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Marcos Cintra - Correio Braziliense

Salário mínimo, sigilo bancário e sonegação

O desejo generalizado de aumentar o rendimento dos assalariados, conjugado com os efeitos da recente Lei de Responsabilidade Fiscal, colocou em evidência uma discussão que não era comum no passado: a necessidade de identificação de fontes de recursos para custear novos gastos orçamentários, como o aumento do salário mínimo para R$ 180. Fala-se em aumentar impostos. No entanto, essa solução seria inviável para uma sociedade que suporta uma das mais altas cargas tributárias do mundo, comparativamente a economias com nível de renda per capita equivalente à brasileira. Aumento de impostos implicará a deterioração das condições de competitividade da produção nacional. Seria mais racional a busca de novas receitas mediante combate às brechas de sonegação. É isso que o governo pretende com o Projeto de Lei no 3.756. O projeto modifica a Lei no 9.311, que criou a CPMF, e que em seu parágrafo 30 do artigo 11 veda o uso das informações sobre a movimentação financeira dos contribuintes "para a constituição do crédito tributário relativo a outras contribuições ou impostos". Hoje, a Receita Federal pode requisitar informações sobre a movimentação bancária de qualquer correntista, mas a informação só pode ser empregada na fiscalização da própria CPMF, não podendo ser utilizada, por exemplo, para fazer cruzamentos com o Imposto de Renda. É essa limitação que se pretende remover, tornando mais eficiente o combate à sonegação. É importante frisar que não se pretende enfraquecer a atuai legislação que protege a privacidade do cidadão brasileiro. Esta continuará a mesma, ainda que existam proposições tramitando no Congresso Nacional que, se aprovadas, poderão comprometer seriamente esse direito fundamental da cidadania. O que se deseja é simplesmente que, da mesma forma que as declarações de todos os demais tributos podem ser cruzadas para combater a sonegação que campeia em nosso país, também se possa fazer o mesmo com os dados da CPMF. Nada mais razoável, portanto. A CPMF comprovadamente é um tributo de enorme eficiência e robustez. Além de simples e de baixíssimo custo operacional, é insonegável. E, de sobra, ainda gera um subproduto de inestimável valor para a luta contra a corrupção, a criminalidade e a sonegação. Trata-se de um imposto que revela, com grande precisão, onde se situam os focos de sonegação tributária, vício social que precisa ser drasticamente coibido e punido em nosso país. Recente estudo elaborado pela Receita Federal revela dados estarrecedores. Bilhões de reais circulam livremente na economia brasileira sem serem alcançados pelo Imposto de Renda. Os dados da tabela abaixo mostram a insólita situação em que isentos, omissos, inativos e empresas cadastradas no Simples movimentam anualmente valor equivalente a cerca de metade do PIB brasileiro. Por exemplo, 254 pessoas físicas e jurídicas movimentaram, em 1999, R$ 164,1 bilhões sem serem alcançadas pelo Imposto de Renda. Da mesma forma, 559.161 pessoas movimentaram R$ 116,9 bilhões, uma média mensal de R$ 17,4 mil, ao mesmo tempo em que "declararam-se" não-contribuintes do Imposto de Renda. As informações da tabela mostram que 512.117 pessoas físicas e jurídicas efetuaram durante 1999 movimentação financeira no montante total de R$ 465 bilhões, que pode ser considerada incompatível com a legislação do Imposto de Renda. Tal movimentação deixa implícita a existência de rendimentos não declarados estimados em R$ 339,2 bilhões. Supondo-se que a legislação seja alterada para permitir cruzamentos individuais entre CPMF e IR, é lícito supor que esses rendimentos seriam alcançados pelo Imposto de Renda. Ainda que com a alíquota mínima de 10%, os ganhos de arrecadação situar-se-iam em valores acima de R$ 30 bilhões, montante suficiente para financiar aumentos muito mais significativos para o salário mínimo do que os R$ 180. Antes de concluir, deixo uma pergunta no ar. Quando em 1990 propus pela primeira vez no Brasil a adoção de um imposto sobre movimentação financeira, o fiz pensando em um imposto único. Não o concebi como um imposto a mais e, portanto, jamais o imaginei como sendo o instrumento de fiscalização em que acabou sendo transformado. Não seria hora de apontar suas notáveis qualidades intrínsecas, em vez de observar prioritariamente suas características acessórias de agente de fiscalização? Não seria mais racional ir ampliando o espaço de impostos como a CPMF no sistema tributário brasileiro, ir eliminando impostos declaratórios ineficientes, burocratizados e sujeitos a todo tipo de fraude, como os que existem atualmente, e assim caminhar na direção de uma estrutura tributária mais justa e mais confiável, como o Imposto Único, que imaginei há quase onze anos? O desejo generalizado de aumentar o rendimento dos assalariados, conjugado com os efeitos da recente Lei de Responsabilidade Fiscal, colocou em evidência uma discussão que não era comum no passado: a necessidade de identificação de fontes de recursos para custear novos gastos orçamentários, como o aumento do salário mínimo para R$ 180. Fala-se em aumentar impostos. No entanto, essa solução seria inviável para uma sociedade que suporta uma das mais altas cargas tributárias do mundo, comparativamente a economias com nível de renda per capita equivalente à brasileira. Aumento de impostos implicará a deterioração das condições de competitividade da produção nacional. Seria mais racional a busca de novas receitas mediante combate às brechas de sonegação. É isso que o governo pretende com o Projeto de Lei no 3.756. O projeto modifica a Lei no 9.311, que criou a CPMF, e que em seu parágrafo 30 do artigo 1 1 veda o uso das informações sobre a movimentação financeira dos contribuintes "para a constituição do crédito tributário relativo a outras contribuições ou impostos". Hoje, a Receita Federal pode requisitar informações sobre a movimentação bancária de qualquer correntista, mas a informação só pode ser empregada na fiscalização da própria CPMF, não podendo ser utilizada, por exemplo, para fazer cruzamentos com o Imposto de Renda. É essa limitação que se pretende remover, tornando mais eficiente o combate à sonegação. É importante frisar que não se pretende enfraquecer a atual legislação que protege a privacidade do cidadão brasileiro. Esta continuará a mesma, ainda que existam proposições tramitando no Congresso Nacional que, se aprovadas, poderão comprometer seriamente esse direito fundamental da cidadania. O que se deseja é simplesmente que, da mesma forma que as declarações de todos os demais tributos podem ser cruzadas para combater a sonegação que campeia em nosso país, também se possa fazer o mesmo com os dados da CPMF. Nada mais razoável, portanto. A CPMF comprovadamente é um tributo de enorme eficiência e robustez. Além de simples e de baixíssimo custo operacional, é insonegável. E, de sobra, ainda gera um subproduto de inestimável valor para a luta contra a corrupção, a criminalidade e a sonegação. Trata-se de um imposto que revela, com grande precisão, onde se situam os focos de sonegação tributária, vício social que precisa ser drasticamente coibido e punido em nosso país. Recente estudo elaborado pela Receita Federal revela dados estarrecedores. Bilhões de reais circulam livremente na economia brasileira sem serem alcançados pelo Imposto de Renda. Os dados da tabela abaixo mostram a insólita situação em que isentos, omissos, inativos e empresas cadastradas no Simples movimentam anualmente valor equivalente a cerca de metade do PIB brasileiro. Por exemplo, 254 pessoas físicas e jurídicas movimentaram, em 1999, R$ 164,1 bilhões sem serem alcançadas pelo Imposto de Renda. Da mesma forma, 559.161 pessoas movimentaram R$ 116,9 bilhões, uma média mensal de R$ 17,4 mil, ao mesmo tempo em que "declararam-se" não-contribuintes do Imposto de Renda. As informações da tabela mostram que 512.117 pessoas físicas e jurídicas efetuaram durante 1999 movimentação financeira no montante total de R$ 465 bilhões, que pode ser considerada incompatível com a legislação do Imposto de Renda. Tal movimentação deixa implícita a existência de rendimentos não declarados estimados em R$ 339,2 bilhões. Supondo-se que a legislação seja alterada para permitir cruzamentos individuais entre CPMF e IR, é lícito supor que esses rendimentos seriam alcançados pelo Imposto de Renda. Ainda que com a alíquota mínima de 10%, os ganhos de arrecadação situar-se-iam em valores acima de R$ 30 bilhões, montante suficiente para financiar aumentos muito mais significativos para o salário mínimo do que os R$ 180. Antes de concluir, deixo uma pergunta no ar. Quando em 1990 propus pela primeira vez no Brasil a adoção de um imposto sobre movimentação financeira, o fiz pensando em um imposto único. Não o concebi como um imposto a mais e, portanto, jamais o imaginei como sendo o instrumento de fiscalização em que acabou sendo transformado. Não seria hora de apontar suas notáveis qualidades intrínsecas, em vez de observar prioritariamente suas características acessórias de agente de fiscalização? Não seria mais racional ir ampliando o espaço de impostos como a CPMF no sistema tributário brasileiro, ir eliminando impostos declaratórios ineficientes, burocratizados e sujeitos a todo tipo de fraude, como os que existem atualmente, e assim caminhar na direção de uma estrutura tributária mais justa e mais confiável, como o Imposto Único, que imaginei há quase onze anos.

 

Artigo no Jornal Correio Braziliense: Download PDF

Artigo no Jornal Folha de S.Paulo: Download PDF




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