top of page
Marcos Cintra

O que esperar do planejamento urbano


Jornal da Tarde

A prefeitura perfurou um tumor ao tomar a decisão de punir as irregularidades no uso e ocupação do solo na cidade de São Paulo. A prosseguir com o mesmo rigor nas blitzes, ficará evidente em breve o que muitos já suspeitavam: o zoneamento é uma ficção, e grande parte das atividades urbanas na capital ocorrem em desconformidade com a atual lei de zoneamento.

Nestas condições, o que esperar do planejamento urbano em São Paulo. Há condições, hoje, de se fazer com que a cidade real se encontre com a cidade ideal? É possível reverter as crescentes discrepâncias entre a cidade legal e a cidade que foi construída ao longo do tempo? Há espaço para o planejamento urbano em São Paulo?

São enormes as dificuldades para planejar uma cidade que pré-existe ao planejador, que já desenvolveu características próprias. Na melhor das hipóteses, o que se consegue é congelar o status quo através de restrições urbanísticas para evitar que a cidade tome rumos indesejáveis.

Foi o que fizeram os planejadores que elaboraram as atuais regras de zoneamento da capital. Através de pesquisas sobre o uso e ocupação do solo, identificaram áreas homogêneas que originaram às atuais restrições de zoneamento. Mas o grande erro foi imaginar que a mera formulação de códigos urbanos seria capaz de alterar padrões de comportamento firmemente incrustados na cultura da cidade. Na região de proteção aos mananciais, por exemplo, não se conseguiu reverter a ocupação irregular, que continuou se expandindo aceleradamente, apesar das rígidas normas de ocupação daquela região.

O planejamento em uma cidade madura como S.Paulo não pode ser voluntarista. Isto ocorrendo, surgirão tensões insuportáveis, onde não se encontrarão culpados. Se o fiscal cumpre sua obrigação ao fazer valer a lei, o cidadão possui a seu favor a negligência, e até mesmo o beneplácito do poder público que, no passado, mostrou-se sempre complacente, ou conivente, com as irregularidades que hoje tentam coibir.

O presidente Fernando Henrique foi feliz, em seu discurso de abertura do seminário "As perspectivas para os centros das metrópoles" no dia 30 de outubro em São Paulo ao afirmar que nas cidades brasileiras "o rei é fraco". Em nossa evolução urbanística, não se viu "aquela vontade férrea abstrata da cidade espanhola que obrigava um certo desenho urbano. As nossas cidades nasceram preguiçosamente, se espraiando onde fosse. E uma cidade mais desordenada, tem menos vontade imperial... é uma cidade mais permissiva”.

Assim, o planejador urbano não pode partir de uma tabula rasa. O urbanismo em cidades como São Paulo deve ser um meio de solucionar problemas e superar impasses, mais do que um instrumento para arquitetar novos espaços. Precisa atrair mais economistas, cientistas políticos, sociólogos, e tecnólogos para complementar os esforços dos arquitetos Retornando ao caso da região dos mananciais, uma visão voluntarista de planejamento se recusaria a aceitar qualquer ocupação irregular, por mais consolidada que seja. Urbanistas com esta visão já chegaram a propor a remoção de cerca de um milhão de habitantes da região.

A visão de planejamento como "problem solving" assimilaria a ocupação - dada a impossibilidade de remoção daquelas populações- e sugeriria soluções técnicas capazes de compatibilizar a presente ocupação, com métodos disponíveis de saneamento ambiental.

A primeira visão conduz ao esclarecimento daquela parte da cidade, ao passo que a segunda a recupera, ainda que deixe algumas cicatrizes e sequelas.

Outro caso instrutivo se refere à demarcação de zonas estritamente residenciais.

A visão voluntarista impõe rígidas limitações de uso, como definidas pela atual lei de zoneamento, ao passo que o planejamento resolutivo buscaria incorporar a tendência moderna de uso e ocupação do solo urbano, na qual a distinção entre local de moradia e local de trabalho toma-se cada vez mais tênue e indefinida. A era da informática e da globalização da informação aproximou os dois espaços de forma irreversível, fazendo cidades terciárias como S.Paulo se distanciarem dos paradigmas clássicos das cidades industriais de antigamente.

O urbanismo baseado na visão impositiva e voluntarista é estático e muitas vezes contraditório. Buscando preservar espaços rigidamente diferenciados, acaba gerando fluxos de tráfego intensos entre regiões de moradia e de trabalho. E nestes casos, descaracteriza as zonas residenciais muito mais intensamente do que o funcionamento, naquelas mesmas ruas, de atividades prestadoras de serviços.

Não há como moldar cidades seculares como São Paulo a modelos conceituais abstratos, e impor padrões de comportamento que não se harmonizam com a cultura da cidade e de seus cidadãos. Antes de impor, o planejamento deve induzir a população a se comportar de forma compatível com o desejado. Cidades como São Paulo necessitam de normas disciplinadoras para evitar o crescimento desordenado. Mas a prioridade deve ser o uso do planejamento como método para solucionar problemas emergentes.

Topo
bottom of page