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Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Sob o signo da inconstância

Um dos objetivos primordiais da política econômica deve ser a redução do "custo Brasil, ou seja, eliminar algumas peculiaridades da economia brasileira que resultam em custos de produção mais altos, prejudicam a competitividade dos produtos brasileiros no exterior e reduzem o poder aquisitivo do consumidor interno.

Exemplos do "custo Brasil na área de impostos são as obrigações acessórias tributárias, que forçam as empresas a manterem batalhões de contabilistas, escriturários, advogados e planejadores, para atenderem às exigências do governo no recolhimento de impostos e contribuições. Outro é a complexidade e ineficácia na desoneração tributária das exportações, que nos obriga a exportar tributos.

Mas o "custo Brasil" não se restringe à área tributária.

A burocracia também exige dispêndios pesados do setor produtivo. Necessidade de declarações, registros, autorizações e relatórios refletem uma legislação prolixa em atividades regulamentadas pelo setor público.

Outros exemplos são menos visíveis, ainda que igualmente prejudiciais aos produtores nacionais.

As constantes mudanças na legislação e na política econômica criam um ambiente desfavorável aos investimentos, principalmente os financiados com capitais externos. A inflação alta desestimulou o ingresso de capital estrangeiro, principalmente ao longo das últimas duas décadas, quando ela se tornou crônica.

Além disso, as mudanças frequentes na condução da política econômica contribuíram para tornar o Brasil uma economia com condições inadequadas para investimentos de longo prazo por parte de interesses estrangeiros, que logo perceberam ser impossível orientar suas aplicações segundo processos modernos de planejamento estratégico.

Nesse sentido, o governo tem contribuído para a elevação do "custo Brasil. As frequentes mudanças na economia, potencializadas pela tolerância em relação ao elevado grau de intervencionismo público, fizeram do Brasil um país sem regras estáveis, onde os benefícios e garantias da estabilidade institucional foram substituídos pelas improvisações circunstanciais, regidas pelos humores dos governantes de plantão. Sem falar nos custos implícitos da taxa de corrupção que tal ambiente institucional procria com incrível fecundidade.

São muitos os exemplos e as consequências da volatilidade de regras e de políticas. O campo tributário tem sido um alvo particularmente atraente para a fúria legiferante da burocracia pública. A cada final de ano surgem novas regras na arrecadação de impostos, tendo sempre como meta aumentar a arrecadação.

Cumpre lembrar que, no final do ano passado, o Congresso aprovou a lei 8.981, que passou a vigir a partir de 20 de janeiro de 1995. Foram alterações importantes, principalmente no Imposto de Renda das pessoas físicas e jurídicas. Dentre elas, houve aumento de alíquotas e adicionais do IR, que passaram a ser de 25% até 43%.

Cerca de sete meses depois, o governo anuncia novas regras, dentre elas a redução das alíquotas e adicionais do IR, que passariam a variar de 15% a 30%. A pergunta que fica é: até quando? Resposta: menos de uma semana, pois na última sexta-feira já se anunciou que a alíquota máxima do IR seria de 25%, e não mais de 30%.

Por outro lado, a cada pacote tributário anual o contribuinte brasileiro sofre o impacto de alterações que seriam totalmente inaceitáveis em sociedades mais conscientes de seus direitos.

No final do ano passado, o governo proibiu a compensação dos prejuízos apurados em exercícios anteriores. Essa abrupta mudança nas regras do jogo desconsiderou os impactos dessa medida na recuperação financeira das empresas.

Igualmente absurda é a intenção manifestada presentemente pelo governo de aumentar a arrecadação do Imposto de Renda pessoa jurídica de 1,5% do PIB para 2% do PIB. Trata-se de um aumento de impostos de 33%, o que, em qualquer país que respeita seus cidadãos, jamais seria adotado sem amplo debate com os contribuintes.

O clima de balbúrdia tributária desestimula os investidores externos. Aturdidos, os capitais externos não sabem se devem se considerar bem-vindos no Brasil -como anteriormente lhes havia sido sinalizado para financiar os déficits comerciais que se acumulavam rapidamente em função de políticas cambiais equivocadas- ou se a nova tributação de 15% nas aplicações em Bolsas lhes aponta o caminho da porta de saída. Por sinal, também aqui houve alteração no projeto, na mesma semana em que foi anunciado pelas autoridades econômicas.

O mesmo vai-e-vem pode ser observado em quase toda a política econômica do governo. As regras dos compulsórios bancários mudaram pelo menos seis vezes desde o início do Plano Real. O resultado é que os juros oscilam e desorientam os poupadores e investidores.

Os juros de crédito pessoal, por exemplo, oscilaram de menos de 3% reais em julho de 1993 para 5% em julho de 1994, chegaram a 8,5% em dezembro do mesmo ano e caíram, seis meses depois, para 7,5%. No período de dois anos, quase triplicaram!

O volume médio negociado na Bolsa de Valores de São Paulo duplicou no segundo semestre de 1994, relativamente ao ano anterior, para cair mais de 30% no primeiro semestre de 1995.

A política cambial passa com grande sem-cerimônia de um regime de valorização consentida para as faixas de desvalorizações programadas, como ocorreu nos primeiros meses de 1995.

A disposição de abrir a economia passa celeremente da euforia importadora à xenofobia protecionista, como ocorrido, entre outros, no setor automobilístico.

A produção doméstica flutua com violência, e a produção, que em agosto de 1994 chegou a 150 mil veículos, cai para 97 mil em janeiro, 167 mil em junho e apenas 119 mil em julho de 1995.

Tudo é volátil. As contas externas mudam de sinal abruptamente; as horas trabalhadas na indústria paulista passam de um índice de 79 no início do Plano Real para 86 em março passado, e caem em seguida para 81 em julho.

 

Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, doutor em Economia pela Universidade de Harvard (EUA).

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