Francisco Graziano no comando da política fundiária no Brasil é algo alvissareiro. Ex-secretário particular do presidente, sua nomeação para titular do Incra mostrou a prioridade da matéria na agenda pessoal de Fernando Henrique Cardoso e sua importância política daqui para a frente.
O presidente do Incra é um especialista no tema. Tem uma concepção moderna do papel da estrutura fundiária em economias contemporâneas. Sua tese de doutorado apresentada na Fundação Getúlio Vargas, da qual tive a oportunidade de participar da banca de exame, deixou claro que não há mais espaço para uma visão ultrapassada da reforma agrária, como a que prevaleceu nos anos 50.
Naquele tempo, partia-se de três pressupostos básicos na luta pela reforma fundiária. Em primeiro lugar, a concepção de dar à terra uma conotação diferente dos demais fatores de produção. Afirmava-se que a terra era um "bem não produzido pelo homem", mas pela natureza. Portanto, um patrimônio comum da humanidade, cuja apropriação privada feria os princípios naturais e recomendava uma distribuição equitativa entre os membros da sociedade.
É óbvio que essa afirmação não encontra respaldo nas economias modernas. A terra em seu estado natural não atinge índices de produtividade e competitividade compatíveis com as atuais técnicas de produção. Logo, a tese de que a terra é um fator de produção que pode ser utilizado sem beneficiamento algum não é realista. Como fator de produção produzido pelo homem, equipara-se ao capital e é passível de apropriação privada em economias capitalistas como a nossa.
A segunda concepção básica que sustentava os movimentos de reforma agrária se prendia a hipóteses da baixa produtividade das grandes propriedades rurais em relação às familiares. Essa afirmação também não condiz com a realidade da agricultura moderna. A tendência em todos os países mais avançados é de aumento do tamanho das propriedades rurais. A indivisibilidade de alguns dos chamados "insumos modernos" e a necessidade de grandes investimentos em equipamentos, corretivos, fertilizantes, transporte e armazenamento fizeram da agricultura uma atividade altamente intensiva em capital.
Vários estudos mostraram, conclusivamente, que os principais produtos agrícolas são produzidos de forma eficiente pelas propriedades de porte médio e grande. Por exemplo, dados do censo agropecuário de 1980, do IBGE, mostram que aqui, no Brasil, as propriedades com área de até mil hectares são responsáveis pela maior parte da oferta total tanto de alimentos e produtos para o mercado interno como para exportação, com índices de produtividade quase sempre superiores aos das pequenas propriedades.
A terceira concepção prende-se à visão medieval de uma sociedade com população predominantemente agrária e dispersa. Acreditavam os defensores da reforma agrária romântica que a divisão das propriedades rurais em glebas familiares evitaria o fluxo migratório para as cidades, "fixando o homem no campo".
Trata-se de grande falácia. A alteração nos padrões populacionais em todo o mundo fez da urbanização uma tendência que pouco tem que ver com o padrão fundiário ou com a qualidade de vida no campo. Mesmo em sociedades avançadas e caracterizadas por estruturas rurais familiares, como o Midwest americano, a população rural encolheu. Nos EUA e na Europa, a população urbana supera 95%, ao mesmo tempo em que menos de 2% da população engajada nas atividades agrícolas suporta níveis de produção compatíveis com a formação de grandes excedentes. É ilusão pensar que o parcelamento das propriedades rurais reverterá o fluxo populacional para as cidades.
Mais importante, no momento, seria avaliar as possibilidades de um rearranjo populacional dentro dos núcleos urbanos, desinchando as grandes metrópoles do mundo subdesenvolvido e favorecendo a fixação populacional em cidades de pequeno e médio porte. Mas isso pouco tem que ver com a reforma agrária.
Nada disso, contudo, quer dizer que não se deve agir contra a retenção especulativa da terra ou contra o uso improdutivo da propriedade rural, grande ou pequena. Ao contrário, o moderno liberalismo defende uma distribuição mais equitativa da riqueza e dos fatores de produção, incluindo a terra. O instrumento, contudo, não pode ser sua mera distribuição. Deve ser o instrumento fiscal, usado conjuntamente com uma política agrícola que favoreça linhas de crédito de longo prazo para a aquisição de terra, insumos e equipamentos.
A experiência com projetos de reforma agrária apenas redistributiva mostrou-se fracassada. O aprimoramento de projetos privados ou públicos de colonização, apoiados no cooperativismo rural, seria o caminho adequado para democratizar o acesso à terra para aqueles que desejam produzir com eficiência e competitividade.
A politização e o radicalismo que ameaçam tomar conta do debate sobre a "reforma agrária" no Brasil encerram séria ameaça institucional. O governo precisa contra-atacar rapidamente, aperfeiçoando o Imposto Territorial Rural e tributando de forma consistente a terra improdutiva. É a forma mais inteligente de desestimular a especulação e reduzir o preço da terra.
A criação de programas de financiamento de aquisição de glebas para agricultores com vocação para a agricultura poderá ser mais eficaz para garantir o acesso à terra do que a mobilização política que surge entre nós, que tenta, surpreendentemente, mobilizar para esse enganoso projeto as massas urbanas marginalizadas do processo produtivo.