo pagamento a fornecedor ou prestador de serviço nas campanhas eleitorais será acompanhado de uma "filipeta" comprovando o recebimento dos recursos via conta única e emitida pelo próprio banco em que a conta é movimentada. A fiscalização de campanhas se resumirá, assim, a exigir de qualquer fornecedor ou prestador de serviço a exibição da respectiva "filipeta". Sem ela, o candidato-cliente perderá sumariamente seu registro eleitoral. Exibida a "filipeta", o TSE poderá comprovar sua validade consultando a conta bancária e o número do pagamento que saiu da conta bancária da qual é co-titular. As formas de liquidação dos pagamentos seriam as usualmente utilizadas por qualquer correntista, isto é, por meio de cheque, transferência, TED ou DOC, internet, etc. etc. Nada de novo. Tudo exatamente como ocorre hoje em qualquer conta conjunta. Essa medida, simples, factível e de baixo custo, permite que o candidato administre sua campanha sem maiores problemas e que o TSE acompanhe toda a movimentação financeira correspondente, pela internet, em tempo real. Vale repetir que a única exigência administrativa do TSE seria a de exigir que todas as despesas tenham a comprovação de liquidação pelo sistema de pagamentos do órgão. Caso contrário, o candidato seria automaticamente cassado, e seu sigilo bancário e fiscal, quebrado. Com esse sistema, desaparecem os custosos processos declaratórios. Os próprios candidatos fiscalizariam uns aos outros. Denúncias e indícios de pagamentos de fornecedores sem a respectiva movimentação na conta conjunta de campanha seriam investigadas imediatamente pelo TSE, pela internet. O candidato que quiser praticar caixa dois saberá que o risco de ser cassado será muito alto. Seus adversários estarão de olho em seus gastos. Gasto sem filipeta? Registro de candidatura cassado.
Doutor em Economia pela Universidade Harvard, professor titular de Economia na FGV. Foi deputado federal (1999-2003) e autor do projeto do Imposto único.